segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Luiz Carlos Bresser-Pereira

folha de são paulo
Espionagem e imperialismo
Será que existem Estados-nação amigos? Ou todos os países consideram os demais seus adversários?
Diante da revelação de que vinha sendo espionada pelos Estados Unidos, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, afirmou: "não se faz isso entre amigos". De fato, entre os amigos existem certas normas não escritas que devem ser sempre obedecidas, senão perdemos o amigo. Mas será que existem Estados-nação amigos? Ou todos os países consideram os demais seus adversários?
Quando eu me declaro nacionalista econômico, muitas vezes as pessoas se surpreendem. Não seria o nacionalismo uma atitude política ou uma ideologia "superada"? Não viveríamos em uma sociedade global na qual os Estados-nação perderam relevância?
Estas são perguntas originárias da ideologia neoliberal e globalista que foi hegemônica no mundo entre 1979 e 2008. Viveríamos em um mundo "sem fronteiras".
Na verdade, tratava-se de mera estratégia de dominação. Em sua qualidade de potência imperial do nosso tempo, ou de "Hegemon", como seus ideólogos preferem, os EUA propagaram a tese de um Ocidente democrático e amigo que teria que enfrentar alguns "inimigos" necessários --antes, a União Soviética (o que fazia algum sentido), hoje, a Rússia e a China.
A espionagem realizada pela NSA é uma evidência do quão absurda é essa tese. Revela mais uma vez o nacionalismo dos americanos e seu governo. Os EUA estão voltados para seus próprios interesses --os de sua "segurança nacional", que justifica tudo, e os interesses das grandes empresas, a base de sua riqueza.
Diante da espionagem americana revelada por Edward Snowden (um "traidor", segundo os EUA), os demais países, principalmente os europeus, supostamente os "amigos íntimos", se declararam indignados. Mas nada fizeram, diferentemente da presidente Dilma Rousseff, que cancelou sua visita de Estado aos Estados Unidos. Nada fazem porque sabem qual é a regra do jogo.
Esta regra é a do interesse nacional, do "realismo", que justifica inclusive a espionagem generalizada.
Quando a competição entre os Estados-nação é uma relação entre iguais, a expressão "realismo" é suficiente. Quando é entre o poderoso e o fraco, precisamos falar de imperialismo por parte do dominante e de nacionalismo por parte daquele que está ameaçado de dominação.
Os grandes países europeus pensavam-se iguais aos Estados Unidos. Na verdade, sempre que a relação é entre o forte e o fraco, há imperialismo, e a única forma de contê-lo é o nacionalismo: é a nação se unir diante das pressões da potência imperial; é a nação não se submeter ao mais forte.
Hoje só existe uma potência imperial mundial: os Estados Unidos. As demais são regionais. A França é imperial em relação ao Norte da África e ao Oriente Médio. O Brasil e a Argentina são imperiais em relação ao Paraguai e à Bolívia.
O imperialismo de uns e o nacionalismo necessário de todos não impede a colaboração entre as nações e a construção de instituições internacionais sólidas. A regra não é apenas competir; é competir e colaborar. Mas a solidariedade necessária entre os seres humanos não pode ser confundida com dependência ou subordinação.

Não saber programar é o analfabetismo do futuro - Ronaldo Lemos

folha de são paulo
INTERNETS
RONALDO LEMOS
@lemos_ronaldo
Não saber programar é o analfabetismo do futuro
Imaginar que ainda hoje há pessoas incapazes de ler e escrever é doloroso. Habilidades de leitura e escrita devem ser universais. No entanto, quase ninguém fica incomodado em saber que a maioria das pessoas não sabe programar. Linguagens de programação são dominadas por um percentual ínfimo da população. O que dói mais, nesse caso, é que a questão não esteja no centro da pauta das políticas educacionais.
Assim como o analfabetismo foi tolerado por muito tempo, vivemos o momento em que ainda se aceita que a maioria das pessoas não saibam nada de programação.
A consequência disso é que nosso modo de vida, cada vez mais dependente de códigos, está sendo "desenhado" por uma minoria. Sem entender ao menos o básico, não dá sequer para opinar se um sistema deveria ser feito de um jeito ou de outro. Resta apenas o papel de "usuário", desprotegido e desinformado quanto às decisões que são tomadas sobre sua vida.
Para mudar isso há uma série de iniciativas surgindo. Por exemplo, o Code.org, campanha apoiada por gente como Bill Clinton ou o rapper Will.i.am. O ponto é defender a ideia de que todo estudante deveria ter a oportunidade de aprender programação já na escola. Outras iniciativas como a CodeAcademy.com partem para a prática: oferecem ferramentas para ensinar programação on-line, para qualquer idade.
O que está em jogo aqui é o futuro da organização social. A tecnologia abre possibilidades extraordinárias de participação na vida pública. Só que saber um mínimo de programação é o requisito para que a ideia de democracia se perpetue.
READER
JÁ ERA O mundo sem drones
JÁ É A popularização dos drones aéreos
JÁ VEM Drones aquáticos

Painel do leitor da Folha e a resposta de Antonio Prata

FOLHA DE SÃO PAULO
RESPOSTA DO COLUNISTA ANTONIO PRATA - Aos leitores que não entenderam minha crônica "Guinada à direita": sim, eu estava sendo irônico. A intenção, ao criar tal persona retrógrada, racista, machista e homofóbica, era apontar tais preconceitos em nossa sociedade. Parece que funcionou, pois a maioria dos e-mails equivocados que recebi me parabenizava pela "coragem" de "assumir" essas deprimentes opiniões.

PAINEL DO LEITOR 
O "Painel do Leitor" recebe colaborações por e-mail (leitor@uol.com.br), fax (0/xx/11/3223-1644) e correio (al.Barão de Limeira, 425, 4º andar, São Paulo-SP, CEP 01202-900). As mensagens devem ser concisas e conter nome completo, endereço e telefone. A Folha se reserva o direito de publicar trechos.
Leia mais cartas na Folha.com
Antonio Prata
Maravilhoso, corajoso e absolutamente necessário o texto de Antonio Prata ("Cotidiano", 3/11). Com ironias endereçadas aos pitbulls Reinaldo Azevedo, Demétrio Magnoli e Luiz Felipe Pondé, toca num ponto crucial: os escribas da direita são absolutamente autoritários, raivosos e desrespeitosos com as opiniões divergentes e ainda pretendem ser os donos do pensamento democrático. Lavou minha alma.
Carlos Gueller (São Paulo, SP)
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Adolf Hitler, ao ler Antonio Prata ("Guinada à direita", "Cotidiano", 3/11), teria ficado feliz por ser assinante da Folha... Me pergunto se isso é uma piada, pois é inacreditável a publicação de um texto tão fascista, ofensivo e preconceituoso. É assustador!
Vânia Gomes (São Paulo, SP)
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Sugiro a Antonio Prata que reflita sobre o poema "Inclassificáveis", de Arnaldo Antunes. Se somos hoje uma sociedade violenta é porque somos herdeiros da desigualdade que se instalou aqui desde o Descobrimento. Raciocínios intolerantes não contribuem em nada para reduzir a violência.
Jesuíno B. Carvalho (São Paulo, SP)
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Muito corajosa e pertinente a coluna de Antonio Prata ("Cotidiano", 3/11). Realmente é essa gentalha, protegida por um poder totalitário instalado em nossa nação há mais de uma década, que impede o pleno desenvolvimento do país. Parabéns. Aguardo ansioso por novas colunas raivosas.
Renato Mietto (São Paulo, SP)
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Antonio Prata deve estar sendo muito irônico ou o jornal pirou.
Clarisse M. Machado (São Paulo, SP)
RESPOSTA DO COLUNISTA ANTONIO PRATA - Aos leitores que não entenderam minha crônica "Guinada à direita": sim, eu estava sendo irônico. A intenção, ao criar tal persona retrógrada, racista, machista e homofóbica, era apontar tais preconceitos em nossa sociedade. Parece que funcionou, pois a maioria dos e-mails equivocados que recebi me parabenizava pela "coragem" de "assumir" essas deprimentes opiniões.

