quinta-feira, 3 de outubro de 2013

'Homenagem' substitui cantor corajoso por garotão bronzeado

folha de são paulo
'Homenagem' substitui cantor corajoso por garotão bronzeado
ANDRÉ BARCINSKICRÍTICO DA FOLHACazuza era um porra-louca talentoso que cantava sobre sexo, bebedeiras, drogas e amores. Morreu de Aids, aos 32 anos, sem fugir de fotógrafos e holofotes, e ajudou a colocar a doença, assunto até então tratado a sussurros e mistério, na agenda nacional.
Mas o Cazuza que deve ressuscitar nos próximos meses, pelo menos em forma de holograma, não é o Cazuza magro de suas últimas turnês, mas o garotão sorridente e bronzeado de seus primeiros anos de carreira.
Segundo reportagem da Folha, os organizadores da turnê vão utilizar no holograma apenas imagens "pré-doença" do cantor, para "evitar a lembrança do artista debilitado". Por quê? Por que não mostrar o Cazuza corajoso, que enfrentou a doença de frente e morreu gravando e fazendo shows?
Talvez porque essas "homenagens" não se interessem pela realidade, mas por uma releitura idealizada do passado. Cazuza deixou de ser humano e virou simplesmente "O Poeta".
Há tempos, a indústria do entretenimento vive de embalar o passado. Estúdios de cinema faturam bilhões com sequências e refilmagens; no primeiro semestre de 2012, pela primeira vez, a venda de discos de catálogo superou a de lançamentos nos Estados Unidos.
No Brasil, pegamos nossos ídolos musicais mais autênticos e interessantes --Cazuza, Tim Maia, Renato Russo-- e os transformamos em personagens da Disney.
É a MPB em versão shopping, onde donas de casa podem ver o musical de Tim Maia sem medo de que o "Síndico" fale palavrão e fãs da Legião Urbana vivem uma epifania quase religiosa ao ver o "espírito" de Renato Russo planando sobre o palco em forma de holograma.
E a música de Cazuza é reciclada pela milésima vez, em tributos chochos no Rock in Rio, em shows de Maria Gadu patrocinados pelo Banco do Brasil, e em discos-tributo de bandas independentes (estas, ao menos, optaram por músicas menos conhecidas que "Brasil" ou "Exagerado").
Nos anos 1970 e 1980, grupos como The Fevers, Roupa Nova e Lee Jackson faziam shows de "covers" em bailes e eram execrados pela "intelligentsia" da MPB. Hoje, os bailes ganharam nomes pomposos, como "Banco do Brasil Covers" e são bancados por estatais.
É a institucionalização da MPB de barzinho.

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