quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Jairo Marques

A criança e o velho
O homem vai de pequeno merecedor de absoluta proteção ao idoso pouco festejado e abandonado
Embora menos de duas semanas separem o Dia do Idoso do Dia da Criança, a distância da representatividade, da atenção e da comemoração entre as datas é hemisférica.
Para começar, os presentes. Em busca de agradar e encantar a molecada não se poupa o talão de cheques, mesmo que borrachudo (bate no caixa e volta ao portador).
São bonequinhas que dançam o "tcham", jogos eletrônicos sanguinários com gráficos "maraviwonderfuls". O importante é agradar, despertar um belo sorriso e garantir alguns dias de sossego aos pais.
O presente para o velho é diferente. Em realidade, para que presente se ele já teve tudo ao longo do tempo? "Dá um talco. A vovó adora andar cheirosa." "O vovô não gosta de nada. Aquela caixa de lenço do ano retrasado, ele nem abriu."
Ok, deixe-se a complexidade e o consumismo de lado. O que importa é a lembrança e o carinho manifestado com a presença no dia especial!
Visitar uma criança é sempre um prazer. Catar aquele pingo de gente no colo, abraçar, fazer jurar amor eterno, fazer "guti-guti", tirar mil retratos em poses inimagináveis.
E o danado corre para todos os lados, derruba da mesa a panela de macarronada com carne moída e a família toda cai em gargalhada com a esperteza do herdeiro que é pura energia e já está na sala puxando o rabo do cachorro.
Ir à casa da tia octogenária envolve maior organização, tempo e disposição. Ela já não concatena mais as ideias direito, reclama de dores nos quartos, nas costas e em quaisquer outros cômodos do corpo.
Tia velha não gosta de fotografia, porque sempre sai muito feia, então ninguém nem se lembra de levar a Rolleiflex ou mesmo pedir um "olha o passarinho" para registrar o momento e postar no "face".
Com as crianças, a torcida é para que logo comece a falar, mas com os velhos a esperança costuma ser forte para a boca fechar. A palavra infantil é bonitinha, mimosa, encantadora. O verbo do idoso é cafona, ultrapassado e repetitivo.
Incrível como um mesmo "serumano" pode ser protagonista de experiências de representatividade tão antagônicas no curso de sua história. De pequeno merecedor de absoluta proteção e carinho ao idoso em abandono, pouco festejado e raramente respeitado.
O velho para ser querido e enturmado tem de guardar em si um pouco da aura de infante. Simplesmente ser velho e levar o cotidiano da forma que bem entender pode abrir caminho à intolerância.
Já a criança que manifesta cedo traços de adulto, de velho, "vai ser muito inteligente" e, provavelmente, terá um futuro brilhante. Vai entender...
Mas o que me deixa mesmo de boca aberta são essas atuais correntes de pensamento que almejam encurtar a infância e postergar a velhice.
Para elas, menino com 12 anos que faça feiura e barbaridades, várias delas geradas pela própria sociedade, tem de ser ensinado no cárcere.
Em outra vertente, defende-se que é pouco para alguém ser considerado idoso aos 60. Toca trabalhar, pegar fila, ter obrigações chatas até os 70, 75. É bom para a previdência, para a economia, e para quem pode. Quem não pode que dê seu jeito.
Não está fácil desempenhar papel de gente nesse mundo. Felicidades às crianças, felicidades aos velhos.

Mineiro Luiz Ruffato foi aplaudido ao criticar morte de índios, impunidade e analfabetismo

ILUSTRADA - EM CIMA DA HORA
Autor abre Frankfurt com fala sobre genocídio
CASSIANO ELEK MACHADORAQUEL COZERENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURTGenocídio, estupro, intolerância, impunidade e analfabetismo foram alguns do termos usados para definir o Brasil pelo escritor Luiz Ruffato, em um forte discurso que marcou a abertura oficial da participação brasileira na Feira do Livro de Frankfurt, na tarde de ontem.
O autor mineiro falou na principal sala do evento alemão, diante de mais de 2.000 pessoas, em cerimônia que teve, entre outros, discursos do ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, e do vice-presidente do Brasil, Michel Temer.
Ao longo de dez minutos, o autor de "Eles eram Muitos Cavalos" e "Domingos Sem Deus" repassou a sua visão da história do país: do descobrimento, sob a égide do genocídio indígena, aos tempos atuais, marcados por impunidade, falta de respeito ao meio-ambiente e população carcerária de 550 mil pessoas.
Ao final, comentou avanços sociais recentes e sublinhou o poder transformador da literatura, usando como exemplo sua trajetória: "Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto tive o meu destino modificado pelo contato, ainda que fortuito, com os livros".
Ruffato foi ovacionado, com aplausos de mais de um minuto. Diversos brasileiros, como o diretor do Sesc-SP, Danilo Santos Miranda, e escritores como o poeta Age de Carvalho e o romancista Paulo Lins aplaudiram de pé.
O discurso continuou reverberando depois do encerramento da cerimônia. O diretor da feira, Juergen Boos, disse a pessoas próximas que há anos não via uma fala de abertura tão contundente.
Uma das poucas vozes críticas ao discurso foi do cartunista e escritor Ziraldo, que deixou o evento esbravejando "Ruffato não me representa". Para ele, a feira não era o foro para este tipo de discussão.
Igualmente polêmica, mas em sentido oposto, foi o discurso de Michel Temer, que representou a presidente Dilma Rousseff no evento.
Além de ter cometido equívocos, como o de ter saudado Marta Suplicy como ministra da Educação (é da Cultura), ele exaltou sua própria atuação como constituinte, divagou sobre a infância ("as leituras aguçaram meu raciocínio") e terminou por comentar sua própria produção poética. Concluiu a fala sob vaias.
Dos discursos alemães, o mais comentado foi o do ministro Guido Westerwelle. Ele disse que assinaria embaixo do discurso de Dilma sobre internet (em alusão às críticas à espionagem sofrida pelo país) e defendeu um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU para o Brasil.