Luli Radfahrer

folha de são paulo
Reinventando o comércio
O consumidor poderá 'assinar' um serviço para usar produtos por um tempo limitado
Os processos comerciais evoluíram, mas o modelo não seria estranho a um consumidor do século 17. A matéria-prima ainda é industrializada, transportada e apresentada em lojas, onde é trocada por dinheiro, em uma relação que raramente se estende além do período da garantia. Não há muita diferença entre um iPhone comprado na Amazon e um peixe comprado em um mercado de rua em Marselha.
O comércio eletrônico varreu esse problema para debaixo do tapete. Por mais que as lojas estejam abertas o tempo todo, disponíveis nos bolsos, o processo ainda é o mesmo, dependente dos mesmos agentes. Mas isso está para mudar.
A começar pelo dinheiro. As transações pela internet criaram uma facilidade, mas geraram um gigantesco controle de informação pelos bancos e companhias de cartão de crédito. Eles sabem, a cada transação, quem você é, onde está e do que gosta. O preço pago pela comodidade digital é a perda de privacidade.
Não há, na internet, algo equivalente a dinheiro: anônimo, rápido e definitivo. Ou não havia, até o surgimento do Bitcoin --não surpreende vermos tantas críticas.
Há indícios que a própria ideia de dinheiro esteja com os dias contados. A intensa troca de informações pelas redes sociais permite o surgimento de novas formas de pagamento. Há projetos de economia colaborativa, estimulando o desenvolvimento de economias locais e trocas de conhecimento específico. Usados em ambientes tão diversos quanto o mundo acadêmico e as moedas sociais, esse novo intermediário ajuda e reconstruir as relações de valor e sua aplicação.
Facebook e Google mostram que é possível pagar por serviços úteis com uma moeda que há pouco tempo era tão difícil de minerar que sua aplicação prática se tornava inviável: a informação. Aparentemente gratuitos, eles registram e analisam os dados de visitação de seus usuários, convertendo-os em orçamentos de mídia para anunciantes. É o mesmo princípio de patrocínio que antigamente sustentava os programas da TV e sustenta blogs e redes.
Em um futuro próximo não será difícil imaginar um restaurante em que o cardápio, em um tablet, comparará o histórico do consumidor com os dados de estoque e disponibilidade dos pratos para formar combinações que sejam mais valiosas para todos.
Em hangares industriais, máquinas de precisão imprimirão automóveis ou casas com personalização e detalhe não imaginados hoje. As limitações estariam na precisão do modelo e qualidade do material.
Não demorará para que boa parte dos produtos sejam transformados em serviços.
Em vez de comprar um par de tênis, o consumidor poderá "assinar" um serviço para usar produtos por um tempo limitado e devolvê-los para o fabricante, que se encarregará de sua reciclagem. Basta olhar qualquer armário para notar como a prática faz mais sentido do que o processo industrial de hoje, em que materiais preciosos são arrancados do solos e depois seguem para aterros sanitários.
A evolução tecnológica nos mostra que a única forma de ampliar a qualidade de vida ao mesmo tempo em que se acomodam mais e mais habitantes no planeta está em desafiar a imaginação.

Alemanha cria papel de parede 'anti-terremoto'

folha de são paulo
GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO
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Um papel de parede especial desenvolvido por cientistas alemães pode se tornar uma alternativa simples e barata para reduzir os estragos causados pelos terremotos.
A maioria das mortes nesses episódios acontece porque as pessoas são soterradas ou atingidas por construções que colapsam com o tremor de terra.
Há projetos de engenharia, como o uso de de uma espécie de mola especial nas estruturas, que conseguem reduzir o impacto. No entanto, são tecnologias que costumam ser muito caras e praticamente inacessíveis em países mais pobres.
O papel de parede anti-terremoto desenvolvido no Instituto Karlsruhe de Tecnologia, na Alemanha, com parceria com Bayer MaterialScience e a empresa Kast, tem o objetivo de ser uma alternativa barata para tornar construções comuns menos vulneráveis aos sismos.
Divulgação
Aplicação do papel de parede anti-terremoto é bastante parecida com a do "comum"
Aplicação do papel de parede anti-terremoto é bastante parecida com a do "comum"
FUNCIONAMENTO
Batizado de EQ-Top, o material é um tecido especial de fibra de vidro que é aplicado como um papel de parede nas construções de alvenaria. O principal componente do sistema é o adesivo Dispercoll U, uma dispersão de poliuretano que ajuda a fortalecer os pontos mais fracos.
Com a aplicação do papel de parede, a energia liberada pelo terremoto é distribuída ao longo da parede, evitando sobrecarga em pontos vulneráveis das estruturas, como janelas e batentes de portas.
Em testes, o revestimento evitou o colapso de várias estruturas. Quando não o impedia totalmente, o material foi capaz de retardar o processo. O que, segundo seus criadores, permitiria que as pessoas ganhassem tempo o suficiente para abandonar um recinto em segurança.
Terremotos podem ser devastadores mesmo quando não são muito intensos. No caso de comunidades em que prédios e residências praticamente não têm preparação para resistirem aos abalos, não é preciso um superterremoto para causar um rastro de destruição e mortes.
Segundo Muritz Urban, cientista do Instituto Karlsruhe de Tecnologia que participa do processo, o objetivo é que o material seja simples, barato, eficiente e de fácil aplicação, justamente para poder beneficiar quem de outra forma não teria acesso à proteção.
"O processo ideal é que o papel de parede seja usado durante a construção, mas os resultados também são muito bons em estruturas já existentes", explica Urban.
O papel anti-terremoto já começou a ser vendido na Itália e na Alemanha.

Substância de coral destrói superbactéria hospitalar em testes

folha de são paulo
DIANA BRITO
DO RIO
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Uma das superbactérias mais resistentes a antibióticos, a KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase) acaba de ganhar um novo adversário: o coral orelha-de-elefante (Phyllogorgia dilatata).
A espécie, que existe apenas na costa brasileira, é a primeira nas águas da América do Sul a apresentar capacidade de controle desse microrganismo, encontrado em ambiente hospitalar.
Há relatos de moléculas extraídas de animais marinhos, corais e esponjas que combatem outros tipos de bactérias, mas não a KPC.
Causadora de infecção pulmonar, a KPC matou ao menos 106 pessoas no país em 2010 e 2011, segundo o último levantamento do Ministério da Saúde. A maioria dos casos foi registrada na região sudeste (64) e sul (12).
Responsáveis pelo estudo, pesquisadores da pós-graduação de Ciências Genômicas e Biotecnologia da UCB (Universidade Católica de Brasília) e do Projeto Coral Vivo selecionaram seis espécies de corais para testes.
"A escolha foi feita pelas características desses animais, que sobrevivem à alta competitividade nos ambientes marinhos, possivelmente por possuírem barreiras químicas. Mas ainda não sabemos se a substância que combate a KPC é do coral ou de uma bactéria que vive associada a ele", diz o biólogo Clovis Castro, coautor da pesquisa e coordenador do Projeto Coral Vivo, ligado ao programa Petrobras Ambiental.
"Nos testes percebemos que o orelha-de-elefante tinha mais potencial [no combate à superbactéria] do que os demais", disse Loiane Alves de Lima, que apresentou o estudo no mestrado na UCB.
"Também vamos fazer testes contra vírus e fungos. A descoberta pode ter potencial ainda maior", disse a bióloga molecular Simoni Campos Dias, da UCB, que orientou Loiane Lima.
A descoberta foi publicada na revista "Protein & Peptide Letters", voltada para estudos de bioquímica. O levantamento começou em 2009 com material recolhido em Porto Seguro (BA).
Pedaços de diferentes colônias da espécie foram triturados e passaram por processo de purificação até a separação da substância de combate à superbactéria.
Testes in vitro indicaram que após 12 horas, toda da população de KPC fora exterminada pela proteína do coral.
Editoria de Arte/Folhapress
Bacteria
"Esse pode ser um candidato promissor a um novo antibiótico para atuar contra a KPC e outras bactérias resistentes", afirmou Simoni Dias.
Detectada pela primeira vez nos EUA em 2001, a KPC chegou ao Brasil em meados de 2005. De acordo com o diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia Marcos Cyrillo, sua incidência decuplicou nos últimos cinco anos. "De 100 amostras de Klebsiella pneumoniae (bactérias do trato gastrointestinal) analisadas há cerca de cinco anos, 2% eram KPC, ou seja, multirresistentes. No último ano, constatamos que esse número subiu para 20%", destaca.
Os pesquisadores contam que o composto será clonado dentro de leveduras para que seja possível produzir o princípio ativo em grande escala.
Para que o medicamento seja fabricado, no entanto, ainda há necessidade de testes em animais e humanos, além da aprovação dos órgãos competentes, o que pode demorar até 10 anos.
Além da KPC, a proteína combate outras duas bactérias hospitalares resistentes: a Staphylococcus aureus e a Shigella flexneri.
A espécie está ameaçada de extinção devido à coleta predatória para venda em aquários e lojas de souvenires. O projeto Coral Vivo vem estudando a espécie com o objetivo de criar um projeto de cultivo do organismo.

