quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Janio de Freitas

O não dito pelo dito
A frase 'nós dois somos possibilidades', emitida por Marina, atinge Eduardo Campos pelas costas
A frase "nós dois somos possibilidades e sabemos disso", emitida por Marina Silva, é a precipitação talvez involuntária, mas certamente sincera e sem dúvida verdadeira, de um desmentido que atinge Eduardo Campos e sua candidatura pelas costas.
É clara e objetiva a admissão de candidatura própria na frase de Marina Silva, recolhida por Ranier Bragon e Matheus Leitão (Folha de ontem). Frase que não ficou contida por mais do que umas 24 horas após a revelação, pelo intermediário da entrada de Marina Silva no PSB, de que Eduardo Campos recebeu com resistência a proposta de adesão, preocupado em salvaguardar sua candidatura. Argumentou que não poderia retirá-la, e perguntou: "Vou ser constrangido?" [a retirá-la].
Resposta contada aos mesmos repórteres pelo próprio interlocutor de Eduardo Campos, deputado Walter Feldman: "Eu disse: A Marina pretende te apoiar, você não será constrangido a retirar sua candidatura, queremos uma aliança programática. Estamos no seu projeto".
Em texto dos dois entrevistadores: "Segundo relato do deputado, ele disse ao governador que Marina não tinha essa intenção [JF: de ser a candidata à Presidência] e que pretendia (mesmo com 26% das intenções de voto na última pesquisa Datafolha) apoiar o pessebista, com apenas 8%".
Ainda na relato de Feldman, Eduardo Campos relutou ante a sugestão de um encontro com Marina Silva, temeroso de desgaste se a conversa fracassasse. Por fim concordou, foi encontrá-la em Brasília, e nenhuma candidatura esteve sob condição.
Mas está. Desde já. Ou, quem sabe, desde antes. Eis o trecho todo nas palavras de Marina Silva:
"Para nós, não interessa agora ficar discutindo as posições. Nós dois somos possibilidades e sabemos disso. Que possibilidade seremos, o processo irá dizer e estamos abertos a esse processo".
Bem nítido: "Não interessa [discutir] AGORA", o mesmo que dizer da expectativa já existente de discutir a questão adiante. Quando? Não será Eduardo Campos a ter a palavra a respeito. Nem será o PSB que a decidir. "O processo irá dizer." E, mais do que falar por si, Marina se permite falar pelo próprio Campos: "ESTAMOS abertos a esse processo".
O oposto do assegurado a Eduardo Campos, como relatado por seu interlocutor, intermediário de Marina Silva e testemunha do encontro, Walter Feldman, que deixou o PSDB para acompanhar sua líder no projeto via PSB.
A situação de Eduardo Campos não deixa de ter graça. Ele começa a mostrar-se a verdadeira Dilma Rousseff imaginada nas tantas loas à jogada "brilhante e inovadora" de Marina Silva ao incorporar-se à candidatura do PSB, contra a da presidente à reeleição. Ao menos desde ontem pela manhã, quando publicada a entrevista de sua nova associada, Eduardo Campos só pode ser um exemplo de apreensão. Mas sorridente, muito sorridente. Obrigado a sorrir, a repetir-se feliz com o acordo e, claro, absolutamente confiante no apoio de Marina. E, quanto mais se mostre assim, mais será o contrário.
Até por uma possível dor nas costas.