    República esquizofrênica?

    JANAÍNA CONCEIÇÃO PASCHOAL
    Vivemos uma democracia em que todos são livres para concordar. Quem discorda recebe carreiras truncadas, representações e sindicâncias
    O Brasil é um país que causa perplexidade. Ao mesmo tempo em que se instalam Comissões da Verdade nas mais diversas instâncias, financia-se a ditadura cubana, mediante a importação de seres humanos.
    No lugar de conceder asilo a indivíduos tratados como mercadoria, compactua-se com um dos mais longos regimes de exceção.
    Paralelamente às campanhas que visam coibir o crime de redução a condição análoga à de escravos, bem como o tráfico de pessoas, impõe-se um programa que possui elementos caracterizadores desses delitos; não sendo poucas as denúncias de supostas ameaças por parte da Advocacia-Geral da União aos conselhos de medicina.
    Intrigantemente, o mesmo governo que peita os Estados Unidos e o Canadá, rejeitando até convite para visita de Estado, sem qualquer evidência efetiva de ataque à nossa soberania, curva-se à Bolívia, inclusive calando-se diante da apropriação de patrimônio público nacional.
    Pessoas que chegaram a pegar em armas para lutar contra a censura, hoje no poder, entendem que um diplomata, que apenas cumpriu seu papel institucional, deva ser punido por ter concedido entrevista defendendo suas convicções.
    Um olhar inocente pode diagnosticar esquizofrenia. Análise mais realista mostra que as contradições são apenas aparentes. Já há um bom tempo vivemos uma democracia em que todos são livres para concordar.
    Nesse tipo de república (com r minúsculo), há ditaduras e ditaduras, torturas e torturas, censuras e censuras. Os procedimentos não são ruins em si. São rechaçados, ou festejados, a depender dos envolvidos.
    Nesse contexto, resta coerente que votos indiscutivelmente técnicos, prolatados por cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (um deles professor de processo), sejam estigmatizados como políticos; e que os réus que mais gozaram de defesa e garantias neste país sejam tratados como mártires perseguidos.
    Importante destacar que, apesar de toda ode feita ao duplo grau de jurisdição, não há notícias de que as ações originárias em trâmite --ou as condenações definitivas delas oriundas-- tenham sido anuladas.
    Nesse tipo de democracia (com d minúsculo), resta compreensível que dezenas de criminalistas tenham se manifestado a respeito do histórico julgamento do mensalão e apenas um deles, dos únicos que ousou mostrar que garantismo não guarda relação com impunidade, seja intimidado com a possibilidade de representação a seu órgão de classe.
    Esses assuntos podem parecer desconexos. Mas estão intimamente relacionados. O modelo seguido pelo partido que nos governa é a Venezuela. Na Venezuela, os oposicionistas estão literalmente apanhando. No Brasil, praticamente não há oposição. Mas a intolerância é tanta que não é difícil que os poucos oposicionistas comecem a apanhar também fisicamente. Quem insiste em incomodar discordando, ainda que timidamente, recebe rostos virados, carreiras truncadas, representações e sindicâncias.
    Fala-se em respeitar as diferenças, mas só se respeita as diferenças dos iguais. Totalitarismos não se fazem apenas por meio do governo central, mas mediante a adoção irrefletida do discurso central pela maioria. A corroborar esse cenário sombrio, tem-se um clima de anomia instalado por protestos violentos e desordenados, muito convenientes a ímpetos ditatoriais.

