sábado, 19 de outubro de 2013

André Singer

folha de são paulo
Ideologia e voto
Na segunda-feira passada, o Datafolha divulgou pesquisa que mede a orientação ideológica dos brasileiros. Os resultados, apontando para a prevalência da direita sobre a esquerda, confirmam, em linhas gerais, a série que o instituto vem realizando desde 1989. Porém, a metodologia utilizada desta feita pode levar a visões equívocas sobre a relação entre ideologia e voto.
Diferentemente do que sempre fez, o Datafolha decidiu, neste ano, atribuir a localização entre direita e esquerda a partir das respostas a um conjunto de questões adaptado de formulário norte-americano. Embora traga resultados parciais de interesse, o questionário mistura indagações de alta relevância política, como, por exemplo, se os sindicatos são importantes para defender os interesses dos trabalhadores, com outras de baixo impacto no debate nacional, como a que pergunta se "acreditar em Deus torna as pessoas melhores".
Nos trabalhos que realizei a partir de 1990, pude constatar que os assuntos que mais dividem a esquerda da direita no Brasil são os que dizem respeito à ordem. Enquanto a esquerda apoia posições que implicam contestação do ordenamento estabelecido, a direita tende a reforçá-lo. Por isso, o item referente aos sindicatos é importante. Por meio dele pode-se medir como o indivíduo se coloca perante a organização de base para a defesa de interesses que, na ordenação capitalista, são subordinados.
Não é casual que, entre os dez temas elencados pelo Datafolha, este seja o que mais divide o público, com metade considerando negativa a instituição sindical. Já o problema religioso é o que menos polariza. Quase todos (85%) acham que "acreditar em Deus torna as pessoas melhores", indicando que tal opinião vale tanto para os de esquerda quanto os de direita.
Entre 1989 e 2010, o Datafolha pedia ao eleitor que se autoposicionasse na escala esquerda-direita, apresentando-lhe cartela de sete pontos. Os resultados chamam a atenção pela enorme estabilidade das preferências em mais de duas décadas. Com poucas exceções, as variações estão dentro da margem de erro, isto é, são estatisticamente irrelevantes, e apontam para um campo de esquerda com cerca de 20%, um de centro idem e um de direita com o dobro das escolhas (40%). Pouco mais de 20% não sabem se posicionar.
Como o lulismo embaralhou as cartas, propondo um programa de mudança dentro da ordem, passou a ter votos também da direita, sobretudo a popular, o que ocorria menos antes de 2006. Em decorrência, não é que a ideologia interfira pouco no voto, mas, sim, que houve uma importante alteração no plano dos atores políticos, à qual o eleitorado respondeu de maneira coerente com as suas próprias inclinações ideológicas.

    José Simão

    folha de são paulo
    Ueba! Virei black-biógrafo!
    E não se esqueçam de que já está em todas as livrarias a bio do Maluf: "Minha Vida Foi uma Roubada"
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pensamento do dia do FuteboldaDepressão: "Se o Tite cair, é pênalti pro Corinthians!". E chama o Ceni.
    E diz que agora a dívida do Eike vai ser calculada em Playstations 4.
    E diz que a Marina vai ser vice do Campos e o Campos vai ser vice da Marina e vice-versa!
    E adorei a charge do Duke: "Sou neto do Lobo Mau e exijo que você retire da biografia dele a parte em que ele come a vovozinha!". Rarará!
    E como me disse uma menina no twitter: "a melhor forma de desautorizar uma biografia não autorizada é dizer que autorizou". Rarará! Ninguém vai querer ler!
    E atenção! Virei black-biógrafo! Vou lançar a biografia não autorizada do Malafaia: "Minha Mala é Feia". Subtítulo: "Malafaia é o nosso pastor e nada nos SOBRARÁ!". E vou lançar a bombástica biografia não autorizada do Lula: "Tenho Raiva de Quem Sabe!".
    E descobri que a Dilma não é búlgara, é pittbúlgara! E que a Marina Tartaruga Sem Casco é mãe do Macunaíma. Com pose de Virgem Inca!
    E vou lançar uma fotobiografia do Neymar: "50 Tons de Wellaton". Rarará! Com todas as fotos desde o início da carreira até hoje: 50 tons de Wellaton!
    E estou escrevendo a minha autobiografia não autorizada: "Minha Vida é um Buraco". Você nasce por um buraco, come por um buraco, transa por um buraco e quando morre: vai pro buraco!
    E a manchete do Piaui Herald: "Astros da MPB organizam Marcha da Família com Deus pela Privacidade". E que MPB agora quer dizer: Músicos Proíbem Biografias!
    E não se esqueçam de que já está em todas as livrarias a bio do Maluf: "Minha Vida Foi uma Roubada". A bio do Sarney: "Moribundo de Fogo". E a do Edir Macedo: "EDÍRZIMO". Rarará!
    É mole? É mole mas sobe!
    O Brasil é Lúdico! Ontem o Centro Acadêmico 11 de Agosto fez a Peruada 2013 em homenagem ao Feliciano: Peruada 2013! Contra o ódio do pastor! Meu peru é mais amor!". Isso! Viva!
    E em Itapuã, Salvador, tem a "Barbearia do Pão Com Ovo". Rarará!
    Nóis sofre mas nóis goza!
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      Mônica Bergamo

