segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Luli Radfahrer

folha de são paulo

Pós-realismo fantástico dos games

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Muita gente não gosta de videogames. É fácil entender o preconceito. A maioria dos jogos ainda tem personagens rasos de comportamento sexista, enredos banais, paisagens acinzentadas, interfaces feias e claramente artificiais. Esse tipo de jogo prende usuários a sofás e gera comportamentos que agravam o isolamento.
Mas esse cenário está para mudar. Da mesma forma que computadores e smartphones já foram mercados de nicho, a tecnologia permite que games estejam mais próximos do mundo real. O crescimento exponencial da capacidade de processamento --impulsionado por sensores baratos, novas tecnologias de resposta tátil, telas 3D, inteligência artificial --cria experiências mais imersivas, próximas de filmes como "Inception" e "Matrix".
Alpino
Novas interfaces deixam de lado a linguagem espartana dos primeiros jogos, mais utilitária do que estética, em nome de visuais menos excessivos, mais orgânicos e verossímeis. Operadas a partir de plataformas como Leap Motion, Eye Tribe, InteraXon Muse e Oculus Rift, não parecem reais.
Ao se expandir para além dos jogadores hardcore, a indústria segue o mesmo caminho dos aplicativos e dos serviços de internet, tornando-se mais amigável e aberta a novos públicos. À medida que seus usuários envelhecem, parcelas cada vez maiores da sociedade terão games em sua experiência cultural. E jogar poderá ser tão comum quanto assistir a filmes e ouvir música.
Mas para isso é necessário melhorar a qualidade dos roteiros e papéis representados. Jogos de atiradores como "Call of Duty" não deverão morrer, mas serão um gênero.
A contribuição do usuário é, como sempre, essencial. Games ainda estão no estágio das produções da grande mídia, em que uma empresa dita as regras. À medida que novas ideias, roteiros e personagens passarem a habitar o ambiente dos games, poderemos ter uma riqueza digna de uma Wikipédia ou de um YouTube, com milhões de contribuições.
Já há protótipos imersivos, que em vez de criarem bolhas em torno de seus usuários, os integram à realidade. "Ingress", jogo desenvolvido pelo Google, incorpora dados de geolocalização com princípios de realidade aumentada. O projeto "IllumiRoom", da Microsoft, mapeia a sala em que o jogo acontece e projeta objetos e cenas no ambiente físico, misturando realidades.
Estamos caminhando para um futuro em que será difícil separar os jogos da realidade. Histórias fictícias, propaganda ideológica e anúncios publicitários ganharão recursos de inteligência artificial, proporcionando interações subliminares. O trânsito, o ambiente de trabalho e as relações afetivas poderão ser combinados, criando jogos coletivos, com resultados bons e ruins.
É preciso estar alerta para a intenção por trás de quem organiza os novos jogos. Da mesma forma que o gigantesco acesso ao conteúdo na internet trouxe a necessidade de examinar a reputação de quem gera conteúdo, em um mundo complexo e integrado de simulação é muito importante saber que jogo se pretende jogar e com quem.
Games conscientes e engajados podem ser um belo treino para resolver problemas psicológicos ou ganhar novas habilidades. Se mal usados, seus efeitos podem ser mais graves do que a pior das ideologias.
Luli Radfahrer
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.