    Mais músicos aderem ao lobby contra as biografias

    folha de são paulo
    Grupo de artistas, agora, reivindica pagamento a biografados ou herdeiros
    Escritores reagem ao que consideram tentativa de censura prévia por parte de Caetano, Chico e Gil
    JULIANA GRAGNANIDE SÃO PAULOPAULO WERNECKCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO debate sobre publicação de biografias no país esquentou com a divulgação das gestões do grupo Procure Saber para consolidar, no Código Civil, o controle das histórias pelos próprios biografados.
    A novidade, introduzida pela presidente do grupo, Paula Lavigne, é a tentativa de impor a obrigação de pagamento a biografados ou herdeiros. O pleito ganhou a adesão de artistas.
    "Tudo o que se usa, paga", diz o sambista Wilson das Neves. "É até bom um dinheiro que entra na conta. Só estou esperando a minha vez."
    O compositor Pedro Luís defende a iniciativa: "Todo mundo que é ingrediente do sucesso deve ser remunerado. Quem faz a revisão, a capa, não é remunerado? E o assunto do produto, não?".
    "É justa a reivindicação", diz o roqueiro Nasi, que recebe 10% do preço de capa de sua biografia, "A Ira de Nasi" (Belas Letras), de Mauro Beting. "Você está explorando a história e a imagem de alguém. É como se eu deixasse de receber por uma música minha gravada por outro."
    Biógrafos e editores, por sua vez, se mobilizam contra a iniciativa. "Sinto-me insultado com a afirmação de que biógrafos só buscam abarrotar o bolso de dinheiro", disse Mário Magalhães, que narrou a vida do guerrilheiro Carlos Marighella.
    Fernando Morais (Olga Benário, Chatô, Paulo Coelho) também reagiu: "É pré-colombiano." Morais, que escreve agora a história de Lula, perguntou à reportagem se o apoio de Chico Buarque está confirmado (sua assessoria confirmou).
    Regina Echeverria, biógrafa de Cazuza, Elis, Gonzaguinha e Gonzagão e José Sarney também se mostrou perplexa: "Não estou entendendo. Acho impossível. O Chico?".
    Entre os pontos de discórdia está a eventual obrigação de pedir autorização e pagar a personagens controversos. Lira Neto, biógrafo de Getúlio, questiona se, caso escreva sobre Filinto Muller, chefe da polícia política do Estado Novo, precisará pagar e pedir autorização à família.
    Magalhães evoca um exemplo mais recente, ainda vivo: "De acordo com a lei atual, o Cabo Anselmo poderia impedir a circulação de uma biografia independente. O Cabo Anselmo tem o direito de impor à história uma biografia chapa-branca? Afinal, a ditadura acabou ou não?".
    Para Dudu Braga, o "Segundinho", esse argumento é "incoerente": "Na discussão das biografias não autorizadas colocam artistas e esportistas no mesmo saco que ditadores e criminosos?", tuitou o filho de Roberto Carlos.
    O Procure Saber rejeitou pedidos de entrevista. Um tuíte deletado do perfil de Caetano dizia: "Querem fazer biografias sem autorização? Ok! Mas paguem ao biografado". Segundo sua assessoria, Lavigne controla entrevistas de Caetano sobre o tema.

      Músicos questionam comercialização de livros; leia entrevista com a produtora Paula Lavigne

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      JULIANA GRAGNANI
      DE SÃO PAULO
      Ouvir o texto

