folha de são paulo
CLAUDIO LEALilustração DEBORAH PAIVA
RESUMO Aos 87 anos e preparando novos livros de prosa e poesia, o escritor e diplomata repassa sua trajetória. Ele, que ao voltar do exílio em 1977 regressou também ao seu Amazonas natal, levou a reportagem a conhecer as casas que Lucio Costa projetou para ele e que, entregues ao poder público, se deterioram na floresta.
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Os gaviões espreitam o poeta e guincham entre as copas das árvores, no barranco do rio Andirá. Corpo nas águas escuras, enfiado num calção de rapazote, Thiago de Mello impõe silêncio e indica o ninho, imita-lhes os chiados. E celebra: "Ela veio me ver, rapaz. Não disse que a gaviã me conhecia? Bem, ao menos inventei que me conhece. Querida gaviã!".
A Freguesia do Andirá possui pouco mais de 4.000 habitantes, esse casal de gaviões e três acapuranas geminadas, com flores rosadas, em frente à casa do poeta. Distrito de Barreirinha (AM), a 331 km de Manaus, o vilarejo fica próximo dos índios maués.
Em agosto, Amadeu Thiago de Mello, 87, revisou um livro de inéditos, "Ajuste de Contas", a ser lançado no primeiro semestre de 2014 pela Global, de São Paulo. "Se eu não deixar alguns dormindo, vão beirar uns cem poemas", avisa. Escreveu-os no Chile, na Bolívia, no Peru, na ilha de Páscoa, em Portugal, na França, na Alemanha, na Espanha e na Amazônia, onde mora desde que retornou do exílio, em outubro de 1977.
Na floresta, desafia as complicações coronarianas e prepara um livro de memórias, "Eu E Os Outros Comigo", e mais dois de prosa, um deles ao estilo dos cronistas antigos: "Livro narrativo da situação quase desdenhável do meu corpo, ao qual devo tanta felicidade, escrito com a ajuda fascinante da memória e certas impertinências da imaginação". Haverá ainda um volume de conversas com o músico Manduka, "pássaro-cantor que se calou" -seu primogênito morreu em 2004, aos 52 anos, vítima de um acidente vascular cerebral.
Alguns poemas estão zangados, adverte Thiago, tornando à superfície do rio, cabelos de caboclo molhados. "Manuel Bandeira era um danado", retoma. "Ele me dizia: 'Às vezes um poema fica zangado. É só dar atenção que a zanga passa'." Na estrofe final do inédito "Cântico de júbilo", Thiago ausculta suas batidas de octogenário:
"Como fulgor de aurora, me levanta/ a alegria de ouvir meu coração/ batendo firme, cântico de júbilo,/ por me ver perseguir, perseverante./ Ele não sabe que algo se germina,/ conspira escuro contra esse fervor./ Nem poderá prever o instante certo/ do seu silêncio. Que não seja perto."
TEMPLO
Um apartamento no centro de Manaus é seu único pouso urbano. Em Barreirinha, sozinho ou ao lado da mulher, a poeta Pollyanna Furtado, 32, Thiago se dedica a poemas, leituras, música e banhos de água doce. Nos cinco dias em que a reportagem o visitou, esteve acompanhado somente por Luís Carlos, 49, caseiro e guardião de seu templo na floresta.
Nas cheias, o Andirá sobe acima da metade dos pilotis de 2,25 metros das casas -além da residência do escritor, há outras duas construções nas laterais, repletas de livros. O projeto é um dos cinco que o arquiteto e urbanista Lucio Costa (1902-98), autor do Plano Piloto de Brasília, fez no Amazonas -todos para o poeta. Na casa da Freguesia, traçou uma varanda de madeira, de onde Thiago conversa "com as acapuranas e com o rio".
