sábado, 19 de outubro de 2013

André Singer

folha de são paulo
Ideologia e voto
Na segunda-feira passada, o Datafolha divulgou pesquisa que mede a orientação ideológica dos brasileiros. Os resultados, apontando para a prevalência da direita sobre a esquerda, confirmam, em linhas gerais, a série que o instituto vem realizando desde 1989. Porém, a metodologia utilizada desta feita pode levar a visões equívocas sobre a relação entre ideologia e voto.
Diferentemente do que sempre fez, o Datafolha decidiu, neste ano, atribuir a localização entre direita e esquerda a partir das respostas a um conjunto de questões adaptado de formulário norte-americano. Embora traga resultados parciais de interesse, o questionário mistura indagações de alta relevância política, como, por exemplo, se os sindicatos são importantes para defender os interesses dos trabalhadores, com outras de baixo impacto no debate nacional, como a que pergunta se "acreditar em Deus torna as pessoas melhores".
Nos trabalhos que realizei a partir de 1990, pude constatar que os assuntos que mais dividem a esquerda da direita no Brasil são os que dizem respeito à ordem. Enquanto a esquerda apoia posições que implicam contestação do ordenamento estabelecido, a direita tende a reforçá-lo. Por isso, o item referente aos sindicatos é importante. Por meio dele pode-se medir como o indivíduo se coloca perante a organização de base para a defesa de interesses que, na ordenação capitalista, são subordinados.
Não é casual que, entre os dez temas elencados pelo Datafolha, este seja o que mais divide o público, com metade considerando negativa a instituição sindical. Já o problema religioso é o que menos polariza. Quase todos (85%) acham que "acreditar em Deus torna as pessoas melhores", indicando que tal opinião vale tanto para os de esquerda quanto os de direita.
Entre 1989 e 2010, o Datafolha pedia ao eleitor que se autoposicionasse na escala esquerda-direita, apresentando-lhe cartela de sete pontos. Os resultados chamam a atenção pela enorme estabilidade das preferências em mais de duas décadas. Com poucas exceções, as variações estão dentro da margem de erro, isto é, são estatisticamente irrelevantes, e apontam para um campo de esquerda com cerca de 20%, um de centro idem e um de direita com o dobro das escolhas (40%). Pouco mais de 20% não sabem se posicionar.
Como o lulismo embaralhou as cartas, propondo um programa de mudança dentro da ordem, passou a ter votos também da direita, sobretudo a popular, o que ocorria menos antes de 2006. Em decorrência, não é que a ideologia interfira pouco no voto, mas, sim, que houve uma importante alteração no plano dos atores políticos, à qual o eleitorado respondeu de maneira coerente com as suas próprias inclinações ideológicas.

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