domingo, 13 de outubro de 2013

Mônica Bergamo

folha de são paulo

Fenômeno na internet, humorista Felipe Neto já fez seu primeiro milhão

Quem só conhece o carioca Felipe Neto, 25, pela fama conquistada na internet, com vídeos em que mistura humor e palavrões para reclamar de tudo e de todos, não reconheceria o rapaz tímido e ponderado que acompanha o repórter Marco Aurélio Canônico a um restaurante mexicano, na Barra da Tijuca, no Rio.
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"Aquele não sou eu, é um personagem", diz o criador do Não Faz Sentido, canal hospedado no YouTube desde 2010, com mais de 2,5 milhões de inscritos e 49 vídeos que somam quase 180 milhões de visualizações --a maior média por vídeo dos canais nacionais no site.
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"Meu objetivo era interpretar, porque eu estava muito afastado do teatro, onde comecei com 12 anos. Coloquei óculos escuros e incorporei uma coisa mais agressiva, para transformar num projeto de vídeo", explica.

Felipe Neto é fenômeno na internet

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Rony Maltz/Folhapress
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Felipe Neto, ator e empresário, no escritório de sua empresa, Parafernalha, no Rio de Janeiro, com o cenário de videogame que é usado na gravação de esquetes e programas
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A repercussão dos vídeos --principalmente daqueles em que ataca alvos da idolatria adolescente, como o cantor Fiuk e os filmes da série "Crepúsculo-- transformou o rapaz em celebridade da web e trouxe anunciantes e dinheiro (segundo ele, seu faturamento com publicidade ultrapassou US$ 1 milhão, cerca de R$ 2,1 milhões).
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"Quando ganhei meu primeiro dinheiro com o Não Faz Sentido, comecei a perceber que o estilo do canal tinha prazo de validade. É um projeto repetitivo, estridente, agressivo, não tinha como fazer aquele modelo se perpetuar." Criou então a Parafernalha, produtora de vídeos de humor lançada em 2011, espécie de precursora teen do Porta dos Fundos.
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A escolha do nome da produtora foi tão aleatória que Felipe nem sequer sabia a grafia correta (parafernália). "Quando fui registrar um CNPJ, dei o primeiro nome que veio à cabeça, e não sabia como se escrevia."
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Hoje, a Parafernalha emprega mais de 30 pessoas e coloca no YouTube dois vídeos por semana (às quartas e aos sábados), conseguindo mais de 20 milhões de acessos por mês e atraindo anunciantes como Pepsi e Credicard. Também lançou, no início deste ano, a primeira minissérie brasileira da Netflix, "A Toca", inspirada na britânica "The Office", com três episódios de meia hora.
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Ele passou pela televisão, com duas séries no Multishow e um quadro no dominical "Esporte Espetacular", da Globo. "Eu tinha o sonho de fazer TV, mas, quando fiz, perdi o tesão. Os anunciantes controlam tudo, você tem quase zero liberdade criativa. Eu vinha da internet, onde tinha 100% de liberdade."
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Quando fala de conquistas e de planos futuros, Felipe incorpora um empresário ambicioso e meticuloso, versado no linguajar dos livros de RH e calejado no trato com a imprensa --fez "media training" após "sofrer muito preconceito de jornalistas".
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Narra sua história ao estilo "self-made man": nasceu em uma família de classe média baixa no subúrbio carioca de Engenho Novo e, na base do autodidatismo, aprendeu inglês ("Não tinha grana para o cursinho") e webdesign.
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Começou a trabalhar aos 13 anos fazendo bico como vendedor durante as férias. Juntou dinheiro e arriscou na internet. Montou um serviço de telemensagens e criou o Is Free, site de compartilhamento de séries de TV (já extinto).
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Diz ter nascido com "essa gana por empreender". Encontraria o caminho para a fama ao gravar e colocar no YouTube os vídeos em que incorporava seu personagem mal-humorado e reclamão.
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"Sempre tive interesse pela internet. Quando eu tinha 11 anos, a família inteira se uniu para me dar um computador de Natal. Chorava pedindo. Me interessei pelos websites, me tornei designer gráfico. Estudei sozinho, como tudo que estudei na vida", diz. Chegou a fazer faculdade de desenho industrial e de direito, mas abandonou ambas.
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Na mesma época em que ganhou o computador, foi diagnosticado com deficit de atenção --a falta de interesse na escola fez a mãe o levar a um psiquiatra. "Ele me deu receita para tomar Ritalina, mas minha mãe não quis e eu também fiquei com medo."
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Hoje em dia vai ao psiquiatra semanalmente e toma Ritalina desde os 23 anos, "porque meu problema tem de ser controlado mesmo. Quando a Parafernalha começou a dar certo, eu comecei a ter obrigações que eram muito chatas, e não fazia. Aí comecei a tomar o remédio".
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A outra droga que consome é o cigarro. Cioso de sua imagem, pede para não ser fotografado com um dos dois que acende ao longo das seis horas em que a Folha o acompanha. "Muito adolescente me trata como ídolo. Se me vê fumando, pode até condenar, mas já cria uma maior naturalidade, entendeu? Eu tratava com mais naturalidade porque minha mãe fumava."
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Felipe morou sempre com a mãe, Rosa, que é pedagoga e funcionária de creche há 27 anos ("Suga muito dela, ela trabalha 12 horas por dia"). Alexandre, o pai, é psicólogo; tinha 19 anos quando o filho nasceu e separou-se da mulher três meses depois.
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Há três anos, Felipe vive com a gaúcha Maria Eduarda Magalhães, 24, que não o conhecia até vê-lo no "Programa do Jô", em 2010. Gostou do que ouviu e escreveu para ele. O encontro demorou alguns meses, até que ela foi passar férias no Rio e não voltou mais.
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O casal mora próximo ao escritório. "Tenho zero luxo, não tenho carro, moro num apartamento alugado, pequenininho. Tudo que ganhei investi nas empresas."
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Seu investimento mais recente é a Paramaker, uma agenciadora de canais de vídeo. "A gente agencia hoje mais de 2.500 canais do YouTube brasileiro, com 250 milhões de visualizações por mês. Dos dez canais mais vistos do país, cinco são nossos: o do Cauê Moura [Desce a Letra], Mundo Canibal, Parafernalha, Não Faz Sentido e o da Kéfera [5inco Minutos]."
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A empresa surgiu da união com os americanos do Maker Studios, líderes mundiais em gerenciamento de canais do YouTube. A rotina de Felipe é hoje mais empresarial e menos artística (quase não participa de vídeos). Mas nos fins de semana ele experimenta a vida de celebridade, viajando para promover seu livro "Não Faz Sentido - Por Trás da Câmera" (ed. Casa da Palavra).
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Lançada em agosto, a obra está na lista das mais vendidas e esgotou a primeira edição (15 mil exemplares). Felipe é um dos autores que Paulo Coelho sugeriu que fossem levados para a Feira de Frankfurt --as ausências teriam feito o mago recusar o convite do governo brasileiro.
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"As pessoas, assistindo a 30 segundos de um vídeo, criavam uma imagem sobre mim, como se eu fosse um cara rebelde que falava dos adolescentes para fazer sucesso. E não faziam a menor ideia de como eu tinha chegado até ali", diz Felipe, sobre o que o levou a escrever o livro.
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"Sofro com esse estigma. Não estou mais fazendo reunião com o Multishow, mas com o presidente de uma empresa de mídia que controla, sei lá, R$ 2 bilhões por ano. Esse cara ter essa imagem de mim, do tipo 'ah, vou conversar com um moleque', é muito pior do que um jornalista me metendo o pau."
Mônica Bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

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