O "vago mago", como o definiu o chileno Pablo Neruda, conhece os sortilégios medicinais. Três vezes ao dia, bebe o chá de unha-de-gato, para enfrentar sua neuropatia. Adiciona ao guaraná dos maués uma colher de mirantã, o pó usado no tratamento de nevralgias e fraquezas do estômago. Seus amigos podem receber, pelo correio, pacotes de ervas amazônicas. Assim fez com o jornalista Armando Nogueira (1927-2010), que usou a unha-de-gato para fortalecer o sistema imunológico durante o tratamento para o câncer.
Ouve Mozart no café da manhã; no quarto de música, além de fotografias de Pixinguinha, Tom Jobim, Gilberto Gil, Villa-Lobos e Pablo Milanés, há um mural de mulheres amadas, cujos rostos são contemplados no momento de escolher um disco ou de mexer os gelos do uísque. Dez casamentos, "uns de papel, outros só de amor", e quatro filhos: além de Manduka (com Pomona Politis, sua primeira mulher), é pai de Carlos Henrique (com Ayla), 54, Isabella (com Maria de Lourdes), 43, e Thiago Thiago (com Ana Helena), 32.
A coletânea de traduções "Poetas da América de Canto Castelhano" (Global, 2011) testemunha suas andanças na América Latina. Depois de Jorge Amado, Thiago talvez seja o escritor brasileiro que mais conquistou amizades com artistas, políticos e grandes autores do continente. Do colombiano Gabriel García Márquez, recebeu, numa dedicatória de 1978, o epíteto de "guru grande". Do argentino Jorge Luis Borges, ganhou um ensinamento, numa entrevista realizada em Buenos Aires, em 1981: "Deveríamos talvez falar com todas as pessoas como se já estivessem mortas, deveríamos tratá-las com a máxima bondade".
Nas paredes, há lembranças de encontros com Ernesto Cardenal, Fidel Castro, García Márquez, Borges, Mario Benedetti, Pablo Neruda, Salvador Allende e Violeta Parra. Em qualquer desvio de papo, sorri lembrando uma advertência de Neruda, na Isla Negra, onde vivia o Nobel chileno: "'Compañerito', a árvore de tua conversa tem muitos ramos".
ÓRFÃO
"Eu morrendo ou o Thiago morrendo, o que sobreviver vai se sentir muito órfão", diz Carlos Heitor Cony, amigo do poeta há mais de 60 anos. O romancista e colunista da Folha conheceu Thiago de Mello no Rio, para onde o amazonense se mudou em 1941.
Thiago foi batizado como escritor em 1952 por uma crítica de Álvaro Lins, que assinava um influente rodapé literário no jornal "Correio da Manhã".
Seu livro de estreia, "Silêncio e Palavra" (1951) o vinculou à Geração de 45, a mesma de Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto, e encantou o crítico: "Poetas principais de nossa literatura moderna: estou tentado a pedir-vos um lugar, ao vosso lado, para o poeta de Silêncio e Palavra. Com 26 anos e um só livro publicado, o sr. Thiago de Mello bem demonstra, todavia, que já se acha em condições de situar-se na primeira linha da nossa poesia contemporânea".
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Impulsionado pela acolhida, rejeitou o conselho dado por Drummond, logo ao conhecê-lo no final dos anos 1940, no Ministério da Educação: "Não faça isso, ninguém vive de poesia no Brasil". Abandonou o curso de Medicina, ingressou na diplomacia e seguiu fiel à literatura, lançando "Narciso Cego" em 1952, "A Lenda da Rosa" em 1956 e "Vento Geral" em 1960.
Assemelhava-se, recorda Cony, a "um personagem de Proust no Rio". "Vestia-se elegante, ternos bem cortados. Era cronista do jornal 'O Globo' e editado de José Olympio". No exterior, atuaria como adido cultural na Bolívia e depois no Chile até o golpe de 1964.
Na Hipocampo, criada com o também poeta Geir Campos na década de 50, editou 20 obras em dois anos, incluindo Drummond, Cecília Meireles, Jorge de Lima e o primeiro livro de Paulo Mendes Campos, "A Palavra Escrita". Eram edições artesanais, distribuídas aos assinantes do selo, em que as folhas soltas eram "envelopadas" dentro das capas. Esse aspecto desagradava Rubem Braga, que mandava costurar seus exemplares.
