terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Mirian Goldenberg

folha de são paulo

Homens bobos e mulheres chatas?

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O sociólogo francês Claude Fischler afirmou que, de acordo com suas pesquisas em diferentes países, as pessoas gostam e não gostam das mesmas coisas. Em geral, as pessoas não gostam de trabalhar. Mas gostam, e muito, de fazer sexo, de comer e de brincar.
Portanto, em função desses gostos, o pior momento do dia é aquele em que acordam cedo e têm que ir para o trabalho. E os momentos mais prazerosos e felizes são quando estão fazendo amor, comendo ou brincando.
Nas minhas pesquisas, chama muita atenção a diferença entre os gêneros com relação ao humor e à brincadeira.
Os homens dizem que brincam mais do que as mulheres. Além disso, enquanto eles dizem que já se divertem o suficiente, mais da metade das mulheres confessou que gostaria de rir e de brincar muito mais.
Mais interessante ainda foi o olhar de cada gênero sobre o humor e as risadas. Os homens não apontaram nenhum defeito em quem ri muito. Já as mulheres foram categóricas: quem dá muitas risadas pode ser visto como bobo, superficial, infantil, idiota, inconveniente e inoportuno.
Para muitas mulheres, aqueles que nunca riem ou riem de forma controlada demonstram seriedade, comprometimento, concentração, sobriedade e impõem respeito.
E por que, afinal, as mulheres são tão sérias e quase não brincam?
A explicação dada pelas próprias mulheres é que brincar muito pode ser malvisto pela sociedade. Pode pegar mal profissionalmente. Elas temem parecer vulgares, superficiais e irresponsáveis.
Como disse um jornalista de 32 anos: "Os homens gostam de dar risada, tomando cerveja e falando bobagens com os amigos. As mulheres adoram uma DR: discutir a relação. Já os homens preferem outro tipo de DR: dar risada".
Escrevi um artigo científico sobre a importância da brincadeira e do humor na cultura brasileira com o meu querido amigo Bernardo Jablonski, psicólogo social que faleceu em 2011.
Ele lembrou uma frase do humorista Claudio Torres Gonzaga que reflete os resultados das minhas pesquisas: "As diferenças entre homens e mulheres podem ser resumidas numa única frase: os homens são bobos e as mulheres são chatas. O resto é decorrência". Será?
mirian goldenberg
Mirian Goldenberg é antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de "Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade" (Ed. Record). Escreve às terças, a cada 15 dias na versão impressa de "Equilíbrio".

Vladimir Safatle

folha de são paulo

O mais caro do mundo

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Ao que parece, chegou a hora de saudar o Brasil como o novo país "do mais caro do mundo". Foram necessárias décadas para alcançar tamanha conquista e, ao que parece, desta vez ela veio para ficar. Afinal, anos de trabalho árduo permitiram aos brasileiros ter o prazer de pagar o dobro no mesmo carro que outros mortais compram sem tanto sacrifício.
Atualmente, ser brasileiro é ter a satisfação de levar para casa o console Xbox mais caro do mundo. É poder humilhar os estrangeiros ao dizer o preço que pagamos em passagens aéreas, escolas, aluguéis e imóveis arrebentados em lugares com fios elétricos na frente da janela.
Para chegar a este estágio, foi necessário não apenas um conjunto substantivo de equívocos econômicos. Foi preciso muita cegueira ideológica para engolir a ladainha de que nosso troféu de "o mais caro do mundo" foi conquistado exclusivamente através dos impostos mais elevados e dos altos custos trabalhistas.
Não, meus amigos. Só em um mundo (como esse em que alguns liberais vivem) sem países como França, Alemanha ou Suécia o Brasil teria os impostos mais altos. Se nos compararmos aos EUA, veremos que a contribuição fiscal per capita de um brasileiro (US$ 4.000) é bem menor do que a de um norte-americano (US$ 13.550).
Na verdade, depois que se inventa o inimigo, é mais fácil esconder o verdadeiro responsável. Nosso troféu de "o mais caro do mundo" deve ser dedicado a esses batalhadores silenciosos do desastre econômico, a esses companheiros de todos os governos brasileiros: o oligopólio e a desigualdade.
A desigualdade econômica, esta todo mundo conhece. Ela fingiu por um momento que estava se deixando controlar, mas deu não mais que uma unha para permanecer com todos os gordos dedos. Sempre se combateu desigualdade com revolução fiscal que taxasse os ricos, punisse radicalmente a evasão fiscal e limitasse os grandes salários. Mas, no país "do mais caro do mundo", o tema é tabu. Assim, uma classe de milionários pode empurrar alegremente os preços para cima porque não tem problema algum em pagar pelo mesmo o seu dobro, desde que as lojas ofereçam manobrista VIP e água com gás na saída do estacionamento.
Já a nova onda de oligopólios é uma das grandes contribuições da engenharia econômica do lulismo: os únicos governos de esquerda da galáxia que contribuíram massivamente para a cartelização de todos os setores-chaves da economia. Com uma política de auxiliar a formação de oligopólios via empréstimos do BNDES, o governo conseguiu fazer uma economia para poucos empresários amigos. Nela, não há concorrência. Assim, os preços descobriram que, no Brasil, o céu é o limite.
vladimir safatle
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças na Página A2 da versão impressa.

José Simão

folha de são paulo
Ueba! Papuda Padrão Fifa!
E sabe qual o novo apelido dos tucanos? Tucanóquio! Tucano, quando fala, o bico cresce! Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta: "Vencedora da Miss Transexual Latinoamérica é argentina da cidade de PIRPINTOS", rarará!
E atenção! Manifestantes petistas vão a Brasília para uma nova exigência, petistas gritam: "PAPUDA PADRÃO FIFA! Queremos Papuda Padrão Fifa!" Rarará!
E a manchete do "Piauí Herald": "Inspirado por Dirceu, Delúbio será revendedor da Avon". O Delúbio vai revender Avon na Papuda! Ops, na Barbuda! Vai vender hidratante de barba!
Já imaginou ele tocando a campainha das celas: "Tin tón! Avon chama". Rarará!
E mais: diz que o Luiz Carlos Barreto vai fazer um filme no lobby do hotel do Dirceu: "Deu a Louca na Camareira". Com Zé de Abreu, Paulo Betti e Angelina Jolie! A Angelina é mensaleira! Rarará!
E o helipóptero? O helipóptero da família do senador Zezé Perrella? Esparrella! Sabe como é o barulho do helipóptero do senador Espórrella? "Pó Pó Pó Pó!"
E diz que o MP de Minas vai processar o helipóptero por carregar meia tonelada de cocaína sozinho. Proprietários e pilotos foram enganados! É um transformer! Um fusca do Itamar que virou helipóptero, que vai virar abóbora! O helipóptero vai virar abóbora!
E a charge do Aroeira com o piloto do helipóptero falando mineirês: "Pó pousar? Pó pousar?". "Pó pousar o pó, pô!". Rarará!
E condenação mesmo é ficar solto, com um salário mínimo por mês, tomando metrô na praça da Sé às seis da tarde e, quando chega em casa, encontra a sogra de chinelo e calcanhar rachado! Isso é que é uma Papuda Padrão Fifa!
E sabe qual o novo apelido dos tucanos? Tucanóquio! Tucano, quando fala, o bico cresce! Rarará!
E a popularidade do Haddad? O Haddad foi aumentar o IPTU e a casa caiu! Rarará!
É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é Lúdico! Olha esse cartaz num poste aqui em São Paulo: "Evite solidão! Consertamos o seu PlayStation".
E essa placa em Pindaçu, na Bahia: "Caldo de cana! A 200 metros atrás!". Rarará. E esse restaurante em Sorocaba: "Aqui Se Come". Ué, e se fosse uma sorveteria seria: "Aqui Se Chupa?" Rarará!
Hoje, só amanhã!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

