DIÁRIO DE PEQUIM
O MAPA DA CULTURA
Miniteatro do absurdo
Os censores chineses e sua obsessão por sexo
HÁ TRÊS ANOS, quando esperavam a permissão para abrir as portas, os diretores do teatro experimental Troia decidiram testar os limites do público e da amordaçada cultura chinesa.
Ainda fora do radar da censura, montaram uma produção quase clandestina de "Os Monólogos da Vagina".
O megasucesso da autora norte-americana Eve Ensler, que aborda sem pudores a sexualidade feminina, deveria ter só três apresentações. A reação do público foi tão efusiva que ele foi encenado dez vezes, até chamar a atenção da censura e ser retirado de cartaz.
Situado num novo distrito artístico de Pequim, o Troia é um "miniteatro", como são conhecidos os espaços de vanguarda à margem da cena dominada por peças subsidiadas pelo Estado.
Os miniteatros tem atraído cada vez mais público, principalmente o jovem, sedento por narrativas que rompam com o tradicional.
O interesse atiçou a censura, que nos últimos meses começou a enviar agentes à paisana aos miniteatros.
Responsável por submeter os textos do Troia à censura, Chen Mo Xian, 24, se irrita com o tom paternalista dos comentários que recebe de volta, quase sempre escritos com caneta vermelha.
"Os censores são obcecados por sexo", disse à Folha. "Eles mandam recadinhos com lições de moral".
Chen não se dá por vencido. Muitas vezes envia uma versão comportada para a censura e a verdadeira para o palco. O truque já foi descoberto duas vezes por censores à paisana, que ameaçaram fechar o teatro.
Outra estratégia é mudar a linguagem sem alterar a mensagem. "O público sempre entende", diz.
MODA É CULTURA
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, não escondeu seu encanto com uma exibição em Pequim que conta a história da moda chinesa nos últimos 30 anos.
Longe da polêmica que gerou no Brasil ao liberar recursos da Lei Rouanet para estilistas famosos, a ministra estava à vontade para extravasar sua convicção de que moda também é cultura.
A exposição tenta mostrar que o estilo chinês não se limita à imitação de grifes estrangeiras.
Uma das estilistas mais faladas da exibição é Ma Ke, que recebeu um empurrão na mídia local ao ter suas criações usadas pela primeira-dama chinesa, Peng Liyuan, uma famosa cantora.
Peng virou modelo nacional de glamour ao aparecer --com destaque e elegância incomuns para uma primeira-dama chinesa-- ao lado do marido, o presidente Xi Jinping, desde que ele assumiu o cargo, em março.
Mas ousadia tem limite. Peng prefere modelos clássicos, em nada parecidos com a extravagante armadura inspirada nos guerreiros de terracota exibida por Ma Ke na exposição de Pequim.
LUA MINGUANTE
Depois de amanhã os chineses entram em pausa durante uma semana para o feriado de meio de outono, o mais longo de seu calendário ao lado do Festival da Primavera (Ano Novo).
Mas neste ano, a principal tradição da temporada, o ato de presentear com pequenos bolos recheados, foi abatida pela cruzada anticorrupção do governo.
Conhecido como "bolo da lua", a guloseima cabe na palma da mão mas pesa no estômago, por sua massa pesada e o recheio idem.
A tradição, que remonta à dinastia Yuan (1271-1368), virou um símbolo de extravagância, com bolinhos chegando a custar até R$ 2.000 em caixas luxuosas que incluem joias e outros mimos.
Em muitos casos, o bolo da lua é usado como propina --o que explica a ordem do governo de vetar o uso de verbas públicas para a compra do doce.
HOLLYWOOD CHINESA
Uma constelação de astros internacionais do cinema desembarcou na cidade costeira de Qingdao no último fim de semana, a convite do bilionário Wang Jianlin, o homem mais rico da China.
Era o lançamento do mega- estúdio planejado por Wang para competir com Hollywood. Quem é do ramo prevê uma revolução.
"Hollywood chinesa é uma contradição em termos. Ou é Hollywood ou é chinesa", disse à Folha o ator austríaco Christoph Waltz, ganhador de dois Oscars por filmes de Quentin Tarantino.