sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A pergunta não se calou: "Cadê o Amarildo?"

Editorial: A pergunta não se calou

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Quase três meses depois de noticiado o desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, surgem, tão lamentáveis quanto se poderia imaginar, as primeiras respostas para a pergunta "onde está Amarildo?".
Sabe-se agora o deplorável desenlace do que aconteceu com o morador da favela da Rocinha, no Rio, em 14 de julho. Naquela noite, ele foi detido para averiguação por agentes da Unidade de Polícia Pacificadora local, para explicar supostos vínculos com traficantes.
Segundo o Ministério Público, Amarildo foi torturado por policiais. Testemunhas afirmam que, na UPP da Rocinha, choques elétricos e sessões de asfixia com sacos plásticos fazem parte de estratégia repulsiva para tentar arrancar confissões de moradores.
O ajudante de pedreiro teria morrido em decorrência dos métodos violentos a que foi submetido. Essa a conclusão do inquérito que indiciou dez policiais, inclusive o ex-comandante da UPP, pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver --o corpo de Amarildo continua desaparecido.
Por indícios de ameaças a testemunhas, pediu-se a prisão preventiva de todos os suspeitos. Eles negam envolvimento no caso.
É salutar que o indiciamento dos policiais tenha ocorrido. Trata-se de passo importante para atenuar a sensação de impunidade que viceja em relação aos abusos das forças de segurança no país.
Seria ingênuo imaginar, contudo, que o fim do inquérito marque o início de nova etapa na atuação da polícia fluminense, ou que represente amadurecimento das instituições. Permanecem sem solução, por exemplo, as diversas denúncias feitas por moradores contra a UPP da Rocinha. Mas não é só.
Durante manifestação de professores nesta semana, por exemplo, policiais foram filmados enquanto forjavam a posse de um morteiro por um jovem. O vídeo foi divulgado pelo jornal "O Globo".
Confrontada com cenas como essas, a população levará tempo para deixar de ver em policiais uma inaceitável fonte de insegurança.
Em prazo menor, no entanto, é possível dar uma resposta a Elizabete da Silva, viúva de Amarildo: "Quero que falem onde estão os ossos do meu marido. Só quero enterrar meu marido de forma digna". A pergunta segue no ar.

Igor Gielow

ANÁLISE - folha de são paulo
Participação da ex-senadora na eleição presidencial de 2014 ainda não acabou
IGOR GIELOWDIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Marina Silva foi derrotada de forma acachapante ontem no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas a narrativa de sua participação no pleito de 2014 ainda não acabou.
Sem a sua sonhada Rede, Marina terá de decidir entre apresentar-se como uma injustiçada pela obsolescência do sistema de montagem partidária no país e abster-se do pleito de 2014 ou abraçar alguma das várias legendas que lhe oferecem abrigo.
Ao escolher a primeira opção, Marina corre o risco óbvio de perda de momento. Se já não disparou de forma incontestável na esteira dos protestos de junho, as pesquisas mostraram que a ex-senadora tem potencial de atrair o voto opositor difuso e que rejeita o PSDB como alternativa à hegemonia petista.
Assumindo a segunda hipótese, Marina enfrentará a acusação óbvia de que alugou uma legenda de ocasião e abraçou as mesmas práticas que diz denunciar. Ainda é difícil avaliar qual seria o impacto dessa decisão em sua base de apoio.
No esquema das coisas, contudo, parece um preço relativamente pequeno a pagar. Marina sempre poderá alegar que foi vítima de uma conspiração de um sistema bizantino de cartórios justamente no ramo mais informatizado do Judiciário brasileiro.
Mais difícil será ela obter tempo de TV, estrutura e palanques estaduais.
No Palácio do Planalto, sorrisos. Se Marina não for candidata, não são poucos os que veem a possibilidade de a polarização PT-PSDB se formar já no primeiro turno e favorecer quem tem a caneta e a liderança nas pesquisas. Se ela o for, as dificuldades para meramente criar uma sigla podem apontar obstáculos à frente do pretenso "novo modo" de fazer política.
Na oposição, notadamente os tucanos de Aécio Neves, preocupação. Marina levaria o pleito para o segundo turno, mas ao menos com a fotografia disponível a pouco mais de um ano da eleição, havia o risco de ser ela a desafiante de Dilma Rousseff.
Além disso, entre os aecistas há a percepção de que seu candidato reúne condições de enfrentar o PT sozinho --ou acompanhado do governador Eduardo Campos (PSB), que por sua vez teoricamente pode avançar sobre o espaço de Marina se ela estiver fora do jogo.