    Helio Schwartsman

    folha de são paulo
    O que esperar do futuro?
    SÃO PAULO - À primeira vista, o povo enlouqueceu. Segundo o Datafolha, 59% dos brasileiros acham que a inflação vai aumentar e 43% apostam na alta do desemprego. Não obstante, 56% creem que sua situação econômica pessoal vai melhorar. Como conciliar essas asserções aparentemente contraditórias?
    Meu palpite é o de que a explicação está não na economia, mas na psicologia, mais especificamente nas tinturas com as quais encaramos o futuro. Apesar da exuberância de temperamentos humanos, há entre nós uma tendência para o otimismo local e o pessimismo global.
    No plano pessoal, nutrimos a mais generosa das predisposições. É o que os psicólogos chamam de viés da superioridade ilusória ou efeito lago Wobegon, "um lugar onde todas as mulheres são fortes, todos os homens, bonitos, e todas as crianças estão acima da média".
    Temos uma confiança pouco razoável em nós mesmos e nossas capacidades. Isso se traduz em paradoxos estatísticos como o fato de 87% dos alunos de MBA de Stanford julgarem sua performance acadêmica acima da mediana da escola ou 93% dos americanos acreditarem que são motoristas mais hábeis que a média. Num estudo, pacientes de câncer se revelaram mais otimistas com seu futuro do que os controles saudáveis.
    Nas atividades em que nossa performance afeta o resultado, é útil nutrir autoconfiança. Se eu imaginar que consigo realizar uma tarefa, tenho mais chance de sucesso do que se achar que fracassarei logo de cara.
    Na esfera global, isto é, em relação a coisas sobre as quais não temos nenhum controle, a lógica se inverte. Aqui, leva vantagem quem se prepara para o pior, ou seja, o pessimista. Se seu catastrofismo não se confirma, ele fez papel de bobo, mas, se a cautela extra era motivada, ela pode ter-lhe garantido a descendência.
    Alguns séculos de civilização e aulas de matemática não bastaram para mudar essa visão de mundo.

    As perversões de Lulu e Bolinha - Claudia Collucci

    folha de são paulo

    As perversões de Lulu e Bolinha

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    Enquanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) planeja retirar as perversões sexuais (como do sadomasoquismo e o travestismo fetichista ) do rol de transtornos mentais, outro tipo de perversidade ganha terreno no campo da sexualidade.
    Refiro-me a essa absurda exposição da intimidade de mulheres e homens na internet seja por meio dos aplicativos Lulu e Tubby (nome inglês do personagem Bolinha) seja pela divulgação de vídeos íntimos, já relacionados a dois casos de suicídios de adolescentes.
    Lulu, para os poucos que ainda não sabem, é um app em que mulheres avaliam anonimamente o desempenho sexual de homens. Já o Tubby, a revanche masculina, chega aos smartphones amanhã com o slogan "sua vez de descobrir se ela é boa de cama". Lixo, é o que eu acho de ambos.
    Na psicologia, o fenômeno já tem nome: pornografia de vingança, uma reedição da violência de gênero. O assunto é muito sério e deveria estar sendo amplamente discutido em casa, nas escolas e nas diversas mídias.
    Como bem lembrou recentemente a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos em sexualidade da USP, desde que o mundo é mundo, a rejeição leva a atos de vingança. Mas, com a tecnologia digital, a internet e as redes sociais, a vingança pode tomar proporções gigantescas. E se tornar devastadora, como vimos nesses dois casos das meninas que se mataram.
    Ainda que os mais jovens vivam hoje a sexualidade de forma mais livre, muitos, especialmente os adolescentes, ainda estão aprendendo a se relacionar. Muitas vezes se expõem a brincadeiras que podem acabar mal. Depois, não sabem lidar com sentimentos gerados por essa exposição pública da sexualidade. A menina se sente humilhada, como se isso comprometesse sua vida inteira.
    Algumas iniciativas já começam a surgir com o intuito de barrar isso. No Congresso, tramita um projeto de lei criado pelo deputado federal Romário (PSB-RJ) que prevê penas de um a três anos contra o responsável pela divulgação de vídeos ou fotos íntimas.
    O projeto tramita em conjunto com outros que falam sobre a proteção contra condutas ofensivas contra a mulher na internet ou em outros meios de propagação da informação.
    Ontem, o Ministério Público do Distrito Federal instaurou inquérito civil público para apurar danos morais causados pelo aplicativo Lulu, capaz de "ofender direitos da personalidade de milhões de usuários do sexo masculino".
    Saudade daquela época em que Luluzinha era só a menina heroína de cachinhos, que usava boina e vestido vermelhos, e o Bolinha, o gorducho líder do clubinho onde menina não entrava...
    cláudia collucci
    Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

    Rosely Sayão

    folha de são paulo

    Avós, filhos e netos

    DE SÃO PAULO
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    Qual o papel dos avós no mundo atual? Essa tem sido uma questão muito visitada por pais com filhos pequenos ou nem tanto, e também por seus próprios pais, ou seja, os avós das crianças e dos adolescentes.
    Há muitas reclamações do lado dos adultos --recíprocas, por sinal -- e talvez elas sejam um dos principais motivos que tem levado muita gente a pensar no assunto. Vamos levantar algumas questões nesse tema tão antigo e, ao mesmo tempo, tão novo.
    Por que seria esse um tema novo? Porque desde que a família começou a mudar e a ganhar diversos desenhos e novas dinâmicas, desde que perdemos as referências sociais rígidas, mas que eram consideradas seguras, sobre o que é ser homem e o que é ser mulher, desde que os papéis de pai e de mãe passaram a mudar, os avós entraram em crise.
    Tradicionalmente, avós são velhos, e um grupo de avós de hoje não quer ser reconhecido como tal. Velhos são os bisavós, cada vez mais frequentes na vida familiar devido ao aumento da longevidade e, eles sim, com direito a ter cabelos brancos e agenda livre.
    Assim, há um grupo de avós que pouco tempo tem para os netos porque estão muito envolvidos com a própria vida. Há, inclusive, avós que tem filhos quase da mesma idade que seus netos. Esse é um fenômeno bem novo, não é?
    Há também um grupo de avós que gostariam de se envolver com seus netos, mas que têm poucas chances de atuar à sua maneira com as crianças porque seus filhos não querem muitas interferências na maneira de tratar seus --SEUS-- filhos. Quando eles precisam da presença dos avós com a criança, deixam orientações expressas sobre como agir em todas as situações. E sobre como não agir também.
    Uma questão frequente desse grupo de pais é: como ensinar meu filho a não fazer determinada coisa em casa se os avós, na casa deles, permitem? Muitos têm se desvencilhado dessas situações simplesmente diminuindo as visitas aos avós. Como se as crianças não soubessem diferenciar os contextos que frequentam e as pessoas com quem convivem!
    E há, também, um grupo de avós que acredita ocupar o lugar de seus filhos em relação aos netos: ficam com eles boa parte do tempo, cuidam, educam etc., porque seus filhos pouco tempo têm por causa do envolvimento extremo com a vida profissional.
    Certamente há ainda outros grupos de avós aqui não mencionados, mas uma coisa é certa para todos eles: ser avó ou avô no mundo contemporâneo supõe a diversidade de papel, o que implica em criação e inovação, o que é muito bom.
    Entretanto, mesmo com toda essa variedade de avós, todos devem --e podem-- afetar a vida de seus netos. Aliás, qual o sentido de ser avó se não for para isso?
    A experiência de vida, a maturidade mesmo que com aparência juvenil, a paciência, a complacência, a generosidade, a tranquilidade, os valores e a sabedoria dos avós podem afetar positivamente os seus netos.
    E tudo isso vai se expressar ora no momento de negar algo com firmeza carinhosa, ora no momento de relevar um comportamento teimoso, ora quando dá vontade de mimar o neto e na hora de narrar a história da família, de sua cultura, de suas tradições. Avós podem ser ótimos contadores de histórias da família, do conhecimento e da humanidade.
    Avós e netos têm o direito a tudo isso, não é verdade?
    rosely sayão
    Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Cotidiano".

