quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Eólicas saem em busca de fornecedores nacionais


Por Claudia Facchini | De São Paulo
Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/Valor
Sergio de Souza, diretor da GE: multinacional negocia com empresas brasileiras para substituir itens importados
Uma nova cadeia de fornecedores de equipamentos, peças e matérias-primas para a indústria eólica está se desenvolvendo no país desde que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a ser mais exigente com os empreendedores. Para financiar a construção dos parques eólicos, o banco estatal começou a exigir que cada uma das quatro partes dos aerogeradores - torre, pás, nacele (compartimento que fica no alto da torre) e hub (peça que conecta as três hélices) - tenha 70% de conteúdo nacional, no mínimo.
Até abril, o banco exigia que toda a usina fosse feita com 60% de conteúdo nacional. Os fabricantes podiam, por exemplo, importar os equipamentos da nacele, incluindo a caixa multiplicadora, o gerador elétrico e o conversor de potência. Mas, com as novas regras, dois desses três mecanismos terão de ser feitos no Brasil.
Os fabricantes de pás também terão de trocar a resina e a fibra de vidro importadas por insumos produzidos no país, enquanto as torres terão de utilizar 70% de aço brasileiro, e não mais 60%. No caso dos hubs (que conectam as pás), três das quatro partes do equipamento precisarão ser produzidas localmente.
Sérgio de Souza, diretor de vendas da GE na América Latina, elogia o plano do BNDES e afirma que a multinacional americana, a maior fabricante de turbinas eólicas do mundo, está negociando com fornecedores locais para cumprir com as exigências. Segundo ele, as novas regras de nacionalização serão implementadas de forma progressiva até 2016. "O plano foi muito bem feito e não vai interromper a oferta de aerogeradores como muitos previam", disse Souza, durante seminário promovido pela corretora Coinvalores.
Com as novas regras, as indústrias estão buscando fornecedores no mercado nacional. Hoje, apenas a Usiminas vende, por exemplo, chapas grossas de aço para fabricação das torres. "Mas a Gerdau também vai começar a fornecer o insumo", disse Souza.
Na semana passada, a dinamarquesa LM Wind Power inaugurou sua primeira fábrica de pás eólicas no Brasil. A unidade foi instalada em Pernambuco, e consumiu investimentos de R$ 100 milhões. O Brasil já possui grandes fabricantes de pás eólicas, como a Tecsis, de Sorocaba (SP), uma das maiores do mundo, e a Aeris Energy.
No entanto, dificilmente todos os equipamentos importados poderão ser substituídos por itens nacionais, afirma o diretor da GE. Mesmo com o aumento acelerado no número de parques eólicos, que devem agregar 2 mil MW de capacidade instalada por ano, o mercado brasileiro não é grande o suficiente para justificar a instalação de uma fábrica de alguns itens. As caixas multiplicadoras são um exemplo. "Nem todos os aerogeradores utilizam esse equipamento e, mesmo se um fabricante viesse ao país, não teria 100% de participação de mercado", afirma Souza.
Diferentemente da GE, a expectativa é que algumas indústrias saiam do mercado brasileiro. Dos onze fabricantes de aerogeradores que vieram ao país nos últimos cinco anos, devem sobrar cinco ou sete. Na avaliação da firma de consultoria EY, que publicou em setembro um panorama sobre a indústria eólica mundial, as exigências do BNDES dividem o setor. "Alguns fabricantes estão analisando os prós e contras de ficar no Brasil", escrevem os analistas da EY, para os quais a Vestas seria uma dessas empresas. "Estamos, neste momento, definindo um plano para nos enquadramos nas qualificações exigidas nas novas regras do BNDES", respondeu a Vestas.


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Alguma coisa está (muito) fora da ordem [tendências/debates]

folha de são paulo
NEWTON LIMA
Alguma coisa está (muito) fora da ordem
A prevalecer a legislação atual, a história de ditadores como o general Médici, se autorizada por sua família, o tornaria merecedor do Nobel da Paz
"A liberdade não é para aqueles que concordam conosco, mas para aqueles que têm ideias que odiamos" (Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema Corte dos EUA, 1929)
Alguns artistas tiveram um papel fundamental na luta pela liberdade de expressão no Brasil, principalmente no período conhecido como "os anos de chumbo".
Em 1968, antes da decretação do AI-5, alguns deles denunciavam o arbítrio e o "terrorismo cultural" perpetrado pelo regime.
Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam na vanguarda dessa luta pela liberdade. Hoje, no entanto, eles passaram a defender que suas biografias só podem ser publicadas com suas autorizações.
A Constituição de 1988 acabou com a censura à produção cultural e intelectual no país. O artigo 220 é claro: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social [...] É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
Mas, expulsa pela porta da frente, a censura --na sua pior forma, a prévia-- voltou sorrateiramente em 2002, no Código Civil, sob o manto diáfano do direito à privacidade.
No intuito de proteger a privacidade do cidadão comum, os legisladores colocaram no mesmo patamar a pessoa física e a personalidade pública, dando a este ou a seus familiares o direito de vetar ou negociar a publicação de suas histórias.
Com isso, contrariaram a doutrina reconhecida de que uma personalidade, seja ela artista ou político, não tem o mesmo direito à privacidade de um cidadão comum.
Em países democráticos, uma pessoa, a partir do momento em que se expõe voluntariamente ao público --seja se candidatando a algum cargo eletivo, seja subindo aos palcos--, abdica de seu direito à privacidade absoluta.
Baseada no Código Civil, várias obras artísticas foram proibidas, deixadas de ser produzidas ou até retiradas de circulação. Algo totalmente absurdo, além de desnecessário, pois a lei maior protege as celebridades, impondo indenizações contra calúnias e difamações para a reparação da verdade, da imagem e da honra eventualmente ofendidas.
Com o objetivo de corrigir essa anomalia, elaborei o projeto de lei nº 393/11, na Câmara Federal, que retira a exigência de autorização para publicação de obras biográficas.
Alguns argumentos apresentados para defender a censura a biografias têm aspectos kafkianos. Por exemplo, com o fim da ditatorial Lei de Imprensa, ninguém terá problemas se escrever sobre a vida de uma celebridade ou de um político e publicá-la periodicamente em revistas ou jornais. Mas, se a mesma história for compilada na forma de livro, poderá, com base no Código Civil, ter sua comercialização impedida.
E houve quem sugerisse que os artistas tenham participação nos honorários de biógrafos. É como se dissessem: podem falar livremente sobre a minha vida, desde que me paguem para isso.
Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque foram e são protagonistas da história deste país. Criaram costumes, influenciaram gerações e contestaram a ditadura. Impedir que suas biografias sejam livremente publicadas é mutilar a historiografia do país.
Já fomos privados de biografias como as de Roberto Carlos e do escritor Guimarães Rosa, entre outros, mas, a prevalecer a legislação atual, a história de ditadores como o general Emílio Garrastazu Médici, por exemplo, se autorizada por sua família, o tornaria merecedor do prêmio Nobel da Paz.
Já que a Constituição Federal garante que é proibido proibir a livre manifestação do pensamento, livremo-nos imediatamente dessa chaga legislativa antes que ela contamine outras conquistas do Estado de Direito.