      folha de são paulo

      Lincoln Continental 1935 usado por Getúlio Vargas pode ser restaurado em breve

      Ouvir o texto

      O Lincoln Continental 1935 usado pelo ex-presidente Getúlio Vargas em seus deslocamentos pode ser restaurado em breve. A Ford, que deu o carro de presente ao governante brasileiro naquele ano, analisa um pedido feito pelo governo federal para fazer a reforma. A ideia é que, depois de recauchutado, ele seja exibido no Museu da República, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
      DIREÇÃO
      O carro é considerado histórico e está hoje guardado no Palácio do Ingá, em Niterói, que abriga o Museu de História e Artes do Rio. Há informações de que hoje existam só 17 modelos dele no mundo. O pedido de restauração foi feito numa audiência do ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, com Steven Armstrong, CEO da montadora.
      PRÓXIMO PASSO
      A Associação Procure Saber deve fazer reunião de balanço na próxima quinta, no Rio, com representantes de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, entre outros. Os artistas sofreram avalanche de críticas por causa da defesa que fazem da restrição a biografias.
      PELO MENOS
      A ideia agora é tentar entender melhor as leis que regulam o assunto. E traçar uma estratégia para que nem todas as suas preocupações sejam agora ignoradas --como, por exemplo, a do uso das imagens dos artistas em produtos audiovisuais.
      NOVA VOZ
      Alguns pensam inclusive em consultar outros especialistas no assunto, para ouvir argumentos diferentes dos apresentados pelos advogados de Roberto Carlos.
      ESTRELA EM CENA
      Regina Duarte recebeu convidados na estreia de "Bem-Vindo, Estranho", espetáculo do projeto Vivo EnCena, anteontem, no teatro Vivo. A atriz Vida Alves, o estilista Dudu Bertholini, o curador do projeto, Expedito Araujo, e a cantora Wanderléa foram ao evento. Gabriela Duarte, filha da protagonista, também esteve na plateia.