    João Pereira Coutinho

    folha de são paulo
    Herodes, esse incompreendido
    Para uma criança em sofrimento, apresentar-lhe a morte como alternativa é um gesto de obscenidade
    O jornalista Paulo Francis, que adorava crianças malcomportadas, costumava dizer que Herodes tinha sido um incompreendido. Pena que Francis não esteja entre nós para contemplar o que se passa na Bélgica. O espírito de Herodes está vivo por aquelas bandas e o país está a um passo de legalizar a eutanásia para crianças.
    Verdade que a Bélgica sempre foi bastante "liberal" (peço desculpa pelo uso abusivo do termo) nessas matérias. Segundo os manuais da especialidade, a eutanásia (ativa ou passiva) existe para terminar com o sofrimento intolerável (e incurável) de um doente.
    O médico pode matar o paciente (eutanásia ativa), ou, em alternativa, pode suspender certos tratamentos que terão o mesmo fim (eutanásia passiva).
    Seja como for, havia pelo menos um entendimento mínimo de que a eutanásia era um expediente extremo, só aplicável a situações extremas.
    Acontece que a Bélgica foi alargando os casos de "situações extremas". Sim, um doente terminal com câncer cumpre os requisitos para uma injeção letal. Mas o que dizer de uma pessoa em profundo sofrimento psicológico ou acometida por uma deficiência irreversível como a cegueira?
    Se o argumento da autonomia é o mais importante nas questões de vida ou morte, não devemos respeitar também a autonomia de alguém que não deseja mais viver porque habitar as trevas --psicológicas, sensoriais-- não é destino que se deseje para ninguém?
    Foi assim que a Bélgica começou a praticar estas formas de eutanásia "à la carte" muito para além dos casos clássicos de sofrimento irreversível. O passo seguinte --eutanásia para crianças-- era apenas uma questão de tempo.
    Posição pessoal: sou favorável a que os médicos façam tudo para minorar a dor (mesmo que esses cuidados paliativos tenham como "duplo efeito" a morte a prazo do paciente --por exemplo, com injeções crescentes de morfina).
    E, além disso, admito situações de eutanásia passiva em que se retiram meios artificiais que apenas adiam artificialmente o fim de qualquer existência. Entre esses meios artificiais não estão, logicamente, o oxigênio, a água e a alimentação. Matar um ser humano por asfixia, sede ou fome não faz parte da minha cartilha.
    Mas também não faz parte da minha cartilha os argumentos autônomos e utilitaristas que normalmente são avançados para defender a eutanásia ativa.
    Sobre os argumentos utilitaristas --há certos meios (matar o paciente) que são legítimos para se atingir certos fins (evitar o sofrimento do paciente)--, convém não levarmos demasiado longe esse raciocínio de "meios e fins". Caso contrário, também podemos defender, sem nenhuma contradição, que existem certos meios (matar quem defende matar pacientes) para se atingirem certos fins (salvar a vida dos pacientes).
    Sobre os argumentos de autonomia individual, a questão não está em saber se a autonomia é um valor fundamental. Claro que é. A questão está antes em saber até que ponto alguém em sofrimento considerável continua a ser o melhor juiz em causa própria. Sobretudo quando existem alternativas terapêuticas para diminuir esse sofrimento.
    E, claro, a questão agrava-se quando falamos de crianças. Na lei belga que o Parlamento se prepara para aprovar, a eutanásia poderá ser ministrada a crianças gravemente doentes desde que elas o desejem; desde que os pais o permitam; e desde que um especialista sancione essa escolha.
    Cada uma dessas premissas já é um problema por si só. Não vou discutir o que significa para uma civilização alegadamente avançada conceder aos pais (e aos médicos) o direito de matar os filhos. O cenário comenta-se a si próprio.
    Fico-me pelos filhos: respeitar a vontade de uma criança que deseja morrer não é apenas um problema legal, que lida com o fato de ela não ter atingido ainda a maioridade. É sobretudo uma forma de desistência moral: para uma criança em sofrimento, apresentar-lhe a morte como alternativa é um gesto de obscenidade que deveria envergonhar uma sociedade de adultos.
    "Herodes, esse incompreendido", dizia Paulo Francis, com perversa ironia. Mal ele imaginava que, na segunda década do século 21, Herodes deixaria de ser uma ironia.

    domingo, 1 de dezembro de 2013

    Cristina Grillo

    folha de são paulo
    Padrão Brasil
    RIO DE JANEIRO - O novíssimo estádio do Maracanã, aquele no qual se gastou quase R$ 1,2 bilhão em uma reforma e onde daqui a oito meses acontecerá a final da Copa do Mundo, não passou em seu primeiro teste de verdade.
    Aqueles que chegaram quarta-feira ao estádio pouco antes do jogo entre Flamengo e Atlético Paranaense, final da Copa do Brasil, puderam ver o bom e velho Maracanã em todo o seu esplendor.
    Houve empurra-empurra quando as novas catracas eletrônicas pararam de funcionar, barrando a entrada dos torcedores que ti- nham pago de R$ 250 a R$ 800 por seus ingressos.
    Em determinado momento, os portões foram abertos para evitar que pessoas fossem espremidas contra as grades. Muita gente sem ingresso entrou. E muitos com ingresso ficaram do lado de fora.
    Em nota, a concessionária que administra o Maracanã negou o problema com as catracas, testemunhado pela Folha, e atribuiu o tumulto a torcedores sem ingressos que tentavam invadir o estádio.
    Alguns deles conseguiram entrar, de acordo com o relato da concessionária, depois de ultrapassar a barreira de policiais militares, escalar as catracas, que têm 2,2 m de altura, e passar pelo vão de 50 centímetros entre elas e o teto de concreto. Com tanta capacidade atlética, deveriam ser convocados e treinados para a Olimpíada de 2016.
    Lá dentro, gente de pé nos corredores --parece que aquela história de que, depois da reforma, os lugares seriam marcados era só brincadeirinha-- e banheiros imundos, segundo o relato de amigos.
    Para os saudosistas, queixosos de que a reforma "padrão Fifa" roubou a alma do Maracanã, os fatos de quarta-feira podem ser um alento. Ali, ao menos naquele dia, vigorou um "padrão Brasil" de final de campeonato.

      Claudia Collucci

      folha de são paulo
      Transexualismo deve sair da lista de doenças mentais
      Rol de transtornos da Organização Mundial da Saúde será atualizado em 2015
      Mudança é vista como conquista mas também com receio de que isso leve a dificuldades de acesso a tratamentos
      CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULOA advogada e empresária Márcia Rocha, 47, é travesti. Usa próteses de silicone, tem pênis e se autodefine como bissexual. Foi casada duas vezes com mulheres e tem uma filha de 18 anos.
      O webdesigner Leonardo Tenorio, 23, nasceu mulher, mas desde a adolescência se sente homem. Com o uso de hormônio masculino, ganhou barba e esconde os seios sob uma faixa apertada. Agora, ele briga com o plano de saúde pelo direito de fazer uma mastectomia.
      Ambos estão prestes a obter uma conquista histórica: deixar de serem classificados como doentes mentais. Hoje, o manual que orienta os psiquiatras considera transexualismo (que passou a se chamar incongruência de gênero) um transtorno.
      Mas a nova versão da lista de doenças que orienta a saúde em todo o mundo, a CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), editada pela Organização Mundial da Saúde, deverá eliminar isso.
      Vários comportamentos tidos hoje como transtornos, como o sadomasoquismo e o travestismo fetichista, serão varridos da CID. Outros, como o transexualismo, vão mudar de categoria.
      Os trans, por exemplo, vão ganhar um novo capítulo, longe das doenças, que deve reunir outras "condições relativas à sexualidade", ainda a serem definidas.
      A ordem é "despatologizar" o sexo. "Comportamentos sexuais que são inteiramente privados ou consensuais e que não resultem em danos às outras pessoas não devem ser considerados uma condição de saúde. Não há razão para isso", disse à Folha Geoffrey Reed, diretor de saúde mental da OMS.
      Reed esteve em São Paulo em encontro para discutir pesquisas e análises que serão feitas no país sobre as novas propostas. No Brasil, a coordenação dos trabalhos é da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
      Segundo Reed, a ideia é reduzir preconceitos e facilitar o acesso a terapias a quem realmente precisa delas.
      "Por que nós, trans, precisamos de um diagnóstico? Por que precisa de um médico para dizer que a pessoa é o que ela é? Nosso direito de autonomia é totalmente ceifado com essa atual patologização", diz Tenorio, presidente da Associação Brasileira de Homens Trans.
      POLÊMICA
      A questão, porém, é complexa. Existe o temor que ao, perder a classificação de doença, esses comportamentos deixem de ser cobertos pelos sistemas de saúde. No Brasil, por exemplo, os transgêneros têm direito a cirurgias de mudança de sexo e outras terapias no SUS.
      "Estamos analisando o impacto nas leis da mudança de diagnóstico como um todo para evitar qualquer eventual prejuízo ao acesso aos serviços de saúde", afirma a psiquiatra Denise Vieira, uma das coordenadoras brasileiras da revisão da CID na área de saúde sexual.
      Para a cirurgia de troca de sexo no SUS, por exemplo, a pessoa precisa ser avaliada, dois anos antes, por uma equipe de psiquiatra, cirurgião, psicólogo, endocrinologista e assistente social.
      Segundo os médicos, o cuidado é porque, se feita em pacientes sem o diagnóstico de transexualismo, pode resultar em distúrbios psíquicos graves e até levar ao suicídio.
      Mas a burocracia só ocorre no SUS, segundo a advogada Márcia Rocha, que estampa em seu registro profissional o nome de Marcos Fazzini da Rocha.
      "Quem tem dinheiro consegue colocar ou tirar o que quiser", afirma ela, integrante da comissão de direitos da diversidade sexual e combate à homofobia da OAB/SP, citando os próprios seios.
      CRIANÇA TRANS
      Outra polêmica em curso é o diagnóstico da criança trans. Há grupos que defendem que elas não sejam rotuladas como tal na infância porque estudos mostram que, no futuro, muitas tendem a ser gays ou lésbicas, e não transexuais.
      Para o psiquiatra Jair de Jesus Mari, professor titular da Unifesp, ainda há várias questões no campo da sexualidade que devem ser levantadas até a conclusão da revisão da CID-11, prevista para ser publicada em 2015.
      "Não há um conceito biológico claro do que são transtornos mentais ou de sexualidade. Não vamos dar conta de toda a complexidade do comportamento humano."