    José Simão

    Que dupla! Marinardo e Eduina!
    A Marina teve ataque alérgico em plena lua de mel. Por isso que o Eduardo Campos tem aquele olho esbugalhado!
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! "Menino entra no hospital para fazer cirurgia da língua e o médico opera fimose na Santa Casa de Ponta Grossa". Isso que é falta de comunicação.
    E o médico não era cubano! E por que no Brasil tudo é engraçado? Língua, fimose e Ponta Grossa! Rarará!
    Outra: "Guerrero tem lesão diagnosticada no pé esquerdo e é cortado pelo Peru". Erro médico! Isso foi erro médico! Justo pelo Peru?
    E essa: "Ideli Salvatti usa helicóptero do Samu em périplos por Santa Catarina". É o chamado IDELICÓPTERO! Tudo certo: como ela se chama Salvatti, usou o helicóptero do Samu! O Samu salvatti a Ideli!
    E ainda que ela usa helicóptero. Se for por terra, apavora metade de Santa Catarina! Com aquela cara de cruz credo com a mãe do sarampo! Rarará!
    E reparou que só tem neto pra 2014? O Aécio é neto do Tancredo, o Eduardo Campos é neto do Arraes. Isso não é nepotismo, é NETISMO! Netismo 2014: Aécio neto do Tancredo, Campos neto do Arraes. E a Dilma é neta do Shrek! E a Marina é neta do E.T. com a tartaruga da Brahma! Rarará!
    E essa dupla Marinardo e Eduina? Lua de mel do barulho! A Marina teve ataque alérgico em plena lua de mel. Por isso que o Eduardo Campos tem aquele olho esbugalhado! "Tô com alergia". "JÁ?". E esbugalhou os olhos! Rarará.
    Ele parece o Mike do "Monstros S.A". Aquele monstrinho verde redondo com um olho só ENORME! Fábrica de sustos! O Campos tem um ovo frito de cada lado do nariz!
    Eu acho que o Campos, quando menino, viu disco voador, o curupira, o boitatá e a mula sem cabeça!
    E adorei a charge do Cazo com a Dilma gritando (A Dilma gritando é pleonasmo): "Avisa pro Obama que eu não irei porque não consigo encontrar o passaporte". "Ele disse que o passaporte tá na sua mesa, terceira gaveta à direita, junto com os arquivos da Petrobras". Rarará!
    É mole? É mole, mas sobe!
    Os Predestinados! Mais duas para a minha série Os Predestinados. É que em Araraquara tem a nutricionista Nádia REDONDO! Ela devia se chamar Nada Redondo. Porque nutricionista não gosta de nada redondo. E essa outra nutricionista: Daniela Magro! Rarará.
    Nóis sofre, mas nóis goza!
    Hoje, só amanhã!
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      Marta diz que faltou lado 'literário' em discurso de Ruffato

      Ministra criticou a aplaudida fala de protesto do autor, mas defendeu Temer, vaiado na Feira de Frankfurt
      Desistência de Paulo Coelho também foi mencionada pelos escritores brasileiros que debateram ontem
      DOS ENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURTOs discursos de abertura do escritor Luiz Ruffato e do vice-presidente Michel Temer na Feira de Frankfurt, na noite de terça, continuaram em debate ontem no evento.
      Ruffato havia apontado uma lista de mazelas brasileiras e terminou ovacionado. Temer, por sua vez, foi vaiado após exaltar sua atuação como poeta e no grupo que criou a Constituição de 1988.
      A ministra da Cultura, Marta Suplicy, disse ontem, na feira, ter sentido falta do aspecto "literário e mágico" do Brasil no discurso de Ruffato.
      "O Brasil hoje tem programas sociais extraordinários e o autor escolheu fazer uma reflexão por outro ângulo", afirmou Marta, ao mesmo tempo em que defendeu Temer.
      Segundo ela, o vice-presidente "se saiu bem após captar o que foi colocado [por Ruffato] e improvisar".
      "Ele falou da democracia do nosso país, que permite, num fórum internacional,alguém falar coisas duras como Ruffato falou."
      Ruffato chamou a atenção durante toda a quarta.
      Pela manhã, participou de mesa em uma das seções de entrevistas mais tradicionais da feira, com público prioritariamente alemão, dizendo que o papel da literatura é fazer uma "reflexão da sociedade". Concluiu o périplo ao ter o nome incluído numa espécie de "calçada da fama" do evento, iniciativa inaugurada neste ano.
      A seleção de estrelados é eclética: inclui de Christiane F. ("Drogada e Prostituída") a J.R.R. Tolkien, além de brasileiros como Mauricio de Sousa e Patrícia Melo.
      Sobre os discursos, o escritor Marçal Aquino abriu seu debate dizendo: "Sempre vamos preferir um artista que faça política do que um político que faça poesia".
      PAULO COELHO
      A romancista Nélida Pinon também se referiu ao caso em mesa com Carlos Heitor Cony, antes de fazer crítica indireta a Paulo Coelho por ter desistido de vir ao não concordar com a lista de convidados.
      Sobre o autor de "O Alquimista", Marta Suplicy disse achar "uma pena que o maior escritor brasileiro em vendas e fãs não tenha podido comparecer a um evento no qual o Brasil é homenageado".
      A ministra afirmou, no entanto, que não ficaram claras para ela as razões da desistência do autor.
      Em entrevista ao jornal alemão "Die Welt", Coelho disse que tomou a decisão depois de "fazer seu melhor" para conseguir incluir na delegação autores como Raphael Draccon e André Vianco.
      Tanto Marta quanto o curador da programação, Manuel da Costa Pinto, informaram que essa demanda nunca chegou a eles.
        AUSENTES
        Cinco autores não foram a Frankfurt
        Embora o Brasil tenha convidado 70 autores para a feira, houve ao menos cinco baixas. Além de Paulo Coelho, desistiram a poeta Adélia Prado, a ensaísta Walnice Nogueira Galvão, o romancista João Gilberto Noll e o biógrafo Fernando Morais. Nenhum convidado extra foi chamado.