Ex-mulher diz que auditor tentou usá-la como laranja [fraude do ISS da prefeitura]

folha de são paulo
Vanessa Alcântara viveu com funcionário suspeito de fraudar ISS da prefeitura
Ela afirma que Luís Magalhães queria abrir empresa em seu nome para esconder bens; advogado de fiscal nega
MARIO CESAR CARVALHODE SÃO PAULOEx-companheira do fiscal Luis Alexandre Cardoso de Magalhães, 41, Vanessa Caroline Alcântara, 27, disse à Folha que ele tentou usá-la como laranja para esconder patrimônio, assim que soube que a Prefeitura de São Paulo estava investigando-o sob suspeita de cobrar propina para reduzir o valor do ISS (Imposto sobre Serviços) de imóveis novos.
"Ele tentou abrir uma empresa para transferir bens para o meu nome e eu não aceitei. Nos separamos por isso. Ele tinha feito isso com a ex-mulher", conta.
A ALP Administradora de Bens, que tem como sócia a ex-mulher do fiscal, foi usada para receber R$ 4 milhões de propina da Brookfield-- que confirmou o pagamento. A prefeitura estima que o grupo do qual Magalhães fazia parte, com mais três fiscais, causou prejuízo de R$ 500 milhões aos cofres públicos.
Vanessa afirma que ouviu relatos de Magalhães sobre as empresas que aceitavam pagar propina para recolher menos impostos, mas prefere não citar nomes. "Eu sou um arquivo vivo. É por isso que tem muita gente que quer me matar", diz.
Durante as investigações, ela falou ao Ministério Público o nome de duas dessas incorporadoras e disse que corria risco de ser morta.
Promotores ofereceram a ela o ingresso no programa de proteção a testemunhas, mas Vanessa diz que ainda não decidiu se aceitará.
O episódio da tentativa de usá-la como laranja, segundo ela, ocorreu em março deste ano, quando a Controladoria Geral do Município chamou os quatro fiscais presos para explicar por que tinham patrimônio incompatível com a renda deles.
Magalhães ganha cerca de R$ 14 mil e tem um patrimônio de R$ 18 milhões.
A separação foi traumática, segundo ela. O fiscal obteve na Justiça a guarda do filho de nove meses que teve com ela e de um garoto de quatro anos que ela tivera com outro homem.
Um relatório usado na retirada da guarda afirma que Vanessa é bipolar, segundo o advogado Mario Ricca, que defende o fiscal.
Ela diz que esse relatório não existe. "Não tenho transtorno bipolar. Eles tiraram o meu filho na conversa, sem prova de nada."
Vanessa conta, no entanto, que teve um surto numa das inúmeras brigas do casal. "Eu tive um ataque histérico porque ele me agrediu, quebrou meu carro e eu botei ele para fora de casa, joguei vasos em cima dele. Ele é que é louco."
    OUTRO LADO
    Auditor é solto e advogado nega acusações de ex
    Defesa afirma que Luis Alexandre não tentou usar ex-mulher como laranja e que eles nunca viveram juntos
    DE SÃO PAULOO fiscal da Prefeitura de São Paulo Luis Alexandre Cardoso de Magalhães, um dos quatro servidores presos sob acusação de cobrar propina para reduzir o valor do ISS (Imposto sobre Serviços) de imóveis novos, foi solto no início da madrugada de hoje.
    O auditor estava preso, desde quarta-feira, na carceragem do 77º DP (Santa Cecília) e aceitou fazer uma delação premiada --dar detalhes do esquema em troca de redução de pena.
    O fiscal deixou a delegacia acompanhado de seu advogado, Mario Ricca. Ele saiu com o rosto coberto e escoltado por policiais civis do GOE (Grupo de Operações Especiais). Ele não conversou com a imprensa ao deixar o local na madrugada de hoje.
    Ricca diz que não faz sentido a acusação de que seu cliente queria usar Vanessa Alcântara como laranja. "Você acha que ele abriria empresa em nome de alguém com quem ele estava brigando pela guarda dos filhos? É uma mulher que não merece a menor credibilidade".
    Segundo Ricca, Vanessa tem transtorno bipolar, com mudanças de humor, muitas vezes com agressões contra o fiscal e o primeiro marido dela. "Há 18 boletins de ocorrência contra ela".
    Ricca diz que não é verdade que os dois moraram um ano juntos.
    O advogado, que também cuidou do caso sobre os filhos, refuta a acusação de que a guarda foi retirada dela sem razões objetivas.
      Casal gastava R$ 10 mil por noite com hotel e vinho
      Ex-mulher diz que se apaixonou por auditor
      Servidor foi flagrado em gravações dizendo tê-la conhecido em boate; Vanessa diz que fiscal tentou desqualificá-la
      MARIO CESAR CARVALHODE SÃO PAULOVanessa Caroline Alcântara diz que não ficou com nenhum centavo do dinheiro que o fiscal Luis Alexandre Cardoso de Magalhães acumulou, mas usufruía de ter um companheiro muito rico.
      "Quem não gosta de jantar num restaurante caro e bom? Eu gosto. Fui apaixonada pelo Luis, mas nunca me envolvi nessa coisa de propina", afirma Vanessa.
      Em conversas com promotores, ela contou que era comum o casal gastar R$ 10 mil em uma noite de diversão.
      Segundo ela, o casal ia ao Figueira Rubayat, restaurante nos Jardins, e o fiscal perguntava: "Qual é o vinho mais caro da carta? Eu quero esse". Tomavam um vinho de R$ 4.000. Depois, afirma Vanessa, eles ficavam no hotel Unique, também em São Paulo onde gastavam R$ 5.000.
      Vanessa diz que o fiscal começou a divulgar que ela era garota de programa por causa da disputa em torno da guarda dos filhos. "Ele queria me desqualificar. É muito mais fácil ele falar que eu sou puta para ficar com o filho".
      Ela diz que teve um relacionamento de dois anos e meio com Magalhães e que morou com ele durante um ano.
      Nas gravações de telefonemas feitas pelo Ministério Público durante as investigações, Magalhães diz que conheceu Vanessa no Bamboa, uma casa em Pinheiros que cobra ingressos de R$ 200. Lá, as garotas cobram no mínimo R$ 300 por um programa, segundo frequentadores da boate.
      Vanessa diz que estudou propaganda e marketing e é gerente de uma loja de roupas em Valinhos, a 89 km de São Paulo.
      "Moro num apartamento simples e ando com um carro financiado. Não tenho nada em meu nome." Depois, chorando, faz um apelo ao repórter: "Vou te pedir como mãe: não me denigre!".
      Ela diz que ficava sabendo do esquema de fraude na cobrança de ISS porque teve um relacionamento de dois anos e meio com o auditor Magalhães, dos quais moraram juntos por um ano, segundo ela. "Ele chegava cansado em casa e contava como foi o dia. Coisa de casal".
      Foram nessas conversas que ele citou duas incorporadoras e mencionou políticos. Ela se recusa a repetir os nomes que citou aos promotores, seguindo uma recomendação de seu advogado, Gabriel Rossi.
      INDÍCIOS
      Segundo a Folha apurou, ela não citou nomes de políticos, só de incorporadoras.
      O Ministério Público encara com um certo ceticismo as informações que Vanessa trouxe à investigação porque ela não tem provas.
      Mas ela trouxe bons indícios dos contatos do grupo. Entregou uma lista com o nome de todos os telefones que apareciam na agenda do celular do fiscal.
      Ela não tirou foto dos conatos, mas fez uma cópia a mão, o que torna a prova praticamente imprestável.
      Entregou também aos promotores cópia de uma pasta com cerca de 150 páginas que Magalhães esquecera na casa. O conteúdo das páginas é mantido em sigilo.
      Outro motivo do ceticismo é que o fiscal assinou um acordo de delação premiada, pelo meio do qual terá redução de pena em troca de informações sobre o esquema.
        Secretário é acusado de receber verba de fiscal
        Em gravação, mulher diz que Luis Alexandre doou R$ 200 mil para a campanha de Antonio Donato (Governo)
        Petista afirma que não conhece auditor citado e que não recebeu dinheiro dele em sua campanha eleitoral
        DE SÃO PAULOGravações telefônicas reveladas ontem pelo programa "Fantástico", da Rede Globo, relacionam pela terceira vez o nome do secretário de Governo do prefeito Fernando Haddad (PT), Antonio Donato, com auditores presos sob suspeita cobrar propina de empresas para reduzir o valor do ISS.
        Na conversa que o programa obteve, uma mulher identificada apenas como amante do fiscal Luis Alexandre Cardoso de Magalhães ameaça revelar que ele doou dinheiro para a campanha eleitoral de Donato a vereador.
        "Eu vou ligar para o Donato amanhã (...) e vou falar: você lembra que recebeu R$ 200 mil do Luis Alexandre para a sua campanha eleitoral?", diz a mulher na ligação. Luis Alexandre responde, na mesma gravação, que não sabe quem é Donato.
        O fiscal, um dos quatro servidores da Prefeitura de São Paulo presos sob acusação de cobrar propina, confessou participação no esquema e fez um acordo com o Ministério Público para dar informações em troca de uma eventual pena mais branda. O auditor foi solto hoje.
        Em entrevista ao "Fantástico", Donato disse que não conhece Luis Alexandre e que não recebeu nenhum recurso de campanha nem dele nem dos acusados presos.
        Mario Ricca, advogado de Guimarães, nega a acusação.
        ESCRITÓRIO
        Em outra escuta telefônica, o ex-subsecretário municipal da Receita Ronilson Bezerra Rodrigues, preso no 77 Distrito Policial, conversa com um homem não identificado. Ele afirma que o escritório usado pelo grupo pertence ao ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD).
        Reportagem publicada ontem pela Folha revelou que o escritório foi alugado pelo empresário chamado Marco Aurélio Garcia, irmão do deputado federal licenciado e secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Rodrigo Garcia (DEM).
        Garcia foi secretário de Gestão de Kassab entre 2008 e 2010. À Folha ele diz que não conhece os auditores e que não mantém relações comerciais com o irmão.
        Marco Aurélio confirmou à Folha que emprestou o imóvel a Ronilson.