Dos tempos à frente da Hipocampo, o poeta guarda uma anedota envolvendo Guimarães Rosa, que lançou pelo selo "Com o Vaqueiro Mariano" (1952). Ao regressar da tipografia, em Niterói, Thiago avisou a Rosa que estava tudo rodado. "Não me diga essa desgraça!", dramatizou o mineiro, sob a luz de um lampião de Copacabana. "Eu pago seus custos, os papéis, as tintas! Preciso trocar um verbo. O pelo da vaca banhado de lua não reluz, obluz! Obluz!"
No Rio, o amazonense tornou-se íntimo também do romancista José Lins do Rego e do poeta Manuel Bandeira. Sempre a chamá-lo de "o sacana do De Mello", Zé Lins fez dele quase um irmão mais novo. Em 1957, nos últimos três meses de vida do autor de "Menino de Engenho", assumiu o posto de acompanhante de quarto no hospital.
A amizade com Bandeira gelou dois meses depois do golpe de 1964, com a publicação de "Os Estatutos do Homem", poema traduzido para mais de 30 línguas e incorporado ao livro "Faz Escuro Mas Eu Canto" (Civilização Brasileira, 1965). Saiu dedicado a Cony.
Em 11 de junho, Bandeira enviou uma carta de rompimento, em que defendia o golpe e repreendia Thiago pela dedicatória. "Chorei quando ele me pediu por escrito que eu não o considerasse mais seu amigo. Uma surra. Aproveitou para machucar o Cony, o primeiro dos intelectuais brasileiros a escrever contra a ferocidade dos militares", lembra o poeta na floresta. "Devolva essa carta... Ela queimará as suas mãos pelo resto da vida", recomendou Neruda ao adido cultural brasileiro no Chile, seu camarada desde 1960.
"Havia aí um problema pessoal entre mim e Bandeira", revela Cony, ao lembrar do episódio: "Não rompeu com o Thiago só por ideologia. Bandeira tinha sido padrinho de casamento de uma moça que se separou do marido para casar comigo. Ele me chamou de canalha, uma coisa violenta. Não respondi devido ao respeito que tenho pelo Bandeira, que acho o melhor poeta brasileiro".
De volta ao país, em 1965, após a renúncia à carreira diplomática no Chile, Thiago e suas irmãs visitaram o briguento, com o qual costumavam ter sessões musicais. Numa reconciliação, Bandeira recitou de cor o "Poema Perto do Fim", de "Faz Escuro Mas Eu Canto". Abraçado ao jovem poeta, sussurrou: "Esqueça aquela carta...".
Naquele ano, na prisão, Thiago aproximou-se ainda mais de Cony -ambos "recém-chegados" de um protesto de artistas e intelectuais contra a ditadura, em frente ao hotel Glória, no dia de uma conferência da Organização dos Estados Americanos no Rio. No quartel do Exército, o homem do Andirá queixou-se em dó de peito: "Sou índio, preciso tomar banho de rio".
MERCÊS
Não há vento. Nas águas mornas do rio Andirá, o poeta cantarola "Les Feuilles Mortes", de Jacques Prévert, e divaga: "Quero comemorar os meus 90 anos. O que vier, como diria Dom Quixote, serão mercês". E mergulha.
Há cinco anos desvia-se da cidade para a casa da Freguesia. Para aportar na Freguesia, pega um avião noturno de Manaus a Parintins, onde dorme numa pousada e embarca de manhã na voadeira Nina, do barqueiro Getúlio. A lancha encosta na entrada de sua casa. No lar ou em trânsito, veste-se de branco. "Sempre gostei de roupa branca", contou. "Mas, no exílio, eu usava era o cinza do capote, para não morrer de frio!"
"Entre a ilha e a mata, dobra à direita pro Igarapé do Pucu", reforça com o condutor do barco Nicodemos, que nos leva a Barreirinha.
Na saída no porto, equilibra-se numa tábua. Moto-taxistas se oferecem para levá-lo ao mercado, sem cobrar nada. De lá, carregando frutas e ovos, leva a reportagem a visitar as antigas moradias, projetadas por Lucio Costa, "o homem mais delicado que já conheci". Apresentados por Drummond em 1948, não se afastariam mais.
No retorno de Portugal (a última parada do exílio), em 1977, Thiago havia anunciado, em entrevista, que voltaria a morar na Amazônia, para servir à causa ecológica (lançaria "Mormaço na Floresta", em 1986, e "Amazonas, Pátria da Água", em 1991) e aprender com os locais. Passados alguns dias, Lucio ligou: "Venha buscar a sua casa".
O arquiteto, cuja mãe, Alina, era amazonense, assim anota o fato em "Registro de uma Vivência" (1995): "Finalmente, numa como que volta às origens, dei o risco da casa que, em Barreirinha, no coração da Amazônia, o poeta nativo constrói com zelo e amor".
Nos anos posteriores, sairiam da prancheta ainda uma biblioteca e um "torreão", com janelas quebra-vento, para servir de local de trabalho. O conjunto, erigido em 1978, foi nomeado Porantim do Bom Socorro.
Em 1992, o então chanceler Fernando Henrique Cardoso convidou o poeta a reassumir o posto de conselheiro cultural no Chile, "para pagar uma dívida da pátria". Com a mudança de domicílio, o governo do Amazonas comprou os três imóveis e repassou-os à prefeitura de Barreirinha.
"Thiago era adorado pelos meios culturais e políticos de Santiago. A ele nunca faltou coragem para receber de braços abertos os exilados brasileiros. Sua condição de adido cultural da embaixada e seu sentimento fraterno e democrático serviram de apoio a muitos de nós. Thiago morava na casa que era do Neruda (hoje é museu), o que já mostra o quanto ele era bem relacionado por lá. Foi em sua casa que conheci Salvador Allende", rememora o ex-presidente FHC.
Nos anos 90, Lucio Costa projetou ainda uma nova casa, à beira do Paraná do Ramos, um braço do Amazonas, e inflou a generosidade: uma cama pensada especialmente para o quarto do poeta harmonizava-se às medidas de uma janela, para que Thiago, deitado, pudesse ver o rio de sua aldeia.
MEMORIAL
A casa do Paraná do Ramos foi o ponto inicial do roteiro. Nela funciona precariamente um Memorial Thiago de Mello, mas, no acervo, não restou nenhuma obra do homenageado. O secretário municipal de Cultura, Aderaldo Tavares, relata que a luz esteve cortada até janeiro, quando ele assumiu o cargo. Tavares afirma que encontrou as casas "totalmente abandonadas".
"Conseguimos abrir para os estudantes que procuram o Memorial. Já solicitamos ao governo um projeto de restauração de todas as casas. Tivemos uma resposta de que vai ser feito", ressalta.
Por e-mail, a Secretaria da Cultura do Estado informa que a casa do Paraná do Ramos é a única das construções de Lucio Costa que foi "incorporada ao patrimônio do Estado". "Além de recuperada, foi transformada em espaço de cultura e concedida em comodato à Prefeitura do município de Barreirinha, responsável até então pelo imóvel."
No segundo andar do que deveria ser seu memorial, Thiago recolhe do chão os desenhos originais de Lucio. Vai levá-los para restauro. A cama, quebrada, foi confinada a um quarto minúsculo. "Uma das maiores tristezas que já tive em minha vida é isso acontecer na terra onde nasci. É a expressão da cultura do Brasil", diz, indignado. "Eu não devia ter voltado".
Vamos depois ao Porantim do Bom Socorro. O sítio não possui segurança. Construída com madeira, a casa tem poças d'água, escadas vacilantes, infiltrações, marimbondos. Lucio Costa traçou apenas o corrimão esquerdo da escada, mas a prefeitura acrescentou o direito e jogou um piso ladrilhado sobre a terra batida.
Demolida, a biblioteca virou um prédio de concreto. O torreão está pichado com palavrões. "Demoliram a biblioteca em que trabalhei! Demoliram!", lamenta Thiago, ao verificar o avanço da degradação. Cerca de 2.000 livros foram roubados ao longo de uma década, durante suas viagens e ausências. Folhas de edições antigas foram encontradas nas bordas de fossas.
"Na volta do Chile [em 1996], sentei na calçada e chorei lágrimas de esguicho, como dizia Nelson Rodrigues. Como fizeram isso? Nunca mais piso aqui", jura Thiago. No barco, muda de ideia e se diz decidido a lutar pela restauração e pelo tombamento dos prédios. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não há "registro de pedido de tombamento desses imóveis".
"Mais que o tombamento, deve-se garantir a preservação das obras. O tombamento é um instrumento extremo, que não garante a preservação da obra em sua integridade", defende a professora e arquiteta Ana Luiza Nobre.
Nobre, professora da pós-graduação em arquitetura da PUC-RJ e ex-diretora da Casa de Lucio Costa, no Rio, define as casas como "exemplares raros de inflexão da linguagem arquitetônica moderna -em seu caráter por princípio universalizante- a uma situação muito específica, do ponto de vista cultural, climático etc". Daí, diz ela, seu "valor inestimável para o quadro da arquitetura no Brasil".
A professora recorda que Lucio Costa havia adotado procedimentos semelhantes num projeto dos anos 1940, o Park Hotel de Nova Friburgo, na região serrana do Rio, em que usou estrutura de madeira. "O contexto amazônico é determinante e se soma ao fato da casa ter sido projetada para um poeta, produto do encontro de dois artistas."
Na Freguesia, fora da zona urbana, em sua atual casa (a única bem conservada do conjunto de construções de Lucio Costa), Thiago explica a demora de 17 anos para denunciar o início da depredação: "Sou filho de Barreirinha. Sou um homem de bem. Para falar, eu teria que envolver meu povo".
Voltar às origens amazônicas é um gesto corajoso, avalia o romancista Milton Hatoum, julgando que a província pode ser cruel com os que regressam. "Mas, quando você fica longe do seu lugar, às vezes sua literatura esmorece". O amazonense Hatoum destaca o engajamento de Thiago nas manifestações contra as "barbáries urbanas" em Manaus.
DORES
A destruição de casas e livros reaviva dores da ditadura chilena. "Perdi muita coisa de grande valor quando a casa em que eu morava foi invadida pelos primatas de Pinochet, três dias depois do golpe, em setembro de 73. Eu era refugiado, desde 1970, ano da eleição do meu Salvador Allende, a cujo governo servi como diretor de comunicação da Reforma Agrária", narra Thiago.
Ele lembra ter retornado um mês após o golpe à casa onde vivia, no bairro santiaguino de Vitacura, para constatar que não havia mais quadros. Uma fogueira de livros ardeu no jardim, segundo a proprietária. Conta que sumiram com as provas de uma obra que escrevia sobre a ilha de Páscoa. E jamais reencontrou uma pasta de pelica que guardava as cartas de Bandeira e Neruda.
"Hoje vai ter canto do rio", pressente o poeta, ao ver a agitação fluvial. A noite da Amazônia está crivada de sons de pássaros. Recolhido entre os livros, chora ao lembrar de todas as casas devastadas.
O poeta ressurge purificado para a despedida, duas noites depois. O banho de cheiro da vizinha dona Coló derramou ervas e aromas sobre seu corpo: mucuracaá, pinhão, canela, arruda, sândalo, cuia-mansa, rosa branca grande, galhotinha, manjericão e patchuli. À beira-rio, Thiago limpa a gaita para tocar uma música de Garoto. Há um bom tempo não ouvia "Terra", de Caetano Veloso, canção que o faz sentir como se "dirigindo o planeta". Golpeia o ar no refrão, como rédeas: "Terra". Sob a luz lunar, o vago mago obluz.
CLAUDIO LEAL, 31, é jornalista.
DEBORAH PAIVA, 62, é artista plástica.