Ataque de doçura - Tati Bernardi

folha de são paulo
Quando os ossos começaram a latejar achei que era sinusite. Dai foi ficando mais forte a sensação de ter uma criança gorda sentada no meu tórax e comecei a pensar em infarto. Um pouco acima dos joelhos senti uma lerdeza extrema, precisei sentar. Talvez fosse virose. A fraqueza, para médicos angustiados em não explicar o susto da existência, é quase sempre uma doença que se pega no ar.
Mas não demorou para eu entender que meu padecimento se chamava doçura. Eu estava tendo um ataque profundo e incontrolável de meiguice. Era uma síndrome nova que (não, nova não era, devo ter sofrido uma ou duas noites desse mal aos 12 anos) me assolava e eu não tinha ideia ou lembrança do que fazer com ela.
Só deu tempo de tocar de leve o antebraço de Paulo e avisar "olha, vem aí uma avalanche mas...essa não sou eu e eu não tô entendendo nada". Paulo me abraçou e eu chorei baixinho por quase uma hora. Depois dormi vencida como uma criança suja de correria, tombo e sol. A tristeza esvaziada é a única felicidade real.
No dia seguinte despertei absurdamente feminina: Paulo não havia desgrudado do meu corpo a noite inteira. Ele estava com a mão esquerda na minha cintura e a qualquer meio centímetro de deslocamento seus dedos ainda dormentes me resgatavam. Meu quarto estava quente, mas eu sentia uma brisa aliviando meus pensamentos, era uma espécie de proteção oxigenada. Um gostar possível que nem atordoava e nem era pouco. Só sei que achei tudo aquilo bem melhor que todo o resto.
Lembro que usei saia e colori o rosto. Lembro que usei um brinco maior. Fiz um bolo de fubá com erva doce (mentira, mas pensei nele). Eu queria tanto ser mulher (talvez menina) que tive de me controlar, a cada dez minutos, pra não rodopiar cantarolando no centro de qualquer sala. Eu estava contentinha daquele jeito que só se fica quando um muxoxinho de amor é acolhido e aceito. Acho que Paulo estava feliz também. Os homens gostam de nos salvar de nossas invenções macabras mesmo que seja um porre conviver com elas.
Na terapia falei sobre vitória. Eu, há tantos anos pugilista, dessa vez não tinha esmurrado o agressor. Nem mesmo o via como adversário num combate. A mágoa não invadia mais minha casa pelo ralo, vestida de ninja assassina. Eu a recebia pela porta da frente, com um chazinho. Ao invés de ironias cortantes para emascular, humilhar, diminuir e esfolar, eu tinha convidado, em silêncio, a grosseria de Paulo para me assistir entupida de amor.
Cresci disfarçando minha condição de fêmea. Adernando minha pele, meus buracos e meus líquidos com chumbo pontiagudo. Pronta a expulsar qualquer dor com metralhadoras histéricas que, confusas em sua sexualidade, vociferavam másculas como pais protegendo um feto. Nunca um homem sobrou de pé depois de me decepcionar --ainda que a carne viva fosse, muitas vezes, uma loucura apenas minha.
O mundo sempre me pareceu dividido entre florais submissas condescendentes e mulheres que compram apartamentos, chefiam equipes e opinam ao invés de sorrir. Sempre achei que aceitar um tapinha, ainda que verbal, seria enterrar viva a alma da mulher do século 21. E um blá-blá-blá chato pra cacete que, finalmente, me pareceu ser papo de baranga que não trepa.
Mas dessa vez, nessa tarde, depois de tanto fugir em círculos da delicadeza, pude me vestir de algo que, na minha ignorância, chamei apenas de nudez. Chorei, dormi e permiti, sem nenhuma inteligência, que um homem ficasse.
tati bernardi
Tati Bernardi é escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão e tem quatro livros publicados.

Presença do Exército no leilão de Libra foi decisão de Dilma - Painel Vera Magalhães