      Regina Duarte estreia peça

       Ver em tamanho maior »
      Zanone Fraissat/Folhapress
      AnteriorPróxima
      Regina Duarte recebeu convidados, como a atriz Vida Alves, na pré-estreia de "Bem-vindo, Estranho", espetáculo do projeto VivoEnCena, na quinta (18)
      NA PARADA
      Depois da Cow Parade e da Call Parade, exposições de vacas e orelhões personalizados nas ruas de SP, chegou a vez de Mônica, personagem de Mauricio de Sousa, ganhar 50 versões espalhadas pela cidade. A Mônica Parade começa em 8 de novembro. Além do próprio quadrinista, outros 49 artistas, entre eles Crânio, Mulheres Barbadas e Titi Freak, serão responsáveis pela estilização da personagem em esculturas de 1,60m de altura.
      MOSQUETEIROS
      Ney Latorraca e Edi Botelho estão ensaiando na Broadway, em NY, o espetáculo "Entredentes" (título provisório), dirigido por Gerald Thomas. É o reencontro do trio desde "Quartett" (1996). Para o novo espetáculo, que estreia em 2014, Thomas escalou também Maria de Lima, atriz portuguesa radicada em Londres. "O sotaque português dá mais graça ao texto", explica o diretor.
      EM CASA
      Athina Onassis está com o marido, o cavaleiro Doda Miranda, em São Paulo. O casal chegou anteontem para o Concurso de Saltos Internacional Indoor 2013, do qual Doda participa, na Sociedade Hípica Paulista. O casal retorna para a Europa no domingo.
      CURTO-CIRCUITO
      A série de livros "Os Filmes da Minha Vida" ganha seu quinto volume, organizado por Renata de Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema, na segunda, às 19h, no Espaço Itaú de Cinema.
      O Rotary Club começa, nesta segunda, campanha de doação de sangue nos postos da Pró-Sangue do Hospital das Clínicas e do Mandaqui.
      A Box 1824 expõe, a partir de hoje, painel sobre tendências na Serpentine Gallery, em Londres.
      com ELIANE TRINDADE, JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
      Mônica Bergamo
      Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

      Sem autorização, livro sobre Caetano acabou engavetado

      folha de são paulo

      Sem autorização, livro sobre Caetano acabou engavetado


       
      JULIANA GRAGNANI
      DE SÃO PAULO
      MARCO AURÉLIO CANÔNICO
      DO RIO
      RAQUEL COZER
      COLUNISTA DA FOLHA
      Muito antes de entrar no debate sobre biografias não autorizadas, Caetano Veloso já havia barrado uma pesquisa de sete anos sobre sua vida feita com seu conhecimento e a princípio com seu aval.
      O caso ocorreu em 2004. Antes da desistência, a editora que publicaria a obra, Objetiva, elaborou um contrato com cláusulas exigidas pelo escritório que representa o músico. Uma era a participação nas vendas, reivindicação do grupo Procure Saber, que Caetano integra hoje.
      O trabalho foi realizado de 1997 a 2004 pelo compositor e poeta Carlos Eduardo Drummond, 42, e pelo funcionário público Marcio Nolasco, 44, cuja mãe é próxima de Rodrigo Velloso, irmão de Caetano.
      Rony Maltz/Folhapress
      Os autores Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco
      Os autores Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco
      Com a pesquisa avançada, a dupla contatou a Objetiva, que lhes pediu aval do biografado. Em 2001, levaram carta que teria sido escrita pelo cantor. "Como não se trata de biografia encomendada ou combinada de antemão, tenho ciência apenas de que os dois rapazes vêm entrevistando as pessoas [...] nos termos adequados", diz o texto.
      A situação mudou em 2004, quando a editora buscou a autorização do escritório que representa Caetano, então comandado por Conceição Lopes e Paula Lavigne, ex-mulher e empresária do cantor.
      Além da participação nos direitos autorais da obra, o escritório exigiu a retirada de cláusula que permitia a adaptação do livro ao cinema.
      Editora e autores aceitaram.
      Pelo contrato, Caetano levaria 5% dos direitos autorais. Cada autor ficaria com 2,5%, metade do estipulado a princípio. Outros 2,5% iriam para a jornalista Ana Maria Bahiana, que faria a redação final. Ela só confirma ter sido chamada para o projeto.
      Em 2004, com o contrato prestes a ser assinado, Drummond recebeu uma ligação de Isa Pessoa, então diretora editorial da Objetiva, avisando que Caetano desistira do projeto. Não se soube a razão.
      A editora, então, renunciou à publicação. Para Roberto Feith, sócio da Objetiva, ela tornara-se "inviável". "A chance de um processo seria alta", diz. Um ano antes, entrara em vigor o Código Civil, com os artigos que exigem a autorização do retratado ou dos herdeiros para biografias.
      SEM FOFOCAS
      "Não era uma biografia chapa-branca, mas também não era de fofocas. Era minuciosa", diz Drummond. Ele e Nolasco dizem ter feito 103 entrevistas e viajado com recursos próprios. Depois, receberam R$ 20 mil de adiantamento da editora, valor que a casa não pediu de volta.
      Das pessoas próximas a Caetano, Paula foi a única que não falou com os autores. "Não havia histórias que denegrissem a imagem deles, não queríamos motivos para bloqueios", diz Nolasco.
      A dupla diz que Caetano corrigiu "detalhes" e comentou o estilo do texto. "A postura dele era de que a obra era nossa", diz Drummond. A editora, porém, quis convidar um escritor "mais qualificado", segundo Feith, para "dar forma à pesquisa". "O trabalho era admirável, mas o texto não era bom", diz.
      Antes de aceitar Ana Maria Bahiana, Caetano, segundo os autores, sugeriu o nome do poeta Eucanaã Ferraz, seu amigo, que recusou. "Disse ao Caetano que a publicação não valia a pena, não pela pesquisa, mas pela qualidade do texto", afirma Ferraz.
      Conceição Lopes diz não se lembrar da história. A Folha enviou e-mails a Paula Lavigne, Caetano e à assessoria do cantor, sem resposta até o início da tarde de ontem. Por telefone, a assessoria disse estar ciente das questões.
      Rony Maltz/Folhapress
      Carta que teria sido escrita por Caetano Veloso, dando aval à obra
      Carta que teria sido escrita por Caetano Veloso, dando aval à obra
      Na casa de Drummond, na zona norte do Rio, a Folha viu e-mails da editora, a minuta do contrato e a carta creditada a Caetano. "Documentos [...] a que tiveram acesso me surpreenderam e emocionaram. Isso anima-me a encorajar a continuação da pesquisa", teria escrito ele.
      O material que sensibilizou o baiano, dizem os autores, incluía cartas, fotos e um caderno com desenhos de 1961 e 1962, em que ilustrou rostos femininos, como o de Maysa.
      "Engavetamos um livro que lançaria luz sobre os primeiros anos de Caetano. Falamos com gente que não está mais viva, como dona Canô [mãe do cantor]. Se fizerem outra biografia, essa parte da história terá sido perdida", afirma Drummond.
      Ele nunca mais ofereceu o projeto a ninguém. "As editoras não bancariam uma disputa em favor de dois desconhecidos. Era uma briga desproporcional."

      Poetinha ou poetão

      'Black Orpheus' será lançado na Broadway só com atores negros


       
      NELSON DE SÁ
      DE SÃO PAULO
      Ouvir o texto

      Vinicius de Moraes estreia na Broadway daqui a um ano, no início da temporada teatral nova-iorquina de 2013/14, a tempo de concorrer ao prêmio Tony, com "Black Orpheus", Orfeu Negro.
      É um musical escrito pela dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho a partir da peça de 1957, "Orfeu da Conceição", e do filme francês dirigido por Marcel Camus em 1959, "Orphée Noir", que também foi baseado na peça de Vinicius, com músicas dele e de Tom Jobim.

      Anteontem, Möeller e Botelho, responsáveis por boa parte dos musicais da última década no Brasil, desembarcaram no Rio com um contrato de 46 páginas assinado com o produtor Stephen Byrd --o mesmo de "Romeu e Julieta", que acaba de estrear na Broadway com Orlando Bloom.
      "Passamos uma semana em escritório de homens engravatados", conta Botelho. "O dono do projeto agora é o Byrd. A gente foi contratado para escrever o novo musical e já entregou. A família também fez um contrato de cessão de direitos."
      Agora o espetáculo entra no ritmo industrial da Broadway, envolvendo "muitos produtores associados", seleção de atores, equipe. O que já está definido é que o elenco será formado inteiramente por atores negros, uma marca das produções de Byrd.
      Antes de "Black Orpheus", na Broadway, houve dois musicais não necessariamente brasileiros, mas que adaptavam obras do país: "Magdalena", com música de Villa-Lobos, e "Saravá", baseado em "Dona Flor e seus Dois Maridos", de Jorge Amado.
      O primeiro "ficou duas semanas em cartaz", o segundo, "exatamente três dias", descreve Botelho. "Imagina o frio na barriga que a gente tem..." Em "Black Orpheus", ele escreveu o roteiro com Möeller e fez a maior parte das versões das letras para o inglês.
      Algumas letras, porém, mantêm as versões de quando foram gravadas por cantores como Frank Sinatra e Ella Fitzgerald. Como os espetáculos na Broadway demandam, em geral, mais de 20 músicas, entrarão outras que não estavam na peça, mas apenas no filme ou até mesmo escolhidas do repertório de Vinicius.


      Jaguar/Divulgação
      Poetinha ou poetão
      Poeta popular, mas desprezado no meio acadêmico, Vinicius de Moraes faria hoje cem anos
      Marco Rodrigo de Almeida
       FOLHA DE SÃO PAULO
      Poucos brasileiros encarnam tão bem a imagem padrão que se tem de um poeta quanto Vinicius de Moraes.
      Nove casamentos, outras tantas paixões arrebatadoras, boêmia irrefreável e fome sem limite pela vida --contrabalançada por uma melancolia que só os mais próximos sabiam reconhecer-- compuseram os 66 anos de vida intensa do escritor, compositor, diplomata, dramaturgo e jornalista.
      "Foi o único de nós que teve a vida de poeta", sintetizou Carlos Drummond de Andrade. O mineiro tímido falava com admiração (e um tantinho de inveja) da "independência de espírito" do colega. E parece ser este, curiosamente, o nó central da recepção acadêmica da obra literária de Vinicius: teria ele gastado muito de sua poesia na própria vida e pouco nos livros?

      Vinícius de Moraes

       Ver em tamanho maior »
      Divulgação
      AnteriorPróxima
      Vinicius de Moraes, poeta, compositor e diplomata, lê seu livro 'Antologia Poética'
      Vinicius de Moraes, que completaria cem anos hoje, é ainda pouco estudado e não tem muito espaço na universidade. Teses e livros de análise dedicados aos seus poemas são poucos, segundo poetas e professores ouvidos pela Folha.
      Este deve ser um dos poucos sinais de desdém na trajetória do sedutor Vinicius, ainda mais se levarmos em conta o sucesso mundial de sua carreira na música a partir do final dos anos 1950, com o estouro da bossa nova.
      Victor Rosa, mestrando que prepara dissertação sobre Vinicius, diz que quase não ouviu falar dele durante seu curso de letras na UFRJ. "Costumo dizer que o Vinicius é uma espécie de América [time de futebol]. Tudo mundo tem carinho por ele, mas não tem coragem de torcer."
      A repercussão crítica da obra de Vinicius ganhou impulso nos últimos anos, quando a Companhia das Letras passou a reeditar seus livros, com organização do também poeta Eucanaã Ferraz.
      "Durante muito tempo a universidade esnobou Vinicius, mas ele não precisou dela para se firmar entre os leitores", diz Ferraz. "Suas músicas angariaram novos leitores para a poesia. Hoje há um novo olhar para a obra dele."
      A carreira literária de Vinicius de Moraes teve uma trajetória curiosa. Seus primeiros livros, "O Caminho para a Distância" (1933) e "Forma e Exegese" (1935), depois renegados por ele, trazem versos com feição simbolista, de religiosidade opressiva e tom grandiloquente.
      A grande virada começa a partir dos anos 1940, quando a sensação de culpa do poeta sai de cena e ganham espaço o erotismo, um ambiente solar e a ode às mulheres.
      É a grande fase de Vinicius, com os célebres sonetos de "Poemas, Sonetos e Baladas" (1946) e "Novos Poemas (II)" (1959). Depois disso, seu foco passa a ser a música e a produção em poesia diminui.
      "O sucesso com as canções obscureceu o lado poeta. Mas sinto que isso está mudando. Vinicius é o maior sonetista do Brasil, não deve nada aos grandes da língua portuguesa", diz o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto.
      'FÁCIL DE FAZER'
      José Castello conta que escreveu a biografia "Vinicius de Moraes - O Poeta da Paixão" (1994) para lutar contra o estigma de "poetinha" associado a ele. "Há um desprezo grande pelo lirismo de Vinicius, como se fosse algo menor, fácil de fazer. Ficou a imagem de um show man, um homem cercado por belas mulheres, o que acabou prejudicando a avaliação do real tamanho de suas poesias."
      Já o professor de literatura brasileira da USP Alcides Villaça diz que Vinicius ainda não foi compreendido de forma integral. "Ele é o poetinha, mas ao mesmo tempo tem um verso que diz 'poeta sou altíssimo'. Ele está nessas duas partes e em tudo o que está no meio disso."

      Painel das Letras - Raquel Cozer

      folha de são paulo

      Inferno na biblioteca

      A setentona "Revista da Biblioteca Mário de Andrade" abandona a sobriedade na próxima edição, prevista para o final de novembro. Aproveitando a chegada da publicação ao sugestivo número 69, a equipe editorial resolveu vasculhar o chamado "inferno" da coleção da biblioteca e dar espaço a temas "malditos".
      A homenageada será Hilda Hilst, cuja morte completa dez anos em 2014. Haverá, entre outras coisas, um mapeamento de Eliane Robert Moraes sobre a etimologia da palavra "puta" e um dossiê sobre a Boca do Lixo, com fotos de Ozualdo Candeias e Jorge Bodanzky.
      A revista terá novo projeto gráfico e, pela primeira vez, uma seção de quadrinhos. A biblioteca prepara eventos o lançamento, incluindo show com poemas de Hilda musicados por Zeca Baleiro.
      RESCALDO DA FEIRA
      Enquanto pequenas editoras foram à Feira de Frankfurt dispostas a vender obras para editores estrangeiros, as grandes mantiveram a rotina de compras -que há anos não se concentram apenas no período do evento, mas em torno dele.
      Entre os títulos mais concorridos, ficaram os de "chick lit" --a mesma literatura de mulherzinha que bombou na edição de 2012, mas deixando de lado o enfoque erótico. Nesse estilo, "I Take You", de Eliza Kennedy, foi disputado por três casas e ficou com a Rocco.
      Policiais nórdicos se mantiveram em alta, mas sem burburinho. O norueguês "I'm Travelling Alone", de Samuel Bjork, ficou com a Objetiva.
      HQ
      Divulgação
      'Duas Luas', de André Diniz e Pablo Mayer, sai primeiro em Portugal, pela Polvo, no Festival Internacional de Banda Desenhada, em Amadora, no dia 25; no Brasil, não tem previsão de lançamento
      Com amor
      Os leilões internacionais pela autobiografia de Morrissey, recém-lançada pela Penguin Classics, estão começando. E o responsável já avisou que, além de lances em dinheiro, os editores devem enviar cartas de amor para o cantor.
      Com amor 2
      Em tese, as missivas serão lidas por Morrissey e terão peso na decisão. O "Telegraph" considerou a obra a "autobiografia musical mais bem escrita desde as 'Crônicas' de Bob Dylan".
      Discrição
      Nenhuma grande editora quer correr o risco de anunciar biografias nacionais programadas para 2014. Escaldadas pela polêmica sobre a necessidade de autorização e a possibilidade de mudança na lei, as casas preferem não se manifestar.
      Discrição 2
      Entre editores consultados pela coluna, Roberto Feith, da Objetiva, disse ter projetos "engatilhados", com pedidos de autorização em andamento, e Luiz Fernando Emediato, da Geração Editorial, afirmou apenas ter duas obras para breve e que vai "encarar a Justiça".
      Discrição 3
      Carlos Andreazza, da Record, adianta que tem nova biografia não autorizada de Otavio Cabral ("Dirceu"), também sobre político, mas "de direita, e pela qual correremos riscos".
      Papel social
      Já a independente Alameda prevê para dezembro um estudo sobre a vida de um dos expoentes da música nacional, "A Trajetória Social de Raul Seixas - Uma Metamorfose Ambulante no Rock Brasileiro", defendida como dissertação de mestrado por Lucas Marcelo Tomaz de Souza, na Unesp.
      Papel social 2
      A obra segue Raul da Bahia a São Paulo, mostrando como criou a imagem de "Maluco Beleza".
      Viralatas
      Ademir Assunção, vencedor do Jabuti de poesia com "A Voz do Ventríloco" (Edith), lança em novembro CD com sua banda Fracassos da Raça. O álbum se chamará "Viralatas de Córdoba", homenagem à quantidade de cães que o poeta viu nas ruas ao visitar a cidade espanhola --e para os quais os moradores deixavam ração e água nas esquinas.
      painel das letras
      Raquel Cozer é jornalista especializada na cobertura de literatura, mercado editorial e políticas de livro e leitura. É colunista e repórter da "Ilustrada", na Folha, desde 2012, com passagem anterior pelo caderno de 2006 a 2009. Foi repórter do "Sabático", no "Estado de S. Paulo", e do jornal "Agora", do Grupo Folha. Também trabalhou nas editoras Abril, Globo e Record. Escreve a coluna Painel das Letras, aos sábados.

      Drauzio Varella

      folha de são paulo
      A peste negra
      A febre atingia 41 graus, os vômitos eram sanguinolentos e havia complicações pulmonares
      Foi a mais mortal das epidemias. Entre 1347 e 1351, a peste negra dizimou metade da população europeia.
      Embora haja desacordo, as estimativas são de 75 a 200 milhões de mortes. Estudiosos mais conservadores estimam que a população mundial de 450 milhões teria caído para 350 a 370 milhões.
      A bactéria causadora da epidemia teve origem na China ou na Ásia Central, de onde viajou pela rota da seda, nos intestinos das pulgas que infestavam os ratos. Chegando ao Mediterrâneo, os ratos se encarregaram de levá-las para os navios, que disseminaram a doença pelos portos em que atracavam.
      Relatos históricos dão conta do sofrimento humano. O poeta Boccaccio, que viveu em Florença nessa época, fez a seguinte descrição:
      "Em homens e mulheres ela se manifesta pela emergência de certos tumores nas virilhas e axilas, alguns dos quais chegam ao tamanho de uma maçã, outros ao de um ovo... Dessas duas regiões do corpo esses tumores mortais logo começam a propagar-se e a espalhar-se em todas as direções; depois disso, a apresentação se modifica, em muitos casos manchas negras ou lívidas aparecem nos braços, nas coxas e outras partes, de início poucas e grandes, mais tarde pequenas e numerosas. Assim como os tumores, as manchas negras são sinais infalíveis de que a morte se aproxima daqueles nos quais se manifestam."
      Faltou dizer que a febre atingia 41 graus, os vômitos eram sanguinolentos, e que alguns desenvolviam complicações pulmonares, enquanto outros se curavam espontaneamente. Cerca de 80% iam a óbito em uma semana, proporção que aumentava para 90% quando havia comprometimento pulmonar e beirava 100% nos casos de septicemia.
      As explicações para as epidemias de peste que já afligiam a Europa nos tempos de Justiniano, no século 8, eram imaginativas: conjunção de três planetas que espalharia pestilência no ar, terremotos, mendigos, peregrinos, estrangeiros, envenenamento dos poços de água pelos judeus (sempre eles), suposições que justificavam massacres sangrentos.
      Foi apenas em 1894, quando um grupo de bacteriologistas visitou Hong Kong, que o agente etiológico, a Yersinia pestis, foi identificado por Alexandre Yersin.
      Curiosamente, mesmo antes dos antibióticos, os casos mais recentes de peste não provocavam mortalidade elevada. As bactérias daqueles tempos seriam mais virulentas ou as pessoas mais fracas e desnutridas?
      O advento de técnicas modernas de sequenciamento de DNA tem ajudado a decifrar essa questão. Um grupo de canadenses e americanos extraiu o DNA encontrado em dentes e ossos de pessoas enterradas no cemitério de East Smithfield, em Londres, última morada das vítimas da peste do século 14.
      Em 2011, os resultados publicados na revista "Nature" mostraram que a Yersinia pestis daquela época está extinta, de fato. O genoma desse ancestral, no entanto, é bastante similar ao da bactéria de hoje.
      Trabalhando com amostras antigas e recentes da bactéria, outros grupos observaram que a peste europeia foi causada por uma das 11 cepas que já circulavam na época de Justiniano. Entre os séculos 6 e 8, teria ocorrido um "big bang" de diversidade entre as yersínias, surgindo cepas novas dotadas de agressividade variável.
      De acordo com esse modelo, deslocamentos humanos como os das Cruzadas e outras guerras teriam criado pressões seletivas para que as bactérias se adaptassem rapidamente a ambientes estranhos e novos hospedeiros. Nessa luta pela sobrevivência teriam levado vantagem as yersínias mais virulentas.
      A partir de 1351, quando a epidemia europeia arrefeceu, a cepa virulenta que lhe havia dado origem pôde replicar-se com menos frequência, tornando-se mais estável, portanto mais semelhante às que circulam hoje entre seres humanos e roedores.
      Estudos como esses têm sido realizados com os agentes de enfermidades responsáveis pelas mortes em massa do passado: varíola, tuberculose, hanseníase, sífilis e até o da praga da batata que matou de fome 1 milhão de irlandeses, entre 1845 e 1852.
      Na santa ignorância em que viviam, quando nossos antepassados medievais imaginariam que séculos mais tarde desvendaríamos os segredos mais íntimos dos germes que lhes tiraram a vida?