        Exposição sexual na rede se alastra e causa vítimas

        folha de são paulo
        Casos de 'revenge porn' acabam em linchamento moral de mulheres no país
        Polícia investiga vazamento de imagens de duas adolescentes brasileiras, de 16 e 17 anos, que se suicidaram
        CIDA ALVESDE SÃO PAULOO "revenge porn" --vingança pornô, em inglês--, prática até então conhecida dos brasileiros por notícias de países como Estados Unidos, chegou de vez ao Brasil.
        E já pode ter feito vítimas.
        Vídeos e fotos sensuais gravados na intimidade do casal são compartilhados na internet para causar humilhação pública a uma das partes. Assim, as vítimas são expostas ao linchamento moral dentro e fora das redes, e os agressores ficam preservados pelo anonimato virtual.
        Pesquisa ainda inédita da ONG Safernet, realizada com quase 3.000 pessoas de 9 a 23 anos, mostra que 20% já receberam textos ou imagens eróticas de amigos e conhecidos e 6% já repassaram esse tipo de conteúdo --a maioria o fez mais de cinco vezes.
        Uma vez que ocorre o vazamento desse conteúdo, é quase impossível parar sua propagação, diz o presidente da Safernet Brasil, Thiago Tavares.
        "Quando cai na rede é impossível controlar. Há sites que são especializados em divulgar esse tipo de conteúdo. Em minutos, milhares de pessoas têm acesso, salvam e compartilham", explica.
        O "revenge porn" é um desdobramento de uma prática muito comum entre adolescentes e que também tem origem nos Estados Unidos --o "sexting". A troca de conteúdo erótico por celular ou na internet tem como principais vítimas mulheres jovens.
        VÍTIMAS
        A polícia ainda investiga quem vazou as imagens de duas meninas que se suicidaram recentemente após serem expostas na internet.
        Giana Fabi, 16, de Veranópolis (RS), teve uma foto sua seminua, tirada por um amigo, compartilhada nas redes sociais. Júlia dos Santos,17, de Parnaíba (PI), apareceu em um vídeo de sexo com outro casal que foi compartilhado pelo aplicativo Whatsapp.
        Não demorou para o conteúdo estar em sites especializados em divulgar vídeos íntimos que caíram na rede.
        Um deles, brasileiro, anunciava o vídeo de Júlia no Twitter até o dia 14 de novembro. Após as notícias do suicídio da garota, foi retirado.
        Mas já era tarde. A gravação ainda é encontrada na maior plataforma de vídeos eróticos caseiros do mundo, que figura entre os 20 sites mais acessados do país. Assim, o "revenge porn" acaba contribuindo para outro crime: a pornografia infantil.
        Na 4ª Delegacia de Repressão à Pedofilia de São Paulo, um em cada sete casos investigados envolvem a divulgação de fotos e vídeos de adolescentes nas redes sociais.
          Júlia, 17, e Giana, 16, tiveram imagens íntimas divulgadas
          As adolescentes, do Piauí e do Rio Grande do Sul, foram encontradas enforcadas dentro de suas casas neste mês
          Outra vítima, de Goiânia, conta que parou de trabalhar e estudar enquanto tenta tirar o vídeo da rede
          JULIANA COISSIDE SÃO PAULOJúlia, 17, era fã de rap e da cantora Miley Cyrus, frequentava o colégio e um curso técnico de enfermagem. Giana, 16, gostava de salto alto e cursava o ensino médio e um curso de secretariado.
          Júlia Rebeca dos Santos, de Parnaíba (PI), e Giana Laura Fabi, de Veranópolis (RS), tinham algo em comum: viviam conectadas à internet.
          Elas tiveram a intimidade devassada com a divulgação de fotos e vídeos íntimos. E, com uma diferença de quatro dias, foram achadas enforcadas em casa; Júlia, no dia 10, e Giana, no dia 14. As suspeitas são de suicídio.
          A polícia e familiares questionam: por que alguém espalhou essas imagens?
          O delegado Marcelo Ferrugem disse que um adolescente foi interrogado e admitiu o envio a quatro amigos de uma foto de Giana com os seios à mostra. A imagem foi gravada por ele em uma conversa com a garota pelo programa Skype, há seis meses.
          À polícia, ele nega ter vivido um relacionamento amoroso com Giana.
          No caso de Júlia, a Polícia Civil do Piauí analisa quem espalhou um vídeo no qual ela aparece mantendo relações sexuais com uma garota e um jovem, todos menores de idade.
          Segundo o delegado James Guerra Júnior, as imagens, a princípio, dão a entender que a própria Júlia filmou a cena.
          Os celulares dos três passam por perícia para checar se foi a partir de um deles que o vídeo foi compartilhado.
          CHOQUE
          Para as famílias, os últimos dias foram de assédio da mídia, comentários póstumos bons e ruins na internet, mas principalmente de choque.
          "Por que acabar assim com a própria vida? Por uma coisa tão pequena?", repete várias vezes à Folha o pai de Giana, o motorista Marcos Gilmar Fabi, 48. Ele não poupa elogios à filha caçula: uma menina simpática, "que não fazia distinção de ninguém".
          Daniel Aranha, 28, primo de Júlia, a descreve como uma menina "cercada do amor da família, que gostava de cantar alto músicas no meu carro".
          Mais velha de três filhos, a garota de Parnaíba costumava ir com a tia a uma igreja evangélica aos domingos.
          A família tenta se refazer do impacto da morte. "Ainda não caiu a ficha, sabe? Parece que daqui a pouco vamos buscá-la na escola ou ela vai chegar", afirma o primo.
          Ana Luiza Mano, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática, explica que as vítimas se deixam filmar por acharem que estão num contexto de confiança e que aquele momento ficará só entre os envolvidos.
          Quando a confiança é quebrada, têm de enfrentar a pressão social.
          Foi o caso da estudante Fran Santos, 19, de Goiânia, que tenta reconstruir sua vida desde que foi exposta na internet, em outubro.
          "Parei de trabalhar e estudar. Na rua as pessoas ficam olhando e comentando. Já até tentaram tirar foto minha no ônibus", conta Fran, que teve um vídeo de sexo divulgado na internet por um rapaz com quem se relacionou.
          A jovem tenta retirar o conteúdo da rede --sem muita esperança de que vá conseguir. "Infelizmente está cada dia mais comum. Não fui a primeira e não serei a última".