      Criado pelos músicos Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan, Erasmo Carlos e Gilberto Gil, o grupo Procure Saber agora se posiciona a favor da exigência de autorização prévia para a comercialização de obras biográficas.
      À frente dos músicos, como sua porta-voz e presidente da diretoria, está a produtora Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano.
      A anuência de biografados ou herdeiros antes da publicação de livros, que hoje dá margem à proibição e recolhimento de obras, é considerada por autores e editores como uma "censura privada".
      Para a Associação Nacional de Editores de Livros, o procedimento fere a liberdade de expressão e o direito à informação. O grupo é autor de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que contesta as normas atuais no Supremo Tribunal Federal.
      Os artistas, por outro lado, dizem acreditar que a comercialização de biografias acaba privilegiando o mercado em detrimento dos biografados. Eles também questionam os valores pagos por danos morais.
      "Usar o argumento da liberdade de expressão para comercializar a vida alheia é pura retórica. Vamos correr o risco de estimular o aparecimento de biografias sensacionalistas, em um país em que a reparação pelo dano moral é ridícula", disse Lavigne, em entrevista concedida à Folha por e-mail.
      Segundo ela, o Procure Saber está em vias de registrar-se como associação para entrar como "amicus curiae" (interessada na causa) na ação a ser analisada pelo Supremo.
      O grupo chamou a atenção em julho, quando alguns de seus membros, como Roberto Carlos, Caetano e Erasmo Carlos, foram a Brasília pedir a aprovação da lei que deve modificar a forma como os direitos autorais são geridos no país.
      No dia da votação, encontraram-se com a ministra da Cultura, Marta Suplicy, com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e com a presidente Dilma Rousseff. Saíram vitoriosos. Segundo Lavigne, a participação de Marta nos debates sobre causas artísticas no Congresso é "um luxo".
      Para discutir o projeto de lei, músicos chegaram a reunir-se na casa do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que presidiu a CPI que investigou o Ecad (entidade arrecadora de direitos autorais) no ano passado.
      *
      Folha - O que é o Procure Saber?
      Paula Lavigne - É uma associação de representatividade, que reúne autores musicais e intérpretes para tratar de questões relevantes para esses profissionais, promovendo debates, levantando informações, fazendo estudos, analisando projetos de lei, informando, esclarecendo e fornecendo suporte técnico e operacional para assuntos de interesse da classe artística. Também é uma plataforma profissional de atuação política em defesa dos interesses da classe.
      Qual é exatamente sua função no Procure Saber?
      Minha função é a de presidente da diretoria. Os líderes da Associação Procure Saber são seus fundadores, membros do conselho deliberativo, que são Gilberto Gil, Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
      A diretoria é formada por Flora Gil, Leo Esteves, Dudu Falcão, Suzy Miranda, Helber Oliveira, João Mário Linhares, Leonardo Netto, Anna Barroso, José Fortes, Sonia Lobo, Pedro Tourinho, Fábio Francisco, Cicão Chies, Kaká Mamoni e eu. Além do suporte jurídico de nossa enciclopédia viva do direito autoral: a advogada Vanisa Santiago.
      Como é sua relação com a ministra da Cultura, Marta Suplicy? Vocês mantêm um diálogo constante?
      Minha relação com a ministra Marta Suplicy é muito cordial. O diálogo se estabelece naturalmente, ela é a ministra de uma pasta com a qual os autores e artistas têm tudo a ver. Sempre que há necessidade, nós a procuramos para consultas, ou ela vem a nós, para nos ouvir sobre questões de interesse da classe artística e da cultura de um modo geral. Nós nos conhecemos há algum tempo, Marta sempre teve ligação com a arte. Acho um luxo termos uma ministra-senadora que briga por nós no Congresso. Afinal, não temos representatividade em Brasília. A classe não contrata empresas de lobby, não paga escritórios milionários de advocacia na capital para tomar conta de seus interesses. Temos que contar com políticos bem-intencionados.
      Como é sua relação com o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP)? Vocês são amigos ou conversam com frequência?
      O senador Randolfe Rodrigues se preocupou com assuntos que nos dizem respeito e somos gratos por isso. A CPI do Ecad, que ele presidiu, jogou um foco de luz em problemas que nos incomodavam, mas que não detectávamos corretamente. Eu não o conhecia e depois que ele me procurou, a pedido da ministra Marta Suplicy, resolvi convocar outras pessoas para que todos ouvissem o que ele tinha a dizer. O senador foi muito claro e objetivo, se colocou à disposição da classe e aceitou discutir o PLS 129 [projeto que deve modificar a forma como os direitos autorais são geridos no país], que acabou sendo aprovado e sancionado pela presidenta Dilma Roussef. Mantemos um diálogo produtivo. Mas outros parlamentares também ajudam a cultura, como a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Lindbergh Farias (PT-RJ), o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), entre outros. Tenho uma relação cordial com os que ajudam a cultura, independente de partidos. Como diz o Lenine: queremos inteiros e não partidos!
      Como funciona a rede de contato entre os artistas que se mobilizam?
      A rede é mobilizada por e-mail, por telefone, pelas mídias sociais, e estamos finalizando a construção do nosso site. A diretoria se reúne com frequência e por vezes convida autores, artistas, herdeiros e pessoas conectadas com a classe, como empresários e produtores, para conversas informais.
      Como funciona o "recrutamento" dos artistas que vão a Brasília? É você quem faz os convites para que eles estejam no Congresso durante a votação de um projeto?
      Todos nos mobilizamos quando algum assunto importante está em votação. Algumas vezes somos mobilizados por outros grupos, como o GAP [Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música] e recentemente a ABMI [Associação Brasileira de Música Independente], para a votação da PEC da música. Muitas vezes os artistas têm problemas de agenda, mas quando não podem ir a Brasília, nos apoiam de alguma forma: enviando e-mails, usando suas redes sociais, etc.
      Os artistas pagam suas próprias passagens e hospedagem em Brasília?
      Sim, o que nós fazemos é organizar o encontro.
      Quais são os próximos passos em relação ao Ecad depois da aprovação da lei que mudou sua forma de gestão? Vocês estão se articulando para integrar algum conselho que pode vir a fiscalizar o órgão?
      Os próximos passos serão dados no sentido de acompanhar bem de perto a gestão coletiva dos direitos autorais. Os autores não podem se afastar nunca mais, precisam ficar sempre atentos. Vamos querer saber o que é resolvido em nossos nomes. Vamos esperar a criação do órgão de controle e a regulamentação da comissão criada pela lei para saber como serão integrados. Nosso grupo está à disposição para fazer parte de qualquer órgão que seja útil para a classe, mas é preciso que outros grupos também se organizem, tem muita gente que pode somar e contribuir para a defesa da classe artística.
      Vocês são a favor ou contra o projeto de lei que permite a publicação de biografias não autorizadas?
      Nosso grupo é contra a comercialização de uma biografia não autorizada. Não é justo que só os biógrafos e seus editores lucrem com isso e nunca o biografado ou seus herdeiros. O Código Civil já libera as biografias, desde que não seja para usos comerciais. Porque mudar os artigos 20 e 21? Simplesmente por interesses comerciais? Usar o argumento da liberdade de expressão para comercializar a vida alheia é pura retórica. Vamos correr o risco de estimular o aparecimento de biografias sensacionalistas, em um país em que a reparação pelo dano moral é ridícula. É quase um incentivo às violações. Nesse caso, somos contra. As pessoas públicas e notórias também têm direito à sua intimidade e vida privada, que são invioláveis segundo a Constituição.
      Você pretende entrar para a política, se candidatando a algum cargo, algum dia?
      Nem pensar! Não me vejo na vida pública, adoro minha liberdade e acho que sou mais útil numa posição como a da presidência do Procure Saber.