          Raquel Rolnik

          folha de são paulo
          O longo caminho por calçadas seguras
          Calçadas seguras e confortáveis para todos têm que ser parte integrante de um sistema geral de produção da cidade
          No mês passado, no Fórum de Mobilidade realizado pela Folha, Márcio Kogan exibiu imagens de calçadas de nossa cidade. Após a apresentação, o arquiteto concluiu afirmando que não tinha mais nada a dizer.
          Ninguém precisa ter visto os slides para imaginar o que foi mostrado. Basta ser pedestre. Ou pior, basta ter ou estar com mobilidade reduzida, ou simplesmente tentar empurrar um carrinho de bebê pela cidade...
          Estamos falando de maiorias: cerca de 30% dos deslocamentos na capital paulista são realizados a pé e quem usa transporte público também pode ser considerado pedestre, já que parte de seu deslocamento em direção aos pontos de ônibus e estações também é feito deste modo.
          Calçadas seguras e transitáveis são um dos elementos centrais da mobilidade na cidade. Não se trata, porém, de tema fácil de ser equacionado.
          Em 2011, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou uma nova lei sobre calçadas. Esta lei aumentou de 90 cm para 1,20 m o espaço mínimo livre e desimpedido reservado à passagem de pedestres, e determinou a localização --junto ao meio fio-- de uma faixa de 75 cm reservada para instalação de lixeiras, árvores e mobiliário urbano.
          A lei definiu ainda como devem ser as esquinas, os materiais utilizados em cada tipo de via, entre outros aspectos, além de instituir multas para quem não cumprir as determinações.
          À época, aliás, a prefeitura divulgou uma cartilha com orientações sobre a implementação da nova lei. O material está disponível no site da Folha:media.folha.uol.com.br/cotidiano/2012/04/09/regras-calcada.pdf
          A responsabilidade pela construção e manutenção das calçadas é do proprietário. A lei municipal de São Paulo, no entanto, define que em áreas com maior circulação de pedestres e de concentração de serviços públicos, definidas como "rotas estratégicas", é a prefeitura que executa e mantém os passeios.
          Em âmbito federal, está em debate no Congresso Nacional há anos, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que inclui a exigência de que, em todo o país, prefeituras implantem e mantenham calçadas que garantam acessibilidade às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida em rotas e vias existentes que concentrem os focos geradores, públicos ou privados, de maior circulação de pedestres.
          O problema de nossas péssimas calçadas não começa nem termina com a definição de responsabilidades, nem mesmo com o estabelecimento de parâmetros e regras para sua execução.
          Em nossas cidades, isso começa com os processos de loteamento, que em muitos casos sequer exigem a execução de passeios, e suas dimensões mínimas, para serem aprovados. Existem ruas --em bairros nobres da capital paulista!-- com passeios de menos de um metro de largura.
          Além disso, são inúmeras as questões não equacionadas em função da implantação de bairros em regiões com topografia acidentada.
          Por um lado, é totalmente ilusório achar que o poder público teria capacidade financeira e de gestão de, da noite para o dia, consertar todas as calçadas da cidade e implantá-las onde não existem.
          Por outro, calçadas seguras e confortáveis para todos têm que ser parte integrante de um sistema geral de produção da cidade, que historicamente gasta milhões com o asfalto onde andam os veículos e regula milimetricamente o que se pode construir lote adentro, mas jamais priorizou os espaços de circulação dos pedestres.

            Painel - Vera Magalhães

            folha de são paulo
            Antecedentes
            O promotor Edilson Mougenot Bonfim, ex-corregedor-geral da Prefeitura de São Paulo na gestão Gilberto Kassab, afirma que deixou para a equipe de Fernando Haddad investigação em aberto sobre Ronilson Bezerra Rodrigues, ex-subsecretário da Receita acusado de desvio de recursos. No depoimento do auditor, que está gravado, já havia, segundo ele, elementos para que ele não fosse renomeado na atual gestão. "Fui eu que comecei e levantei toda a bola da investigação", afirma.
            Transição Bonfim diz que não é correta a versão de que a corregedoria não levou adiante a apuração. "Fizemos uma investigação preliminar, nos dois meses que tivemos. Superficial, a meu ver, foi a triagem para permitir que Ronilson fosse renomeado, mesmo com um procedimento em andamento contra ele."
            Memória O ex-corregedor lembra que o atual controlador-geral do município, Mário Vinicius Spinelli, manteve boa parte da equipe anterior, inclusive o procurador do município Rodrigo Yokouchi Santos, que participou do depoimento de Ronilson.
            Fumaça Para Bonfim, já havia fortes suspeitas de corrupção na subsecretaria da Receita. Na oitiva, afirma, Ronilson se "esquivou" de explicar a evolução de seu patrimônio. "Ele fazia circunvoluções em torno dos temas", recorda o ex-corregedor.
            Cada um... Integrantes do PSD calculam que Kassab precisa se afastar do PT local para encontrar seu eleitorado-alvo caso leve adiante a candidatura ao governo de São Paulo no ano que vem.
            ... na sua O estremecimento da relação com os petistas após a prisão de ex-auxiliares de Kassab deve acelerar esse descolamento.
            Cabeças Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea hoje à frente da Fundação Perseu Abramo, passou a participar das reuniões que discutem o programa de governo de Alexandre Padilha (Saúde) ao governo paulista.
            Rosa O PSB trabalha para viabilizar a chapa com a senadora Lídice da Mata (governo) e a ministra do STJ Eliana Calmon (Senado) na Bahia. O palanque é visto como um dos mais fortes para Eduardo Campos no Nordeste.
            Calouro Francisco Teixeira, que assumiu o Ministério da Integração Nacional há um mês, saiu da sua primeira reunião ministerial sob pressão. Além da bronca pelo atraso na obra da transposição do rio São Francisco, ouviu queixas sobre a lentidão no programa de cisternas.
            Milhagem Dilma determinou que os ministros iniciem nos próximos meses uma rotina de até duas viagens por semana para lançar ou vistoriar ações das principais pastas, com prioridade para os maiores Estados.
            Vacina "Entrega", termo usado por todos os ministros na saída do Palácio da Alvorada para se referir às cobranças de Dilma, é a palavra-chave de Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) para o que seria uma fragilidade eleitoral da presidente: não ter um leque de realizações para mostrar.
            Chumbo... Se Campos tem dúvidas sobre a determinação de Aécio de concorrer à Presidência em 2014, como revelou no "confessionário" de uma van no Piauí, o tucano também expõe a aliados as fragilidades que vê na postulação do pernambucano.
            ... trocado O mineiro acha que, se num primeiro momento o governador movimentou a cena política ao se aliar a Marina Silva, a médio prazo verá que comprou uma dor de cabeça ao abrigar a ex-senadora, à sua frente nas pesquisas, no partido.
            TIROTEIO
            Com a aliança entre PSB e Rede a discussão tem de ser reiniciada do zero, atualizada a partir dos novos marcos e novos atores.
            DA DEPUTADA LUIZA ERUNDINA (PSB-SP), defendendo que a sigla, que negocia aliança com Geraldo Alckmin, debata se terá candidato próprio em São Paulo.
            CONTRAPONTO
            Novo dia para morrer
            A presidente Dilma Rousseff ignorou o feriado de Finados, no sábado, e reuniu vários ministros para cobrar resultados de suas pastas.
            No meio da prestação de contas, Alexandre Padilha (Saúde) resolveu descontrair o ambiente:
            -Quando eu estava vindo para cá, até meu motorista disse que uma reunião em pleno dia de Finados só poderia ser para anunciar quando ia demitir os ministros...
            Depois que Dilma anunciou que faria a troca dos candidatos em janeiro, um dos presentes arrematou a piada:
            -Vai pra casa, Padilha!