            Clube da bolinha - Cida Alves

            folha de são paulo
            Clube da bolinha
            Serviço Lulu, que permite que as mulheres avaliem os homens e permaneçam anônimas, foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais
            O serviço Lulu, em que mulheres avaliam homens anonimamente, passou os últimos dias entre os aplicativos mais baixados e os assuntos mais comentados nas redes sociais.
            Segundo a empresa responsável, a Luluvise, fundada em Londres e em processo de mudança para Nova York, o app já registrou mais de 5 milhões de visitas, 100 milhões de perfis visualizados e 1 milhão de avaliações.
            O Brasil foi o primeiro país a receber uma versão local. Em passagem por São Paulo, a executiva-chefe da companhia e criadora do Lulu, a jamaicana Alexandra Chong, 32, disse que permitir às mulheres se vingarem de seus ex-namorados não é o objetivo principal do app.
            "Nós desenhamos o produto para que ele seja uma experiência muito mais positiva do que negativa. O Lulu é um lugar seguro para que as mulheres compartilhem informações e usem-nas para tomar decisões melhores. Nós amamos os homens."
            As avaliações são feitas por meio de um questionário e pela adição de características positivas ou negativas predefinidas em forma de hashtags, como #RespeitaAsMulheres e #ApaixonadoPelaEx.
            Uma delas, que fazia referência a pênis pequeno, #NãoFazNemCócegas, foi retirada pela empresa após reclamações.
            "O Lulu não foi feito para ferir os sentimentos de ninguém. Contratamos revisores locais para a tradução, mas essa hashtag escapou", afirma Alexandra.
            A expressão que representa a condição oposta (#TrêsPernas), porém, segue no ar.
            AMEAÇAS DE PROCESSO
            O sucesso do Lulu motivou ameaças de processo, como a do estudante de direito Felippo de Almeida Scolari, 28. "Meu perfil tinha informações sobre a minha intimidade disponíveis para qualquer um. Não gostei porque eu não autorizei que minha conta do Facebook estivesse ali", diz.
            Alexandra afirma que a empresa ainda não recebeu nenhuma notificação oficial.
            "O Lulu é provocativo, diferente, nunca foi feito antes. Demora um pouco para as pessoas se acostumarem e entenderem como ele funciona. Nós passamos muito tempo nos certificando de que estamos de acordo com as leis locais", garante.
            Ela diz que nunca criaria um Lulu para homens, mas que não se incomoda se alguém o fizer.
            "Dou todo apoio a quem quiser inovar e criar. Quando apresentamos o Lulu nos EUA, imediatamente ouvimos caras dizendo que lançariam um Lulu para homens na semana seguinte, no mês seguinte, e eles nunca chegaram."
            Segundo Alexandra, a versão atual do Lulu é apenas a fase inicial de um produto maior dirigido às mulheres, que abrangerá temas como beleza, saúde e carreira.
              Legislação genérica favorece impunidade
              Projetos no Congresso propõem punições
              DE SÃO PAULO
              O "revenge porn" encontra na impunidade um estímulo para se propagar pelas redes.
              A falta de leis específicas e de delegacias especializadas faz com que o tempo de resposta da Justiça seja inversamente proporcional à rapidez com que um vídeo íntimo se espalha pela internet.
              "Buscar por justiça tem sido muito frustrante", afirma a estudante Thamiris Sato, 21, que teve fotos divulgadas na internet pelo ex-namorado.
              "O cara vai lá, posta, a menina fica com vergonha de denunciar e, mesmo quando denuncia, ele não vai ser preso, não vai acontecer nada."
              Ela diz que entrará com uma ordem de restrição contra o ex e que apresentará uma queixa-crime. Seu caso foi registrado na Delegacia de Defesa da Mulher.
              A Lei Maria da Penha é uma das alternativas para as mulheres vítimas dessa prática. "Pode ser caracterizada violência psicológica", explica Omar Kaminski, advogado especializado em novas tecnologias.
              Segundo Kaminski, casos de "revenge porn" também podem ser tipificados como crimes contra a honra -injúria e difamação-, previstos no Código Penal.
              "Porém, muitas vezes as penas não são condizentes com o mal causado", diz.
              Na esfera civil, a vítima pode tentar uma indenização por danos morais.
              PROPOSTAS
              No Congresso Nacional, pelo menos três projetos -todos apresentados neste ano- propõem punições para o
              "revenge porn".
              Proposta de outubro do deputado federal Romário (PSB-RJ) torna crime a divulgação indevida de material íntimo e prevê pena de um a três anos e prisão e multa, podendo haver aumento de um terço se o objetivo for vingança ou humilhação da vítima.
              O deputado Eliene Lima (PSD-MT) apresentou proposta para punir a vingança pornográfica com pena de um ano de reclusão mais multa de 20 salários mínimos.
              O projeto do deputado João Arruda (PMDB-PR), modifica a Lei Maria da Penha, tornando-a também "virtual" e abrangendo de forma mais específica esse tipo de ocorrência.

              Aids no Brasil: oportunidades perdidas - Caio Rosenthal e Mário Scheffer

              folha de são paulo
              CAIO ROSENTHAL E MÁRIO SCHEFFER
              Aids no Brasil: oportunidades perdidas
              Ao contrário das previsões oficiais, a epidemia da Aids ressurge com força total entre os homossexuais e as populações negligenciadas
              É bem possível que muitos de nós ainda estejamos vivos para assistir ao fim da epidemia da Aids. A ciência busca freneticamente uma vacina. Já em teste, drogas menos tóxicas e de efeito prolongado prometem substituir as doses diárias que pacientes tomam por toda a vida.
              Ganha força a ideia da cura funcional da Aids, a redução do HIV a um nível tão baixo no organismo ao ponto de o sistema imunitário assumir o controle da infecção, mesmo sem medicamentos.
              Hoje, quem faz o teste, descobre que tem HIV e recebe o tratamento pode também prevenir a transmissão a parceiros, assim como já é possível o uso controlado de antirretrovirais antes ou depois do sexo sem proteção, uma alternativa para pessoas soronegativas expostas. Se combinadas com a massificação do uso de preservativos, essas estratégias fariam cair drasticamente o número de infectados e de mortes.
              Nos últimos anos, no entanto, o Brasil não só perdeu essas oportunidades como imprimiu retrocessos no seu outrora respeitável programa de combate à Aids. Por falta de campanhas adequadas, o uso de preservativos só diminui. Desde 2006, as taxas de mortalidade voltam a crescer e, em algumas regiões, superam as da década de 1980. Trinta mortes e cem novos casos são registrados todos os dias no país.
              Por desconhecerem que estão infectados e por iniciarem tardiamente o tratamento, muitos morrem logo no primeiro ano do diagnóstico. Outros esperam meses entre o teste positivo e a primeira consulta em serviços lotados e sem médicos.
              Recente diretriz nacional que antecipa o começo do tratamento da Aids prevê o deslocamento de milhares de novos pacientes para as unidades básicas de saúde, que não estão preparadas para um atendimento que exige experiência e especialização. A oferta antecipada de medicamentos depende também do diagnóstico precoce. Infelizmente, as iniciativas de testagem do HIV buscam holofotes, do Carnaval ao Rock in Rio, mas deixam de identificar novos casos. Os mais atingidos pela epidemia seguem sem acesso ao teste.
              Trunfo do Brasil no passado, que chegou a quebrar a patente de um medicamento, a produção local de genéricos estagnou. Até hoje laboratórios nacionais não fabricaram a prometida dose fixa combinada, que junta três remédios antiaids em um único comprimido, o que facilita a adesão ao tratamento.
              No ritmo da incompetência, ministro e secretários da Saúde deveriam ser processados a cada caso de criança que nasce com HIV, um flagelo perfeitamente eliminável. Erráticos, os dados oficiais apostaram que a Aids avançaria em direção aos heterossexuais, às pessoas de baixa renda e ao interior do país. Concentrada nas áreas urbanas, a verdade é que a epidemia ressurge com força total entre os homossexuais e outras populações negligenciadas.
              Costuras eleitorais permitem o triunfo do moralismo e da religião sobre a saúde pública. Campanhas dirigidas aos mais vulneráveis são censuradas, afastando a ação governamental da epidemia real.
              Sem mais investimentos federais no SUS, sem liderança que retome o diálogo e a mobilização social, o Brasil ficará de fora da marcha mundial para o fim da Aids.