      José Simão

      Obama! Fiado só amanhã!
      Se o Obama der o calote, vai mudar o slogan pra 'YES, WE CANO!'. O Obama vai pedir dinheiro pro Tio Patinhas!
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Enquanto confessava os pecados, mulher furta padre na catedral de Ribeirão Preto". A pecadora roubou o iPhone 5 do padre. Mas roubar iPhone 5 não é pecado, é necessidade. Furto famélico! Rarará!
      E essa outra piada prontíssima: um amigo estava numa livraria em Curitiba quando viu esse livro "As 25 Leis Bíblicas do Sucesso. Prefácio: Eike Batista". Rarará! O Eike vai entrar pro Bolsa Família. Bolsa FamiliaX!
      E esse monte de piada pronta numa única piada pronta: "Miss Bumbum leiloa calcinha com buraco atrás e vai doar fundos pra caridade". O fundo vai pro buraco! Rarará!
      E essa: "Mercados caem pelo mundo com risco de calote dos EUA!". Epa! Se o Obama der o calote, ele vai mudar o slogan pra "YES, WE CANO!". O Obama vai pedir dinheiro pro Tio Patinhas! O Obama tá vendendo tudo.
      Olha essa charge do Aroeira com a placa no portão da Casa Branca! "Vende-se! Porteira Fechada! Tratar aqui". Por isso que a Michelle tá fazendo campanha contra obesidade. Vão ter que apertar os cintos!
      E a manchete do Piauí Herald: "Governo chinês aceita rolar dívida americana mas exige Angelina Jolie como garantia". Rarará! É aquela velha perrenga: republicanos x democratas! E já reparou que todo republicano tem cara de caubói velho. E todo democrata tem cara de amendoim: Carter, Clinton, Obama!
      E avisa pro Obama que "Fiado Só Amanhã!". A crise tá tão feia que, na hora de assinar a moratória, o Obama vai gritar: "Alguém tem uma Bic pra me emprestar?". Rarará!
      E essa: "Marina tem ataque alérgico dois dias depois de se filiar ao PSB". JÁ?! Diz que é alergia a chocolate! Acho que é alergia a bolo de rolo, aquele bolo pernambucano! Rarará!
      E a Marina tá confundindo chavismo com chatismo! E duas coisas que eu não aguento mais ouvir: Marina e gol da Portuguesa!
      É mole? É mole, mas sobe!
      O Brasil é lúdico! O brasileiro escreve tudo errado, mas todo mundo se entende. Olha essa placa em Uruana, Goiás: "Venda-se Malmiteke". Adoro esse "venda-se". E essa placa numa árvore em Juqueí: "Vou filmar o IQUINORANTE que coloca lixo na rua". E a língua portuguesa também. Rarará!
      Nóis sofre, mas nóis goza!
      Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        E se aparecer a banda "Fora PT"? - Elio Gaspari