              Entrevista da 2ª

              Revolta nas ruas reflete incapacidade do Estado na segurança, diz tenente-coronel


               
              LAURA CAPRIGLIONE
              MARLENE BERGAMO
              FOLHA DE SÃO PAULO
              Ouvir o texto

              O tenente-coronel Adilson Paes de Souza, 49, passou 28 anos na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Há um ano, apresentou dissertação de mestrado em direitos humanos na Universidade de São Paulo, elaborada sob orientação do jurista Celso Lafer. A experiência vivida "de dentro" somada ao ferramental acadêmico resultou em um diagnóstico sombrio: "O modelo de segurança existente não funciona mais".
              Na semana que vem, Paes de Souza, na reserva desde 2012, lançará o livro "O Guardião da Cidade -Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares" (Escrituras, 222 páginas, R$ 35), em que expõe sua explicação para os repetidos casos de violações aos direitos humanos cometidos por PMs: "Soldados garantiram que o homicídio do marginal ainda é visto como uma importante arma de trabalho. Eles chegaram a declarar que se fossem impedidos de matar, ficariam sem condições de trabalho".
              *
              Folha - Qual a causa dos violentos protestos contra a atuação da PM, vistos recentemente em São Paulo e no Rio?
              Adilson Paes de Souza - A sociedade, em grande parte, está dizendo: esse modelo que está aí não é eficiente. E está dizendo isso de uma maneira violenta. Ela não tem mais a quem recorrer. Não estou dizendo com isso que a violência seja um modo legítimo de responder à violência [policial], mas sim que esta talvez seja a única maneira de ela se sentir ouvida e notada.
              Como um rapaz de boa índole sai da escola da Polícia Militar e transforma-se em um assassino de grupo de extermínio?
              Entrevistei soldados envolvidos com grupos de extermínio. Eles não acreditam no sistema. Perguntam-se: Por que eu vou levar um sujeito preso para a Polícia Civil se eles serão soltos em seguida mediante o pagamento de propina? Eu me arrisco, levo para delegacia e ele é solto? Eles tomam a decisão de prender, acusar, sentenciar e matar.
              Como esses policiais lidam com o assassinato?
              O homicídio do marginal é visto como uma importante arma de trabalho. Eles chegaram a declarar que se fossem impedidos de matar, ficariam sem condições de trabalho. É a lógica da doutrina da Segurança Nacional, segundo a qual estamos lidando com inimigos. E o inimigo no campo de batalha você tem de aniquilar.
              Como se chega a isso?
              Eles disseram que antes da prisão eram tidos como exemplo de bons policiais. Linha de frente. "Eu era premiado como policial do mês. Ganhei medalha", ouvi de um deles. E, de repente, estavam presos. Eles não entendiam.
              O senhor está dizendo que eles recebiam incentivos para serem violentos?
              Se não se falava abertamente "pode matar que eu seguro, eu acoberto", havia o estímulo por vias indiretas, premiando o policial violento. Mas o governo não admite isso. Toda vez que acontece uma tragédia, e que isso é descoberto (hoje muito mais do que antes, porque todo mundo está gravando e filmando tudo), quando vaza e dá no "Fantástico", por exemplo, a polícia diz que é uma "falha individual".
              E não é?
              O problema é que temos muitas "falhas individuais". Várias por dia. A partir do momento em que eu digo que é uma "falha individual", estou admitindo que o sistema é perfeito. E isso gera um descrédito enorme na polícia. A sociedade diz: "Mais uma falha individual?" E a quem interessa o crescente descrédito da polícia? A gente perdeu o referencial histórico do que vem a ser autoridade.
              Exercer a autoridade virou ser truculento, arbitrário, brutal. Isso é uma forma totalmente errada de traduzir o que significa a verdadeira autoridade. E o problema é que quando se sedimenta essa incompreensão da autoridade, entramos na fase do "todos contra todos".
              O que o senhor acha dos programas policiais vespertinos?
              Longe de querer fazer censura à mídia, eles carecem de responsabilidade. Associam truculência e arbitrariedade com o exercício de autoridade. Eu queria que fôssemos capazes de ficar transparentes. E assim, transparentes, entrássemos nos quartéis. Em qual canal todas as televisões estão ligadas? Nos canais desses senhores. O efeito terapêutico dessas falas nos policiais militares é terrível. A ponto de a população temer a polícia e não respeitá-la.
              Por que não se consegue resolver a crise da segurança pública? Bogotá, com problemas de guerrilha e narcotráfico parece ter solucionado o problema...
              Porque falta vontade política. É um assunto que num primeiro momento não vai render muito voto, já que os resultados demoram um ou dois anos para aparecer. Agrava a situação o fato de mexer com lobbies poderosíssimos, como o lobby das empresas de segurança privada -quanto mais grave for a situação da segurança pública, mais eu faturo na segurança privada.
              Muitas organizações sociais defendem a desmilitarização da PM. O que o senhor acha disso?
              É um tema que provoca reações bem fortes. Os fatos comprovam que o modelo de segurança existente não funciona mais. Dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que apenas três em cada cem inquéritos de crimes violentos resultam em condenação. De outro lado, a PM de São Paulo matou em cinco anos mais do que todas as forças policiais de segurança norte-americanas. Se eu tenho de um lado uma comprovada ineficiência e do outro lado uma comprovada brutalidade, eu tenho de mudar. Mas isso não pode ser feito pela mera subordinação da PM à Polícia Civil, como se esta fosse modelo de respeito aos direitos humanos.
              O ministro Gilberto Carvalho disse que os "black blocs" têm de ser entendidos e ouvidos. Qual a sua opinião?
              Eles têm de ser entendidos, sim. Não quer dizer que não devam ser reprimidos. Mas o que leva um grupo de pessoas a se reunir e praticar esse tipo de ato? Será que ao não prover os direitos sociais básicos previstos na Constituição o Estado também não auxiliou esses grupos a surgirem? Foi com esse tipo de diálogo que se avançou na Colômbia. E isso não é coisa de esquerda. Quem fez isso na Colômbia foi um governo de direita com forte apoio norte-americano. Eles viram que o modelo de repressão pura e simples não estava dando certo. Era morte para tudo quanto é lado. Quando se cansaram da mortandade, a solução começou a surgir.

