sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Fiscal confirma esquema de fraude em SP - Mario Cesar Carvalho

folha de são paulo
Servidor preso aceita delação premiada; cada acusado faturava pelo menos R$ 60 mil por semana, diz Ministério Público
Promotoria investiga se "o louco", como era chamado pelos colegas, enviou dinheiro para o exterior ilegalmente
MARIO CESAR CARVALHODE SÃO PAULOO fiscal Luis Alexandre Cardoso de Magalhães, um dos quatro servidores da Prefeitura de São Paulo presos sob acusação de cobrar propina para reduzir o valor do ISS (Imposto sobre Serviços) de imóveis novos, aceitou fazer uma delação premiada --dar detalhes do esquema em troca de redução de pena.
Diante das provas apresentadas pelo promotor Roberto Bodini, o fiscal confirmou o esquema em depoimento. "Ele apresentou detalhes que só alguém que participava do grupo conhecia", disse Bodini.
Entre outros detalhes, Magalhães contou que os quatro recebiam a maior parte da propina em dinheiro vivo.
Além de Bodini, outros dois profissionais da investigação confirmaram à Folha a confissão, embora seu advogado negue.
O grupo oferecia a empresas a possibilidade de reduzir até pela metade o imposto devido se pagassem uma comissão ao grupo.
A prefeitura estima que o esquema causou prejuízo de R$ 500 milhões em impostos que não foram recolhidos.
Segundo Bodini, cada um dos participantes do grupo faturava entre R$ 60 mil e R$ 80 mil por semana há pelo menos quatro anos.
Em levantamento inicial, a corregedoria da prefeitura identificou cerca de 500 imóveis liberados para serem habitados após pagamento de comissão aos quatro fiscais.
Magalhães é o elo mais fraco do grupo preso. Não chegou a ocupar cargos de chefia, ao contrário dos demais.
Dois deles (Eduardo Horle Barcellos e Carlos Augusto di Lallo do Amaral) foram diretores da Secretaria de Finanças da prefeitura.
Ronilson Bezerra Rodrigues, apontado como líder do grupo, foi subsecretário da Receita do município na gestão Kassab (PSD), de 2009 a 2012, na época das fraudes. Recentemente, foi diretor na SPTrans, na gestão petista.
Magalhães era chamado de "o louco" pelos outros três presos pela liberalidade com que tratava de assuntos tabus ao telefone, como a abertura de uma conta no exterior para canalizar recursos ilícitos. Ou por aceitar receber propina no banco, por meio de depósito identificado, de acordo com a investigação.
Foi a partir de um desses telefonemas, interceptados com autorização judicial, que os promotores encontraram indícios de que a conta no exterior foi aberta. Ele conversou sobre a questão com a funcionária de um banco em Miami, nos Estados Unidos.
A delação premiada era considerada tão certa pelo advogado do fiscal, Mário Ricca, que ele e o Ministério Público chegaram a pedir a liberdade de Magalhães usando esse argumento.
O juiz Eduardo Pereira Santos Jr. negou porque a delação não havia sido formalizada. Ainda segundo o juiz, "a soltura poderia implicar em risco à prova".
Magalhães juntou um patrimônio de cerca de R$ 18 milhões, segundo levantamento da prefeitura, que contabilizou somente os imóveis que ele tem em seu nome.
Ele ganhava cerca R$ 14 mil, segundo a Folha apurou.
O fiscal tem duas lotéricas, nos shoppings Morumbi e Paulista, que os promotores consideram peças-chaves para a lavagem de dinheiro.
A suspeita da corregedoria é que as lotéricas legalizavam a propina que ele recebia em espécie. Uma hipótese é que o dinheiro ingressava na lotérica como se fosse aposta. Magalhães tinha ainda cinco flats em Angra dos Reis, quatro em Moema e um apartamento na Vila Nova Conceição.

