domingo, 10 de novembro de 2013

Crepúsculo dos ídolos - Favela, sem eufemismo [editoriais folha]

folha de são paulo
EDITORIAIS
Crepúsculo dos ídolos
Chico Buarque e Oscar Niemeyer, Regina Duarte e Beatriz Segall: a favor de um ou outro candidato, artistas de variadas áreas não costumam recusar participação em campanhas eleitorais.
Faltando quase um ano para a disputa presidencial, o governador Eduardo Campos (PE) e Marina Silva, ambos do PSB, já articulam contatos desse tipo. Conforme apurado pela Folha, programa-se um evento no Rio, no qual terão oportunidade de encontrar-se com personalidades do setor.
Estaria em pauta a discussão de alternativas à política cultural. Ainda que esse tópico dificilmente ocupe por mais de 15 segundos a atenção da maior parte dos candidatos, não há nada de condenável em tais confraternizações.
A dúvida é se a presença dessas celebridades ainda se reveste da importância que teve em momentos mais turvos da história política.
Artistas de novela e músicos de MPB puderam, por algum tempo, emprestar um ar de familiaridade e crédito a candidatos que, por diversas razões, careciam de maior endosso na opinião pública.
Num momento em que Lula, por exemplo, inspirava certo temor na classe média pelo excesso de esquerdismo, foi conveniente à sua candidatura o apoio de rostos bonitos e vozes maviosas. Do outro lado, as aventuras espumantes de Fernando Collor ganhavam uma credibilidade cosmética quando enaltecidas pelos sorrisos de alguma celebridade inofensiva.
Atualmente, o quadro é diverso. Ou os políticos já despertam desconfiança demais para que artistas possam atenuá-la, ou o potencial de estranheza e perturbação já se dissolveu. Tornaram-se, em diversos casos, mais construídos do que os próprios atores de novela.
Além disso, as celebridades, em especial as da música popular, veem diminuir a admiração que mereciam. Pelo menos do ponto de vista das ideias políticas, notáveis defensores da liberdade de expressão não se saíram bem quando a publicação de biografias a seu próprio respeito entrou em debate.
Melhor assim, talvez; humanizam-se todos, sensíveis ao interesse comercial ou às suscetibilidades do estrelato. A democracia, se estimula a participação sem distinções, pode ter o efeito de mitigar idolatrias exageradas.
Distinguem-se, ademais, os artistas que têm constante atividade política dos que surgem como convidados de luxo na propaganda eleitoral. Ou dos que só procuram, para beneficio próprio, converter em votos e cargos o apreço que conquistaram. Mas esses, como se sabe, são de outra laia.
    Embora tenham mais itens de consumo, moradores de "aglomerados subnormais" continuam abaixo da média nos indicadores sociais
    A iniciativa do IBGE de quantificar alguns aspectos da vida no que se chama genericamente de favelas --"aglomerados subnormais", na linguagem técnica-- embasa e ratifica algumas intuições antigas a respeito de seus habitantes.
    Segundo a pesquisa do IBGE que refinou o Censo 2010, uma casa de favela tem quase tantos eletrodomésticos básicos quanto as do restante do país, mas seus moradores estão pouco aparelhados para aspirar a uma vida que não seja apenas confortada por alguns poucos objetos de consumo.
    Os moradores da favela continuam "subnormais", fora da norma e abaixo da média, como seus ancestrais na criação ou ocupação de bairros precários, no século 19.
    Na sua média "subnormal", têm menos educação formal, menos acesso ao mercado de trabalho formal, menos acesso ao traçado formal de ruas (com o que acabam tendo menos acesso à infraestrutura básica, de saneamento a segurança). Têm, portanto, uma cidadania informal. Subnormal.
    Certamente não só eles vivem abaixo das médias já deprimentes do Brasil. Estar perto da cidade em tese traz algumas possibilidades de superação. Há pessoas em situações piores, desconectadas do mercado pela geografia e quase isoladas dos serviços do Estado.
    Mais gritante na condição dos moradores de "aglomerados subnormais" é que se concentram nas maiores regiões metropolitanas do país. São vizinhos muito próximos da "normalidade", e o conhecimento intuitivo que se tem deles não se distancia do que as estatísticas agora ilustram com precisão.
    Dado que a existência dos "subnormais" urbanos é secular, persistente, é razoável supor, não sem fundamento, que a favelização territorial e social tem alguma funcionalidade imediata, ainda que prejudicial a longo prazo (deterioração urbana e baixa produtividade, por exemplo).
    Diferentemente dos moradores dos grotões e sertões, os habitantes desses bairros precários terminam sendo reserva de mão de obra para uma sociedade que aceita, na prática, conviver com a desigualdade de direitos e o subemprego como soluções para uma economia eivada de ineficiências e de serviços sociais precários.
    A esse respeito, cabe a comparação com a situação até há pouco tempo enfrentada pelos trabalhadores domésticos. Também eles eram "subnormais", já que não tinham os mesmos direitos de outros trabalhadores. A subnormalidade, enfim, resulta no barateamento, ao menos no curto prazo, da vida "normal", mas dura, de uma sociedade ainda medianamente pobre e, sobretudo, tolerante com o abismo social.

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