ANSELMO HENRIQUE CORDEIRO LOPES
A sociedade não silenciará
É preciso estudar e debater mais os efeitos da liberação comercial de sementes transgênicas resistentes a agrotóxicos perigosos
A senadora Katia Abreu, em sua coluna na Folha, criticou a atuação do Ministério Público Federal (MPF) e, em especial, deste membro, acusando-nos de promover o que chamou de "fundamentalismo ambiental" ("Pragas ideológicas", 12/10).
Em realidade, a crítica foi uma reação contra solicitação que dirigimos à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a fim de que esta promovesse audiência pública, bem como mais estudos técnicos, antes que sejam liberadas para comercialização sementes transgênicas de soja e milho resistentes a agrotóxicos perigosos. O principal deles é o herbicida 2,4-D, usado inclusive como arma química na Guerra do Vietnã e considerado extremamente tóxico pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O pedido do MPF foi motivado por informações prestadas por vários pesquisadores, alguns membros da própria CTNBio. Segundo se suspeita, a liberação comercial poderia proporcionar um aumento relevante do consumo de 2,4-D no Brasil, país que já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
Na solicitação que enviamos ao órgão, não determinamos que fossem indeferidas as liberações (que beneficiariam grandes empresas estrangeiras, as quais lucram com a produção simultânea de agrotóxicos e sementes transgênicas resistentes aos mesmos agrotóxicos).
Simplesmente solicitamos que as sementes que ainda não foram autorizadas para circulação econômica sejam objeto de mais exames, com participação da sociedade civil.
Essa medida de cautela é motivada pela necessidade de se respeitar os direitos da população à saúde, à alimentação e ao ambiente equilibrado, os quais não podem ser sacrificados a fim de satisfazer o interesse de empresas internacionais.
Também nos preocupa a possibilidade de que as liberações das sementes em questão aumentem a dependência do setor rural brasileiro aos produtos fornecidos pelas multinacionais --tanto das próprias sementes quanto dos agrotóxicos aos quais elas são resistentes.
Essa dependência não é boa nem ambientalmente (como já vimos), nem economicamente, pois gera um aumento de custos na produção, prejudicando principalmente os pequenos produtores, que não têm recursos suficientes para adquirir tais tecnologias genéticas e químicas.
Voltando ao pedido de audiência pública que fizemos à CTNBio, ele foi submetido ao órgão no último dia 17, sendo acolhido pela maioria simples dos presentes. Contudo, como não foi alcançado o quórum regimental de maioria absoluta para aprovação, a CTNBio decidiu por não promover o debate público.
Em razão de tal deliberação, decidimos promover no próprio MPF a audiência pública, a fim de debater com a sociedade civil os efeitos diretos e indiretos que podem ser produzidos caso sejam liberadas as sementes transgênicas de soja e milho tolerantes ao herbicida 2,4-D.
Todos serão convidados para essa audiência popular, inclusive a senadora Katia Abreu, que poderá, democraticamente, continuar a defender os interesses econômicos das empresas estrangeiras, dentro de um espaço público em que a sociedade não se calará e em que será dada voz a todos.

Kenneth Maxwell

folha de são paulo
Liberdade de imprensa
Nesta semana, a Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Columbia anunciou os Prêmios Maria Moors Cabot, a mais antiga premiação internacional de jornalismo, na rotunda de sua biblioteca memorial, em Nova York.
Os prêmios foram criados há 75 anos, quando Godfrey Lowell Cabot estabeleceu um fundo para concedê-los, em memória de sua mulher. Com os deste ano, 265 prêmios e citações foram conferidos a jornalistas cujos interesses estão voltados aos assuntos do hemisfério ocidental, tanto na América do Sul quanto na do Norte.
A Escola de Jornalismo de Columbia foi fundada por Joseph Pulitzer, com a missão de treinar jornalistas sob os mais altos padrões e de conceder prêmios de reconhecimento à excelência no jornalismo, entre os quais os famosos Prêmios Pulitzer. A cada ano, a escola aceita 400 alunos, e, entre os mais de 11 mil estudantes que lá se formaram, há muitos jornalistas, editores, repórteres e produtores conhecidos, na mídia impressa, eletrônica e interativa de todo o planeta.
Para celebrar o 75º aniversário dos Prêmios Cabot, a escola realizou um simpósio de dois dias sobre liberdade de imprensa, padrões de imprensa e democracia na América Latina.
O Brasil teve presença marcante neste ano. Uma das medalhas de ouro coube a Mauri König, da "Gazeta do Povo", de Curitiba, por suas reportagens investigativas sobre abusos contra os direitos humanos, tráfico sexual e corrupção. Uma série de reportagens publicadas em 2006 e 2007 expunha casos de tráfico sexual ao longo das fronteiras brasileiras. Em 2002, König expôs o sequestro de crianças brasileiras para serviço militar na Bolívia, o que o levou a ser brutalmente espancado quando estava pesquisando para a história. Sua especialidade é o submundo corrupto do Brasil, e o Prêmio Cabot reconhece o jornalismo corajoso de König.
Alberto Dines, premiado com o Cabot em 1970, também falou no simpósio. Ele apontou que é importante recordar o quanto as coisas mudaram para melhor no Brasil depois da ditadura militar, e, para König, o trabalho de Dines continua a ser um marco de integridade.
Porém o conflito fundamental entre a liberdade de expressão e o segredo governamental continua irresolvido. Resta o paradoxo de termos Edward Snowden refugiado na Rússia, país que não é exatamente um baluarte da imprensa livre, e Julian Assange refugiado na Embaixada do Equador em Londres, em um momento no qual o governo equatoriano adota novas leis que muitos dos presentes à cerimônia dos Prêmios Cabot veem como restritivas à liberdade de imprensa.
Mas são exatamente essas as questões que os Prêmios Maria Moors Cabot têm por objetivo contemplar. E é evidente que continuarão a fazê-lo.

