domingo, 1 de dezembro de 2013

Exposição sexual na rede se alastra e causa vítimas

folha de são paulo
Casos de 'revenge porn' acabam em linchamento moral de mulheres no país
Polícia investiga vazamento de imagens de duas adolescentes brasileiras, de 16 e 17 anos, que se suicidaram
CIDA ALVESDE SÃO PAULOO "revenge porn" --vingança pornô, em inglês--, prática até então conhecida dos brasileiros por notícias de países como Estados Unidos, chegou de vez ao Brasil.
E já pode ter feito vítimas.
Vídeos e fotos sensuais gravados na intimidade do casal são compartilhados na internet para causar humilhação pública a uma das partes. Assim, as vítimas são expostas ao linchamento moral dentro e fora das redes, e os agressores ficam preservados pelo anonimato virtual.
Pesquisa ainda inédita da ONG Safernet, realizada com quase 3.000 pessoas de 9 a 23 anos, mostra que 20% já receberam textos ou imagens eróticas de amigos e conhecidos e 6% já repassaram esse tipo de conteúdo --a maioria o fez mais de cinco vezes.
Uma vez que ocorre o vazamento desse conteúdo, é quase impossível parar sua propagação, diz o presidente da Safernet Brasil, Thiago Tavares.
"Quando cai na rede é impossível controlar. Há sites que são especializados em divulgar esse tipo de conteúdo. Em minutos, milhares de pessoas têm acesso, salvam e compartilham", explica.
O "revenge porn" é um desdobramento de uma prática muito comum entre adolescentes e que também tem origem nos Estados Unidos --o "sexting". A troca de conteúdo erótico por celular ou na internet tem como principais vítimas mulheres jovens.
VÍTIMAS
A polícia ainda investiga quem vazou as imagens de duas meninas que se suicidaram recentemente após serem expostas na internet.
Giana Fabi, 16, de Veranópolis (RS), teve uma foto sua seminua, tirada por um amigo, compartilhada nas redes sociais. Júlia dos Santos,17, de Parnaíba (PI), apareceu em um vídeo de sexo com outro casal que foi compartilhado pelo aplicativo Whatsapp.
Não demorou para o conteúdo estar em sites especializados em divulgar vídeos íntimos que caíram na rede.
Um deles, brasileiro, anunciava o vídeo de Júlia no Twitter até o dia 14 de novembro. Após as notícias do suicídio da garota, foi retirado.
Mas já era tarde. A gravação ainda é encontrada na maior plataforma de vídeos eróticos caseiros do mundo, que figura entre os 20 sites mais acessados do país. Assim, o "revenge porn" acaba contribuindo para outro crime: a pornografia infantil.
Na 4ª Delegacia de Repressão à Pedofilia de São Paulo, um em cada sete casos investigados envolvem a divulgação de fotos e vídeos de adolescentes nas redes sociais.
    Júlia, 17, e Giana, 16, tiveram imagens íntimas divulgadas
    As adolescentes, do Piauí e do Rio Grande do Sul, foram encontradas enforcadas dentro de suas casas neste mês
    Outra vítima, de Goiânia, conta que parou de trabalhar e estudar enquanto tenta tirar o vídeo da rede
    JULIANA COISSIDE SÃO PAULOJúlia, 17, era fã de rap e da cantora Miley Cyrus, frequentava o colégio e um curso técnico de enfermagem. Giana, 16, gostava de salto alto e cursava o ensino médio e um curso de secretariado.
    Júlia Rebeca dos Santos, de Parnaíba (PI), e Giana Laura Fabi, de Veranópolis (RS), tinham algo em comum: viviam conectadas à internet.
    Elas tiveram a intimidade devassada com a divulgação de fotos e vídeos íntimos. E, com uma diferença de quatro dias, foram achadas enforcadas em casa; Júlia, no dia 10, e Giana, no dia 14. As suspeitas são de suicídio.
    A polícia e familiares questionam: por que alguém espalhou essas imagens?
    O delegado Marcelo Ferrugem disse que um adolescente foi interrogado e admitiu o envio a quatro amigos de uma foto de Giana com os seios à mostra. A imagem foi gravada por ele em uma conversa com a garota pelo programa Skype, há seis meses.
    À polícia, ele nega ter vivido um relacionamento amoroso com Giana.
    No caso de Júlia, a Polícia Civil do Piauí analisa quem espalhou um vídeo no qual ela aparece mantendo relações sexuais com uma garota e um jovem, todos menores de idade.
    Segundo o delegado James Guerra Júnior, as imagens, a princípio, dão a entender que a própria Júlia filmou a cena.
    Os celulares dos três passam por perícia para checar se foi a partir de um deles que o vídeo foi compartilhado.
    CHOQUE
    Para as famílias, os últimos dias foram de assédio da mídia, comentários póstumos bons e ruins na internet, mas principalmente de choque.
    "Por que acabar assim com a própria vida? Por uma coisa tão pequena?", repete várias vezes à Folha o pai de Giana, o motorista Marcos Gilmar Fabi, 48. Ele não poupa elogios à filha caçula: uma menina simpática, "que não fazia distinção de ninguém".
    Daniel Aranha, 28, primo de Júlia, a descreve como uma menina "cercada do amor da família, que gostava de cantar alto músicas no meu carro".
    Mais velha de três filhos, a garota de Parnaíba costumava ir com a tia a uma igreja evangélica aos domingos.
    A família tenta se refazer do impacto da morte. "Ainda não caiu a ficha, sabe? Parece que daqui a pouco vamos buscá-la na escola ou ela vai chegar", afirma o primo.
    Ana Luiza Mano, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática, explica que as vítimas se deixam filmar por acharem que estão num contexto de confiança e que aquele momento ficará só entre os envolvidos.
    Quando a confiança é quebrada, têm de enfrentar a pressão social.
    Foi o caso da estudante Fran Santos, 19, de Goiânia, que tenta reconstruir sua vida desde que foi exposta na internet, em outubro.
    "Parei de trabalhar e estudar. Na rua as pessoas ficam olhando e comentando. Já até tentaram tirar foto minha no ônibus", conta Fran, que teve um vídeo de sexo divulgado na internet por um rapaz com quem se relacionou.
    A jovem tenta retirar o conteúdo da rede --sem muita esperança de que vá conseguir. "Infelizmente está cada dia mais comum. Não fui a primeira e não serei a última".

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário