terça-feira, 29 de outubro de 2013

Na Rússia, intolerância causa retrocesso em luta de homossexuais por direitos


EL Pais
Pilar Bonet, em Moscou



  • Scott Wooledge/Queer Nation NY/AP
    Manifestantes protestam diante da Opera Metropolitana contra a política do presidente russo Vladimir Putin em relação a homossexuais
    Manifestantes protestam diante da Opera Metropolitana contra a política do presidente russo Vladimir Putin em relação a homossexuais"Passamos da ofensiva à defensiva." A russa Yelena Kostiuchenko, 26 anos, repórter do jornal "Novaya Gazeta", resume assim o ânimo da minoria da qual faz parte (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais russos, ou LGBT). Kostiuchenko é lésbica e "saiu do armário" em 2011, quando, em uma declaração na Internet, proclamou seu carinho para Annia Annenkova, sua parceira, uma analista de gás e petróleo, com a qual, se pudesse, se casaria e pediria um empréstimo para comprar um apartamento."Somos duas mulheres maiores de idade (...), cidadãs da Federação Russa, que trabalham bem e muito, que pagam impostos, que não cometem infrações legais e que se gostam. Desejamos registrar nossa relação. Desejamos que o Estado nos reconheça como parentes (...) como esposas com todas as consequências (...), quero que minha mulher se sinta defendida nos litígios de propriedade que possam começar depois de minha morte, que possa se negar a testemunhar contra mim diante do juiz (...) teremos filhos... de antemão os amamos e os esperamos e queremos que nos certificados de nascimento de nossos filhos estejamos inscritas as duas...", dizia Kostiuchenko.
O casamento gay encabeçava a lista de prioridades da jornalista em 2011. Agora, mais de dois anos depois, o mais relevante para ela é evitar que se acrescentem novas leis às duas promulgadas este ano. Uma delas proíbe fazer propaganda a menores de idade das "relações não tradicionais" (eufemismo para relações homossexuais) e a outra, a adoção de crianças russas por gays e estrangeiros.
O deputado Aleksei Zhuravlev (do partido governamental Rússia Unida) retirou na semana passada do Parlamento a lei que havia apresentado em 5 de setembro para que "a orientação sexual não tradicional" de um progenitor ou de ambos pudesse ser motivo para preservá-los de seus direitos de pais e da custódia de seus filhos. O texto para modificar o Código de Família russo levava ao âmbito privado a tese central da legislação já aprovada, a saber, que a homossexualidade não é uma opção equiparável às orientações "tradicionais". Segundo o deputado Zhuravlev, a informação sobre as relações "não tradicionais" é "muito perigosa para a psicologia ainda não fortalecida da criança e pode alterar no futuro sua autoidentificação sexual".
A população russa com "orientação não tradicional" oscila entre 5% e 7% (um pouco mais nas grandes cidades), e pelo menos um terço da mesma têm filhos, explicava Zhuravlev na apresentação do projeto de lei agora retirado. Um cálculo conservador com esses dados (por exemplo, 6% de gays entre os 142 milhões de cidadãos russos) representa a existência de 8,5 milhões com "orientação não tradicional" e mais de 2,5 milhões deles com filhos.
A retirada do projeto de lei, oficialmente para ser "elaborado", poderia indicar que as autoridades não desejam tensionar ainda mais as relações com os setores liberais do país e com os representantes da UE que em diversas ocasiões colocaram oficialmente para seus interlocutores a questão dos direitos de gays e lésbicas na Rússia.