              'Uruguai não terá fumo livre', diz Mujica - Lucas Ferraz

              folha de são paulo
              'Uruguai não terá fumo livre', diz Mujica
              Presidente pede ao mundo que deixe seu país fazer uma 'experiência' de regulamentação da produção e venda da droga
              Projeto está prestes a ser votado no Senado; compra de cigarros de maconha passará a ser controlada pelo Estado
              LUCAS FERRAZENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉUSentado na chácara onde vive, nos arredores de Montevidéu, José Alberto Mujica Cordano filosofa: "As pessoas, nas suas condutas, não dão bola para a razão".
              E não há nenhuma que explique o fato de esse senhor de 78 anos entrar para a história como o responsável por transformar o Uruguai no primeiro país a regulamentar produção e venda da maconha, algo inédito no mundo.
              Baseado ele afirma que nunca fumou.
              "Não defendo a maconha, gostaria que ela não existisse. Nenhum vício é bom. Vamos é regular um mercado que já existe. Não podemos fechar os olhos para isso. A via repressiva fracassou."
              Em entrevista à Folha na zona rural de Rincón del Cerro, na chácara onde vive com a mulher, a senadora Lucía Topolansky, o presidente ressalta que o Uruguai vai regulamentar, e não legalizar a maconha. A venda será controlada pelo Estado.
              Simulando de forma caricatural quem está sob efeito da droga, garante que o país não se transformará na terra do "fumo livre".
              "Pedimos ao mundo que nos ajude a fazer essa experiência, que nos permita adotar um experimento sócio-político diante de um problema grave que é o narcotráfico", disse. "O efeito do narcotráfico é pior que o da droga."
              Já aprovado na Câmara, o projeto de lei que regulamenta a droga permite ainda que os usuários, mediante licença, plantem a erva em casa.
              De acordo com o governo, se quiserem sair da clandestinidade, os cerca de 200 mil usuários de maconha no país deverão se cadastrar para ter acesso limitado à droga.
              A votação do projeto pode ser concluída nesta semana pelo Senado, último estágio antes da sanção presidencial. Na prática, a experiência começará no ano que vem.
              Ainda será preciso regulamentar a medida, estabelecendo limite de cigarros que podem ser comprados --um número citado é 40 por mês.
              A prerrogativa será restrita a uruguaios e residentes no país, uma forma de inibir o turismo da droga.
              Como o governo Mujica tem maioria no Senado, espera-se que o projeto seja aprovado com folga.
              REVOLUÇÕES
              Será mais uma medida revolucionária do governo do ex-guerrilheiro, que já aprovou o casamento gay e legalizou o aborto.
              País de tradição liberal, onde fumar maconha não é crime (ao contrário do Brasil), o Uruguai começou a discutir a regulação da droga há pelo menos dez anos.
              "Propusemos a lei por causa das tradições do Uruguai. De 1914, 1915, até os anos 60, o álcool era monopólio do Estado. Por mais de 50 anos produzimos e vendemos nossa própria grapa, cachaça, rum. Por um valor maior, que era para direcionar recursos para a saúde pública. É o que vamos fazer agora".
              O presidente cita outros vanguardismos do país de pouco mais de 3 milhões de habitantes, como a regulamentação da prostituição, o direito de divórcio pela vontade da mulher e a opção do Uruguai de ser um Estado laico. Todos esses pontos foram estabelecidos nas primeiras décadas do século passado.
              Usando metáforas da vida no campo, Mujica lembra que mudar a sociedade é como plantar oliva, "não se pode esperar uma grande colheita logo de cara". "As causas humanas são de longo prazo."
              Ele afirma que, se houver equívoco ou resultado negativo no processo de regulação da maconha, o governo voltará atrás. "Mas, se descobrimos coisas que podem servir como ferramenta para a humanidade, e se esse experimento na vida real valer a pena, poderemos ser um exemplo. Mas também a conclusão pode ser a de que não temos solução para isso, e assistiremos a uma humanidade cada vez mais doente."
              Ele contou à Folha que uma das medidas para tentar restringir a circulação da maconha no Uruguai é a adoção de um código genético único nas plantas. "Molecularmente, será possível identificar a nossa maconha", disse.
              Ele admite que seu governo está sendo pressionado pela comunidade internacional, sobretudo por países vizinhos, como o Brasil, temerosos de que a maconha uruguaia transborde as fronteiras. "Sempre vai haver pressão. Há um aparato no mundo que vive em reprimir e custa muito."
              A resistência também vem de dentro. Pesquisas mostram que parte da população uruguaia é contrária à lei. "Há um custo político alto, ninguém quer pagar por isso. Ex-presidentes como Ricardo Lagos [Chile] e FHC defendem, mas o curioso é que fazem isso quando não são mais presidentes. Por que não defenderam quando eram presidentes?".
                'O dogmatismo é uma doença da esquerda'
                DO ENVIADO A MONTEVIDÉUBadalado internacionalmente como o "presidente mais pobre do mundo", "o melhor presidente do mundo" e "o herói não reconhecido da América Latina", José Mujica diz achar graça dos clichês.
                Na entrevista à Folha, ele também abordou temas como Mercosul e a esquerda latino-americana.
                Mercosul
                Está travado. As classes dirigentes, como a burguesia paulista e argentina, não entendem que estamos na época da integração. O Mercosul não vai caminhar se, de boa fé, não houver entendimento entre Brasil e Argentina.
                Esquerda
                O dogmatismo é uma doença crônica da esquerda latino-americana. Acreditamos que somos possuidores de uma verdade absoluta. A esquerda tem a doença de sempre ser apaixonada pelos modelos em que acredita. Mas se penso que meu vizinho deve pensar como eu, estamos fritos.
                Estilo de vida
                Há senhores acostumados com o poder, que se consideram representantes naturais dele e se sentem agredidos quando veem alguém que não pertence a essa classe e não renuncia a sua forma de viver. Eles não toleram. Tenho um respeito de pertencimento que não abandono, e isso dói em alguns. Essa luta tem diversas características. O Lula sofreu com isso por ser torneiro mecânico, gente do povo.
                Acho graça desses estereótipos. Pobre é quem precisa de muito. Tenho um tipo de riqueza que muitos não ambicionam. Desprezo a acumulação de dinheiro. Tenho 78 anos e estou por um passo [da morte], vou acumular dinheiro?

                  Clovis Rossi

                  folha de são paulo

                  A utopia respira, embora em coma

                  Ouvir o texto
                  Saíram os dados do terceiro trimestre na Europa.
                  Comentário do economista José Carlos Díez em "El País": "A eurozona cresceu 0,1% trimestral, o que foi surpresa negativa. França e Itália continuam com leves quedas do PIB. E o consumo privado de França e Alemanha está estancado. Mais preocupante é que as exportações da área, incluindo Alemanha, se estancaram no trimestre passado".
                  Agora, foco na Itália, quarta economia da área, conforme relato de "La Repubblica" na sexta-feira:
                  "O número de desempregados cresceu 9,9% em relação ao ano passado e chega a 3,189 milhões de pessoas [ou 12,5%, o mais alto índice desde 1977]. Entre os jovens, vai a 41,2%, máximo histórico".
                  Quem lê essas notícias --e são apenas a ponta de um gigantesco iceberg-- fica achando que ninguém mais vai querer chegar nem perto da União Europeia, o conglomerado de 28 países, certo?
                  Errado, muito errado. Primeiro, o próprio número 28 denuncia o erro: eram 27 até o ano passado, mas a Croácia fez questão de aderir ao clube e agora faz parte dele.
                  Segundo, há um levante popular na Ucrânia, porque seu presidente, Viktor Yanukovich, desistiu na última hora de assinar neste fim de semana um acordo de associação com a UE. Nem era um acordo de adesão, que esse leva um tempão para ser processado.
                  Manifestações capazes de fazer as de junho no Brasil parecerem esquálidas ocorreram durante a semana, não só na capital, Kiev, mas em várias outras cidades, todas elas comandadas por e com maciça presença de jovens.
                  Posto de outra forma: o futuro da Ucrânia crê que o seu próprio futuro e o do país estejam na Europa.
                  Até Yanukovich acredita nisso. Só pediu um adiamento na assinatura do acordo porque foi pressionado pela Rússia, que ameaçou com represálias no fornecimento de gás e na redução das importações (é o maior mercado para a Ucrânia).
                  Mas, após os primeiros protestos, disse: "não há alternativa à construção de uma sociedade de padrões europeus na Ucrânia. (...) Nada nos roubará uma Ucrânia em que haja igualdade de oportunidades, uma Ucrânia europeia".
                  Pois é. Continua viva a utopia do Estado de Bem-Estar Social, de que a Europa é o modelo menos imperfeito que o ser humano construiu até hoje.
                  Pode estar em estado comatoso, até porque seus líderes têm se mostrado incapazes de sair da crise sem jogar fora a criança (o modelo) junto com a água suja do banho (seus excessos). Mas respira.
                  A propósito, lembro uma frase de um certo Luiz Inácio Lula da Silva, no já remoto ano de 1994, quando ele ainda era de esquerda e disputava a Presidência.
                  Entrávamos na sede do SPD, o Partido Social-Democrata, então em Bonn, para um debate com líderes sindicais e políticos.
                  "Se a gente [o Brasil] chegasse perto do modelo deles, já estaria de muito bom tamanho", me disse.
                  Já presidente, aliás, Lula diria que a construção europeia era "uma conquista da civilização". O episódio da Ucrânia demonstra que a civilização ainda respira.
                  clóvis rossi
                  Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa de "Mundo e as sextas no site