          Laurentino Gomes critica Procure Saber - Raquel Cozer e Cassiano Elek

          Em Frankfurt, autor de '1889' diz que ação do grupo de artistas pode tornar o país 'o paraíso da biografia chapa-branca'
          Para Francisco Bosco, 'interesse coletivo não pode se sobrepor à soberania decisória sobre a vida privada'
          CASSIANO ELEK MACHADORAQUEL COZERENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURTO debate em torno da necessidade de autorização dos retratados para a publicação de biografias no Brasil chegou ontem à Feira do Livro de Frankfurt, maior evento editorial do mundo, onde o país vem fazendo participação repleta de protestos.
          Convidado para uma mesa sobre livros de história, o best-seller Laurentino Gomes, autor de "1889", transformou de última hora sua fala num manifesto em defesa das biografias.
          Foi motivado, segundo disse, por reportagem publicada na Folha no último sábado, na qual Paula Lavigne, "falando em nome de um grupo de artistas que inclui Chico Buarque, Caetano e Gil, disse: Nosso grupo é contra a comercialização de uma biografia não autorizada'".
          O escritor citou a mobilização do grupo coordenado por Lavigne, o Procure Saber, quando pedia uma fiscalização maior pelo governo do Ecad, órgão responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais de músicas executadas no país.
          "Foi lindo, comovente mesmo, ver Paula Lavigne, Caetano Veloso, Roberto Carlos e outros fazendo lobby nos corredores do Congresso e trocando tapinhas nas costas de Renan Calheiros para defender seus interesses econômicos. Agora esse mesmo grupo quer defender seus interesses limitando a liberdade de expressão", disse.
          Para Laurentino, o grupo faz com que o Brasil corra o risco de se tornar "o paraíso da biografia chapa-branca".
          "Artistas, políticos, empresários e escritores são figuras públicas ou porque atraem a curiosidade das pessoas pela sua criação ou porque exercem função de interesse público por afetar a forma como a sociedade se comporta. São, portanto, alvo legítimo da investigação de pesquisadores."
          O escritor lembrou casos de biografias que enfrentaram problemas judiciais, como a de Roberto Carlos, por Paulo Cesar de Araújo.
          "A Constituição brasileira é das poucas, senão a única, do mundo que proíbe censura a criações artísticas, o que, no meu entender, inclui ou deveria incluir todos os gêneros literários", disse.
          Mas lembrou o artigo 20 do Código Civil brasileiro, que determina que retratados podem proibir uma biografia se considerarem que lhes "atinge a honra, a boa fama ou a respeitabilidade" ou se "se destinar a fins comerciais".
          "Tentativas de mudar esse artigo, como o projeto de Newton Lima [PT-SP], ficaram paradas no Congresso, agora com escassa chance de aprovação, alvo de chicanas regimentais de parlamentares, eles próprios interessados em zelar, para usar as palavras do Código Civil, pela própria boa fama'".
          Questionada sobre o assunto em entrevista em Frankfurt, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, disse apenas que "tem escutado todos os lados".
          A questão também ganhou repercussão em coluna do jornal "O Globo" publicada ontem, assinada pelo escritor Francisco Bosco. Para ele, o interesse coletivo não pode se sobrepor à soberania decisória sobre a vida privada.
          "Aquilo que torna público um indivíduo é a dimensão de sua vida que ele consagrou à esfera pública, alterando-a. Não foi a sua vida privada que transformou a coletividade. Por isso sou um defensor da free culture - creative commons', aumento do espectro do fair use', diminuição drástica do prazo de copyright' etc. -, mas é fundamental notar que a defesa da soberania da vida privada não se confunde com uma posição conservadora ou privatista no que diz respeito à cultura, precisamente porque a vida privada não pertence à cultura."
            Proibição é censura, diz ministro da Justiça
            MARINA DIASDE SÃO PAULOO ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que proibir a publicação de biografias não autorizadas é "censura" e, por isso, "inadmissível" no Estado de Direito.
            "Temos que garantir a livre expressão e a livre circulação de ideias e informação. Se isso for violado de alguma maneira, o Judiciário pode reparar", declarou à Folha.
            A discussão sobre a publicação de biografias não autorizadas voltou à cena quando Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo Carlos endossaram a opinião de Roberto Carlos, que já tirou de circulação obras sobre sua vida. Juntos, eles fundaram o grupo Procure Saber, que defende a exigência de autorização prévia para a comercialização dos livros.
            Em 2008, quando era deputado federal pelo PT-SP, Cardozo foi relator de um projeto de lei que coibia a proibição das biografias no Brasil.
            De autoria do então deputado Antonio Palocci (PT-SP), o Projeto de Lei 3378/08 modifica o artigo 20 da Lei 10.406, de 2002, que dá brecha para que biografados e herdeiros consigam na Justiça impedir a circulação de obras não autorizadas.
            "Como deputado, dei meu parecer favorável na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e tentei um acordo para levar o projeto à votação, mas não consegui", diz Cardozo. Está arquivado na Mesa Diretora da Câmara. Ficou um ano tramitando na CCJ e o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-PR) pediu adiamento da votação. Um mês depois, foi retirado de pauta por acordo, sem votação em plenário.
            "Pedimos adiamento da votação quando precisamos avaliar melhor o projeto. Não fui pressionado", declarou Biscaia, que foi deputado de 2002 a 2010.