Eu já sabia - Marina Silva

É claro que o título acima é uma brincadeira. Escrevo antes da sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que vai julgar o pedido de registro da Rede e não posso anteci- par o resultado, embora mantenha viva e forte minha confiança na Justiça.
A Rede é uma realidade e já contribui para a ampliação e o aprofundamento da democracia no Brasil. Em primeiro lugar, porque oferece um espaço de reencantamento com a política para uma vasta parcela da população que se mantinha afastada, profundamente decepcionada com os partidos, discursos e práticas dominantes.
A Rede abre uma porta especialmente para a juventude. Oferece aos jovens uma possibilidade de expressão, ação e elaboração de novos ideais e projetos identificatórios. Isso é de uma importância incalculável, uma estreita ponte para um futuro possível.
Mesmo enfrentando a resistência de quem quer manter o "status quo" a qualquer custo, a Rede cria uma agenda estratégica para o país e inscreve o debate sobre a sustentabilidade em sua página central. Questiona os falsos consensos sobre produção e consumo, energia, infraestrutura e todos os elementos de uma ideia de progresso que herdamos do século passado e que já chegou ao seu limite.
E até nas dificuldades para se institucionalizar, a Rede denuncia os limites do sistema jurídico e político do país e abre a possibilidade de mudanças. Invertendo a prática comum dos partidos, de primeiro se registrarem para depois buscarem representatividade social, a Rede surge como movimento social amplo e profundo e é sintomático que passe apertadíssima nas estreitas aberturas do sistema político hoje existente (em que organizações artificiais, diga-se de passagem, passam com folga).
A Rede, enfim, já nasce cumprindo seu destino: democratizar a democracia.
Mas, para tornar séria a brincadeira do início, disso tudo eu já sabia. E é essa certeza que quero compartilhar: o encontro do Brasil com os limites e fragilidades de sua democracia, sua superação e fortalecimento, é uma hora da verdade que não pode ser evitada. Sem a atualização de todo o seu sistema político, sem sua passagem ao século 21, o Brasil corre o risco de uma entropia que desfaça todos os avanços que obteve desde o fim da ditadura.
De nada adianta criar obstáculos e dificuldades, os organismos vivos de um novo tempo já surgem para substituir as estruturas que se fossilizaram com o tempo. Como dizíamos em nossa juventude, mesmo que matem milhares de flores não poderão impedir a chegada da primavera.
Há quanto tempo sabemos disso, não é mesmo?

    Ruy Castro

    Todos chegarão lá
    RIO DE JANEIRO - O Brasil está envelhecendo. Segundo projeções oficiais, 20% da população terá mais de 60 anos em 2030. É o óbvio: vive-se mais, morre-se menos e as taxas de fecundidade estão caindo --e olhe que nunca se viu tantos gêmeos em carrinhos duplos no calçadão de Ipanema.
    Em números absolutos, esperam-se perto de 50 milhões de idosos em 2030 --imagine o volume de Lexotan, Viagra e fraldas geriátricas que isso vai exigir. Não quer dizer que a maioria desses macróbios seguirá o padrão dos velhos de antigamente, que, mal passados dos 60, equipados com boina, cachecol, suéter, cobertor nas pernas, e mastigando uma dentadura imaginária, eram levados para tomar sol no parquinho.
    Quero crer que os velhos de 2030 se parecerão cada vez mais com meus vizinhos do Baixo Vovô, aqui no Leblon --uma rede de vôlei frequentada diariamente por sexa ou septuagenários torrados de sol, com músculos invejáveis e capazes de saques e cortadas mortíferas. A vida para eles nunca parou.
    Por sorte, a aceitação do velho é agora maior do que nunca. Bem diferente de 1968 --apogeu de algo que me parecia fabricado, chamado "Poder Jovem"--, em que ser velho era quase uma ofensa. À idade da razão, que deveria ser a aspiração de todos, sobrepunha-se o que Nelson Rodrigues denunciava como "a razão da idade" --a juventude justificando todos as injustiças e ignomínias (como as da Revolução Cultural, na China, em que velhos eram humilhados publicamente por ser velhos).
    Naquela mesma época, o rock era praticado por jovens esbeltos, bonitos e de longas cabeleiras louras, para uma plateia de rapazes e moças idem. Hoje, como se viu no Rock in Rio, ele é praticado por velhos carecas, gordos e tatuados, para garotos que podiam ser seus netos. Já se pode confiar em maiores de 60 anos e, um dia, todos chegarão lá.