                  Antonio Prata

                  folha de são paulo

                  Escorrendo

                  DE SÃO PAULO
                  Ouvir o texto

                  Você encara o infortúnio com valentia: uma caneca de chá numa mão, uma caixa de lenços na outra, paciência e fé que o paracetamol e a vitamina C te levarão, bem ou mal, até o fim daquela gripe. Os vírus, contudo, são criaturinhas insidiosas. Ressentidos por ocuparem o térreo na pirâmide da seleção natural, estão determinados a derrotar não só os glóbulos brancos do infeliz hospedeiro, mas a subjugar seu espírito, até que a última gota da dignidade escorra pelo nariz.
                  De manhã, você se assoa em lenços de papel -nada que fira teus brios. Há algo de austero naquelas caixas de lenço, algo de realeza inglesa ou, ao menos, de rico de novela. É essa austeridade, aliás, que me faz preferir as caixas de cor escura, pretas ou vinho, e jamais levar as coloridas, com florzinhas ou ilustrações do Romero Britto: não há graça nenhuma em assoar o nariz, e uma pessoa direita deve fazê-lo com a seriedade de quem dá uma má notícia. A má notícia, infelizmente, é que no ritmo de duas assoadas por minuto, antes do almoço sua caixa de lenços já era: agora você anda por aí com um rolo de papel higiênico a tiracolo, e os vírus, usando suas adenoides como cama elástica, dão piruetas de alegria.
                  O papel higiênico é uma afronta à dignidade humana, por três motivos. Em primeiro lugar, estamos levando a uma extremidade do corpo algo que é fundamentalmente destinado à outra. Segundo: papel higiênico esfarela. Uma assoada mais agressiva e parece que você tem caspa no queixo, que nevou na sua blusa ou que mergulhou de peixinho num galinheiro. Por último, mas não menos importante: aquele oco no meio do rolo é um convite à barbárie; você, que antes ia civilizadamente ao banheiro jogar os papéis usados no lixo, agora passa a mocozá-los no miolo.
                  Os vírus, nesta altura do campeonato, estão todos aglomerados nas bordas das suas narinas, como a torcida no alambrado aos 43 do segundo tempo: riem, gritam, cantam. Sabem que vencerão o jogo, mas vencer não basta, querem te ver no fundo do poço. O poço, no entanto, parece não ter fundo, assim como o oco no meio do rolo: você espreme o papel de um lado, o papel sai pelo outro. As primeiras bolotas amassadas a rolar pelo chão você até recolhe, mas o corpo dói, o entusiasmo falta e, além do mais, você está se habituando àquela porqueira, o que era repugnante às nove da manhã parece aceitável às quatro da tarde, de modo que a casa vai sendo polvilhada pelos pipocões de papel e muco.
                  Aqui, um vírus mais afoito poderia deixar o estádio. Os experientes, porém, sabem que o melhor está por vir -e vem. Em poucas horas, eles te assistem passar do papel higiênico pros guardanapos, dos guardanapos pro papel toalha, até que enfim contemplam sua derrocada final: você, no carro, a caminho da farmácia -onde comprará dúzias de caixas de lenço, sem se importar se trarão ilustrações do Romero Britto, da Turma da Mônica ou dos Cavaleiros do Zodíaco -assoando o nariz numa folha de Zona Azul. Usada. Não, nova.
                  Aí sim essas criaturinhas toscas, felizes por terem deixado de joelhos a máquina mais complexa do universo -você-, darão as mãos, cantarão "Ai, ai, ai, ai, tá chegando a hora..." e se atirarão de suas ventas em busca de novos desafios.
                  antonio prata
                  Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" (editora 34). Escreve aos domingos na versão impressa de "Cotidiano".

                  José Simão

                  folha de são paulo

                  Félix vende salsicha FRIBOFE!

                  Ouvir o texto

                  Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Bafos da semana: Mengão campeão e Zé Dirceu gerente de hotel! E como gritou aquele flamenguista: "Agora são quatro letra: CABÔ!". E o Flamengo é tri, o Vasco é a prova de que o futebol não é uma caixa de surpresas, e o Botafogo? Ah, o Botafogo é um bairro lindo! Rarará.
                  E o meu São Paulo eliminado pela Ponte Preta! A macaca comeu os bambis. E como disse o FuteboldaDepressão: "Time grande não cai. Despenca da Ponte". Rarará. O São Paulo tem que trocar o Boi Bandido por um Bambi Malvado! Rarará!
                  E o Zé Dirceu gerente de hotel? Pacote pra Réveillon! Os hóspedes saem sem as malas! E o Brasil quer saber: ele vai trabalhar no lobby ou na lavanderia? NO LOBBY, como sempre. Vai continuar fazendo o que sempre fez!
                  E o Delúbio vai trabalhar no caixa? E o porteiro vai ser o Genoino, com aquela camisa rosa!
                  E o Roberto Jefferson vai cantar no hotel? Vai ter show do Roberto Jefferson? Parece o hotel de "O Iluminado"! Rarará!
                  E já imaginou a situação? A conta veio errada e você pede pra chamar o gerente. E aí aparece o Zé Dirceu! Rarará! E o hotel não tem cofre nem seguro, aventura radical.
                  O Zé Dirceu vai abrir uma cadeia de hotéis: Papuda Inn!
                  E adorei a charge do Xalberto com o Alcksiemens rebatendo as denúncias de cartel: "Vamos investigar tudo, doa a quem doer! AAAAAIIIIIIII". Rarará. E notícia de corrupção tucana é sempre "suposto". Supostos tucanos praticaram suposto roubo chamado de suposto cartel no suposto Metrô! O PSDB quer dizer Partido Suposto Do Brasil! Rarará! Até o partido é suposto!
                  E Zé Dirceu e Genoino, ambos têm problemas de saúde; o Genoino é cardiopata e o Dirceu é psicopata. Rarará. O Genoino é hipertenso e o Dirceu é hiperchato!
                  E essa: "Condenadas no mensalão tomam banho de sol na Papuda". Virou "Big Brother" agora? E faz mal tomar banho de sol na Papuda!
                  E como disse o Ciro Botelho: o Félix vai vender salsicha FRIBOFE! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
                  O Brasil é Lúdico! Placa no restaurante Imaculada, no centro do Rio: "Eike Batista nunca esteve aqui". Rarará. Vou botar essa placa aqui na porta de casa: "Eike Batista nunca esteve aqui".
                  josé simão
                  José Simão começou a cursar direito na USP em 1969, mas logo desistiu. Foi para Londres, onde fez alguns bicos para a BBC. Entrou na Folha em 1987 e mantém uma coluna que considera um telejornal humorístico.

                  'The Good Wife' chega aos cem em boa forma - Luciana Coelho

                  folha de são paulo

                  'The Good Wife' chega aos cem em boa forma

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                  Emily Nussbaum, a excelente crítica de séries da revista americana "The New Yorker", certa vez argumentou que "The Good Wife" era a primeira grande série de TV sobre tecnologia, dado o número de casos envolvendo o tema em que seus protagonistas trabalharam. Faz sentido e há mérito, mas a série que completa hoje cem episódios nos EUA é bem mais que isso.
                  O que "The Good Wife" não é, aliás, é exatamente aquilo que ela parece à primeira vista: um drama -mais um- sobre advogados. E parecer com um, sem o ser, tem garantido que a série envelheça bem, até cada vez melhor.
                  Jeff Neira/Divulgação/CBS
                  Os atores T.R. Night, Mike Pniewski e Alan Cumming em cena da série
                  Os atores T.R. Night, Mike Pniewski e Alan Cumming em cena da série
                  Sob a trama simples, mulher-de-político-com-a-vida-ganha-se-descobre-traída-e-decide-retomar-carreira-nos-tribunais, a série foi capaz de tratar de política e do papel da mulher (para ficar nos temas grandes) com a mesma sutileza que valeu à interpretação irretocável de Julianna Margulies um Emmy, um Globo de Ouro e um prêmio do sindicato dos atores.
                  É possível, a partir dela, tecer debates sobre como as mulheres de candidatos e primeiras-damas são simultaneamente objeto de fascinação e desdém nos EUA (a série começou em 2009, após uma onda de revelações de casos de políticos proeminentes) e de como elas frequentemente anulam seu potencial para assumir um papel de, vá lá, boa esposa (Michelle Obama que o diga).
                  É possível, até, fazer uma tese sobre estereótipos femininos no mercado de trabalho e na TV a partir de sua vasta amostragem de personagens mulheres.
                  Mas é possível, também, apenas relaxar e se divertir, focando seja o enredo central seja os sub-roteiros que se desenvolveram a partir dele em quatro anos e meio, alinhavados com uma sofisticação rara para a TV aberta dos EUA.
                  Um ingrediente para tanto é o cuidado com os personagens secundários (cada um ali, do Eli vivido por Alan Cumming à Kalinda de Archie Panjabi, parece capaz de protagonizar sua própria série) e com o elenco convidado (Nathan Lane, Jeffrey Tambor, Maura Tierney, Stockard Channing).
                  Um ano atrás dos episódios exibidos nos EUA, fãs no Brasil serão recompensados nesta semana, após uma temporada meio trôpega, pelo retorno de Louis Canning, o advogado sem caráter interpretado por Michael J. Fox, em um bem-vindo papel de vilão.
                  O outro, mais importante, é a introspecção e as nuances que Margulies deu à sua Alicia Florrick, que permite enxergar a personagem de tantas maneiras quanto é possível ver a série.
                  Ela é corruptível, é verdade, mas não há uma derrocada moral óbvia como houve no Walter White de "Breaking Bad" ou no Jack Bauer de "24 Horas". E é a heroína, inequivocamente, não só para amarrar a "história do dia" como é praxe nas séries de advogados e policiais.
                  Provavelmente o maior mérito de "The Good Wife" é se manter atual sem tentar reinventar a roda, absorver maneirismos nem querer copiar a receita das séries que bombam na TV paga adoçando-as para a TV aberta, como tem sido feito exaustivamente. Se há uma fórmula que pode envelhecer bem, é esta.
                  luciana coelho
                  Luciana Coelho é editora-adjunta de Mercado. Pelo jornal, já foi correspondente em Nova York, Genebra, Boston e Washington, além de editora-adjunta de Mundo.

