quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Pasquale Cipro Neto

folha de são paulo
A ignorância é atrevida, arrogante etc.
Os "especialistas" em língua portuguesa disseram o diabo sobre o "nível" da nossa futura médica
Há alguns dias, recebi mensagens de leitores que me pediam comentários sobre um trecho da entrevista concedida a um jornal capixaba por Sheila Ramos Vieira, que estuda medicina em Cuba. O trecho que motivou as mensagens é este: "No Brasil, com certeza, seria muito difícil para mim fazer um curso de medicina".
Quase todas as mensagens dos leitores citavam as "redes sociais", nas quais a frase da nossa estudante de medicina causava manifestações de alto grau de sentimentos primitivos (o ínclito filósofo Roberto Jefferson que me perdoe por roubar-lhe o nobre pensamento, expresso por ele em relação a José Dirceu quando denunciou o esquema do mensalão).
Costumo fazer o que me pede um dos meus filhos ("Não leia os comentários das notícias, pai; não envenene o fígado e a alma"). De fato, não fui atrás, porque o que foi transcrito nas mensagens que recebi bastava.
Os "especialistas" em língua portuguesa disseram o diabo sobre o "nível" da futura médica ("Como uma analfabeta pode ser médica?" e besteiras afins). Nem preciso comentar o aspecto ideológico desse besteirol, certo?
Posto isso, vamos nos concentrar na estrutura sintática da frase atribuída a Sheila. Vamos repetir a construção: "No Brasil, com certeza, seria muito difícil para mim fazer um curso de medicina". Nas mensagens perpetradas nas redes sociais pelos "especialistas" em língua portuguesa, condena-se veemente e rispidamente o "erro" no emprego do pronome oblíquo "mim", posto antes de "fazer", verbo no infinitivo.
Mas quem foi que disse que esse tipo de problema se resolve pela posição dos termos? Quer dizer que não se pode, de jeito nenhum, usar o pronome "mim" ao lado de um infinitivo?
O problema não é de lugar, de posição; o problema é mesmo sintático (morfossintático, para ser mais preciso). Na língua culta, o pronome "mim" não funciona como sujeito, o que explica por que nesse registro não ocorrem construções como "Ela fez o possível para mim ficar aqui". Nesse caso, no lugar de "mim", ocorre o pronome reto "eu", que funciona como sujeito de "ficar".
É muito fácil perceber por que esse "eu" é sujeito de "ficar". Um dos caminhos é trocar "eu" por "nós" ou "eles", isto é, por um pronome reto plural. O que acontece com o verbo? Varia: "Ela fez o possível para nós ficarmos/para eles ficarem aqui". Outro caminho é trocar "para" por "para que": "Ela fez o possível para que eu ficasse aqui". Percebeu? O pronome "eu" permanece na frase, agora como sujeito de "ficasse".
Na frase de Sheila, o que há é apenas o emprego dos termos na ordem indireta, o que faz o pronome "mim" encostar em "fazer", o que, para os afoitos, já basta como prova do "erro". Não há erro algum, caro leitor. Esse "mim" é "mim" mesmo, já que não está ligado ao verbo "fazer", por isso não pode ser o seu sujeito. Esse "mim" está ligado ao adjetivo "difícil" ("tal coisa é difícil para alguém").
Vamos dispor os termos em outra ordem? Vamos lá: "Fazer um curso de medicina no Brasil com certeza seria muito difícil para mim". E agora? Alguém se atreveria a trocar esse "mim" por "eu"? Algum dos nobres "especialistas" diria "Fazer um curso de medicina no Brasil com certeza seria muito difícil para eu"? Francamente...
Em tempo: o "corretor" do Word também mete os pés pelas mãos... Rarará! Na frase de Sheila, o dito grifa o pronome "mim" (o grifo some quando se troca "mim" por "eu").
Não há erro algum na frase da nossa futura médica. O erro está na prepotência, na ignorância e na arrogância dessa turba raivosa. É isso.

Rafael Garcia

folha de são paulo
Fundo contra mudança do clima tem verbas paradas
Maior parte dos recursos do governo federal ainda está depositada no BNDES
Para ambientalistas, alguns dos projetos que receberam dinheiro estão fora do objetivo primário do fundo
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
Com isso, alguns projetos desistiram do Fundo Clima e foram procurar empréstimos em outros fundos do BNDES.