folha de são paulo
A presidente Dilma Rousseff disse a um interlocutor que o leilão do campo de Libra é um dos atos mais importantes do seu governo, que "marcará o país por gerações". Foi decisão pessoal da presidente enviar o Exército para o Rio de Janeiro.
Na sexta, determinou que o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) desse uma entrevista para espantar dúvidas. Depois, mudou a data da sanção da lei do Mais Médicos para amanhã para evitar que os assuntos "concorressem".
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Expectativa O governo ainda aposta que a disputa por Libra terá mais de um consórcio. Consultores que assessoram os grupos pré habilitados acreditam que serão pelo menos dois. Inicialmente, o governo previa três.
Canetada Tão logo Dilma sancione a lei do Mais Médicos, o Ministério da Saúde vai conceder registro para 220 estrangeiros que ainda não obtiveram licença dos conselhos de medicina para atuar no programa.
Painho... Para evitar as prévias do PT na Bahia, o atual secretário estadual do Planejamento, Sergio Gabrielli, lançou-se pré-candidato com o apoio do ex-presidente Lula e de Rui Falcão, presidente do partido. Gabrielli foi presidente da Petrobras no governo Lula.
...decidirá Para conseguir consenso, Gabrielli terá de torcer pelo governador Jaques Wagner nas negociações com o PT. Wagner apoia Rui Costa para o governo do Estado, mas aceita abrir mão de seu candidato se for coordenador da campanha da presidente Dilma Rousseff.
Em tempo Gabrielli disse à coluna que o leilão de Libra é inoportuno, porque o atual momento econômico é desfavorável.
Só love 1 Eduardo Suplicy e Alexandre Padilha cantaram "Eu sei que vou te amar" em homenagem ao centenário do poeta Vinicius de Moraes no sábado, durante ato em Santo André.
Só love 2 Padilha, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, anunciou o senador como candidato à reeleição no ano que vem, numa demonstração de que o partido desistiu mesmo de negociar a vaga para o Senado com os partidos aliados.
Arrocho total A OAB federal e a CNBB se uniram e entregaram ao presidente do STF, Joaquim Barbosa, um ofício pedindo que seja julgada a ação direta de inconstitucionalidade que proíbe a doação de empresas para candidatos ou partidos.
Torpedo 1 O TRE de São Paulo deve fechar uma parceria com uma associação de São Paulo para incluir o SMS na fiscalização do órgão eleitoral. O objetivo é impedir que os torpedos sejam usados como boca de urna. Até hoje estavam na mira mensagens trocadas por email, Twitter e Faceboook.
Torpedo 2 A associação (Mobile Entertainment Forum) também pretende se juntar à Anatel no grupo que definirá as diretrizes da fiscalização eleitoral no país com o Tribunal Superior Eleitoral.
É do PMDB O novo conselheiro da Anatel deve ser Igor Villas Boas. Seu nome foi indicado pelo PMDB e teve apoio do ministro Paulo Bernardo (Comunicações) para ocupar a vaga de Emilia Ribeiro, que saiu em novembro passado. O posto, que vinha sendo ocupado interinamente desde então, é tido como cota do partido.
De novo O atual presidente da agência, João Batista Rezende, cujo mandato vence em novembro, deverá ser reconduzido. As duas indicações ainda precisam passar pela presidente Dilma.
Risco A ajuda do governo às múltis nacionais pode dar problema. Os fiscais da Receita Federal estão preocupados porque as empresas podem simular prejuízos no exterior para pagar menos imposto no país.
Sem poder O pacote foi decisão política e o fisco não teve espaço para mudança.
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TIROTEIO
Se o Aécio tiver em São Paulo, em 2014, o mesmo tratamento que Alckmin e Serra tiveram em Minas, ficaremos muito felizes.
DO DEPUTADO RODRIGO DE CASTRO (PSDB-MG), rebatendo queixa de paulistas à suposta falta de apoio em Minas aos candidatos tucanos em 2006 e 2010.
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CONTRAPONTO
Fome Zero
 Durante sessão solene no Senado, congressistas deram parabéns aos senadores do Piauí pelo aniversário do Estado, comemorado na semana passada.
O piauiense Wellington Dias (PT) aproveitou para convidar os colegas para um lanche típico no cafezinho, com direito a tapioca e sorvetes de sabores locais.
Ao perceber o interesse dos colegas pelos quitutes, o petista, que já governou o Estado, brincou:
-Quem diria, hein! O Piauí matando a fome de Brasília!
painel
Vera Magalhães é editora do Painel. Na Folha desde 1997, já foi repórter do Painel em Brasília, editora do caderno 'Poder' e repórter especial.