              Contardo Calligaris

              Para (ou contra) o Dia das Crianças
              Quando crianças pequenas são reconhecidas como transgênero, para os pais, qual é a escolha certa?
              Na semana retrasada, em Buenos Aires, uma criança de seis anos foi autorizada a mudar de nome e de gênero no registro de identidade argentino. Ela tinha nascido menino, Manuel, e declarava ser menina e princesa desde os 18 meses. A criança passa a se chamar agora Luana, nome que ela já tinha escolhido dois anos atrás.
              Ela se vestirá de menina, brincará com as meninas e, na escola, frequentará o banheiro feminino. Esse detalhe não é irônico: pouco tempo atrás, nos EUA, uma criança transgênero da mesma idade de Luana, Coy Mathis, teve que recorrer à Justiça para obter o direito de frequentar o banheiro feminino de sua escola.
              Simpatizo com os juízes norte-americanos e argentinos, porque sua decisão não foi fácil. Simpatizo ainda mais com os pais de Luana, de Coy e de todas as crianças pequenas que hoje são reconhecidas como transgênero.
              Imagino o drama dos pais. Eles podem 1) proibir e coagir para tentar estancar a identificação com o outro sexo, 2) permitir e deixar a coisa se desenvolver sem vaiar e sem aplaudir ou, ainda, 3) tomar as dores de suas crianças e defender o direito de elas mudarem de gênero. Qual é a escolha certa?
              Concordando ou não com a escolha dos pais de Luana e Coy, para apreciar sua coragem, basta se lembrar de que poucas décadas atrás ainda se prendia a mão esquerda atrás das costas das crianças canhotas na hora de elas aprenderem a escrever.
              Qual será o próximo passo desses pais? Em tese, tentarão contrariar a puberdade administrando à filha o hormônio feminino que ela não produz. Mesmo assim, o corpo de Luana e Coy se tornará mais masculino do que elas esperam, e chegará a hora de recorrer à cirurgia estética e, por exemplo, implantar seios e depilar o corpo inteiro a laser. Quando?
              Um recente artigo de Margaret Talbot, numa "New Yorker" deste ano (http://migre.me/giGK1), conta a história de Skylar, criança transgênero de menina para menino, que começou a testosterona e removeu os seios aos 16 anos.
              Talbot também mostra que, sobretudo nos EUA, cresce fortemente o número de crianças pequenas que pedem para mudar de gênero.
              Ora, a diferença de gênero é muito menos binária do que estamos acostumados a pensar, e acredito mesmo que haja espaço para um terceiro e um quarto gênero. Mas acho sintomática a diminuição progressiva da idade das crianças consideradas transgênero. Sintomática de quê?
              Para autorizar uma mudança de sexo, psicólogos e psiquiatras recorrem a critérios sobre os quais é inevitável que se discuta até não poder mais. Mas, de qualquer forma, sejam quais forem os critérios, alguém acha que possamos aplicá-los em crianças de seis anos?
              O que significa que um menino, aos dois anos, declare que ele é menina ou princesa? Mesmo que ele não desista nunca dessa ideia, ainda assim ele tem vários destinos possíveis. Talvez, no futuro, ele acorde a cada dia num corpo que lhe repugna, e sua vida só se resolva se ele se transformar concretamente em mulher. Mas uma outra possibilidade (de novo, entre várias) é que, no futuro e durante a vida inteira, ele esconda sua feminilidade e faça dela uma grande fantasia erótica.
              A segunda via não é a repressão da primeira: é outra aventura, totalmente. Quem decidirá, diante de uma criança de seis anos, se ela é candidata à primeira ou a segunda via? Ou a outra via ainda?
              É preciso idealizar loucamente a infância para incentivar ou satisfazer o desejo de mudar de gênero manifestado por uma criança de seis anos.
              Pouco tempo atrás, a uma criança que dissesse suas vontades, só se respondia "cresça e depois a gente conversa". De repente, hoje, parece que o próprio fato de uma criança falar seja garantia da qualidade ("verídica") do desejo que ela expressa (talvez por isso, aliás, não saibamos mais o que fazer quando as crianças dizem que preferem dormir tarde, estudar outro dia etc.). Será que nos esquecemos de que uma criança inventa, finge, mente, que nem gente grande, se não mais?
              Sábado é Dia da Criança. Ótimo --que seja um dia em que as crianças possam fazer uma ou outra besteira que lhes der na telha e em que os adultos gastem um dinheiro em presentinhos.
              Mas péssimo se o Dia das Crianças for a celebração canônica da infância, que é um ídolo moderno especialmente perigoso. Perigoso? Sim. Espero que não seja o caso de Luana e de Coy, mas as primeiras vítimas de nossa idealização da infância são sempre as próprias crianças.