RAFAEL GARCIADE SÃO PAULO
Três anos após ser criado, o Fundo Clima, mecanismo de financiamento criado pelo governo federal para combate ao aquecimento global, ainda possui a maior parte de seus recursos presa no BNDES e tem aplicado verbas em projetos criticados por estarem fora do escopo da mudança climática.
Apenas uma pequena parcela do fundo --incorporada ao orçamento do MMA (Ministério do Meio Ambiente) para empregar em projetos a fundo perdido-- foi usada.
O dinheiro repassado ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem como finalidade financiar projetos como a melhoria da eficiência energética de transportes e indústrias ou a criação de infraestrutura para geração de energia renovável, mas está quase todo travado.
Apesar de o banco ter recebido R$ 920 milhões em repasses nos primeiros três anos de operação do fundo, há apenas duas operações com empréstimos contratados, somando R$ 76 milhões.
Segundo Carlos Klink, secretário de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente, a implementação do fundo sofreu dificuldades porque, com a crise econômica, o governo baixou as taxas de juros bancários, mas o Fundo Clima não pôde ser alterado a tempo de ter seus valores reajustados.
"Algumas linhas de financiamento tiveram certa dificuldade porque tinham de competir no mercado." Klink diz que o comitê gestor do fundo não podia alterar as taxas sozinho. Era preciso passar a decisão pelo Ministério da Fazenda e pelo Conselho Monetário Nacional.
Com isso, alguns projetos desistiram do Fundo Clima e foram procurar empréstimos em outros fundos do BNDES.
O banco diz agora que está revendo as condições de financiamento e deve anunciar mudanças em breve. O BNDES afirma que as taxas do Fundo Clima são "as mais baixas do banco", mas não abre mão de cobrar spread (uma taxa de risco de crédito), que varia de acordo com o perfil do cliente.
Além de cobrança para aplicar o dinheiro, o Ministério do Meio Ambiente tem recebido críticas de ambientalistas por aplicar a parcela não reembolsável do Fundo Clima em projetos não diretamente ligados à mitigação da mudança climática.
Uma pesquisa orçamentária feita para um relatório do Greenpeace sobre a Política Nacional de Mudanças Climáticas, a ser publicado amanhã, mostra que R$ 1,7 milhão foi empregado em uma campanha publicitária de educação ambiental.
O projeto, encomendado pela Secretaria de Comunicação Social do Planalto, somava R$ 5 milhões ao total. Seu objetivo era ressaltar benefícios da reciclagem de lixo.
O gerente do Fundo Clima no MMA, Marcos Del Prette, afirma que a campanha sobre reciclagem é importante para o clima, porque o problema do lixo está relacionado indiretamente às emissões de gases-estufa.
Outro projeto, de R$ 1,86 milhão, foi destinado a recuperar a mata numa área degradada de mineração em volta do museu do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG). Pela lei, a recomposição do terreno é de obrigação das mineradoras que o ocuparam, não do governo.
Essa área explorada, porém, é um passivo histórico, afirma o ministério.
"O empreendedor não existe mais". Desta maneira, não há quem possa ser forçado por lei a bancar a recuperação, diz Klink.

Painel Vera Magalhães

Alguns condenados no mensalão querem evitar o uso de algemas na ocasião da prisão