    Paula Cesarino Costa

    folha de são paulo
    Urubus do Galeão
    RIO DE JANEIRO - Chegar ou sair do Rio de avião parece uma viagem no túnel do tempo. Não para o futuro, claro, do qual o Aeroporto Internacional do Galeão só traz lembrança quando se olha para o teto coberto de laminados prateados --iguais àqueles usados em filmes de ficção científica de quinta categoria.
    É uma viagem ao passado. O que mais impressiona no Galeão atual é sua semelhança com o laboratório do Frankenstein. Fios desencapados, canos aparentes, massa cinzenta deslocada de lugar --não é o cérebro de ninguém, mas compensados tenebrosos tentando ocultar a bagunça de uma obra que se arrasta ainda mais lentamente que o processo de concessão do aeroporto à iniciativa privada.
    O governo Dilma Rousseff foi lento e inseguro. Marcou data, depois adiou. Titubeou no formato, mudou as regras. Agora promete efetivá-la em 22 de novembro. O ministro Moreira Franco (Aviação Civil) disse que o modelo de concessão significará um "sacrifício" para o país, porque o Tesouro terá de capitalizar a Infraero.
    Sacrifício quem passa são os passageiros. Entre malas que nunca chegam, escadas quebradas, banheiros interditados, pouca informação e a luta por um táxi ou ônibus.
    A revitalização do Galeão é uma novela que começou em 2008. Inclui a ampliação dos dois terminais e obras nas pistas e pátios. Segundo a Infraero, até setembro último foram executadas 36% das obras do primeiro terminal e 44% das do segundo, mas serão entregues em abril de 2014, ou seja, antes da Copa. Será?
    Inaugurado em 1977, o Galeão já foi o mais importante aeroporto do país. Obcecado por sua privatização, o governador Sérgio Cabral forjou duras e precisas definições: "anticartão de visitas do Rio", "uma vergonha", "pior do que uma rodoviária de quinta categoria". Está certo. Talvez o Galeão com urubus que ameaçam os voos seja a única coisa mais impopular do que Cabral no Rio.

      Aposta na ignorância - Editorial FolhaSP

      folha de são paulo
      EDITORIAIS
      Aposta na ignorância
      Senadores voltam a tentar proibir a divulgação de pesquisas antes das eleições; iniciativa semelhante já foi declarada inconstitucional
      Ainda que o assunto já tenha sido debatido inúmeras vezes, e a despeito de o Supremo Tribunal Federal já ter decretado a inconstitucionalidade da medida, deputados e senadores não desistem de tentar impedir a divulgação de pesquisas de intenção de voto nos dias mais próximos das eleições.
      A discussão, no Brasil, é pelo menos tão antiga quanto a própria Constituição. Em outubro de 1988, a empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha, ajuizou mandado de segurança no Tribunal Superior Eleitoral, contra resolução da própria corte, a fim de liberar a publicação dos levantamentos --a rádio Jovem Pan e a Rede Bandeirantes fizeram o mesmo.
      Foi um julgamento unânime. Todos os ministros acompanharam o voto do relator, José Francisco Rezek, segundo quem a divulgação de pesquisas é "um direito absolutamente fluente do artigo 220 e de seu parágrafo 1º da nova Carta".
      Ao lado de outras garantias fundamentais, o dispositivo --que proíbe obstáculos legais à "plena liberdade de informação jornalística"-- foi invocado pelo STF em 2006. Naquele ano, a corte julgou inconstitucional trecho de lei aprovada pelo Congresso que restringia a publicação de pesquisas.
      Entretanto, tramita no Senado uma proposta de emenda constitucional com o mesmo intuito. Com parecer favorável de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), a iniciativa de Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) propõe 15 dias de censura.
      Talvez os senadores não saibam, mas nos países onde vigora esse tipo de impedimento, como a Itália, debate-se justamente sua derrubada. Quando menos porque tendências eleitorais --conhecidas pelos candidatos, que fazem suas próprias sondagens-- inevitavelmente terminam na internet.
      Cria-se uma situação perversa: rumores e falsas notícias circulam livremente, mas fica bloqueado o acesso dos cidadãos aos institutos de pesquisa, cujas atividades estão sob o escrutínio dos candidatos e da Justiça Eleitoral.
      Há uma questão de fundo ainda mais importante. Como sempre, justifica-se a censura aos levantamentos pela influência que possam exercer no voto dos indecisos.
      Dentre os vários equívocos que se superpõem nesse argumento, destaca-se a pressuposição infeliz de que ao eleitor convém ter menos, e não mais, informações sobre o pleito. Por esse raciocínio, a incúria dos governantes tampouco deveria ser noticiada pela imprensa, dado o potencial de influenciar o eleitor. Logo se vê o disparate.
      Sem dúvida há certa tendência a sufragar o favorito, de modo a não "desperdiçar" o voto num candidato sem competitividade. Trata-se de problema menor ante os ganhos democráticos. Pesquisas abrem o leque de informações do eleitor, permitindo que ele tome sua decisão em condições melhores.
      Desperdiçado, na verdade, é o sufrágio de quem vai às urnas num estado de desinteresse e desatenção. O voto obrigatório, contudo, não merece dos legisladores tanto desejo de mudança constitucional quanto as iniciativas de censura e aposta na ignorância do eleitor.
        O banquinho de Raúl
        Cuba anunciou a unificação das duas moedas usadas pelo país desde 1994. A medida, ainda sem prazo para viger, será o passo mais ambicioso do processo de reformas que o ditador Raúl Castro tem implementado para evitar o colapso econômico da ilha e prolongar o regime autoritário de partido único.
        Nenhuma das atuais moedas de Cuba é válida no exterior. O peso cubano (CUP), utilizado para pagar a maior parte dos salários, além de produtos e serviços básicos, vale US$ 0,04 (R$ 0,086); e o peso conversível (CUC), equiparado ao dólar, é corrente na indústria do turismo, em estabelecimentos mais luxuosos e no comércio exterior.
        Adotado por Fidel Castro, o modelo pretendia regular o câmbio do peso com o dólar, na época negociado ilegalmente. Quase 20 anos depois, aprofunda a desigualdade social na ilha, ao contrário do que estatui a cartilha dos defensores do regime. Os privilegiados com acesso ao CUC desfrutam de poder econômico várias vezes superior ao da maioria.
        A julgar pelo ritmo das reformas concebidas até aqui por Raúl Castro, a unificação da moeda deverá demorar, até porque se justifica certa cautela. Dada a imensa disparidade entre as duas moedas, é grande o risco de disparada na inflação, já que muitos produtos básicos são importados e vendidos a preços subsidiados.
        Por outro lado, Cuba não pode demorar demais. A Venezuela, principal parceira do regime, enfrenta dificuldades crescentes.
        Há também insatisfação interna. O crescimento do PIB, de 3% em 2012, não chega a amainar os problemas gerados pela hegemonia do Estado na economia. Reformas na agricultura, com um pouco mais de iniciativa privada, tiveram pequeno impacto na produção.
        Dotado do mesmo instinto de sobrevivência do seu irmão, Raúl, 82, já anunciou que deixará o governo em 2018. Até lá, quer concretizar uma transição parecida com a chinesa, sem alterar o monopólio do Partido Comunista. Mas Cuba não dispõe das vantagens geoeconômicas da China. Em Havana, a conciliação entre sistema autoritário e prosperidade econômica parece bem mais improvável.