        Marina Silva está no PSB. Está? Disputará a vice (mas pode não disputar) de Eduardo Campos, que até o mês passado estava na base de apoio do governo. Marina tomou uma decisão imperial e fechou o acordo com o senhor do PSB em menos de 24 horas. Disse que fez uma "aliança pragmática", mas logo corrigiu-se: "programática". Em torno do quê, não se sabe. Se disso resultar apenas uma chapa, tem tudo para ser nova parolagem. Se dessa aliança nascer uma tentativa de frente antipetista, o caminho e a conversa serão outros.
        Em matéria de chapa esquisita, ninguém superará a de Tancredo-Sarney. No entanto, aquilo era uma frente contra o que a rua chamava de "isso que está aí", e Tancredo foi eleito (indiretamente) sem ter apresentado programa. Precisava?
        Mário Covas, Ulysses Guimarães e Leonel Brizola não podiam imaginar que o segundo turno da eleição de 1989 seria disputado por Lula e Fernando Collor. Eram dois candidatos contra aquilo que estava ali.
        Quem foi para a rua em junho saberá nos próximos meses que o Supremo está pronto para diluir as sentenças do mensalão. Aquilo que Marina Silva exageradamente classificou de "chavismo" é apenas um aspecto do jogo bruto do comissariado petista. Ele foi sentido nos tribunais, nos bancos oficiais, na porta giratória das agências reguladoras e na monumental trapalhada da proposta de Constituinte exclusiva. Isso para não se falar nos grandes circos com padrão Fifa.
        A aliança dos dois ex-ministros do governo de Lula tanto pode acabar numa pirueta movida a palavrório como em algo maior. Sinal de seu anacronismo é a notícia de que Fernando Bezerra Coelho harmonizará a aliança "pragmática", ou "programática". Até outro dia era ministro da doutora Dilma. Faz parte do clã que controla Petrolina há meio século. O PT respondeu às ameaças mais encorpadas com a voz das urnas e prevaleceu porque o eleitorado preferiu "o que está aí".
        O comissariado buscará em 2014 a extensão do seu mandato até 2018. Serão 16 anos corridos. Jamais na história brasileira um partido conseguiu essa marca dentro de um só regime constitucional. Os conservadores do Império tiveram 14 anos (1848-1862). Getúlio Vargas teve 15 (1930-1945), com três regimes e uma ditadura. Os militares tiveram 21, com quatro ordens constitucionais. No 16º ano de vida, seu partido, a Arena, estava estilhaçado. Já o PT, vai bem, obrigado, sonhando com uma reforma política que criaria o financiamento público das campanhas (dinheiro na mão do comissariado) e a instituição o voto de lista (o mesmo comissariado alinha os candidatos). Não se tratará apenas de uma tentativa espichar o tempo de mando. O que há na mesa é um projeto explícito. Jogo jogado.
        Para os costumes brasileiros, a longevidade petista seria uma novidade. Contudo, nas quatro maiores democracias do mundo (Estados Unidos, Alemanha, França e Inglaterra), a sociedade deu o poder a blocos de poder longevos que fizeram grandes reformas.
        O marqueteiro João Santana acha que Dilma Rousseff será reeleita graças a uma oposição viciada pela "antropofagia de anões". Marina Silva com Eduardo Campos tanto podem representar isso, devorando o tucanato, como podem formar uma banda tocando "Fora PT". Os eleitores decidirão quem dança.
        Elio Gaspari
        Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por "As Ilusões Armadas". Escreve às quartas-feiras e domingos na versão impressa de "Poder".