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Baixa exposição Alguns dos condenados no julgamento do mensalão foram instruídos pela defesa a se apresentar à Justiça tão logo Joaquim Barbosa efetue a expedição de seus mandados de prisão. Querem, com isso, evitar protagonizar imagens sendo conduzidos de forma coercitiva por policiais federais. Advogados pretendem protocolar petições ao STF para exigir que seja cumprida a súmula vinculante 11, que veda o uso de algemas, a não ser em caso de resistência à prisão ou risco de fuga.
Saída Para evitar desgaste, parte da Mesa da Câmara admite adotar, para deputados condenados no mensalão, decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso que determina perda de mandato para aqueles com pena maior que o resto da legislatura.
Infinito Ministros que viram possibilidade de Jacinto Lamas ingressar com embargos infringentes por ter obtido quatro votos favoráveis em recurso ontem apontam que o regimento fala em votos "divergentes", e não de absolvição, como disse Barroso.
Onde? Outra dúvida a sanar da sessão de ontem do STF é se todos os condenados a regime fechado ou semiaberto terão de cumprir pena em Brasília. Ministros e advogados divergem sobre se Joaquim Barbosa decidiu isso.
Gringa Ganha força entre os organizadores da Copa de 2014 o nome da cantora colombiana Shakira para estrelar a abertura da competição, em São Paulo. A ideia contraria o governo, que prefere promover artista brasileiro.
Ninho O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, e o ex-senador Tasso Jereissati, dois dos maiores desafetos de Lula no PSDB, foram convidados por Dilma Rousseff para a cerimônia de hoje em homenagem a João Goulart.
Meio a meio A reunião entre Dilma e os líderes aliados na Câmara começou tensa, antes de ser selado acordo. A presidente chegou a dizer que vetaria qualquer proposta que implicasse aumento de gastos para o governo.
Tabuleiro Em almoço com o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), aliado de Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva lembrou da importância dos palanques estaduais que teve em 2010, mesmo os não competitivos. Disse achar importante candidaturas próprias do PSB aos governos de SP, RJ e MG.
Cerca Para convencer empresários de que as opiniões de Marina sobre o agronegócio não contaminarão sua candidatura, Eduardo Campos tenta deixar claro em conversas com o setor que, apesar da filiação da ex-senadora ao PSB, os dois têm "siglas distintas", com prioridades diversas.
Protagonista O PSB e a Rede estão em busca de nova data para a reunião dos partidos com artistas e representantes culturais. A estrela do encontro, o ator Marcos Palmeira, não poderá participar no dia 23, data originalmente prevista para o evento.
Espaço... O governo paulista quer aproveitar que a crise dos auditores na Prefeitura de São Paulo ocupa área negativa do noticiário para promover ações de Segurança, setor que ganhou destaque e provocou desgaste para Alckmin neste ano.
... aberto Os anúncios do governador ontem sobre o Disque Denúncia se adequam à estratégia. Outra agenda positiva que pode entrar em pauta é a sanção de projeto de lei que aumenta o número de cargos intermediários na Polícia Militar, que ainda tramita na Assembleia.
Camomila Em discurso ontem, Alckmin afagou a categoria, insatisfeita com os 7% de reajuste concedidos em outubro. O governo prevê pressão dos policiais por novo reajuste em 2014, em plena campanha eleitoral.
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TIROTEIO
Ao cuspir para cima, Fernando Haddad deveria ter tido ao menos o cuidado de tirar seus companheiros petistas de baixo.
DO DEPUTADO PEDRO TOBIAS (PSDB-SP), sobre a investigação do município que apontou ligações de Antonio Donato com suspeitos de fraudes no ISS.
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CONTRAPONTO
Acertando os ponteiros
Nos bastidores da gravação de entrevista que foi ao ar na segunda-feira, Jô Soares e Eduardo Campos (PSB) conversavam sobre amenidades quando o apresentador reparou no pulso do governador de Pernambuco:
-Que relógio bonito!
-Foi um presente. Meus secretários se cotizaram e me deram de presente de aniversário.
-Eles têm bom gosto! - elogiou Jô.
Só então o apresentador mostrou seu próprio relógio, da marca Cartier, idêntico ao do presidenciável do PSB, e contou que ganhou o seu de presente da mulher.
Com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA
painel
Vera Magalhães é editora do Painel. Na Folha desde 1997, já foi repórter do Painel em Brasília, editora do caderno 'Poder' e repórter especial.

Janio de Freitas

folha de são paulo
Jango em Brasília
João Goulart foi parte ativa de um período dificílimo do Brasil, em meio ao quadro estrangulante da Guerra Fria
Bela ideia, a da recepção conjunta, em Brasília, dos quatro ex-presidentes vivos e da presidente aos despojos de João Goulart, prevista para a manhã de hoje. Quaisquer que sejam os erros atribuíveis a João Goulart, com ou sem possível razão, entre eles não está ato algum de traição à democracia.
João Goulart foi parte ativa de um período dificílimo do Brasil, pela agitação política e social, pela ação de interesses estrangeiros, a exacerbação das ambições de poder, a conturbada descoberta de si mesma por toda a América Latina, tudo isso no quadro estrangulante da Guerra Fria. A violência valeu-se de todas as formas possíveis naqueles anos. João Goulart não a usou nunca. Lutou politicamente, mas não se vingou jamais, por nenhuma das tantas formas de vindita ao seu alcance, de algum dos autores da perseguição odienta de que foi alvo por inúmeros políticos, militares e meios de comunicação, desde quando ministro do Trabalho, no governo presidencialista de Getúlio, à sua derrubada e exílio.
Não é só ao presidente vítima de um feroz golpe militar que os cinco sucessores legítimos homenageiam. É também a um modo de ser na política, comprometido, no caso, por concessões e traços típicos da demagogia, mas preservado como convivência ou como enfrentamento sempre nos limites civilizados. Lembrança que Jango traz com muita utilidade quando já se prenunciam deslizes inquietantes nas atuais preliminares da eleição e, sobretudo, da possibilidade de reeleição.
Jango Goulart não volta a Brasília por nenhum desses componentes institucionais, políticos e pessoais do seu percurso na vida nacional. Na melhor hipótese, o que o traz obterá resposta apenas parcial a uma incógnita maior. Se provocada, sua morte não seria desvinculada de objetivos criminosos e políticos que não se limitavam à eliminação de uma só pessoa.
Por isso, tão ou mais importante do modo como se deu a morte de João Goulart, por enfarte natural ou provocado, ou nem exatamente por enfarte, é o fato de ser parte de uma sucessão coerente, lógica e quase simultânea de ocorrências sem explicação satisfatória: as mortes, e suas circunstâncias, também de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda. As três em apenas nove meses. As três dos políticos capazes de maior mobilização em todo o país. Os três entendidos entre si desde formada a Frente Ampla que abalou a ditadura e por ela foi silenciada. Os três capazes de levantar apoios externos quando a ditadura se tornava incômoda aos Estados Unidos e sob pressão atritosa do governo americano.
A ditadura foi um regime assassino e torturador montado por militares com o apoio da maior parte da camada economicamente privilegiada do país. Não há motivo algum para dúvida.