              Joaquim Falcão

              folha de são paulo
              Em favor da liberdade acadêmica
              Eis aí, ao lado da defesa da liberdade acadêmica, uma boa campanha para nossos artistas: a exigência de uma Justiça responsabilizante
              Vetar biografias não autorizadas por herdeiros dos retratados é proibição de múltiplas inconstitucionalidades. Muito além da violação da liberdade de expressão. Fere gravemente a liberdade acadêmica, a liberdade de ensinar e de pesquisar.
              A Constituição Federal é clara no seu artigo 206. O ensino será ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Em seu artigo 218, determina que a pesquisa científica e tecnológica é prioritária e é obrigação do Estado incentivá-la.
              A posição de alguns artistas de exigir seu consentimento aos livros publicados sobre suas vidas fere gravemente programas e projetos de inúmeros centros, cursos, institutos e faculdades de história.
              Atinge professores, pesquisadores e historiadores profissionais. E todos os que usam do método histórico para fazer avançar o conhecimento em suas áreas de atuação não históricas.
              Não se pode pesquisar a vida das instituições sem conhecer a vida dos que fizeram essas instituições. Não se pode melhor saber do Supremo sem conhecer seus ministros. Sem pesquisar, explicar e aplaudir a coragem cívica de ministros como Adauto Lúcio Cardoso, Evandro Lins e Silva e Aliomar Baleeiro. Teríamos que pedir permissão aos seus herdeiros? E se negassem? Reduzir-se-ia o Brasil?
              Não se pode saber a história da advocacia sem conhecer a vida de Sobral Pinto ou Rui Barbosa. Nem conhecer nosso patrimônio arquitetônico e cultural sem conhecer as vidas de Lúcio Costa, Mário de Andrade ou Aloísio Magalhães.
              Pesquisar é formar profissionais, investir em instituições, tecnologias, bibliotecas. Custa recursos, talento e sonhos. Quem irá pesquisar se os herdeiros é que vão decidir o destino do trabalho acadêmico? Não devemos transformar nossa história em capitanias hereditárias.
              Ensino sem ampla liberdade de pesquisar não é ensino. É doutrinação. Pesquisa sem erros e acertos, debate e experimentação não é pesquisa. É idolatria.
              Não posso ser professor nem pesquisador --o que a Constituição Federal de 1988 me assegura-- se a liberdade de publicar minhas pesquisas, inclusive comercialmente, não me for assegurada.
              Defender a privacidade é necessário. Mas quem abre para revistas de celebridades sua casa, seu quarto, sua festa, sua intimidade já fez juridicamente uma opção: abriu mão voluntariamente de um conceito mais amplo de seu direito à privacidade. Assim tem entendido a nossa Justiça.
              Há consenso em quase todas as democracias. Proibir antes de publicar, jamais. Responsabilizar depois por injúrias, difamações, calúnia e má-fé, sempre. Ser um país democraticamente maduro não é repetir rezas e ladainhas sobre ou privacidade ou liberdade de expressão. É ambos, e o debate é outro.
              Primeiro, como criar mecanismos legais que desestimulem a má-fé, a infâmia, a difamação e a injúria? Punir apenas o autor? O editor também, como fazem alguns países? Os financiadores da má-fé também?
              Segundo, como conquistar uma Justiça ágil e eficaz? A eficácia judiciária é o melhor desestímulo às violações de privacidade. A atual lentidão é seu maior estímulo.
              Eis aí, ao lado da defesa da liberdade acadêmica, uma boa campanha para nossos artistas: a exigência de uma Justiça de critérios uniformes, nítidos, fundamentados, e eficazmente responsabilizantes.

              Aécio Neves

              folha de são paulo
              Futuro
              Ao lado do Plano Real, nenhuma outra política de governança foi mais transformadora da realidade brasileira que os programas de transferência de renda gestados e instituídos nos anos 90 e continuados e adensados nos anos 2000.
              A inútil e reincidente discussão sobre paternidade e protagonismo desses programas deixou de lado desafios importantes, sobre como aperfeiçoá-los ou acrescentar-lhes ativos ainda mais inovadores.
              Nos últimos anos, o governo se conformou em fazer a gestão diária da pobreza, como se ela se reduzisse ao universo da renda e não alcançasse um elenco extenso e complexo de carências sociais.
              Poucas inovações ocorreram neste tempo. Nem sequer foi tomada a iniciativa de institucionalizar o Bolsa Família, o que acabou por reforçar o seu aspecto de benemerência política de alto valor eleitoral.
              Em perspectiva histórica, cabe lembrar a trajetória inversa percorrida por aquele que é o maior programa de transferência de renda em vigor no país, o Beneficio de Prestação Continuada (BPC), previsto pela Constituição de 1988, e implantado pelo governo do presidente Fernando Henrique.
              Regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), o BPC paga um salário mínimo a cada idoso e deficiente que tenha renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Nos últimos 10 anos, ele transferiu mais de R$ 180 bilhões à população. O Bolsa Família transferiu R$ 124 bilhões.
              Na última semana, apresentei projeto de lei propondo a incorporação do Bolsa Família à Loas, para que ele deixe de ser ação de governo e se transforme em política de Estado, permanecendo como instrumento a favor dos brasileiros seja qual for o partido que esteja no Palácio do Planalto.
              Com isso, podemos dar um passo importante: deixamos para trás, a cada quatro anos, a discussão se o Bolsa Família vai ou não permanecer e podemos avançar com confiança no debate sobre como aprimorá-lo. Nesse sentido, defendo uma primeira proposta que visa superar a insegurança de quem evita tentar o mercado de trabalho com medo de perder o benefício. Para eles, o BF deveria ser continuado por até seis meses.
              É preciso também que seja reforçado o acompanhamento dos beneficiários, com especial atenção à educação e qualificação. É inexplicável que não haja acompanhamento a cerca de dois milhões de crianças atendidas pelo programa. A responsabilidade do Estado não pode terminar com a transferência do benefício.
              Precisamos ter coragem de avançar. É preciso reconhecer que a pobreza é um conjunto de privações de renda, serviços e oportunidades. E é nessa abordagem multidimensional que precisa ser enfrentada e superada. Só assim faremos a travessia na direção da verdadeira inclusão social.

                Ruy Castro

                folha de são paulo
                Formações rochosas
                RIO DE JANEIRO - Você ainda recebe ou manda beijos no coração? Até há pouco, para alguns, não havia maneira mais poética de se despedir: "Um beijo no coração!". A mim, sempre pareceu que um beijo no coração deve ter algo de viscoso e grudento, mesmo que aplicado numa mesa de cirurgia por uma enfermeira loura e decotada. Outra mania é a das pessoas que dizem "Inté!" em vez de "Tchau!". Conheço uma socióloga paulista que diz "Inté!". Tem pós-doutorado em Harvard.
                Se alguém lhe prometer "Vou dar o meu melhor", pode saber que o melhor do cavalheiro não será suficiente e você fará bem em procurar outro. Idem se ele lhe contar que "apostou todas as fichas" em alguma coisa. Claro que ele vai se dar mal --só um bobo aposta todas as fichas de uma vez. E, se o mesmo sujeito disser que "ligou o sinal de alerta", é porque a vaca dele já foi para o brejo e ele está apenas querendo ganhar tempo.
                E a nova praga "Como se não houvesse amanhã"? Rezam os sites de fofocas: "Entre um capítulo e outro das gravações da novela, Maricotinha foi vista tomando sol no Leblon, como se não houvesse amanhã". É mentira --sempre haverá amanhã, e ai de Maricotinha se não voltar ao Projac para trabalhar. E o projeto do Fulano que conta com o "auxílio luxuoso" do Beltrano? Se alguém está prestando um "auxílio luxuoso", é porque está sem projeto próprio e precisando aparecer.
                "Beijo no coração", "Inté!", "Vou dar o meu melhor", "Apostar todas as fichas", "Ligar o sinal de alerta", "Como se não houvesse amanhã" e "Auxílio luxuoso" são apenas clichês --expressões que surgem frescas, mas adquirem consistência rochosa e se pregam à língua.
                Um dia, desgastam-se e somem, e já vão tarde.

                  Vinicius Mota

                  folha de são paulo
                  Perderam
                  SÃO PAULO - Quem passou da infância à vida adulta nas décadas de 1980 e 1990 acostumou-se ao padrão. Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil nunca perdiam. Alinhados às boas causas, eram reputados como reserva de sabedoria de nossa vida pública corrompida.
                  Tratava-se, obviamente, de uma fábula. O primeiro compromisso desses artistas sempre foi com seus legítimos interesses profissionais e empresariais. A qualidade intrínseca de suas intervenções na política e no debate de ideias jamais se aproximou do seu desempenho como letristas.
                  A influência que exerciam nos palanques nacionais indicava a rarefação de nossa esfera pública. A conversão de capital cultural em capital político não é certa nem imediata nas democracias consolidadas, que separam muito bem esses campos.
                  Celebre-se, portanto, como sinal de amadurecimento do país a derrota esmagadora do (ex-)grupo Procure Saber, encabeçado pelo trio de ouro da MPB, no debate das biografias não autorizadas.
                  A causa era decerto ingrata. O grupo propunha-se a convencer a opinião pública de que biografias só poderiam circular mediante autorização do biografado ou de seus familiares. Não há meio de aceitar essa cláusula sem ferir a liberdade de expressão, consagrada na Carta de 88.
                  Sim, a liberdade de expressão é também a liberdade de injuriar, caluniar e difamar. Para esses males, a lei determina remédios. Mas é sobretudo a liberdade de criticar e contar histórias e versões menos abonadoras sobre quem quer que seja. E de oferecê-las ao crivo do debate público.
                  Habituados a despertar solidariedade automática nos círculos intelectuais e políticos, Chico, Caetano e Gil talvez pensassem que iriam levar mais esta. O tempo passou na janela, mas eles não notaram.
                  O Brasil começa a descobrir que, como políticos e intelectuais, eles são apenas bons compositores e empresários.