    OUTRO LADO
    Fiscal não confessou e é inocente, diz defesa
    'Não quer dizer que um veículo que está na nossa garagem é nosso', afirma advogado sobre Porsche apreendido
    DE SÃO PAULOO advogado Mário Ricca, defensor do auditor Luís Alexandre Cardoso de Magalhães, negou ontem a afirmação do Ministério Público de São Paulo de que o cliente teria confessado participação no esquema.
    "Nada foi confirmado ainda", disse ele, após o depoimento de Magalhães na delegacia. Ricca não quis comentar o teor do depoimento.
    "Ele é inocente até que se prove o contrário. Vão ser provados todos os bens [de Magalhães]. Não há provas contra ele", disse.
    O defensor confirmou que a delação premiada foi oferecida ao seu cliente, mas não disse se o benefício foi aceito ou não.
    O advogado negou, ainda, que o Porsche apreendido na casa de Magalhães seja de seu cliente, mas disse que ele usava o veículo.
    "Não quer dizer que um veículo que está na nossa garagem é nosso. Ele [Magalhães] usa o carro às vezes, mas é aquela coisa de amizade", argumentou.
    O advogado ainda afirmou que Magalhães não lhe informou quem seria o dono do veículo apreendido.
    Folha tentou conversar com Márcio Sayeg, advogado do ex-subsecretário da Receita Municipal Ronilson Bezerra Rodrigues, também detido sob suspeita de envolvimento no esquema.
    Ele disse que não poderia falar e pediu para que a reportagem ligasse depois.
    Contatado durante a noite, Sayeg não atendeu ao celular. A Folha não conseguiu localizar os advogados dos outros dois suspeitos detidos, Eduardo Horle Barcellos e Carlos Augusto di Lallo Leite do Amaral.
      Prefeito conversa com Kassab sobre ação
      DE BRASÍLIAO prefeito Fernando Haddad (PT) telefonou para seu antecessor, Gilberto Kassab (PSD), anteontem, no final do dia. Falaram-se por três minutos. Foi uma conversa protocolar, em tom amistoso.
      Kassab não fez nenhuma queixa a Haddad. O prefeito telefonou para dizer que a investigação em curso, sobre cobrança de propinas, tem sido pautada pela impessoalidade.
      A vários interlocutores, entretanto, Kassab tem reclamado a respeito da forma como a operação foi divulgada para a imprensa --como se tudo estivesse na conta da administração anterior.
      O ex-prefeito tem dito que Ronilson Bezerra Rodrigues, um dos principais acusados do esquema atual, foi exonerado no final de 2012 pelo então secretário de Finanças da prefeitura, Mauro Ricardo.
      À época, na transição para a nova administração, o fato foi comunicado à equipe de Haddad, sustenta.
      Rodrigues foi nomeado em fevereiro deste ano, na gestão Haddad, para o cargo de diretor de finanças da SPTrans, empresa que gerencia o transporte municipal.
      A prefeitura alega que a investigação do ano passado era apenas um "expediente" e que, neste ano, Rodrigues não foi demitido após a constatação de seu enriquecimento ilícito para não alertá-lo da suspeita.
      Apesar da insatisfação com a forma de divulgação da operação, o ex-prefeito diz não ver consequências eleitorais para si e para seu partido.
      Seu interesse continua sendo ser candidato a governador de São Paulo --o que elimina a possibilidade de apoio ao PT na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.
      No plano nacional, também não há mudanças. O ruído entre PT e PSD na cidade até agora não atrapalhou o apoio que Kassab pretende dar para o projeto de reeleição de Dilma Rousseff.
      "Não tem como não apoiá-la", diz o ex-prefeito a quando fala sobre alianças em 2014.
        Há mais envolvidos em esquema de fraude, diz Haddad
        DE SÃO PAULO
        O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), disse que há outros envolvidos no esquema de corrupção revelado na quarta-feira na Secretaria de Finanças.
        "Sim, há mais envolvidos. [...] Os servidores presos estão prestando depoimento, a rede pode ter se expandido", disse Haddad.
        Segundo o prefeito, os nomes não podem ser revelados ainda, pois as investigações estão em andamento, mas o esquema de fraude está na mira da Controladoria Geral do Município.