Pairou no plenário uma sensação de atropelamento - Marcelo Coelho

folha de são paulo
QUESTÕES DE ORDEM
MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br
Cabeçadas e punições
Parece ter havido uma trapalhada entre o relator Joaquim Barbosa e o procurador Rodrigo Janot
Foi tudo um bocado tenso, e até mesmo assustador para o leigo. Na sessão de ontem do STF, colocou-se o tema da prisão imediata dos condenados do mensalão.
Finalmente, pode-se pensar. Mas a sensação de atropelamento do processo certamente pairou sobre o plenário.
É que parece ter havido uma trapalhada, ou no mínimo algumas cabeçadas, entre as duas principais forças interessadas na punição: o relator do processo, Joaquim Barbosa, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O Ministério Público, ou seja, a acusação, pediu formalmente que as penas fossem executadas desde já. Prisões, multas, penas alternativas --tudo. A não ser, claro, para os réus que ainda podem se valer de um último recurso, os famosos embargos infringentes.
Esse tipo de embargo pode tirar algum tempo de condenação para quem foi acusado de formação de quadrilha, por exemplo. O tema originou placares apertados no STF, e pode ser revisto.
Embargos, sim, mas só nessa questão. Quanto ao resto dos crimes, a condenação tem de valer desde já, argumentou o Ministério Público.
Era isso, também, o que desejava Joaquim Barbosa. Dois desejos, entretanto, podem valer menos que um. O problema estava posto.
Se há pedido da acusação, é lógico que a defesa pode contra-argumentar. O advogado de João Paulo Cunha, Alberto Toron, levantou essa questão de ordem.
Os ministros Lewandowski e Marco Aurélio Mello aceitaram de imediato esse raciocínio. O pedido do Ministério Público entrou nos autos do processo? Sim. Tem existência oficial? Sim. Então é preciso garantir aos advogados a oportunidade para que o leiam, e tentem refutá-lo.
Não, não, disse Joaquim Barbosa. O pedido não teria importância, porque ele próprio, como relator do processo, já tinha proposta na mesma linha. Como juiz do caso, tem a prioridade em decisões desse tipo. Pode impor aos já condenados a prisão, ou seja lá que punição lhes caiba, em todas as situações (peculato, corrupção, lavagem de dinheiro) em que o tribunal não ficou dividido.
A ampla maioria dos ministros, Dias Toffoli e Celso de Mello inclusive, ficou do lado de Barbosa. A ministra Rosa Weber, por exemplo, disse que só ficou sabendo das pretensões da acusação pelo noticiário dos jornais. Conclui-se que o Ministério Público entrou tarde demais e só atrapalhou uma iniciativa que Barbosa tomaria de qualquer jeito.
Mas então, indagava Marco Aurélio Mello, por que Barbosa aceitou o pedido e colocou aquela superfluidade no mundo oficial dos autos? Uma questão de etiqueta, respondeu Barbosa. Entenda-se: aquilo entra e é carimbado, protocolado, mas não merecia a sua atenção.
Vossa Excelência então assina sem ler, cutucou Marco Aurélio. Era o que lhe restava fazer, além de levantar a hipótese ameaçadora de uma "nulidade" do processo. Ficou praticamente sozinho.
No fim, foi geral a aceitação --com nuances-- do "fatiamento" das sentenças: prenda-se quem não pode recorrer mais, nos pontos em que não há recurso. Essa é a parte, no jargão jurídico, que já "transitou em julgado"; quanto ao resto, que se prossiga com os embargos; mas quais? O debate se estendia. Como diferenciar recursos reais de "firulas" e "chicanas"?
Era o vocabulário de Barbosa, divergindo de Zavascki, entre provocações de Marco Aurélio, enquanto até Toffoli e Fux, num evento raríssimo, pareciam concordar: protelações têm limite.