Ronaldo Lemos

Congresso deveria resolver a questão das biografias



O país está sacudido pelo debate em torno do direito de realizar biografias não autorizadas. A imprensa e as redes sociais estão em êxtase. O judiciário balançado, com juízes apressando-se a tomar posição sobre o caso.
Só há um lugar onde o silêncio é sepulcral: o Congresso Nacional. Justamente o lugar onde a questão deveria ser resolvida está paralisado.
É como se nada estivesse acontecendo. Se o Congresso tivesse atuado, a questão já poderia ter sido resolvida. Há um projeto de lei em tramitação desde 2011 que permite biografias de pessoas notórias sem a necessidade de autorização prévia (a indenização, se for o caso, é dada após a publicação).
Só que o projeto está congelado. Recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, relatado pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), e seguia direto para o Senado.
Só que 72 deputados entraram com recurso obstruindo sua tramitação e exigindo que o projeto fosse a plenário. O grupo, heterogêneo, juntou nomes como Tiririca (PR-SP), Paulo Maluf (PP-SP), Miro Teixeira (PDT-RJ) e Alfredo Sirkis (PV-RJ).
Com todo respeito à ação da Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que pede que o Supremo resolva a questão (e com a qual concordo em substância), essa matéria deveria ser resolvida pelo Congresso Nacional e não pelo Judiciário.
Um país em que o Congresso se distancia dos grandes debates nacionais e obriga a Justiça a "legislar" é um país com alguma disfunção.
Desprezar a separação de poderes é tão inconstitucional quanto proibir biografias.
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JÁ ERA
Carro movido só a combustíveis fósseis
JÁ É
Crescimento dos carros elétricos
JÁ VEM
Popularização das motocicletas elétricas
ronaldo lemos
Ronaldo Lemos é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e do Creative Commons no Brasil. É professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da UERJ e pesquisador do MIT Media Lab. Foi professor visitante da Universidade de Princeton. Mestre em direito por Harvard e doutor em direito pela USP, é autor de livros como "Tecnobrega: o Pará Reiventando o Negócio da Música" (Aeroplano) e "Futuros Possíveis" (Ed. Sulina). Escreve às segundas na versão impressa do "Tec".

Chega de shopping! - Raquel Rolnik

folha de são paulo

Chega de shopping!

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No ano passado, a inauguração do shopping JK Iguatemi, na Vila Olímpia, foi vetada pela Justiça porque as obras viárias exigidas pela prefeitura quando da aprovação do projeto não tinham sido concluídas.
Recentemente, uma decisão judicial determinou que um shopping que está sendo construído na avenida Paulista, com inauguração prevista para o segundo semestre de 2014, não poderá funcionar sem que sejam realizadas obras para mitigar seus impactos na região.
Há pouco tempo, também, a imprensa noticiou o início das obras de um megaempreendimento na zona sul, que inclui torres residenciais e comerciais, hotel e... mais um shopping.
Para além da guerra jurídico-administrativa em torno dessa questão, a pergunta que não quer calar é: São Paulo quer e precisa de mais shoppings?
A cidade tem, de acordo com a prefeitura, 44 shoppings. Eles podem ser construídos em qualquer região que permita uso comercial.
Mas hoje, como são considerados "polos geradores de tráfego", a aprovação dos projetos requer uma avaliação específica por parte da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), que pode exigir contrapartidas para mitigar impactos no trânsito, como a construção de passarelas, o alargamento de vias etc.
Mas quem vive próximo ou precisa passar diariamente por algum desses empreendimentos, mesmo com suas obras mitigadoras, comprova a tese de que nesses locais o trânsito e a mobilidade... pioram! Quem se lembra dos dias felizes da avenida Pompeia antes da ampliação do shopping Bourbon?
Com raras exceções, a lógica dos shoppings é a do modelo de mobilidade por automóvel: chegar de carro, deixá-lo em um estacionamento e usufruir de um espaço que concentra opções de compras, serviços, gastronomia e atividades culturais.
A não cidade, fingindo ser cidade, segregada: com raríssimas exceções, os shoppings simplesmente destroem a continuidade do tecido urbano, descaracterizando e matando as ruas ao redor.
Em princípio, a legislação urbana reconhece e acolhe esse modelo, e apenas exige a ampliação do espaço de circulação dos automóveis.
Mas, se São Paulo quer hoje migrar para um novo modelo de mobilidade, baseado no transporte coletivo e em modos não motorizados--pés e bicicletas--, podemos continuar construindo shoppings?
Em Manhattan, Nova York, região de alta densidade residencial e comercial, os shoppings são simplesmente proibidos. No zoneamento da cidade, em áreas mistas --de comércio e residências-- que correspondem à maior parte das áreas da ilha, as zonas comerciais estão demarcadas para ocuparem apenas a primeira faixa das quadras, com profundidade máxima que varia entre 30 e 60 metros. Ainda assim, não podem ocupar toda a frente das quadras.
A implicação dessa limitação não é somente urbanística. Restringindo o tamanho máximo de espaço comercial em boa parte da cidade, Nova York protege os pequenos comerciantes e controla o quanto o comércio pode tomar conta de áreas residenciais.
Estamos em plena revisão do plano diretor e zoneamento da cidade de São Paulo, momento mais que propício para rediscutirmos o modelo de cidade que queremos.
Em nome das ruas, da multiplicidade de pequenos comércios, da cidade que quer se mover a pé, de bicicleta e por transporte coletivo, chega de shopping!
raquel rolnik
Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada

