sábado, 2 de novembro de 2013

Xico Sá

folha de são paulo
Carta a Diego Costa
Caríssimo rapaz de Lagarto, tomaste a decisão mais certeira; sem essa de traidor da pátria
Amigo torcedor, amigo secador, peço a devida licença para me dirigir, especialmente, a este brasileiríssimo rapaz de Lagarto, Sergipe, que dentro de campo, doravante, é tão espanhol quanto uma tourada ou um sapateado de flamenco. Caríssimo Diego Costa, tomaste a decisão mais certeira, sem essa de traidor da pátria, como se fora um Calabar durante a invasão holandesa (1630-1654).
Sem essa, meu nego, "no passa nada", só tu sabes o que passaste na tua vida de papa-jaca, como é chamado um autêntico lagartense. Tua pátria é a tua bola e aqui não rolou chance alguma entre os profissas. Aqui tua pátria foi apenas tua várzea. "Perdido en el corazón/ De la grande babylon", eras um clandestino da pelota, como diria Manu Chao, este cantante que também aboliu as linhas dos mapas.
Tua pátria é a do Iniesta --cá entre nós, caro Diego, viste como ele se parece com nosotros nordestinos?
Segundo o site "Cearenses Internacionais", que faz humor sobre a semelhança de variados povos e personagens famosos, o craque do Barça nasceu na praia de Morro Branco, Beberibe (CE), em 1984. Não duvido. Cearense é um bicho que corre mundo.
Brincadeiras globalizadas à parte, o Felipão ficou bravo, o que não é lá mui difícil. O Felipão pôs a questão de ordem, marcha, para mexer com os brios da tropa de Pachecos. "No passa nada", amigo, a Espanha te valoriza, disseste tudo. Aqui és, mesmo depois desta peleja, uma tremenda dúvida. Até para este vagabundo cronista que te escreve, embora veja no teu jeito de marcar gols um quê de Emílio Butragueño --o objetivíssimo espanhol da filosofia "un toque e me voy".
Deste um exemplo, Diego, para os milhares de jovens que saem cada vez mais cedo sem chance nas peneiras da pátria amada, mãe gentil. Sem essa, meu nego, brigam Espanha e Brasil pelos direitos do mar, o mar, porém, meu velho, é das gaivotas que nele sabem voar --que me desculpe pelo arremedo de paródia da música de Milton Nascimento e Leila Diniz.
Caríssimo rapaz de Lagarto, sem essa de traição à pátria, bom foi observar como os espanhóis ficaram orgulhosos pela tua escolha futebolística --sei que seguirás como um brasileiríssimo papa-jaca.
O jornalista e escritor David Trueba, em crônica no "El País", falou bonito. Disse que a tua decisão é motivo de euforia para os espanhóis que vivem grave crise na economia e na autoestima. Com a pegada de chiste e gozação elegante, Trueba exaltou o triunfo sobre a praia de Copacabana, o carnaval da Bahia, as mulheres com adornos de frutas na cabeça, o lema "Ordem e Progresso", a voz de João Gilberto com música de Tom Jobim e versos de Vinicius.
Um legítimo samba-exaltação puxado na castanhola. Aqui, amigo, no máximo farias companhia aos cupins no esquenta-banco de reservas de luxo. Tua pátria é tua bola. O rio Vaza-Barris corre no teu sangue de infância em transfusão com o madrileño Manzanares que te apontou o destino.
"No passa nada". Tua pátria é o universal grito de gol em qualquer língua. Tua pátria é a pequena área. E saibas de uma coisa importante: agora és o papa-jaca mais conhecido do mundo. Deixaste para trás outro filho ilustre da terra, o homem-víbora, Joel Silveira, o maior repórter brasileiro de todos os tempos. Palavra do jornalista pernambucano Geneton Moraes Neto. Aquele abrazo e nos vemos na final do Maraca.
@xicosa

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