    Nelson de Sá

    folha de são paulo
    Aos 71, Leilah Assumpção está de volta à dramaturgia
    Autora cria peça sobre sua experiência com infecção no rosto e no cérebro
    'Dias de Felicidade', escrita após a escolha 'entre ficar cega ou colocar titânio' na face, fala sobre resiliência
    NELSON DE SÁDE SÃO PAULO"É a primeira foto que eu deixo, depois de tudo. Falei: agora vou mostrar a cara do jeito que ficou'. Não deu para ficar melhor [ri], mas, também, estou com 71 anos. Não há necessidade de oh, coitada, olha só'. Eu me maquiei."
    É Leilah Assumpção, de "Fala Baixo, Senão Eu Grito" (1969) e "Intimidade Indecente" (2001), peças sobre a mulher que estão na história do teatro brasileiro, traduzidas e montadas mundo afora. Ela retorna depois de uma infecção no rosto, há oito anos, seguida por outra no cérebro.
    Escreveu uma peça sobre o que passou, "Dias de Felicidade", título irônico, porque "saiu um humor negro, uma comédia". Na introdução ao texto, ela explica ter escrito "para exorcizar".
    A peça já está em produção, com previsão de estreia no primeiro trimestre do ano que vem, em São Paulo, com direção de Regina Galdino, a mesma de "Intimidade".
    Consuelo de Castro, colega de geração na dramaturgia, leu e diz que "Leilah transformou a dor da experiência em arte e boa arte, sem autopiedade, com aquela ironia que sempre teve".
    Leilah, sobre a primeira infecção: "Ia ficar cega, então tive que escolher. Era aqui [nos olhos, de lado a lado]. Está na peça, o pior momento é o da escolha: entre ficar cega ou colocar titânio".
    O metal alterou sua face e, hoje, dá a palavra mais repetida por ela, sobre si mesma e a peça: resiliência. Explica que "vem do aço, da física: você funde, ele muda e depois tem a capacidade de voltar". É como ela se vê, com titânio no lugar dos ossos.
    A resiliente enfrentou nova prova. "Depois tive infecção de herpes dentro do cérebro, fiquei muito mal." Já não andava, mas fez e ainda faz fisioterapia. "Eu sobrevivi e me recuperei. Uso sapato ortopédico, mas tudo bem."
    A aparência e o andar remetem ao que Leilah fazia antes de explodir como autora, em 1969. "Era manequim de alta costura, do Dener!" Saía da passarela direto para o Oficina, para estudar com o ator russo Eugênio Kusnet (1898-1975) e namorar Zé Celso.
    "Como fui manequim, sempre dominei meus ângulos", diz. "Sempre fui fotogênica, porque tirava no ângulo. Mas me aconteceu isso, e fiquei sem ângulo nenhum."
    Mas "Dias de Felicidade" não é sobre aparências. Fala do companheirismo de um casal: seu primeiro título era "Conforto à Beira do Abismo". E do envelhecimento: o segundo, também descartado, era "Estou Louca para Entrar na Idade do Foda-se".
    "Minha geração vai reinventar a velhice", diz Leilah, que viveu dois anos como hippie em Londres e dá uma pista do que é a velhice para aquela geração dos anos 60: "Eu acho que o velho tem o direito, se quiser e puder, de não fazer nada. É difícil".
    Ela justifica com uma história. "Liguei para uma conhecida da minha idade e ela: Levantei, fui ao shopping'. Sabe aquele desespero de provar que fez? E você?' Nada.' Ela ficou perplexa, porque eu não paro de escrever."