Mônica Bergamo

folha de são paulo
O HOMEM QUE COLOCOU O PAPA NA REDE

O espanhol Gustavo Entrala, 43, não se considera um bom católico, mas isso não impediu que sua agência 101 fosse contratada pelo Vaticano. Sua equipe é responsável pela entrada do primeiro papa, Bento 16, nas redes sociais. Hoje, o Twitter do papa Francisco (@pontifex) contabiliza cerca de dez milhões de seguidores. Entrala, que visitou o Brasil para encontros e palestras, falou à coluna sobre o seu trabalho.
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Folha - Como você entrou em contato com o Vaticano?
Gustavo Entrala - Vi uma carta publicada por Bento 16, em que ele dizia que algumas crises da igreja poderiam ter sido evitadas se eles aumentassem a comunicação pela internet. Escrevi oferecendo nossos serviços, mas não achei que alguém fosse ler. Quando Federico Lombardi (diretor de imprensa do Vaticano) me ligou, pensei que fosse brincadeira. Apresentamos um plano de comunicação e eles gostaram.
Você conheceu os dois últimos papas, Bento 16 e também o papa Francisco. Como eles lidam com a tecnologia?
Nesse ponto são iguais: muito pouco tecnológicos. Bento 16 nunca tinha visto um iPad na época em que criamos o aplicativo The Pope app. Coloquei fotos dele adolescente, com os irmãos e os pais. Ele ficou maravilhado. Francisco também não sabia muita coisa. Um arcebispo auxiliar de Buenos Aires fez até uma piada na época e disse que a última tecnologia que o papa havia usado era uma máquina Olivetti. Insistimos e deu certo.
O papa cria os tuítes da conta?
Francisco escreve mais ou menos 50% do conteúdo. O resto é da equipe, que posta frases ditas por ele. O papa entende muito bem o processo e a finalidade das redes sociais, que é alcançar as pessoas. Ele é naturalmente aberto, diferente do Bento, que, apesar de ser afetuoso no trato pessoal, ficava mais retraído ao se comunicar com multidões.
O atual papa é bem mais pop.
Na época de Bento 16, o Twitter papal tinha cerca de três milhões de seguidores. Hoje, tem dez milhões. A palavra que mais acompanha tuítes sobre o atual papa em inglês e espanhol é "cool" e "mola", o equivalente a legal.
Qual é a estratégia usada?
Vejo a igreja católica como uma marca. Uma marca tem que emocionar. Nós nos apoiamos no carinho que as pessoas sentem pelo papa. Apesar de crises como a questão da pedofilia e a opinião sobre os homossexuais, ainda não existe ninguém tão querido quanto o papa. Nós trabalhamos com isso. As pessoas estão encantadas em poder falar com o Vaticano pelo Facebook.
*