          Pasquale Cipro Neto

          folha de são paulo
          'E deixe os Portugais morrerem...'
          Quem já teve dois segundos de interesse pelos fatos da língua sabe que o infinitivo é verdadeira cilada
          Estava na capa da Folha do último dia 15: "Dilma manda rivais estudarem; Marina vê retrocesso no país". Alguns leitores reclamaram do emprego da forma "estudarem", ou seja, reclamaram do emprego da forma flexionada do infinitivo. Para esses leitores, a forma correta seria "Dilma manda rivais estudar".
          Ai, ai, ai... Como diz uma querida senhora (que não está longe dos 80), "pode até pensar, mas não pode dizer". Tradução: é melhor eu não dizer o que penso da arbitrariedade dessas "autoridades linguísticas".
          Quem já teve dois segundos de interesse pelos fatos da língua sabe muito bem que o emprego do infinitivo é verdadeira cilada. Vale a pena ver o que diz sobre o tema a sempre importante "Nova Gramática do Português Contemporâneo", dos queridos e saudosos Celso Cunha (brasileiro) e Lindley Cintra (português):
          "O emprego das formas flexionada e não flexionada do infinitivo é uma das questões mais controvertidas da sintaxe portuguesa. (...) Em verdade, os escritores das diversas fases da língua portuguesa nunca se pautaram, no caso, por exclusivas razões de lógica gramatical, mas se viram sempre, no ato da escolha, influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística, tais como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão. Por tudo isso, parece-nos mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do infinitivo".
          Em seguida, os autores dão uma relação de algumas das tendências observadas, o que também se vê em outras boas gramáticas, que, como a de Cunha e Cintra, também se baseiam na observação das tendências.
          Uma dessas tendências se refere ao caso em tela (o da manchete da Folha), em que há um verbo auxiliar chamado causativo ("mandar") + infinitivo ("estudar"). Dizem as boas gramáticas que, nesses casos, quando o sujeito do infinitivo é expresso por um pronome oblíquo, o infinitivo costuma ocorrer em sua forma não flexionada: "Eu as deixei entrar"; "Ele os mandou sair"; "Não nos deixeis cair..."; "Mande-os ler"; "Faça-os ficar"; "Deixai-as vir a mim".
          Quando o sujeito do infinitivo é um substantivo, posto entre o verbo auxiliar e o infinitivo, qual é a tendência? Ocorrem as duas formas do infinitivo: "Deixai as criancinhas vir (ou virem') a mim"; "Quero (...) ver as águas dos rios correr" (como escreveu Candeia em "Preciso me Encontrar") ou "Quero ver as águas correrem".
          No título desta coluna, há um trecho da antológica canção "Língua", de Caetano Veloso. Diz a letra: "E deixe os Portugais morrerem à míngua". Caetano optou por "morrerem", forma que enfatiza o sujeito do infinitivo ("Portugais"); poderia ter optado por "morrer", forma que enfatizaria o processo expresso pelo verbo, e não o seu agente.
          Como se vê, o título da Folha ("Dilma manda rivais estudarem...") se apoia numa das tendências verificadas no uso do infinitivo. A outra tendência é a opção pela forma não flexionada ("estudar"), igualmente abonada nos registros cultos da língua.
          Moral da história: é perfeitamente possível substituir a forma escolhida pelo jornal ("estudarem") pela não flexionada ("estudar"), mas é bom lembrar que "perfeitamente possível" não equivale a "obrigatório".
          A esta altura, algum defensor do reducionismo geral talvez já esteja dizendo que bastaria dizer que tanto faz. Não "tanto faz", caro leitor. O que se diz, nesse caso (e em tantos outros), é "depende". E depende de quê? Repito um trecho do que dizem Cunha e Cintra: "...influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística, tais como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão". É isso.