        Xico Sá

        folha de são paulo
        Nem a morte separa
        Mesmo o maior dos canalhas ama incondicionalmente o escudo tatuado no seu peito ainda em fraldas
        Amigo torcedor, amigo secador, vejo essa história do plano funerário "Corinthians para Sempre" e reflito com o corvo Edgar, minha mal-assombrada ave: até onde vai essa maluca relação do homem com o futebol! Tudo na vida é passageiro, menos o amor do sujeito pelo time. Nem a morte o separa da obsessão clubística. O camarada quer se apresentar no céu, no inferno ou no purgatório, seja qual for o endereço, com a credencial do amor terreno.
        Repito: homem que é homem muda de sexo mas não muda de time. As mulheres passam e nada interfere na paixão, seu dengo pelo Mengo, pelo Galo, pelo Gigante da Colina, esteja por baixo ou por cima. O homem se entrega à vida noturna, acende o king size sem filtro da vadiagem, caro Aldir Blanc, o homem, mesmo o maior dos canalhas, ama incondicionalmente, fidelidade canina, o escudo tatuado no seu peito ainda em fraldas.
        Antes que me julguem porco chauvinista --e isso não diz respeito obrigatoriamente aos machões palmeirenses--, faço constar: algumas mulheres também atingem esse grau de insanidade. Vide Glorinha, minha amiga mais são-paulina, um pedaço de mau caminho da Vila Tolstoi, na ZL paulistana.
        Embora o corintiano que paga o seu plano se julgue o mais fanático sobre a Terra, vos digo: o fanatismo independe de mídia, foguetório e barulho. Às vezes o fanatismo é religiosamente silencioso e desconfiado, como o amor ao Botafogo. Todo homem é, de certa maneira, botafoguense. Estar vivo e viver a angústia da finitude é ser, antes de tudo, Botafogo.
        O poeta Vinicius de Moraes, que hoje completaria 100 anos, continua um alvinegro eterno no seu botafoguismo platônico. Este sim não trocava uma mulher, com ou sem a beleza fundamental, por um jogo. Sabia que a Estrela Solitária sempre estaria lá, intocável, e poderia amá-la como quem ama de telescópio, como quem ama uma fêmea a distância.
        Até onde vai essa maluca relação com o futebol, meu corvo, você criatura saída da costela de Edgar Allan Poe!? Há quem diga que o mais fanático dos fanáticos é o torcedor do Grêmio. Até a pé nós iremos, mesmo com toda a dor de cotovelo de um mundo assim Lupicínio.
        Não há como medir fanatismo, nem pelos sete palmos que nos cabe nesse latifúndio. Vai dizer que haja algo equivalente ao lumpemproletariado, à poeira de classes que faz do estádio do Santinha o maior santuário a céu aberto do mundo? É difícil encontrar páreo. O torcedor do Santa Cruz, meu corvo, é um caso de outro mundo. Do mundão do Arruda.
        No que salta, mesmo hospitalizado, o querido sobrinho Rodrigo Azoubel, 18, e bota ordem na casa: epa, é Sport Recife, rapá! Rodrigo foi vítima de bala. Não bala perdida. Nem de borracha. De bala mesmo. Vítima do vandalismo de Estado que rola solto. E não só no Rio de Janeiro. No Brasil de dezembro a dezembro.
        @xicosa