Entretanto, a comunidade gay prefere não baixar a guarda e crê estar diante de "uma trégua" para distender a atmosfera antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, que se realizarão em fevereiro. Kostiuchenko disse estar preparando um relatório sobre os deputados da Duma Estatal (câmara baixa do Parlamento) que são gays e ameaça colocar na web dados sobre "os políticos que não se atrevem a sair do armário".
Também quer organizar uma parada gay durante os jogos em Sochi. A repórter é pessimista sobre a evolução do sistema político "que situou a comunidade gay na lista dos inimigos internos, junto com os imigrantes e os defensores de direitos humanos". "É preciso conservar as liberdades que nos restam, como educar nossos filhos, porque a liberdade de expressão já a perdemos", diz.
Na sociedade russa as atitudes negativas em relação aos gays se intensificaram, segundo o centro sociológico Levada. Em uma pesquisa feita em abril, 35% dos interpelados consideravam a homossexualidade uma doença ou o resultado de um trauma psíquico, e 43% a viam como um sintoma de depravação ou maus costumes, enquanto 12% opinavam que se trata de uma orientação como outras. A grande maioria (73%) queria que o Estado reprimisse as manifestações públicas de homossexualidade.
Em São Petersburgo, a "janela para a Europa" da Rússia, a legislação anti-gay gravita sobre o ambiente. "Projetos culturais interessantes não são realizados porque seus promotores temem que surjam problemas com as autoridades, e em troca personagens medíocres usam o escândalo para obter publicidade barata", indicam meios culturais da cidade que constatam "a diminuição dos vínculos de nossa cidade com os centros ocidentais".
Em particular, funcionários públicos russos confessam a seus interlocutores europeus sua incompreensão pelo peso que adquiriu a situação dos gays na relação de Moscou com o Ocidente. "Exige-se da Rússia mais do que pode assimilar um país dominado pelo conservadorismo", indicam.
O deputado e chefe da Comissão Legislativa do Parlamento de São Petersburgo, Vitali Milonov, promoveu a lei local contra a propaganda da homossexualidade entre menores, precedente para a legislação aprovada em escala estatal. Esse político do Rússia Unida afirma que "rezaria e tentaria corrigir o vício" se um filho seu lhe dissesse que tem uma "orientação sexual não tradicional".
O nível de tolerância varia em uma mesma cidade e na geografia do Estado. Em 12 de outubro, no Campo de Marte de São Petersburgo, em um espaço habilitado para convivência de Hyde Park, cossacos, torcedores de futebol e nacionalistas atacaram um grupo de gays que organizava uma saída do armário.
Mas apesar de rejeições como esta nas duas grandes cidades da Rússia, os gays podem fazer sua própria vida, diferentemente das áreas de tradições patriarcais como o norte do Cáucaso, onde muitos gays e lésbicas ocultam sua identidade sexual ou fogem de famílias que podem obrigá-los a se casar, impor uma "violação corretiva" e inclusive ameaçá-los de morte, segundo Tatiana Vinnichenko, professora na Universidade de Arkhangelsk, cidade de 350 mil habitantes.
Vinnichenko é ativista da maior organização de defesa dos direitos dos gays na Rússia, com central em São Petersburgo e filiais em 18 das 83 províncias do país. "No ano passado tivemos muitas consultas sobre como formar uma família ou como fazer inseminação artificial, agora nos perguntam sobre a emigração", diz.
Segundo ela, "um em cada três ativistas de nossa organização local, de 120 pessoas", pensa em emigrar. "Para conseguir um clima de maior tolerância, seria preciso maior informação, mas como a informação é equiparada à propaganda, estamos em um círculo vicioso", explica.
"As minorias sexuais são só um dos grupos afetados pelo problema da tolerância na Rússia", afirma Vladimir Pribylovski, especialista no estudo de grupos racistas, xenófobos e nacionalistas. "Os que se dedicavam antes a perseguir e agredir os imigrantes, hoje se dedicam a perseguir os gays, já que estão mais indefesos", opina o especialista.
Na vida cotidiana, os gays podem encontrar respeito e compreensão. Mikhail Tumasov, um tradutor de 38 anos procedente de Samara, vive com Denis, de 26, há oito anos e é agradecido a sua mãe, que "nunca perguntou" sobre sua sexualidade e que aceita que ambos durmam juntos na mesma cama.
Kostiuchenko não acredita que a Rússia seja especialmente homofóbica, apesar dos golpes que recebeu quando participou de piquetes. "As pessoas sentem curiosidade quando lhes conto que vivo com uma garota, mas que a lei nos proíbe de nos casar, interessam-se sobre como cozinhamos e como fazemos amor", diz. Na sua opinião, uma "saída maciça do armário" ajudaria os homossexuais.
Dois jornalistas da televisão se revelaram. Anton Krasovski, em janeiro de 2012, e Oleg Dusaev, de 33 anos, em agosto passado. "Sou um fiel cristão e estou convencido de que Deus me criou e gosta de mim como sou", disse esse jornalista do prestigioso canal estatal Kultura.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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