domingo, 17 de novembro de 2013

Apanhar o autocarro ou pegar o ônibus? - ISABEL COUTINHO

folha de são paulo
DIÁRIO DE LISBOA
O MAPA DA CULTURA
Português a falar brasileiro
Apanhar o autocarro ou pegar o ônibus?
ISABEL COUTINHOEm todas as edições se fazem apostas para tentar adivinhar quem vai receber o Prêmio José Saramago. A honraria no valor de € 25 mil (cerca de R$ 78 mil) é atribuída de dois em dois anos a uma obra literária de ficção escrita em língua portuguesa (e publicada em qualquer país lusófono) por um autor de não mais de 35 anos.
Se em 2011 foi uma surpresa a vitória da brasileira Andréa del Fuego, por "Os Malaquias", o resultado deste ano, divulgado no dia 5 em Lisboa, confirmou o palpite de muitos.
O vencedor, o angolano Ondjaki, havia muito era favorito. A vez dele chegou com o romance "Os Transparentes" (Companhia das Letras). O prêmio instituído pela Fundação Círculo de Leitores escolheu o livro por unanimidade.
A escritora e imortal brasileira Nélida Piñon, parte do júri, disse que Ondjaki criou "uma galeria de grandes personagens, cada qual com suas idiossincrasias muito bem definidas, enlaçadas por um fio de solidariedade e de ironia".
Ondjaki dedicou o Prêmio José Saramago ao país onde nasceu. "Este é um livro sobre uma Angola que existe dentro de uma Luanda que eu procurei escrever e descrever. Fi-lo com o que tinha dentro de mim entre verdade, sentimento, imaginação. E amor. É uma leitura de carinho e de preocupação. É um abraço aos que não se acomodam mas antes se incomodam. É uma celebração da nossa festa interior, trazendo as makas, os mujimbos, algumas dores, alguns amores. Penso que todos queremos uma Angola melhor."

PAPÉIS DISPERSOS
De Agustina Bessa-Luís, escritora do Porto afastada da vida pública por motivos de doença, acaba de ser publicado em Portugal "Caderno de Significados" (Guimarães Editora; € 12,50; cerca de R$ 38), com seleção, organização e fixação de texto de Alberto Luís (seu marido) e da escritora Lourença Baldaque (sua neta).
Os escritos reunidos foram encontrados em "folhas soltas, em cadernos de notas, em espaços brancos de impressos, em margens de livros", explica Alberto Luís no prefácio. Há excertos de entrevistas, de conferências e alguns inéditos.
Um dos textos é dedicado a Lisboa, que a escritora descreve assim: "Descei do céu para Lisboa, vindos de Nova York, e vereis a torre de Belém como um castelo de areia. Se o rio crescesse como cresce o mar, arrancava-lhe os dentes um a um. E ficava desdentada a bela torre; a sua lendária face deixava de ser proa de Lisboa. E o velho do Restelo não sabia mais o que dizer nem onde se encostar".

VAI, BRASIL
"Os cariocas têm de ganhar a vida como toda a gente, mas nunca a perdem por causa disso." Essa é uma das frases de "Vai, Brasil" (€ 18; R$ 55), novo livro de Alexandra Lucas Coelho, repórter e escritora portuguesa residente no Rio há alguns anos, que acaba de ser editado em Portugal na coleção de viagens da Tinta da China, dirigida por Carlos Vaz Marques.
O editor considera ser este "o melhor livro" da autora. "Ela consegue uma síntese da língua portuguesa, cruzando o modo de dizer de Portugal com o jeito do Brasil de uma forma tão feliz que nos dá a sensação, em certos momentos, de estar a proceder à refundação do idioma, como Caetano Veloso a roçar sua língua pela língua de Luís de Camões."
O livro, com prefácio de Francisco Bosco, colunista do jornal "O Globo", começa no final do governo Lula e termina nas gigantescas manifestações deste ano.
Um excerto: "Português a falar brasileiro não tem jeito, mesmo quando tem. Mas o que não tem jeito mesmo é perder tempo a não ser entendido. Não vou subir a favela e dizer sítio quando posso dizer lugar, ou apelido quando posso dizer sobrenome, ou alcunha quando posso dizer apelido, ou apanhar o autocarro quando posso pegar o ônibus. Português a falar brasileiro nem é jeito de dizer, porque português e brasileiro falam sempre português, em toda a sua mestiça extensão".

O RIO POR QUEM SABE
E se Alexandra Lucas Coelho é a estrangeira que olha para o Brasil e nos mostra coisas que quem lá vive nem sempre vê, Rita Sousa Tavares revela-nos o Rio de Janeiro pelos olhos de quem lá mora.
"Show Me Rio" (ed. Café Pessoa; R$ 109) é um livro de edição luxuosa, com fotografias belíssimas de José Pedro Monteiro e Márcio Mercante e textos, em "carioquês", da filha de Miguel Sousa Tavares.
É vendido acompanhado por um CD com um documentário homônimo. Livro e filme têm dicas de 19 personalidades que nos guiam pela cidade. Entre elas, Chico Buarque, cuja conversa serve de introdução ao que veremos e leremos a seguir, Vik Muniz (nos mostra o Jardim Botânico e o Instituto Moreira Salles), Maitê Proença (recomenda o Theatro Municipal), o prefeito Eduardo Paes (nos leva à Floresta da Tijuca de bicicleta) e Zuenir Ventura (visita o Real Gabinete Português de Leitura).
"Show Me Rio" é a primeira edição de um projeto intitulado "Show Me Cities" (www.showmecities.com), que nos levará para outras cidades vistas por quem lá vive.

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