          Janio de Freitas

          folha de são paulo
          Crime político
          O pobre Amarildo foi um morto comum. O morto Amarildo tornou-se arma política
          O ato de tortura e morte do pedreiro Amarildo seria mais um da série infinita em que os criminosos são policiais. Um crime vulgar. Revelou-se um crime político. Pouco importa que não o fosse na origem. Nas consequências veio a sê-lo.
          As responsabilidades e circunstâncias da morte estão esclarecidas, 25 PMs presos por diferentes presenças no episódio, e é indispensável justiça reconhecer, nesse resultado, a obsessiva competência da promotora Carmen Bastos, de policiais civis representáveis por sua chefe, delegada Marta Rocha, e sempre a de José Mariano Beltrame, secretário de Segurança. Além do PM, ou PMs, com o seu perigoso e iluminador testemunho.
          É impossível medir a influência do movimento de opinião pública na ação investigatória. Não há dúvida de que foi forte. Mas não há como avaliar, também, quanto houve de motivação política no lançamento e no incentivo constante das cobranças de esclarecimento do caso. Em pouco, essas cobranças, até à simples menção do nome Amarildo, estavam transformadas em ataque político a Sérgio Cabral, mesmo nas menores oportunidades. "Onde está Amarildo?" tornou-se um slogan político devastador.
          O desaparecimento de Amarildo, desde logo dado por sua família como obra da PM, incidiu no momento mais agudo da crise de desgaste que Sérgio Cabral criou para si, com uma sucessão de atitudes pessoais intoleráveis pela opinião pública -- por ele desconsiderada com arrogância da qual precisou, por fim, penitenciar-se. Sérgio Cabral passou a ser identificado como responsável pelo desaparecimento de Amarildo e pelo aturdimento de então da polícia, responsabilidade que não podia ser sua. Mas despropósito permitido pela política, com os efeitos esperados.
          Até piores do que os efeitos visados. A campanha estendeu-se de Cabral para as UPPs, as unidades policiais criadas para a ocupação pacificante das favelas, e recaiu sobre o secretário Beltrame. Ou seja, o uso político da tragédia de Amarildo levou seu efeito corrosivo ao trabalho social que decorre do modelo de ação nas favelas, ou "comunidades", já com resultados que mudaram o convívio urbano e suburbano em grande parte do Rio.
          O cerco a Cabral resvalou ainda sobre Eduardo Paes, o prefeito. Pode ser um efeito de menor duração, porque o prefeito tem um trabalho enorme a apresentar, em variedade geográfica que inclui a tão desprezada Zona Norte da cidade, em modernização de muitos tipos e sentidos, e em presteza de atenção a problemas reclamados como o Rio não via há muitas e muitas décadas. Mas o reflexo de Cabral pode atingir o futuro de Paes se o governador não conseguir recuperar política e eleitoralmente o PMDB que a sua crise enfraqueceu bastante.
          O pobre Amarildo foi um morto comum nas mãos de policiais com vocação criminosa, entre tantos cujos nomes e destinos pouco ou nada importam à opinião pública. O morto Amarildo tornou-se arma política.

            A história não autorizada de Guimarães Rosa - Raquel Cozer

            folha de são paulo
            Filme exibido na Mostra de SP sem permissão das herdeiras mostra a atuação do autor como diplomata na Segunda Guerra
            RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHAUm João Guimarães Rosa (1908-1967) que ajudou a salvar judeus na Alemanha e foi investigado pelos nazistas na Segunda Guerra, antes de se firmar como escritor, é o centro de "Outro Sertão", longa exibido hoje na Mostra de Cinema de São Paulo.
            A faceta menos conhecida do autor de "Grande Sertão: Veredas" (1956) vem à tona com o documentário de estreia de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela. O filme, premiado no Festival de Cinema de Brasília, ilustra um viés menos lembrado no debate sobre a autorização para biografias: o de casos envolvendo obras cinematográficas.
            A pesquisa para o filme começou em 2003, com o aval das filhas de Rosa. Em 2011, esse braço da família pediu, dizem as diretoras, R$ 60 mil para autorizar a veiculação.
            "Fizemos contraproposta de R$ 30 mil ou R$ 40 mil. Fomos então informadas de que queriam R$ 300 mil e, depois, que não queriam mais a veiculação", diz Jacobsen.
            Antes da exibição em Brasília, a dupla pediu às herdeiras uma reavaliação da decisão. Receberam um telegrama do advogado informando que as filhas não autorizavam a veiculação por questões de "foro íntimo". As herdeiras negam ter sido contatadas nessa ocasião.
            A outra parte da família, representada pelo advogado Eduardo Tess Filho, neto da segunda mulher de Guimarães Rosa, apoiou o projeto.
            O filme teve patrocínio da Petrobras e dos bancos BNDES e BDMG, totalizando cerca de R$ 1 milhão. "Considerando os dez anos de trabalho, tivemos um honorário básico de diretor", diz Vilela.
            Sem notificação judicial, a dupla manteve as exibições. "Não podemos pôr em circuito comercial sem autorização, mas podemos exibir em festivais", diz Adriana. Depois da Mostra, o filme deve ser apresentado em evento da USP e na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro.
            CADERNETAS
            A base do documentário são duas cadernetas com anotações de Guimarães Rosa no período em que foi cônsul-adjunto em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942.
            Uma cópia delas está na Universidade Federal de Minas Gerais. Foi com a autorização das filhas do autor, dez anos atrás, que as diretoras tiveram acesso ao texto.
            Inéditas em livro, as cadernetas estão no centro de uma disputa familiar. Em Hamburgo, o autor se apaixonou por Aracy Moebius de Carvalho (1908-2011), que trabalhava com ele no consulado e se tornaria sua segunda mulher.
            Segundo o neto Eduardo Tess Filho, as referências a Aracy nas cadernetas incomodam as filhas do primeiro casamento do escritor.
            "Ele ficou menos de dez anos com Lygia e quase 30 com Aracy, mas elas querem apagar isso da história", diz.
            O filme tem ainda como fontes cartas, crônicas e documentos inéditos. Quase não aborda a vida pessoal do escritor, embora Aracy não pudesse ficar de fora, já que trabalhou com o então diplomata para conseguir vistos para judeus no Brasil.
            Um dos achados da pesquisa foi um dossiê da polícia nazista, a Gestapo, que revela que o escritor foi espionado por alguém próximo.
            Segundo um relatório, de 6 de julho de 1940, Guimarães Rosa fez desenhos na margem de um jornal representando a cabeça do Führer e uma forca. Teria comentado que aquela era a forca onde Hitler seria pendurado.
            As autoridades alemãs pediram ao embaixador brasileiro em Berlim, Cyro de Freitas Vale, que repreendesse Guimarães Rosa. No diário do dia posterior a esse relatório, o escritor diz: "Vou a Berlim".
            Outro documento é uma entrevista à TV alemã, de 1962, nunca veiculada, em que o autor cita a origem germânica de seu sobrenome.
            As diretoras querem publicar o material excedente em site. Esperam, antes de outras iniciativas, o aval das herdeiras ou mudanças na lei, em discussão no Congresso e no Supremo Tribunal Federal.