      José Simão

      folha de são paulo
      Ueba! Palmeiras levou no Pikachu!
      Eleição em São Paulo parece eleição no Líbano: Maluf, Haddad, Kassab, Alckmin, Temer! Efeito 25 de Março!
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Manchete do "Meia Hora": "Calor entra rasgando e ultrapassa Flu e Vasco". Onda de calor! Bafo do inferno! Eu dormi no freezer ligado no modo nevar. E uma amiga dormiu no chão, com a porta do frigobar aberta! E a Argentina não serve mais nem pra mandar frente fria!
      E a piada pronta do dia: o Palmeiras levou um gol do Pikachu. O Porco levou no Pikachu! Tá difícil evoluir pra Raichu! Rarará.
      E diz que o Pato acertou o gol porque a bola era de fisioterapia!
      E outra do "Meia Hora": "Morena diz que Bieber tem bibão". E o Bieber disse que não volta mais ao Brasil! Gongaram ele no Brasil: foi pro show e levou uma garrafa d'água na cabeça, tentou levar puta pro quarto e foi expulso do hotel, pichou o muro e foi procurado pela polícia.
      E dizem as más línguas que essa morena que dormiu com ele ainda tentou enfiar o dedo no fiofó dele! Rarará! Gongada Federal!
      E esta: "Dilma deve colocar Mercadante na Casa Civil e dar pastas pro PMDB!". PMDB? De novo? PMDB quer dizer Pegamos Ministérios de Baciada!
      O PMDB quer o Ministério da Saúde, da Doença, das Férias, da Entregação Nacional, o ponto do pipoqueiro da praça dos Três Poderes e indicação de quatro filhos pro "BBB 15"!
      Se eu fosse a Dilma, eu diria: "Querem pastas? Toma logo três: Close-Up, Colgate e Sensitive". PMDB pega três pastas: Close-Up, Colgate e Sensitive! Rarará!
      E a máfia dos fiscais em CorrupÇão Paulo? O Haddad tava investigando o Kassab e a investigação bateu num secretário dele. Investigação Bumerangue: você atira e volta! POIM! Na testa! Rarará.
      E o mais engraçado: o cara tava investigando ele mesmo! Rarará. Isso foi Malddad do NumKassab! Coisa de primos, libaneses. Essa rixa vai terminar no Habib's!
      Eleição em São Paulo parece eleição no Líbano: Maluf, Haddad, Kassab, Alckmin, Temer! Efeito 25 de Março! E é o que sempre digo: não tem virgem na zona! Rarará! E essa máfia roubou R$ 500 milhões! Ou seja, dez mensalões!
      É mole? É mole, mas sobe!
      Os Predestinados! Direto de Ilhéus, o zootecnista especializado em reprodução animal: Bráulio Pinto! Parabéns pelos dois! Rarará! E essa especialista em controle de peso: Linda Bacon! Rarará!
      Nóis sofre, mas nóis goza!
      Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        Mônica Bergamo