    José Simão

    Ueba! A Oi vai se chamar Pois!
    O Partido Socialista Brasileiro está aceitando qualquer um, contanto que não seja socialista! Rarará
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta direto do G1: "Jovem cria método para emagrecer com controle da mente e perde 40 quilos". Como é o nome dele? Edson BURGER! Rarará!
    E o vexame? E o meu São Paulo? Perdeu pro Santos! E a frase da torcida: "Os são-paulinos não fizeram gol no Santos porque o goleiro se chama Aranha". O famoso espanta-Bambi! Rarará!
    E o Santos faz gol, mas não tem torcida pra aplaudir. A comemoração é na fila do INSS! É como o Botafogo: perde, mas não tem torcida pra vaiar! E um são-paulino me disse: "O nosso tricolor virou TRICOLIXO!".
    E tô adorando essa fusão: Portugal Telecom com Oi. A Pois! Ou então podia se chamar: "Está lá? Não, estou cá!". E uma vez uma amiga ligou pra casa duma portuguesa: "Quem está falando?". "VOCÊ!", respondeu a portuguesa. Rarará.
    E sabe por que Portugal lançou celular no Brasil? Pro povo parar de usar o telefone da padaria. Uma reivindicação da colônia. E a Portugal Telecom/Oi vai instalar orelhão na horizontal. Pro povo falar deitado. Sempre pensando em você!
    E o que eu adoro em Portugal é a língua. Casamento é "nó". Esparadrapo é "penso". Então Band-Aid é "penso rápido". E supositório é "penso pra trás". Rarará.
    E gol de bicicleta é gol sobre duas rodas. E carrinho é penalidade sobre quatro rodas. Rarará!
    E uma vez fui pra Portugal, mostrei o passaporte e o cara da migração ficou uns dez minutos olhando pro passaporte. Aí eu pensei: "Ai, meu Deus, eu vou ser barrado em Portugal". Aí ele entregou o passaporte e disse: "Faz tempo que não vem, não gostou?". Rarará!
    E os novelhos partidos? E o PSB do Eduardo Campos filiou dois socialistas convictos: Heráclito Fortes, do DEM, e Paulo Bornhausen, do DEM. Deu Em Merda. O PSB Deu em Merda!
    O Heráclito Fortes é aquela almôndega suada. Que fala como velha comendo bolacha sem dentadura. E o Paulo Bornhausen é filho do velho Bornhausen, que tem cara de quem faz experiência em cérebro de macaco.
    Os socialistas! O Partido Socialista Brasileiro está aceitando qualquer um, contanto que não seja socialista! Rarará.
    É mole? É mole, mas sobe!
    Nóis sofre, mas nóis goza!
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      Barbara Gancia