                  Mônica Bergamo

                  folha de são paulo

                  Biografia de fundador do Fasano conta trajetória de altos e baixos da família

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                  "Qual o apartamento do senhor?", pergunta o garçom. "Sou Fabrizio Fasano", responde, seguro e sem apostos, o senhor de 78 anos, que pede ao funcionário do hotel que tem seu sobrenome para a conta da mesa ser enviada ao escritório central, nos Jardins.

                  Fabrizio Fasano ganha biografia

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                  Bruno Poletti/Folhapress
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                  O empresário Fabrizio Fasano, 78, no hall do hotel Fasano, nos Jardins, em São Paulo
                  A cena, presenciada pelo repórter Joelmir Tavares, é emblemática do papel do empresário nos negócios da família. Outrora figura central, ele é hoje mais um referencial do que um patrão no grupo comandado por dois dos três filhos -com 18 restaurantes, quatro hotéis, bufê e casa de eventos em cinco cidades.
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                  Fabrizio diz não saber seu cargo ("Acho que é vice-presidente. Ou presidente? Nunca perguntei"). O fato é que ainda vai à sede da empresa todo dia. O clã entrou no setor de alimentação com seu avô Vittorio em 1902, continuou com seu pai Ruggero e se mantém, na quarta geração, com seu filho do meio, Rogério, o Gero.
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                  A transformação do sobrenome da família de origem italiana em símbolo de luxo é agora contada em livro -"Fabrizio Fasano - Colecionador de Sonhos", de Ignácio de Loyola Brandão. A obra, que tem na capa foto do patriarca feita pelo primogênito, Fabrizio Júnior, o Fabrizinho, será lançada amanhã na Casa Fasano, administrada pela caçula Andrea, a Deca.
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                  "Ele não queria o livro. Relutou muito", diz o escritor, 77, sentado ao lado do amigo. "Acho um pouco soberbo. Não gosto muito de falar de mim mesmo", justifica o personagem da obra. Ela é, segundo o autor, mais "um perfil afetivo" do que biografia.
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                  Das 206 páginas, que consumiram um ano e meio de trabalho, ficaram fora aventuras amorosas do empresário, por exemplo. Foi um pedido de Fabrizio. O casamento com Daisy, em 1960, durou 26 anos. Ficaram separados por 22 e se reaproximaram há dois. Cada um tem a própria casa. "O Fá precisava ter alguém ao lado dele, porque teve um problema sério [de saúde]. E as namoradas sumiram", diz ela, 75.
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                  Marlene Dietrich (1901-1992) foi uma das conquistas. Em sua versão "empresário da noite", ele trouxe a alemã para cantar no Fasano da avenida Paulista, em 1959. Após o show, viraram a noite circulando por dez casas noturnas. "Beijei só, mas não tive nada com ela sexualmente. A Daisy sabe que eu saí com ela."
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                  A obra relata ainda o dia em que a atriz americana Jane Russell (1921-2011), outra a passar pelo palco do Fasano, surpreendeu o dono da casa com um beijo cinematográfico no salão.
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                  Nat King Cole (bêbado, desafinou e foi vaiado), Sammy Davis Jr., Tony Bennett, Ginger Rogers e Cauby Peixoto também fizeram shows no espaço. Hoje, ao relembrar os famosos jantares dançantes, Fabrizio recorda o custo altíssimo para contratar artistas estrangeiros. "Mas eu fazia assim mesmo. Me divertia pra burro. Sempre fui boêmio."
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                  A noite era diferente. "Hoje as pessoas vão para se exibir", diz Loyola. "Que nem o tal Rei do Camarote [paulistano que gasta até R$ 50 mil na balada]. Antes iam pelo show..." Fabrizio completa: "E pelos amigos".
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                  A intimidade entre Fabrizio e Loyola -os dois se conhecem há 40 anos- foi fundamental para construir a cronologia. Quando a memória do biografado falhava, o autor de 40 livros tratava de achar o fio da meada.
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                  "Tenho cada vez menos amigos. Estão morrendo", observa Fabrizio. "É possível conhecer pessoas. Mas amizade com raiz eu não consigo mais na minha idade. Você não passa problemas juntos."
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                  Foi com dois amigos que ele fundou a editora Três (que publica a revista "IstoÉ"), após a família fechar seus restaurantes e confeitarias, afetados pelas incertezas econômicas pós-golpe de 1964.
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                  Voltou a ganhar dinheiro produzindo o uísque Old Eight, líder do mercado nacional entre os anos 1960 e 1970. Dono de fazendas, barcos, imóveis e uma imensa casa no Morumbi, onde dava festas para até mil pessoas, recebeu boa proposta e vendeu a marca. Decidiu investir em um novo uísque. Aí veio a queda.
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                  O lançamento ambicioso do Brazilian Blend incluiu patrocínio à transmissão da Copa do Mundo de 1978 pela TV. Mas um erro na fórmula, que deixava a bebida branca e sem sabor após semanas, levou Fabrizio a pedir concordata. Perdeu bens e amigos.
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                  "Preferia que meus negócios tivessem tido uma trajetória mais normal", afirma, sobre os altos e baixos. "Hoje não tenho dívidas, mas também não tenho poupança." Para Loyola, "ele teve tudo e nada. O que interessou para esse homem? Sempre o desafio. Nunca foi dinheiro".
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                  Após o tombo, o empresário retomou os restaurantes nos anos 1980, ao lado de Rogério, que resgatou a vocação gastronômica da família e expandiu a atuação para a hotelaria. "Meu pai é parceiro, conselheiro, sempre presente", diz. "O Rogério é perfeccionista, muito mais que eu", comenta o velho Fasano.
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                  "Herdei dele o arrojo e essa coisa de sonhar, 'vai que dá'", diz Rogério. Há alguns anos, o filho chegou a levar 18 chefs, maîtres e garçons para a Itália, num tour por Roma, Veneza e Florença. Queria que a equipe se entrosasse e conhecesse o país que inspira a culinária do grupo. Até os funcionários ficaram perplexos.
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                  Fabrizio, que se empolga com o número de lugares para comer em SP, frequenta estabelecimentos como os de Jun Sakamoto e de Alex Atala, que, segundo ele, "colocou o Brasil no mapa da gastronomia mundial".
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                  Cita os gastos com pessoal ("representam 30% do custo") para explicar o preço elevado do setor. "As pessoas não trabalham mais de graça ou só pela gorjeta, como antigamente. Querem salário fixo." Diz que, "se o garçom é simpático, o cliente releva os erros".
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                  Descrito no livro como "inquieto, hiperativo, homem da noite, sedutor, empreendedor", Fabrizio mantém o hábito de jantar fora todas as noites. Passa na casa de Daisy. Vai com ela a um de seus restaurantes prediletos. E termina no Fasano, tomando um cálice do vinho que chama de "meu portinho".
                  mônica bergamo
                  Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.