        folha de são paulo

        PT quer que Haddad se distancie das investigações de corrupção na Prefeitura

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        O PT está convencido de que Fernando Haddad deveria tomar distância regulamentar das investigações de corrupção na Prefeitura de SP. Dirigentes da legenda saíram de conversa com ele anteontem, contudo, desanimados: o prefeito deu sinais de que, ao contrário da expectativa, manterá o pé no acelerador.
        TÔ ESCUTANDO
        Participaram do almoço, entre outros, Rui Falcão, presidente do PT, Emídio de Souza, presidente do PT de SP, e Antonio Donato, que pediu demissão anteontem. "Haddad ouve, mas segue dando a maior força para a controladoria", diz um dos dirigentes. A CGM (Controladoria-Geral do Município), criada pelo prefeito, está no centro do desmantelamento da máfia dos fiscais.
        IMPOSSÍVEL DAR CERTO
        Na visão de parte do PT, a controladoria estaria hoje "fora de controle". E tamanha autonomia só pode resultar em algo que, internamente, petistas chamam de "VDM", ou "Vai Dar M...". Investigações como a dos fiscais atingem grande parte do espectro político, jogando a administração em crise permanente --como a que agora atravessa, com disputas com Gilberto Kassab e a degola de Antonio Donato.
        EM SILÊNCIO
        Uma das esperanças do partido é a de que Haddad pelo menos diminua o ritmo de entrevistas sobre o tema. Com isso, ele ajudaria a tirar os holofotes do escândalo. Na visão de parte da legenda, nem as "pautas boas" da administração municipal estariam mais tendo destaque.
        AMERICANIZADA
        A atriz Tainá Müller, que será uma fotógrafa homossexual na nova novela das oito, "Em Família", vai alongar os cabelos para o papel. A Globo trouxe de NY o figurino da personagem, Marina.
        O NARIGÃO DO ARTISTA
        Bob Sousa
        O diretor Zé Celso Martinez Corrêa é uma das personalidades retratadas pelo fotógrafo Bob Sousa para o livro "Retratos do Teatro", que será lançado no dia 27.
        *
        "Geralmente, não gosto de me ver em fotos. Fujo delas", diz o diretor. "Mas as que capturam meu eu artista me chamam atenção até à adoração. É o caso desta. Bob incorporou um pintor renascentista, um Dante Alighieri." A foto foi feita em 2010. "Virou uma obra de arte", elogia Zé Celso.
        *
        Por causa do retrato, ele conta que aceitou enfim o próprio nariz, que até então o incomodava. "Passei a amar meu narigão torto, pois ele foi desenhado como um objeto riscado por Da Vinci."
        FORA DA TELINHA
        Ana Paula Padrão se reuniu com os donos da Rede TV!, Almicare Dallevo e Marcelo de Carvalho, nesta semana. Foi convidada a voltar à telinha com um programa de entrevistas ou na bancada. Ainda firme no propósito de não retornar à TV, ela não deve aceitar o convite.
        SEM DOR
        E a apresentadora se submeteu a uma cirurgia da coluna há quatro semanas, para se livrar de uma artrose congênita que provocava dores intensas. Já está liberada para voltar à rotina e viajar.
        APLAUSOS
        O Theatro Municipal vendeu 112 mil ingressos até agora (quantidade 83% maior que a de todo o ano passado) e arrecadou R$ 3,65 milhões. Só a ópera "Aída", em agosto, teve 15 mil espectadores. "É um recorde histórico", diz o diretor José Luiz Herencia.
        COR E FORMA
        A artista plástica Helena Carvalhosa recebeu convidados anteontem na inauguração de sua exposição, na galeria Casa Contemporânea. As antropólogas Bibia Gregori e Esther Hamburger, o professor Dieter Heidemann e Brasília Arruda Botelho, consultora em cerimonial, estiveram no evento. Também passaram por lá o engenheiro Antonio Carlos Lima, a escritora Margarida Gordinho e as artistas plásticas Renata Pelegrini e Beth Tomé.

        Exposição de Helena Carvalhosa

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        Bruno Poletti/Folhapress
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        A artista plástica Helena Carvalhosa recebeu convidados na abertura de sua exposição, na galeria Casa Contemporânea, na terça (12)
        ALIMENTOS
        Rosane Collor vai recorrer da decisão do STJ de limitar a três anos o prazo em que continuará a receber a pensão de 30 salários mínimos (cerca R$ 20 mil) paga pelo ex-marido, Fernando Collor (PTB-AL). "Houve polêmica entre os ministros sobre a questão. Com 50 anos, será muito difícil a reinserção dela no mercado de trabalho. Sem falar no ônus de ser ex-Collor", afirma o advogado Weider Lacerda.
        ALIMENTOS 2
        A defesa de Rosane festeja, por outro lado, o fato de o STJ ter acatado a tese de "alimentos compensatórios", criando jurisprudência. Ao se divorciar, ela não teve direito à partilha do patrimônio por ter sido casada em regime de separação de bens. A corte manteve a concessão a ela de dois apartamentos e dois veículos, avaliados em R$ 2 milhões, a título de indenização.
        ARTE EM MOVIMENTO
        A Galeria Vermelho apresentou a mostra de performance "Verbo 2013", que reuniu trabalhos de artistas brasileiros e estrangeiros. As artistas plásticas Santarosa Barreto, Vick Garaventa e Vivian Caccuri foram ao local.

        Mostra 'Verbo 2013'

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        Bruno Poletti/Folhapress
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        A artista Vivian Caccuri se apresentou na mostra de performance "Verbo 2013", na terça (12), na Galeria Vermelho
        CURTO-CIRCUITO
        Lucas Santtana canta repertório romântico hoje no projeto Brisa, do Riviera Bar, com curadoria de Fernanda Couto. 18 anos.
        O Encontro Internacional Públicos da Cultura vai até hoje, no Sesc Vila Mariana.
        A peça "Depois da Vida" está em cartaz no Club Noir às quintas e sextas, às 21h. Até o dia 24 de novembro. 14 anos.
        A Cia. Os Melhores do Mundo inicia hoje série de apresentações gratuitas da peça "Tira - Codinome Perigo" para alunos de escolas públicas em Brasília.
        com ELIANE TRINDADE, JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
        Mônica Bergamo
        Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