            OUTRO LADO
            Herdeiras dizem que advogado vai procurar diretoras
            DA COLUNISTA DA FOLHAAs filhas de Guimarães Rosa negaram à Folha terem sido contatadas por Adriana Jacobsen e Soraia Vilela, diretoras de "Outro Sertão", antes da primeira exibição do filme, no Festival de Cinema de Brasília, em setembro.
            "Conheci essas moças anos atrás, em Berlim, quando fui fazer uma conferência sobre meu pai. Elas disseram que iam me mostrar [o material]. Depois, não tive mais contato", disse Vilma Guimarães Rosa, 82, autora das memórias "Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai" (Nova Fronteira).
            Agnes, 80, disse que viu o filme "há muito tempo". "Do que vi, eu gostei." Disse, no entanto, que seu advogado "entrará em contato com elas. Porque não foi autorizado."
            Sobre detalhes das conversas com as diretoras, elas pediram à Folha que entrasse em contato com o advogado Roberto Halbouti. Por e-mail, ele se dispôs a falar com a reportagem, mas, em viagem a Londres, não foi localizado até a conclusão desta edição.
            Vilma diz não ter restrição à publicação dos diários, restrição essa que estaria ligadas a menções a Aracy, a segunda mulher de seu pai. "É fofoca", disse, e acrescentou: "Eu pretendo publicar [as cadernetas] um dia. Não tenho interesse em prender as coisas de papai".
            Ela disse ainda ser pelo "meio termo" no debate sobre autorização de biografias. "Se quiser fazer biografia, vá à família, converse, faça algo bonito, divulgue se valer ser divulgado. Sou contra intromissão na intimidade."

              José Simão

              folha de são paulo
              IPTU! Impossível Pagar Tudo Isso!
              O PlayStation 4 vai custar R$ 4.000 no Brasil! Ajudem uma quenga a comprar um PlayStation 4!
              Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Sony diz que PlayStation 4 no Brasil vai custar R$ 4.000! Ajudem uma quenga a comprar um PlayStation 4!
              Olha esse classificado: "Thais linda, pernas grossas, bumbum grande, cintura fina, R$ 800,00 a noite toda. Não está caro, vale a pena. Tenho que comprar meu PlayStation 4!".
              Como o PlayStation 4 está por R$ 4.000, ela vai ter que dar cinco vezes pra jogar um videogame. Se depender de mim, ela não compra nem um Atari! Rarará!
              E esse outro:"Procura-se garotas de programa evangélicas. Tratar com Cida". Tratar com Cida, Feliciano e Malafaia. Programa com dízimo incluso! Rarará!
              E o leilão xing-ling do pré-sal! Mais uma charge do Aroeira com o ministro Lobão, vulgo porteiro de necrotério, batendo o martelo: "Dou-lhe uma! Dou-lhe duas! Vendido pra dentuça da primeira fila". Rarará! Partilha: metade pra dentuça e metade pro panda! Rarará! A Petrobras vai mudar de nome pra Petropanda!
              E avisa pro Malddad que IPTU quer dizer Impossivel Pagar Tudo Isso! E aí vem as chuvas de verão e IPTU vira Imposto sobre Teto Úmido!
              E sabe que imposto eu vou pagar? O IPN, Imposto sobre Porra Nenhuma! Não vou pagar nada e o Malddad vai ficar na saudade, ops SALDDAD! Rarará! E a manchete: "Vendeu a casa pra pagar o IPTU".
              Aliás, eu já disse que o Haddad devia ser prefeito de Bollywood. Cara de galã indiano! E que o Haddad é um pré-feito. Pré-feito pelo Lula. Rarará!
              E em São Paulo, carro é que paga IPTU. Por bem imóvel! Rarará!
              E a manchete do Piauí Herald: "Eike Batista leiloa gravata usada". E será que os chineses que compraram o pré-sal, vão comprar a gravata também?
              Glavata Pilata! A Glavata é Nossa! Rarará!
              E essa bem infame de horário de verão. O cara no ponto de ônibus: "Que horas são?". "Duas na velha e três na nova." E a velhinha ao lado: "e cinco na sua mãe, seu fdp!". Rarará. É mole? É mole mas sobe!
              Os Predestinados! Um amigo foi fazer curso de combate a incêndio na empresa EcoFire e adivinha o nome do bombeiro instrutor? Claudio ÁGUA!
              E essa direto do porto de Santos: despachante aduaneiro, ANTIMAR Junior! Rarará. Nóis sofre mas nóis goza!
              Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