      Os cubanos treinaram no McDonald's?
      O terrorista Cesare Battisti tem à disposição uma legião de médicos cubanos com quem se tratar
      Minha intenção hoje era falar dos índios. Mudei de ideia lembrando da transamazônica de nãos que recebi de todos a quem perguntei: "E aí, gostou de Xingu'?" (o filme, não o parque nacional que estão esquartejando). Trata-se de um esforço que ninguém apreciou. A história dos irmãos Villas-Boas não interessa. Brasileiro não gosta de índio.
      Como desejo ser lida, disponho-me a agradar. Mas há limites. Se pensa que vou descambar para a apelação, meu nobre leitor, e sair malhando Obama Rousseff e suas ancas duras para a articulação política, errou feio. Vá lá. Já que estamos aqui, só uma lasquinha: negão ruim de cintura como esse nem se morasse no Alvorada, usasse tailleur de manga três quatros e tivesse dificuldade em se locomover de salto --como bem notou Thammy, filha de Gretchen.
      Por falar na Angela Merkel tapuia (eu sei, só daria para comparar se a Angela Merkel estivesse em coma), há muito sinto como se um bisturi me retalhasse as vísceras, tamanha a vontade de dizer a minha opinião sobre essa história de médico que veio de jangada lá de Cuba (ah, não veio? Foi de avião da FAB? Quem pagou?). Entendi: pergunte ao Fidel. Quer saber? A mim pouco importa. Eu preciso é desabafar, senão tenho um treco.
      Para começar, se, neste momento, eu me encontrasse em situação de vítima da seca, no interior do interior da Paraíba, sol fritando a moleira e moscas zunindo ao redor dos meuzôio (nesse contexto seria meuzôio mesmo), baita dor de barriga e, ainda por cima, desidratada, nem que eu fosse acolhida por um ser falando em papiamento que me auscultasse com um estetoscópio trincado e me desse um copo de lavagem de porco para beber, creio que acharia melhor do que não ter assistência.
      Dito isto, passemos para o outro lado do balcão: já notou que os médicos cubanos têm um discurso ensaiado? Pessoal parece ter sido treinado para atendente do McDonald's. Todos estão "felices por estar acá ayudando a Brasssil".
      Ocorre que eu vou ficar devendo, mas não posso acreditar em uma palavra do que dizem.
      Tudo bem. Há quem prefira a ditadura cubana, torça pela volta do Ahmadinejad e esteja morrendo de saudades as traquinagens de Kadafi. Sem problema. Os EUA estão longe da beatificação. Repressão e liberdade de expressão seletiva é com eles.
      Diplomacia é teatro, o mundo todo é um palco e todos os homens e mulheres, meros atores. Mas há de se medir o tom da dramaticidade. Sair de cena abruptamente por conta de ato de espionagem para medir força é perder oportunidade de negócio e de romper com maniqueísmo --resquício da Guerra Fria.
      E se a potência que nasce resolvesse forçar convivência? O Brasil faz negócio com Angola, Venezuela, EUA... Por que não? Por que não podemos vender nossas latas velhas para os EUA e também para o Afeganistão? É verdade. Hoje, só a Argentina se dispõe a comprar automóveis "made in Brazil", já ia esquecendo. Seja como for, não está aí a espionagem a serviço do controle da transferência de tecnologia, ora bolas?
      No fim das contas, quem se sacode são os médicos cubanos, forçados a viver onde nenhum tapuia quis ir. Alguém perguntou se queriam vir passar três anos no sertão? E ainda correm o risco de ter o mesmo destino de seus conterrâneos, que tiveram asilo político negado durante o Pan do Rio.
      Mente aberta, Dilma não liga de deixar ainda mais arredios os já paranoicos EUA. Lembrando que, da nossa porta para dentro, gente como o terrorista Cesare Battisti sempre pode contar com nossa hospitalidade. Política externa de primeira é isso.

      Na TV, Gabeira aborda a violência, o medo e a solidão que afeta os errantes - Fernanda Torres