        Contardo Calligaris

        folha de são paulo
        Arte fora de estação
        Para as crianças de hoje, a arte não precisa representar ou contar, ela pode ser um gesto, um conceito
        A Bienal de Arte de Veneza dura de junho a novembro, a cada dois anos. Na semana de abertura, há inúmeras festas de inauguração --a maioria regada ao pior prosecco produzido na região do Vêneto e outras poucas em que a bebida e a comida são toleráveis.
        Nessa época, Veneza é um formigueiro de artistas, críticos, investidores, jornalistas, curadores, cicerones para grupos de senhoras sedentas de experiências "avançadas" no campo da arte --e, embora não seja Carnaval, um número equivalente, se não maior, de pessoas disfarçadas de artistas, críticos, investidores, jornalistas etc.
        Graças a essa fauna, a semana de abertura é ótima se você deseja encontrar ou consolidar sua fé na relevância da arte contemporânea.
        É óbvio que os artistas se esforçam sempre para que sua obra, sua performance ou sua instalação constituam um evento. Ora, na semana de abertura, todas as categorias que citei se agitam para convencer o mundo de que a Bienal é mesmo um grande acontecimento.
        Três gatos avançam sambando pela via Garibaldi? Pois é, a Bienal rende homenagem ao tropicalismo, ao pós-tropicalismo, ou ao pós-pós-tropicalismo. Tem alguém mugindo deitado num pavilhão dos Giardini? Pois é, assim se expressa a dor do mundo ou, por que não, a saudade do leite materno.
        Agora, se você não precisar acreditar na arte contemporânea, arrisque-se a visitar a Bienal em novembro. Mesmo fora de estação, há turistas, artistas e, sobretudo, alunos: de manhã, é fácil esbarrar numa turma, levada por um par de professores.
        Gilad Ratman apresenta o registro filmado da chegada de uma equipe de espeleólogos que penetram no pavilhão de Israel pelo esgoto, furando o chão; num outro registro, cada espeleólogo esculpe na argila seu autorretrato e começa a gritar com ou contra sua própria imagem. Os professores que acompanhavam a turma não propuseram interpretações nem apreciações. As crianças aprovaram. Aos 12 anos, como eu teria reagido?
        Will Gompertz (no começo de seu ótimo "Isso é Arte? 150 Anos de Arte Moderna - Do Impressionismo Até Hoje", Zahar) conta que, em 1972, a Tate Gallery de Londres comprou uma obra feita de 120 tijolos, e a coisa deu protestos e controvérsias.
        Trinta anos mais tarde, todo o mundo achou normal a compra de uma obra que consistia num pedaço de papel com as instruções caso alguém quisesse repetir uma performance. Entre as duas datas, uma mudança, não da arte, mas de gerações.
        Não adianta eu ter escrito a profusão sobre o que aconteceu nas artes entre o século 19 e o 20. Assim como não adianta eu querer defender o "ready-made", o minimalismo, a "arte povera", o espacialismo ou a arte conceitual: quase irremediavelmente, eu sempre preferirei as obras que representam o mundo e contam uma história.
        As crianças com que cruzei no pavilhão de Israel talvez sejam diferentes de mim, e, para elas, a arte possa ser um gesto, uma intenção, um conceito. É bom ou ruim? Não sei.
        Seja como for, desta vez, as duas gerações, a minha e a das crianças, puderam gostar da Bienal. Explico: a Bienal de Veneza comporta os pavilhões (em que cada nação escolhe seus artistas) e uma exposição central organizada por um curador.
        O de 2013, Massimiliano Gioni, escolheu o tema "O Palácio Enciclopédico" e realizou uma mostra inesquecível, que talvez ajude a entender por que se tornou difícil contar e representar.
        No Arsenale, a mostra começa com a maquete do edifício projetado por Marino Auriti, um mecânico ítalo-americano que queria construir um arranha-céu que contivesse o registro de todo o saber da humanidade. Nos Giardini, a mostra começa com o original do "Livro Vermelho": 16 anos de "imaginação ativa" de Carl Gustav Jung, na tentativa heroica de explorar cada canto de sua própria mente.
        No século 14, os 400 manuscritos da biblioteca de Francesco Petrarca eram o compêndio do saber humano. Pouco mais de cem anos mais tarde, os livros impressos se multiplicavam, uma incrível diversidade humana era revelada pelas grandes descobertas, e a própria Terra se perdia num universo infinito.
        Hoje, a internet alimenta mais um sonho de palácio enciclopédico (virtual: todo nosso saber on-line), mas a sensação que prevalece (ao menos em mim) é que há cada vez menos totalidade possível --só fragmentos, numa expansão parecida com a do Big Bang.
        Talvez por isso seja difícil, para as artes, contar histórias ou representar o mundo.