                Contardo Calligaris

                folha de são paulo
                'Longe da Árvore'
                Será que saberíamos produzir vidas com uma esperança diferente da de reproduzir a nós mesmos?
                Li o novo livro de Andrew Solomon quando foi publicado nos EUA, no fim de 2012. Para explicar por que ele é, para mim, um dos ensaios mais importantes das últimas décadas, preferi esperar a tradução em português, "Longe da Árvore "" Pais, Filhos e a Busca da Identidade" (Companhia das Letras).
                O título se refere ao ditado segundo o qual os frutos nunca caem longe da árvore que os produziu --ou seja, "tais pais, tais filhos". Só que, às vezes, nossos filhos nos parecem diferentes de nós: frutos caídos longe da árvore. De qualquer forma, a árvore quase sempre acha que seus frutos caíram mais longe do que ela gostaria. E, na nossa cultura, amar os filhos que são diferentes de nós não é nada óbvio.
                A obra de Solomon é um extraordinário elogio da diversidade e da possibilidade de amar e respeitar a diferença, mesmo e sobretudo nos nossos filhos. Por acaso, li o livro de Solomon logo depois das tocantes e bonitas memórias de Diogo Mainardi ("A Queda", Record) sobre o amor por seu primogênito, Tito, diferente por ser portador de paralisia cerebral.
                A leitura de "Longe da Árvore" ajudará qualquer pai a não transformar suas expectativas em condições de seu amor. Isso bastaria para que a obra de Solomon fosse imprescindível --para pais e para filhos. Mas há mais.
                Retomo uma distinção que Solomon usa. Chamemos de identidades verticais as que são impostas ou transmitidas de geração em geração: elas são consequência da família, da tribo, da nação na qual nascemos e também das expectativas dos pais (quando elas moldarem os filhos). Chamemos de identidades horizontais as que inventamos ou às quais aderimos junto com nossos pares e coetâneos: elas são tentativas de definir quem somos por nossa conta, sem nada dever à árvore da qual caímos.
                O paradoxo é o seguinte: a ideia crucial da modernidade é que as identidades verticais não constituem mais nosso destino (por exemplo, o fato de nascer nobre ou camponês não decide o lugar que o indivíduo ocupará na sociedade).
                Os filhos, portanto, conhecem uma liberdade sem precedentes (viajam, mudam de país, de status, de profissão etc.), atrás do sonho moderno de "se realizarem" --e não do sonho antigo de repetirem seus antepassados. Mas acontece que esse sonho de "se realizarem" é também o dos pais, os quais, como qualquer um, só "aconteceram" pela metade (quando muito). Consequência e conflito: os filhos deveriam correr livres atrás de seus próprios sonhos, enquanto os pais esperam e pedem que os filhos vivam para contrabalançar as frustrações da vida de seus genitores.
                Será que um dia seremos capazes de um amor não narcisista pelos nossos filhos? Será que seremos capazes de querer produzir vidas por uma razão diferente da de reproduzir a nós mesmos?
                Se isso acontecer um dia, será possível dizer que "Longe da Árvore" foi o primeiro indicador de uma mudança que transformou nossa cultura para sempre.
                Alguns poderiam se assustar diante do tamanho da obra de Solomon, que é monumental (mais de 800 páginas). Reassegurem-se: a leitura é fascinante.
                O livro é construído assim: há uma introdução, "Filho", imperdível, e uma conclusão, "Pai" (de filho para pai é o caminho que o próprio Solomon percorreu na sua vida).
                No meio, há dez capítulos (que não precisam ser lidos na ordem) sobre as "diferenças" de filhos que caíram longe da árvore e como os pais lidaram com elas (surdos, anões, síndrome de Down, autismo, esquizofrenia, deficiência, [crianças-]prodígios, [filhos de] estupro, crime, transgêneros). A essa lista é necessário acrescentar gay e disléxico, que são os traços que fizeram de Solomon um diferente.
                Das centenas de entrevistas nas quais ele se baseia, Solomon sai com um certo otimismo sobre a possibilidade de os pais aprenderem a amar filhos diferentes deles.
                Entendo seu otimismo assim: as diferenças extremas (como as que ele contempla) derrotam o narcisismo dos pais de antemão (esses filhos nunca serão uma continuação trivial de vocês) e portanto levam à possibilidade de amar os filhos como entes separados de nós.
                No dia a dia corriqueiro da relação pai-filho, o narcisismo dos pais e dos adultos produz uma falsa e incurável infantolatria: parecemos adorar as crianças, mas mal as enxergamos --apenas amamos nelas a esperança de que elas realizem nossos entediantes sonhos frustrados.

                Mônica Bergamo

                folha de são paulo

                Artistas se reúnem na casa de Wagner Moura para criar protesto contra repressão policial

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                Um grupo de artistas se reuniu anteontem, no Rio, na casa de Wagner Moura, para estudar uma forma de protestar contra a repressão policial às manifestações. E também criticar parte da mídia, que, no entendimento deles, estaria "criminalizando" as passeatas no país. Decidiram gravar depoimentos para espalhar um viral na internet.
                CARA A CARA
                Na reunião, eles ouviram a exposição de advogados ligados à defesa dos direitos humanos. Os profissionais disseram que a polícia, quando é truculenta, acaba aumentando a confusão na rua, gerando reações exacerbadas de alguns manifestantes.
                ADESÃO
                Estavam presentes, entre outros, Camila Pitanga, Leandra Leal e o advogado João Tancredo, do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos. Artistas que não estavam na reunião se comprometeram a enviar vídeos para engrossar o movimento.
                ATUAL
                E o instituto, com outras organizações, prepara levantamento nacional com dados atualizados sobre o número de pessoas desaparecidas nos últimos anos. Vai tentar determinar, entre eles, os casos em que a polícia é suspeita de participar do sumiço.
                'SERIA UM PRAZER VESTIR A PRESIDENTE DILMA'
                De óculos escuros e a jovem namorada como escudo, Roberto Cavalli recebeu convidados, anteontem, para jantar em sua homenagem no Morumbi. Deborah Secco foi a primeira a chegar. Usava vestido do estilista, assim como a maioria das convidadas.