                    Editorial Folha de São Paulo

                    Autonomia secundária
                    É testemunho dos tempos que tenha sido o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com seu histórico duvidoso no que se refere ao fortalecimento das instituições, quem tentou acelerar a tramitação de projeto de lei para conceder autonomia formal ao Banco Central.
                    A investida, já abandonada, era sem dúvida um exercício de pressão do Congresso para obter favores do Executivo. Mas não só.
                    A participação do ex-presidente Lula tinha outro objetivo político --tentar conter a perda de prestígio do governo perante o setor privado, preocupado com a erosão da qualidade da política econômica.
                    São, de saída, dois péssimos motivos para defender a independência formal do BC. É ilusório pensar que instituições sólidas se constroem com a caneta da autoridade política de plantão, ou que basta copiar modelos estrangeiros.
                    As instituições resultam da evolução histórica, cultural e social específica de cada país. A autonomia do BC, formal ou não, será apenas cosmética e passível de reversão se não tiver raiz profunda.
                    Se o chefe do Banco Central não puder ser facilmente demitido, o que garante, por exemplo, que um presidente da República não indicará para o cargo alguém pouco técnico e maleável?
                    A verdade é que tem servido bem ao país o padrão de trabalho entre a autoridade monetária e o governo --relação tecida ao longo de quase três décadas.
                    Com o advento do sistema de metas para a inflação, em 1999, foi consolidado o modelo de autonomia na prática, pelo qual o Banco Central, com grande independência em suas decisões cotidianas, busca cumprir a meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional --instância na qual o poder democraticamente eleito hoje define a missão do banco.
                    Neste período, o BC mais acertou do que errou. Teve papel destacado na conquista da estabilidade monetária e reforçou sua credibilidade perante a sociedade --o mais forte sustentáculo de sua independência operacional.
                    É neste quesito que peca a gestão atual do BC. Nos últimos anos, consolidou-se a percepção de que segue determinações da presidente da República e do ministro da Fazenda. Comprometeu-se com uma visão excessivamente otimista sobre a inflação e aceitou sem ressalvas a ideia de que o governo teria maior controle sobre suas contas.
                    O debate sobre a autonomia formal é apenas mais um sintoma de seu enfraquecimento.

                      Anticorpos científicos

                      folha de são paulo
                      Pesquisa global se esforça para enfrentar efeitos colaterais do próprio sucesso e expurgar do acervo os erros e fraudes em expansão
                      Graças à conexão crescente entre redes de computadores, a pesquisa científica e a circulação de seus resultados se tornaram fenômeno de fato global, complexo e vulnerável. Só em 2011, mais de 1 milhão de estudos foram publicados --desafio gigantesco para o compromisso de objetividade e autocorreção que granjeou à ciência moderna um prestígio incomum.
                      Verdade que as comportas existentes parecem resistir bem à maré montante de artigos e periódicos. Dois pilares sustentam as barreiras: revisão por pares (exame crítico do estudo, por especialistas na área) e compromisso de reprodutibilidade (possibilidade de repetir experimentos ou observações).
                      Mas a própria comunidade científica tem ventilado suspeitas de que haja fissuras em tais esteios.
                      No primeiro caso, na fonte do problema parecem estar a facilidade de publicar e a explosão de periódicos científicos online. Só um diretório mantido pela Universidade de Lund (Suécia) listava em 2012 um total de 8.250 desses "journals" eletrônicos, mil deles incluídos naquele mesmo ano.
                      Tais periódicos se sustentam não com assinaturas e publicidade, mas com tarifas pagas pelos autores dos estudos. Sem interesse comercial em recusar clientes, os editores tenderiam a rebaixar os padrões da revisão --ou eliminá-la.
                      Isso foi evidenciado pela mais tradicional revista científica dos EUA, a "Science". Um jornalista fabricou estudo sobre medicamento antitumoral fictício e enviou 304 versões para essas publicações. Mais da metade (157) foi aceita.
                      No segundo caso, pululam indícios de que muitas pesquisas jamais serão reproduzidas. A empresa de biotecnologia Amgen, segundo a revista "The Economist", só conseguiu repetir 6 de 53 estudos rumorosos sobre câncer. A farmacêutica Bayer fracassou em três quartos das tentativas de replicar resultados de 67 artigos relevantes.
                      Na melhor das hipóteses, o problema decorre da omissão de informações imprescindíveis. Na pior, é causada por erros --ou por fraude.
                      Quando falhas ou fraudes são descobertas, o mecanismo consagrado de autocorreção é a retração ("retraction"), uma nota no mesmo periódico anunciando a "despublicação" do artigo. Levantamento publicado no periódico eletrônico "PLoS One" revela aumento das retrações, sobretudo após 1995.
                      Mas a análise também mostra que o crescimento de retrações segue, grosso modo, o de artigos publicados; que o intervalo entre publicação e retração tem diminuído; e que os critérios estão mais rígidos. Há mais casos de retirada por plágio e duplicação, por exemplo.
                      Existem problemas, mas a ciência não perdeu a capacidade de produzir anticorpos contra a própria degeneração.

                        Estratégias de segurança de lojas em NY causam reclamações de clientes negros

                        UOL

                        J. David Goodman
                        Nova York (EUA)

                        Há alguns meses, uma reunião foi realizada na Barneys New York para discutir um problema crescente: uma quantidade significativa de mercadorias estava sendo perdida para furtos. Alguma coisa deveria ser feita.
                        Uma nova equipe de segurança instituiu uma estratégia mais agressiva de prevenção às perdas. Os funcionários de segurança disseram que foram encorajados a "assumir riscos" ao abordar consumidores suspeitos, mesmo que isso significasse abordar pessoas inocentes. Uma prisão equivocada faz parte do negócio, disseram-lhes.
                        O número de contatos com o Departamento de Polícia, feito quando os funcionários da segurança suspeitavam que uma pessoa estava furtando ou realizando uma fraude de cartão de crédito, logo saltou drasticamente.
                        Mas junto com o aumento de casos, começaram a surgir queixas de consumidores negros que dizem ter sido vítimas de discriminação racial na loja, na Madison Avenue. Pelo menos um cliente entrou com uma ação contra a Barneys, e outros planejam fazer o mesmo.
                        As ações, que vieram à tona na semana passada e acabaram na primeira página do The Daily News, atraíram a atenção nacional por suas alegações de discriminação baseadas em classe e cor. Os processos levantaram críticas não só contra a Barneys, mas também contra celebridades, como Jay-Z, que tem uma parceria com a loja. Elas também levaram à instauração de um inquérito por parte do procurador-geral estadual Eric T. Schneiderman, e, na terça-feira, houve uma reunião improvável entre o reverendo Al Sharpton e o executivo-chefe da Barneys, Mark Lee.
                        Do outro lado da cidade, na principal loja da Macy's no Herald Square, pelo menos dois clientes negros, um deles o ator Robert Brown, da série "Treme" da HBO, disseram que também foram abordados este ano pela polícia depois que, segundo eles, funcionários da segurança consideraram suas compras suspeitas. O inquérito de Schneiderman também inclui a Macy's.
                        Nenhum cliente que denunciou ter sido detido pela polícia foi acusado de qualquer crime.
                        As acusações foram particularmente problemáticas para a Macy's, que, em 2005, chegou a um acordo com a Procuradoria Geral do Estado para corrigir suas práticas de segurança depois que investigadores descobriram que clientes negros e hispânicos eram abordados com mais frequência por suspeita de furto. O acordo terminou em 2008. Este ano, disse uma autoridade a par da investigação em curso e que não tem autorização para comentar publicamente os detalhes da mesma, a Procuradoria Geral do Estado recebeu cerca de uma dezena de reclamações de consumidores que disseram ter sido abordados por funcionários da segurança na Macy's.
                        No caso da Barneys , disse o oficial, o procurador geral do Estado está investigando alegações de tratamento semelhante em outros casos que não os dos dois clientes que entraram na justiça.
                        "Chegou à atenção da promotoria o fato de que há problemas com a prática chamada de 'compra e revista' em algumas grandes lojas de Nova York", disse Schneiderman numa coletiva de imprensa em Buffalo na terça-feira.
                        Schneiderman disse que a investigação analisaria as políticas das lojas bem como a relação entre os funcionários de segurança e o Departamento de Polícia de Nova York. Tanto a Macy's quanto a Barneys negaram envolvimento nos episódios de detenção de compradores que vieram à tona.
                        "Em ambos os casos, ninguém da Barneys New York levantou qualquer problema com essas compras", disse Lee na terça-feira, depois de sair de sua reunião com Sharpton no Harlem. "Ninguém da Barneys chamou a atenção da nossa segurança interna para estas pessoas, e ninguém da Barneys buscou qualquer autoridade externa."
                        O Departamento de Polícia contestou essa afirmação. Em ambos os casos, "policiais do NYPD [Departamento de Polícia de Nova York] estavam conduzindo investigações independentes e tomaram atitudes com base em informações levadas a seu conhecimento por funcionários da Barneys enquanto estavam na sala de segurança", disse John J. McCarthy, porta-voz do departamento.
                        No centro da disputa envolvendo a Barneys estão dois jovens clientes negros: Trayon Christian, 19, que entrou com ação contra a loja e a prefeitura no Supremo Tribunal estadual; e Kayla Phillips, 21, que entrou com uma notificação de intenção de processo.
                        Em seu processo, Christian disse que o problema aconteceu dia 29 de abril depois que ele comprou um cinto Salvatore Ferragamo com seu cartão de débito Chase. A alguns quarteirões dali, na Quinta Avenida, ele disse que foi parado por policiais à paisana.
                        Os policiais questionaram se ele podia pagar pelo cinto, no valor de cerca de US$ 350, e disseram que o cartão de débito deveria ser falso, de acordo com o processo. Christian foi algemado e levado para a 19ª Delegacia de Polícia onde ele foi detido, de acordo com o processo, por cerca de duas horas antes de ser solto.
                        Phillips descreveu ter sido "parada, revistada e detida" pela polícia na loja depois de uma compra de uma bolsa de mais de US$ 2.000 na Barneys.
                        Ambas as detenções, bem como mais duas relacionadas a clientes da Macy's, estão sendo investigadas pelo Departamento de Assuntos Internos da Polícia, disse McCarthy.
                        As mudanças de segurança que a Barneys pôs em prática foram detalhadas por Raymel Cardona, um ex-assistente de gerente para prevenção de perdas na loja, e pelo ex-segurança à paisana, Aaron Argueta, 36. Ambos foram demitidos da Barneys e pretendem contestar suas demissões diante das autoridades de trabalho federais, disse seu advogado, J. Patrick DeLince.
                        Tradutor: Eloise De Vylder