        Marcelo Coelho

        Não me diga que é um Matisse
        Querendo denunciar o sistema financeiro, 'O Capital' é um filme bem pobrezinho
        O diretor Costa-Gavras está com 80 anos, e já passou para a história como autor de grandes filmes políticos. Recentemente assisti ao DVD de seu "A Confissão", com Yves Montand.
        Sem nenhuma crueza, aquele filme de 1970 tratava dos julgamentos espetaculares nas antigas ditaduras do Leste Europeu, em que altos dirigentes terminavam admitindo suas "traições" ao regime.
        Confessavam tudo o que não tinham feito. Os métodos de tortura não seguiam o modelo brasileiro do pau de arara e do choque elétrico. Importava produzir, num tribunal farsesco, a impressão de que tudo era voluntário e verdadeiro.
        Meses de privação de sono, além de outros métodos para produzir exaustão física e mental, levavam o preso a assinar declarações cada vez mais comprometedoras, graças a um estudado jogo de ambiguidades verbais.
        Assim, o personagem de Yves Montand terminava admitindo ter feito seguidas reuniões com "trotskistas" e "agentes do imperialismo". Eram apenas seus colegas de partido, entre os quais inúmeros heróis da resistência ao nazismo.
        Ele podia dizer, e era verdade, que nunca soube que Fulano e Beltrano eram trotskistas. "Mas eram", afirma o interrogador. "Você se reunia com Fulano e Beltrano?"
        "Sim", responde o preso. "Então, se você se reunia com Fulano e Beltrano, e se eles eram trotskistas, você se reunia com trotskistas."
        Estava feita a confissão; o crime era admitido pelo réu, "objetivamente". Mesmo se, na época das reuniões, todos os participantes, americanófilos, trotskistas ou comunistas, estivessem unidos na resistência ao nazismo.
        "A Confissão" é um filme que continua importante, ainda mais quando se sabe que o sistema de interrogatório preferido pelo governo Bush no combate ao terrorismo inspirou-se nas técnicas soviéticas.
        Com a burrice suplementar, observe-se, que no Leste Europeu o objetivo da tortura era conseguir confissões falsas, e não informações de fato úteis sobre atentados em curso.
        Aprendia-se algo com os filmes de Costa-Gavras de 40 anos atrás. Não é o caso de sua obra mais recente, "O Capital", atualmente em cartaz em São Paulo.
        Aqui, a ideia é mostrar a dureza e a ganância dos banqueiros. Recém-nomeado presidente de um conglomerado financeiro, Marc Tourneuil (Gad Elmaleh) terá de demitir milhares de funcionários para garantir o lucro dos acionistas.
        Seu antigo chefe, afastado do banco por razões de saúde, fica chocado. Não é esta a tradição francesa de tratar com o problema social, argumenta. Nessa hora, o espectador deve tirar do bolsinho superior do paletó seu lenço de seda Hermès e enxugar uma lágrima comedida em homenagem ao tradicional sistema bancário europeu.
        Quanta saudade. Hoje, os americanos estão por trás de tudo. Os controladores de um fundo de investimento com base na Flórida (?) querem dinheiro fácil.
        Iates, supermodelos e ameaças irão cercar o cotidiano do novo executivo, sempre nervosinho e sensível a um rabo de saia. Clichês se sucedem. Tourneuil tem pouco tempo para a família. O filho adolescente nem tira os olhos do videogame quanto ele chega de suas aventuras.
        Para conquistá-lo, o executivo traz um presente. "É seu primeiro cartão de crédito, filho." O garoto nem agradece. Ah, conclui o espectador, "existem coisas que o dinheiro não pode comprar".
        Mas aí o mesmo espectador lembra que ouviu esse tipo de mensagem em algum anúncio, já não sabe se de banco ou de cartão de crédito. Pobres publicitários! As coisas que eles têm de fazer.
        Que tal, então, mostrar os "bastidores reais" da alta cúpula? Os banqueiros se reúnem no salão de um palácio particular.
        Um esplêndido quadro se destaca na parede. O executivo número 1 pergunta ao executivo número 2: "Matisse?". Frrancameént. Clarro que se trrát de um Matisse. Da melhorr fááz. A esta altura do campeonato, até o mais humilde mendigo de Bobigny ou Bagnolet sabe reconhecer um Matisse.
        Seguem-se declarações de princípios, do tipo "os sindicatos que se danem! O que importa é a alta da nossa cotação na Bolsa!".
        Tudo, mesmo as tramoias entre os rivais do conselho, fica nesse nível de abstração --como se, em vez de executivos reais, tivéssemos apenas um grupo de colegiais encenando a lição que aprenderam em alguma aula de atualidades.
        Os realizadores de "O Capital" poderiam ter caprichado mais no roteiro. Mas, como sabemos, bons roteiristas também custam caro. Pode ser que a produção, coitada, não tivesse tanto para gastar. Ou, talvez, tenha economizado nisso para aumentar os próprios lucros.