        As empresas envolvidas serão ouvidas para tentar esclarecer em que "circunstâncias acontecia o esquema", diz Haddad. Ele espera a colaboração das construtoras.

        IMPOSTO
        Prefeitura vai informatizar notas fiscais
        Até o final do ano, um sistema que acabará com o manuseio de notas fiscais nos processos de ISS (Imposto Sobre Serviços) será implantado, diz a prefeitura. A tramitação passará a ser 100% eletrônica. Segundo a prefeitura, o sistema foi feito para aprimorar os processos.
        Chefe de arrecadação dizia combater fraudes
        Em palestra na véspera de assumir o cargo, Ronilson Rodrigues afirmou que luta contra sonegação era prioridade
        Patrimônio do auditor inclui apartamento de R$ 1,2 mi em Santos, segundo polícia; defesa diz que ele é inocente
        DE SÃO PAULOO auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues, preso sob a suspeita de participar de esquema de desvios na Prefeitura de São Paulo, apresentava-se como defensor do combate às fraudes e à sonegação na administração pública.
        Foi o que fez em palestra no Tribunal de Contas do Município, em maio de 2009, na véspera de assumir a Subsecretaria da Receita na gestão de Gilberto Kassab (PSD).
        Ele elencava os pontos que uma administração séria deveria seguir para garantir uma "melhoria da qualidade de vida da população de São Paulo". Entre eles, listou: "combate à fraude, à sonegação e à inadimplência".
        Rodrigues voltava à gestão paulistana depois de rápida passagem pela Prefeitura de Santo André, no ABC paulista, onde foi secretário-adjunto de Planejamento e Orçamento na administração Aidan Ravin (na época, PTB).
        Após um ano no cargo de subsecretário, em 2010, Rodrigues abriu com a mulher, Cassiana Manhães Alves, a Pedra Branca Assessoria e Consultoria --o endereço era o apartamento do casal na Vila Mariana (zona sul).
        Em 2012, ele deixou a sociedade e a empresa foi transferida para uma sala no largo da Misericórdia, chamada de "o ninho" pelo Ministério Público: era ali, a 350 m da prefeitura, o suposto local de reuniões do grupo.
        Em sua última declaração de bens entregue à prefeitura, em dezembro de 2012, Rodrigues lista apartamentos na Vila Mariana, onde mora, em Juiz de Fora (MG) e no Rio e um prédio na rua Tucuna, em Perdizes (zona oeste).
        E ainda três veículos, avaliados em cerca de R$ 180 mil: um Honda CRV, um Volvo XC60 e uma camionete Hilux.
        Não consta nessa relação um apartamento em Santos, na Ponta da Praia, que, diz a polícia, pertence a ele. Um apartamento no condomínio do edifício, o Afrodite, está avaliado em R$ 1,2 milhão.
        Em 2013, quando se tornou diretor de Finanças da SPTrans (empresa municipal de transporte), já na gestão Fernando Haddad (PT), Rodrigues dizia a colegas que sabia estar sendo investigado por um suposto enriquecimento ilícito.
        Segundo esses colegas, ele dizia que não havia nenhum risco de ser processado porque havia justificativa para sua evolução patrimonial: a mulher, fazendeira, era rica.
        A defesa de Rodrigues diz que ele é inocente.
          BENS DOS SUSPEITOS, SEGUNDO A INVESTIGAÇÃO
          SUSPEITO
          Carlos Augusto Di Lallo Leite do Amaral
          BEM
          Apartamento na rua Martiniano de Carvalho, 836, centro de SP
          VALOR ESTIMADO
          R$ 2 milhões
          SUSPEITO
          Luis Alexandre Cardoso de Magalhães
          BEM
          Apartamento na rua Periquito, 160, Moema, zona sul de São Paulo
          VALOR ESTIMADO
          R$ 1,6 milhão
          SUSPEITO
          Ronilson Bezerra Rodrigues
          BEM
          Apartamento na av. Rei Alberto, 268, Ponta da Praia, em Santos (SP)
          VALOR ESTIMADO
          R$ 1,2 milhão

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