                Jantar para Roberto Cavalli

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                Divulgação
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                A empresária Janete Boghosian ofereceu jantar para o estilista Roberto Cavalli, na terça (22). A atriz Deborah Secco, as modelos Izabel Goulart e Fernanda Motta e a filha da anfitriã, Fernanda, foram ao evento
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                "Como adoro as mulheres brasileiras, estou no paraíso", fez charme o italiano de 73 anos. Ele não desgrudou da modelo suíça Sandra Bergman, seu novo affair, várias décadas mais jovem. Recém-separado de Eva, sua segunda mulher, o estilista circulou no verão europeu com a russa Lina Nilson, 20.
                *
                Eleito de várias poderosas de Hollywood, Cavalli acredita que poderia agradar na área política. "Seria um prazer vestir a presidente Dilma", disse à Folha. Sobre o estilo sóbrio da brasileira e da chanceler alemã, Angela Merkel, indaga: "Por que mulheres maduras que chegam ao poder só usam roupas minimalistas?".
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                O estilista, rei da estamparia de pele de animais e das fendas e decotes, veio a SP lançar sua linha para a C&A.
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                Na tarde de terça-feira, Cavalli reservou um horário para as clientes da sua marca de luxo. Mais tarde, emendou o ti-ti-ti com algumas delas no jantar oferecido por Janete Boghosian, representante da grife no Brasil.
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                O estilista diz que está satisfeito com os negócios no país. Sua última visita foi há nove anos, quando inaugurou a loja em SP. "É um grande mercado. Tanto que estou voltando." Revela conversa com uma editora brasileira para lançar sua autobiografia ( "Just Me") em português.
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                Luciana Gimenez chegou à festa minutos depois da partida do homenageado, por volta da meia-noite. Escolheu modelo Cavalli com fenda à la Angelina Jolie.
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                Com 59 kg em 1,82m, dizia-se triste por ter "engordado um pouquinho". Para evitar marcas indesejadas no longo justíssimo, usava espécie de tapa-sexo, truque que aprendeu em Cannes.
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                A top Fernanda Motta, grávida de quatro meses, exibia a barriguinha em um vestido com estampa de vaca.
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                Em um míni de pedraria, também do estilista, a aniversariante Izabel Goulart ganhou mimos pelos 29 anos.
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                A produtora Tatiana Quintella optou por um longo estampado de leopardo e divulgava os números do primeiro final de semana de exibição do filme "Serra Pelada". "Foram 130 mil espectadores entre sexta e segunda. Se for para o Oscar, vou de Cavalli."
                PELO CORREIO
                A Nissan deve encaminhar ainda nesta semana resposta à carta que Lula enviou ao presidente mundial da montadora, Carlos Ghosn, condenando restrições à sindicalização numa fábrica no Mississipi (EUA). Dirá que foram feitas duas eleições secretas entre os funcionários da empresa e que eles optaram por não se filiar a nenhuma organização sindical.
                PELO CORREIO 2
                Há cerca de 50 dias, o ex-presidente escreveu: "Me causa um sentimento de indignação que a Nissan mantenha atitude de intransigência e intolerância em uma planta americana, cabendo indagar se isso decorre de alguma decisão da própria empresa ou, mais grave ainda, se é fruto de intervenções inaceitáveis do governo dos EUA".
                GRANDE FAMÍLIA
                Zezé Di Camargo vai ser avô novamente: a cantora Wanessa Camargo e o genro do cantor, Marcus Buaiz, vão ter o segundo filho. Ela recebeu a confirmação da gestação de quase dois meses na sexta-feira passada.
                NÃO AUTORIZADA
                Juca Chaves está escrevendo sua "autobiografia não autorizada", e deve concluir o projeto todo em sete dias. O humorista estuda proposta de duas editoras que se ofereceram para lançar a obra.
                À FRANCESA
                A diretora do Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine, chega a SP na segunda para a estreia de seu novo filme, "Os Náufragos da Louca Esperança", no CineSesc.
                PARECE E É
                Na nova edição do livro "O Essencial", Costanza Pascolato incluiu o capítulo Maturidade. "Nunca menti a idade. Na verdade, sempre gostei de aumentá-la um ou dois anos. Assim, pelo menos me habituei a ouvir o clássico elogio 'você parece mais nova!' sem culpa. E não é que eu sou mais nova mesmo?", diz a consultora de moda de 74 anos. No capítulo Tempos Modernos, Comprando pela Internet, ela dá dicas de como otimizar compras online.
                CAIXA
                Fidel Castro enviou charutos Cohiba Lanceros para o escritor Fernando Morais na semana passada. O emissário foi o cônsul para assuntos comerciais do país em SP, René Capote.
                DOIS EM UM
                O artista plástico Kleber Matheus recebeu convidados na inauguração da exposição "Bold" e da 7ª edição do 2Fanzine, em parceria com Dudu Bertholini. Estiveram por lá a empresária Karina Mota, o fotógrafo Guilherme Dalvi e Luana Araujo.

                Inauguração da exposição "Bold"

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                Zanone Fraissat/Folhapress
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                O artista plástico Kleber Matheus recebeu convidados na inauguração da exposição "Bold" e do lançamento da 7ª edição do 2Fanzine, feito em parceria com o estilista Dudu Bertholini, na terça (22), na Galeria Nacional.
                CURTO-CIRCUITO
                O Sesc Bom Retiro promove hoje o debate "Olhares para a boemia, a prostituição e a crônica", às 19h.
                Frejat apresenta amanhã o show "O Amor é Quente" no HSBC Brasil, às 22h. 14 anos.
                O Instituto George Mark Klabin realiza hoje jantar beneficente para comemoração do seu aniversário de 20 anos, no Bar des Arts.
                Marcelo Rubens Paiva e Mara Gabrilli falam amanhã no workshop "A Inclusão Social no Cooperativismo", na Sescoop/SP, as 11h30.
                A banda Forgotten Boys lança clipe no Club Noir amanhã, às 22h. 18 anos.
                Os atores Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello participam amanhã de jantar italiano beneficente do GRAACC, na Vila Olímpia.
                Mônica Bergamo
                Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.