                        Justiça do país veta 25 obras em dez anos

                        folha de são paulo
                        Levantamento realizado pela Folha mostra que hoje há pelo menos 19 livros que ainda estão proibidos no Brasil
                        Pesquisa ouviu 250 editoras e consultou bancos digitais em tribunais de todos os Estados brasileiros
                        DE SÃO PAULONos últimos dez anos, ao menos 25 obras foram proibidas pela Justiça após ações propostas por quem se sentiu caluniado, ofendido ou invadido em sua intimidade.
                        Sentenças baseadas nos direitos à honra e à privacidade não impediram apenas a publicação de biografias. Também foram riscados de catálogo cordéis, investigações jornalísticas e até um relato mediúnico sobre os mortos no acidente da TAM.
                        Deste total, pelo menos 19 obras continuam proibidas.
                        Os livros e um espetáculo teatral saíram de circulação sob ameaça de multas de até R$ 50 mil diários.
                        Esse é o valor que a editora Planeta teria de pagar a Roberto Carlos caso não recolhesse, em 2007, os exemplares da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", tirada de circulação após acordo judicial entre as partes.
                        Processos movidos por personalidades retratadas ouseus herdeiros inibiram o mercado. Há no mínimo três trabalhos de interesse público que não são publicados porque seus editores não conseguiram autorização daqueles que detêm o direito sobre imagem ou tema proposto.
                        É o caso do livro de memórias que o ex-jogador Sócrates Brasileiro escreveu pouco antes de morrer em 2011.
                        Para que a editora Prumo publique o livro deixado sob cuidados da viúva do autor, Kátia Bagnarelli, ela espera a autorização dos seus seis filhos. "Eles acham que não é o momento", diz Bagnarelli.
                        Enquanto o livro escrito por Sócrates não é publicado, a viúva lança "Sócrates Brasileiro - Minha Vida ao Lado do Maior Torcedor do Brasil" (Prumo, R$ 34,90).
                        LEVANTAMENTO
                        O levantamento feito pela Folha consultou arquivos de jornais e bancos digitais dos 27 tribunais de Justiça do país. Foram consultados por e-mail 570 editoras, livreiros e distribuidores. Por telefone, foram ouvidas 250 editoras.
                        O resultado da pesquisa não é completo porque há processos que correm sob segredo de Justiça. É o caso de "O Mapa da Corrupção no Governo FHC", de Larissa Bortoni e Ronaldo de Moura, proibido desde 2008.
                        O levantamento abrange o período após a criação do novo Código Civil, de 2002, que defende (artigos 20 e 21) direitos relativos a intimidade e privacidade. O texto do Código é alvo de projeto que pretende facilitar a publicação de biografias não autorizadas, a ser votado na Câmara.
                        Antes de 2002, no entanto, houve livros proibidos pela Justiça, como "Nos Bastidores do Reino", de Mario Justino, censurado e recolhido em 1995, a pedido da Igreja Universal do Reino de Deus. A mesma juíza que proibiu o livro o liberou um ano depois.
                        Para Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de Roberto Carlos, a opção para garantir direitos de biografados seria a supressão de trechos contestados em edições subsequentes.
                        "Não existe mais espaço para defender a proibição de livros no Congresso, essa questão já foi superada", diz. A possibilidade de supressão de trechos já existe, mesmo sem regulamentação.
                        Nos últimos dez anos, ao menos quatro livros foram modificados após ações judiciais, alguns porque continham dados questionáveis, outros porque expunham algo íntimo de alguém.
                        Arnaldo Bloch, no livro sobre sua família "Os Irmãos Karamabloch "" Ascensão e Queda de um Império Familiar", mencionava antigo relacionamento extraconjugal com uma psicóloga.
                        Na sentença, a juíza determinou supressão do nome da reclamante em futuras edições: "A circunstância de serem verdadeiros os fatos não dá direito ao autor de um livro de divulgá-los sem autorização, se envolvem intimidade de terceiro que não faz parte da família biografada."
                        O deputado federal Ronaldo Caiado (DEM), por exemplo, pediu o recolhimento de "Na Toca dos Leões", de Fernando Morais, pois é citado em depoimento de um publicitário como alguém que defendia o controle populacional do Nordeste por meio de "remédio que esterilizava as mulheres" colocado na água.
                        A obra, proibida em abril de 2005, foi liberada após seis meses; autor e editora, condenados a indenizar Caiado.
                        BICHO DE SETE CABEÇAS
                        O pedido de ação, hoje, pode partir de alguém que é citado em algum episódio, como no caso do livro "Canto dos Malditos" (Rocco), de Austregésilo Carrano Bueno, sobre suas internações em manicômios. A obra deu origem ao filme "Bicho de Sete Cabeças", de Laís Bodanzky.
                        Em 2001, a família do psiquiatra Alô Guimarães pediu o recolhimento da obra, concedido em 2002 pelo Tribunal de Justiça paranaense.
                        "O escritor criava diálogos imaginários, atribuía frases inteiras a Alô", diz Pedro Henrique Xavier, advogado dos herdeiros do médico.
                        "A liberdade de expressão tem que ser respeitada, mas não pode ser a liberdade de praticar um crime."
                        Em 2004, a obra voltou a circular, mas as edições subsequentes não trouxeram o nome do médico. "Eu me constrangeria de impedir previamente a manifestação do pensamento, mas se o produto é comprovadamente mentiroso, o Judiciário tem que ser acionado", diz Xavier.
                        Para a professora de comunicação da USP Sandra Reimão, autora de "Repressão e Resistência: Censura a Livros na Ditadura Militar" (Edusp/ Fapesp, 2011) "a possibilidade censória para atividade intelectual, artística ou científica é uma violência e um limite à cidadania cujos malefícios ultrapassam muito os causados pela circulação de alguns bens culturais."

                          PAUTE A FOLHA
                          Ajude a listar os livros proibidos
                          Para completar a listagem ao lado de obras impedidas nos últimos dez anos, a Folha convoca o leitor que conhece casos de proibição na Justiça a mandar e-mail para:livrosproibidos@grupofolha.com.br.