      Andarilhos
      Gabeira sempre se manteve à margem, no acostamento, cruzando a pista vez por outra, mas no contrafluxo
      Em 1976, 1975, não me lembro mais, assisti a um "Globo Repórter", dirigido por Walter Lima Júnior, sobre contatos imediatos de terceiro grau no Brasil.
      O que prometia ser um programa sobre a visita de seres de outros planetas ao Planalto Central revelou tratar-se de algo bem mais perturbador. Embrenhado nas veredas de Minas e Goiás, Lima Júnior colheu o depoimento de capiaus que viviam isolados em casas de pau a pique e afirmavam ter sido abduzidos por extraterrestres.
      O caso mais impressionante narrava a história do amor entre um matuto e uma ET.
      Levado por um facho de luz, o caipira jurava ter despertado em uma nave espacial, onde fora examinado, não sabia por quanto tempo, por uma junta de médicos alienígenas. Ao cruzar os olhos com um deles, uma ela, enamorou-se. E foi correspondido.
      Encontrado em um campo ermo, uma semana após a suposta abdução, foi trazido de volta para casa. Agora, lamentava a falta da amada e passava as noites a olhar as estrelas.
      Surpreendia o caráter experimental da reportagem. Lima Júnior fazia parte de um grupo de cineastas convidado para produzir especiais para o horário nobre do telejornalismo. Ao receber a encomenda de um "Eram os Deuses Astronautas?", levou ao ar um tratado sobre a loucura.
      O programa de estreia de Fernando Gabeira na Globo News me lembrou imenso o "Globo Repórter" de Lima Júnior. Gabeira optou pelo tema dos andarilhos da via Dutra. Gente que largou a família, ou jamais teve uma, e perambula pela rodovia.
      Com aquela voz inconfundível, lerda, pausada, o verde Gabeira mata a sede em uma fonte de água limpa, fala da abundância do recurso natural na principal ligação entre o Rio e São Paulo e da sua importância na sustentabilidade da vida dos "easy riders".
      E aborda o medo, a violência e a solidão que assombra os errantes. Um rapaz mostra a carteira de documentos escondida no fundo da mochila, diz tratar-se de seu bem mais precioso. É de uma melancolia ímpar.
      Gabeira poderia ter se debruçado sobre a Síria, os "black blocs" ou a alta espionagem, mas preferiu ser existencialista. Por quê?
      Havia uma clara identificação entre o repórter e o caminhante. O homem e sua circunstância. Há muito, desde que se livrou dos dogmas de esquerda, o ex-guerrilheiro, escritor e deputado federal examina o limite entre a liberdade do indivíduo e o interesse comum.
      Gabeira sempre se manteve à margem, no acostamento, cruzando a pista vez por outra, mas no contrafluxo, na contracorrente. Vendo-o na TV, interessado por uma escolha tão radical de vida, me veio a sensação de que a obra era um elogio ao livre-arbítrio. Uma quase autobiografia.
      A retrospectiva dos últimos 40 anos da "Veja" traz uma foto, mais que foto, o "portrait" de Gabeira em Trancoso, deitado sobre um tronco de árvore à beira-mar, coberto apenas com a mítica tanga herdada da prima, Leda Nagle.
      A imagem é bonita, provocante, aborígine, homem-fêmea, e explica o choque dos que esperavam a volta do revolucionário. O microquadrado de crochê lilás com debrum amarelo é pequeno demais para acomodar os pelos da virilha, o elástico é frouxo, e Gabeira está com as pernas abertas, de lado, mas abertas. Ele ri feliz, bronzeado, na Bahia, depois do tortuoso inverno e da convivência com a moral avançada dos países nórdicos. É o retrato de um homem livre.
      Nos quase três meses em que passei acampada no Xingu, durante as filmagens de "Kuarup", nenhum índio superou em graça um Yawalapiti de nome Palavra. Palavra era capaz de acertar uma mosca com uma flecha a cem metros de distância. Era gentil, humorado e sensível. Foi o mais próximo do ideal de índio que eu já cheguei.
      Palavra era místico e viajante, gostava de cruzar longos trechos de floresta a sós. Uma noite, no meio do caminho que levava até a exuberante aldeia dos Camaiurá, sentiu uma letargia súbita e se amparou para não cair. Foi quando um disco voador surgiu flutuando sobre uma árvore à sua frente. A aparição girou as luzes, dançou, rodou, até desaparecer.
      O delírio do Palavra dava a dimensão da profundidade dele.
      É por isso que na semana em que a "Economist" estampa a capa do Cristo Redentor colapsando sobre a Guanabara, "I go looking for flying saucers in the sky".