              Ícone da transgressão, atriz desafiou dogmas com atrevimento e beleza

              Análise - Sérgio Rizzo

              Graças a Norma Bengell, cinema do país rompeu tabus 
              SÉRGIO RIZZOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAAinda bem que Norma Bengell não veio ao mundo só para agradar. Foi também um ícone de transgressão no cenário cultural brasileiro. Incomodou a Igreja Católica, desafiou o conservadorismo e despertou inveja.
              O escandaloso nu frontal --o primeiro do cinema brasileiro-- na sequência de chantagem e estupro de "Os Cafajestes" (1962), de Ruy Guerra, brilha hoje como um momento sublime de atrevimento.
              A controvérsia provocada ali só encontraria paralelo na cena erótica que protagonizou com Odete Lara em "Noite Vazia" (1964), de Walter Hugo Khouri. Graças mais uma vez a Norma, o cinema brasileiro rompia tabus.
              Naquele período da carreira, foi ainda o contraponto à ingenuidade da personagem de Glória Menezes em "O Pagador de Promessas" (1962).
              Novamente no papel de uma prostituta, Norma levou à Riviera Francesa a sensualidade explosiva que lhe valeria trabalhos na Europa e nos EUA. Mais do que apenas beleza notável, o Brasil exportava um símbolo sexual.
              Fora das telas, também alimentou polêmicas. Militante pela criação de incentivos ao cinema brasileiro no período pós-Collor, tascou um beijo no então presidente Itamar Franco pela assinatura da Lei do Audiovisual, em 1993.
              Foi protagonista involuntária de uma celeuma eleitoral, na campanha de 2010, quando o blog de Dilma Rousseff usou uma foto de Norma, na Passeata dos Cem Mil de 1968, como se ela fosse Dilma.
              Mas nenhuma dessas situações foi capaz de atingir a sua imagem pública com a voracidade do episódio que envolveu "O Guarani" (1996).
              Produzido e dirigido por Norma, o filme foi um fracasso de público. Como se essa frustração já não bastasse, problemas com a prestação de contas a devolveram aos holofotes da mídia.
              Foi então desencadeada a vingança conservadora que a aguardava desde os anos 1960. Norma caiu no moedor de carne por um desvio de dinheiro, mas também porque, bonita e desejada, um dia ousou desafiar dogmas.