        Caetano, não seja um coronel e volte para o lado do bem - Benjamin Moser

        Carta aberta a Caetano
        Autor da biografia 'Clarice,', escritor pede ao amigo que reconsidere sua iniciativa
        BENJAMIN MOSERESPECIAL PARA A FOLHACaro Caetano,
        Nos EUA, quando eu era menino, havia uma campanha para prevenir acidentes na estrada. O slogan rezava: "Amigos não deixam amigos bêbados dirigir". Lembrei disso ao ler suas declarações e as de Paula Lavigne sobre biografias no Brasil. Fiquei tão chocado que me sinto obrigado a lhe dizer: amigo, pelo amor de Deus, não dirija.
        Nós nos conhecemos há muitos anos, desde que ajudei a editar seu "Verdade Tropical" nos EUA. Depois, você foi maravilhoso quando lancei no Brasil a minha biografia de Clarice Lispector, escrevendo artigos e ajudando com o alcance que só você possui. Admiro você, de todo o coração.
        E é como amigo e biógrafo que te escrevo hoje. Sei que você sabe da importância de biografias para a divulgação de obras e a preservação da memória; e sei que você sabe quão onerosos são os obstáculos à difusão da cultura brasileira dentro do próprio Brasil, sem falar do exterior.
        Fico constrangido em dizer que achei as declarações suas e da Paula, exigindo censura prévia de biografias, escandalosas, indignas de uma pessoa que tanto tem dado para a cultura. Para o bem dessa cultura, preciso dizer por quê.
        Primeiro, achei esquisitíssimo músicos dizerem que biógrafos querem ficar com "fortunas". Caetano, como dizem no Brasil: fala sério. Ofereço o meu exemplo. A biografia de Clarice ficou nas listas de mais vendidos em todo o Brasil.
        Mas, para chegar lá, o que foi preciso? Andei por cinco anos pela Ucrânia, pela Europa, pelos EUA, pesquisando nos arquivos e fazendo 257 entrevistas. Comprei centenas de livros. Visitei o Brasil 12 vezes.
        Você acha que fiquei rico, depois de cinco anos de tais despesas? Faça o cálculo. A única coisa que ganhei foi a satisfação de ver o meu trabalho ajudar a pôr Clarice Lispector no lugar que merece.
        Tive várias vantagens desde o início. Tive o apoio da família da Clarice. Publico em língua inglesa, em outro país. Tenho a sorte de ter dinheiro próprio. Imagine quantos escritores no Brasil reúnem essas condições: ninguém.
        Mas a minha maior vantagem foi simplesmente ignorância. Não fazia ideia das condições em que trabalham escritores e jornalistas brasileiros. Não sabia o quanto não se pode dizer, num clima de medo que lembra a época de Machado de Assis, em que nada podia ofender a "Corte".
        Aprendi o quanto ganham escritores, jornalistas e editores no Brasil, e quanto os seus empregos são inseguros e como são amedrontados por ações jurídicas, como essas com que a Paula, tão bregamente, anda ameaçando.
        É um tipo de censura que você talvez não reconheça por não ser a de sua época. Não obriga artistas a deixarem o país, não manda policiais aos teatros para bater nos atores. Mas que é censura, é. E mais eficaz do que a da ditadura. Antes, as obras eram censuradas, mas existiam. Hoje, nem chegam a existir.
        Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?
        Eu queria fazer. Mas não vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes como as suas?
        Por isso, também, essas declarações, de que o biógrafo faz isso só por amor ao lucro, ficam tão pouco elegantes na boca de Paula Lavigne. Toda a discussão fica em torno de nossas supostas "fortunas".
        Você sabe que no Brasil existem leis contra a difamação; que um biógrafo, quando cita uma obra ainda com "copyright", tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas. Mas falo de algo bem diferente do que você está defendendo.
        De qualquer forma, essas obsessões com "fortunas" alheias fazem parte de um Brasil do qual eu menos gosto. Une a tradicional inveja do vizinho com a moderna ênfase em dinheiro que transformou um livro, um disco, uma pintura em "produto cultural".
        Não é questão de dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos? A liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo gosta. A diferença entre o jornalismo e a propaganda é que o jornalismo é crítico. Não existe só para difundir as opiniões dos mais poderosos. E essa liberdade ou é absoluta, ou não existe.
        Imagino, e compreendo, que você pense que está defendendo o direito dos artistas à vida privada. Mas quem vai julgar quem é artista, o que é vida privada e sobre quem ou o que se pode escrever? Você escreve em jornal. Como o artista deve fazer, tem se metido no debate público. Sarney, da Academia Brasileira das Letras, escreve romances. Deve ser interditada também qualquer obra crítica sobre ele, sem autorização prévia?
        Não pense, Caetano, que o seu passado de censurado e de exilado o protege de vocêse converter em outra coisa. Lembre que o Sarney, quando eleito governador do Maranhão, chegou numa onda de aprovação da esquerda.
        Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo,
        Benjamin Moser

          Editorial: A ciência do azul

          folha de são paulo

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          Ao tomar conhecimento de que ganhara metade do Prêmio Nobel em Física deste ano, o britânico Peter Higgs saiu em defesa do conhecimento puro: "Espero que esse reconhecimento da ciência fundamental ajude a chamar a atenção para o valor da pesquisa básica".
          Higgs, cujo nome batiza a última partícula fundamental da matéria prevista no Modelo Padrão a ser detectada, em julho de 2012, empregou na realidade a expressão inglesa "blue-sky research" (pesquisa de céu azul). Vale dizer, a investigação científica que volta os olhos para o que não tem aplicação imediata --como o azul do céu.
          O chamado bóson de Higgs atravessou quase meio século como simples construção teórica. Higgs e o belga François Englert foram os primeiros a descrever essa partícula que confere massa à matéria, em 1964, mas só 48 anos depois ela teve sua existência confirmada pela Cern (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear).
          O mundo palpável não se alterou com essa descoberta, seja em 1964, seja em 2012. Só a compreensão humana da composição da matéria se enriqueceu, nada mais.
          Embora a corroboração do Modelo Padrão contribua para o entendimento e a experimentação em toda sorte de domínio físico, o bóson de Higgs fica muito distante de outras descobertas agraciadas com o Nobel. Por exemplo, a da magnetorresistência gigante, crucial para o funcionamento de discos rígidos de computadores.
          Em grau um pouco menor, o Nobel em Fisiologia ou Medicina deste ano, conferido a James Rothman, Randy Schekman e Thomas Südhof, reitera a valorização da ciência movida mais pela curiosidade do que por aplicações. O trio desvendou mecanismos fundamentais de transporte de substâncias dentro de células e para fora delas, no interior de vesículas.
          Esse sistema celular está presente em todo o mundo vivo. Por certo sua explicação contribui para um conhecimento mais profundo de doenças, como diabetes, e fornece pistas para o desenvolvimento de novos fármacos. Mesmo que assim não fosse, só um excesso patológico de pragmatismo impediria alguém de reconhecer o valor puramente cognitivo de elucidar componente tão básico da vida.
          A pesquisa dirigida por objetivos tecnológicos é importante e necessária, mas nunca é demais lembrar que a ciência humana não teria chegado aonde chegou sem que alguém levantasse os olhos para o céu e se perguntasse por que raios ele é azul.