Longo alcance

Cerca de 30 medicamentos para câncer serão incluídos na cobertura dos planos de saúde a partir de janeiro de 2014. O rol de novos procedimentos será anunciado hoje pelo Ministério da Saúde e pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Entre as coberturas que passam a ser obrigatórias estão tratamento oral para câncer e novas cirurgias por videolaparoscopia.
PARA DEPOIS
O presidente da ANS, André Longo, diz que a medida não resultará em aumento para os clientes dos planos em 2014. Isso porque o impacto dos novos procedimentos só será calculado em 2015. Ele diz que os custos tendem a diminuir com menos internações e que é possível não haver repasse ao consumidor.
TABULEIRO
Brinquedos como Banco Imobiliário e Jogo da Vida, em que marcas de empresas fazem parte do conteúdo, poderão passar a ser recomendados para maiores de 12 anos. A comissão da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) responsável pelo tema é a favor da mudança. Hoje a alteração será discutida em encontro com entidades reguladoras de outros países em SP. Depois, irá a consulta popular.
TABULEIRO 2
Itaú, Mastercard, Vivo, Nivea, Ipiranga, Fiat e TAM estão entre as marcas que fazem merchandising nos jogos, hoje indicados para maiores de oito anos. O Alana, instituto de defesa da criança que propôs a mudança, vê a prática como publicidade abusiva. Diz que é preciso considerar a vulnerabilidade que caracteriza as crianças até 12 anos.
PAR ROMÂNTICO
Sandy faz par romântico com Marcelo Adnet no clipe "Escolho Você", que será lançado amanhã na plataforma online Vevo. Ela fez questão de convidar o humorista para gravar o vídeo da música, composta em parceria com seu marido, Lucas Lima, e Jason Tarver. Diz não imaginar ninguém melhor para as cenas de humor. "Eu o escolhi por admirá-lo desde os tempos da MTV. Marcelo tem um lado musical expressivo, o que é importante para o bom andamento do clipe."
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TELA CHEIA

Abertura da 37ª Mostra de Cinema

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Zanone Fraissat/Folhapress
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A atriz Betty Faria compareceu à abertura da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
A atriz Betty Faria e o diretor da Cinemateca, Lisandro Nogueira, foram à abertura da 37ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no auditório Ibirapuera. Entre os convidados, recebidos pela diretora do festival, Renata de Almeida, estavam também a escritora e roterista Maria Fernanda Guerreiro, as cineastas Tata Amaral e Monique Gardenberg e o diretor do Sesc-SP, Danilo Santos de Miranda.
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PRIMEIRO CAPÍTULO
Um bilhete de Chico Buarque para a avó quando tinha oito anos é um dos achados do livro "História do Brasil para Ocupados" (ed. Casa da Palavra), que será lançado nesta semana. "Avó, vou para a Itália. Quando eu voltar, provavelmente a senhora estará morta. Mas não se preocupe. Eu vou me tornar um cantor de rádio. É só a senhora ligar o rádio do céu que vai me escutar", escreveu Chico.
CHICO CONTENTE
O texto foi revelado pelo pai do cantor, Sérgio Buarque de Holanda, em artigo na primeira edição da revista "Pais & Filhos", lançada em 1968. Naquele ano, Chico fazia sucesso com a peça "Roda Viva". O texto foi resgatado pelo historiador Francisco Alambert. E traz outras impressões do historiador sobre o filho: "Ele [Chico] ficou muito contente de ter ido a Paris, porque ninguém o conhecia por lá".
VAMOS FUGIR
"Desde menino, sempre se interessou por música e futebol. (...) seus ídolos eram Ismael Silva, Dorival Caymmi e Ataulfo Alves. Mais tarde, João Gilberto, de quem procurava imitar o estilo", dizia ainda o pai. "Não obstante todo o sucesso, o qual não lhe provoca muito prazer, é bem capaz de Chico largar tudo isso e partir para uma outra coisa qualquer."
CIRCULANDO
Com a adesão dos bancos, que têm 512 mil funcionários no país, ao Vale-Cultura, o Dieese calcula incremento mensal na economia, a partir do ano que vem, de R$ 9,4 milhões. No total devem circular R$ 113 milhões em cinema, teatro e livrarias.
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VOLTA AO MUNDO

Colecionadores promovem exposição

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Zanone Fraissat/Folhapress
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A ceramista Lídia Lisboa circulou na noite de abertura da exposição de peças da África e Indonésia
Os colecionadores Christian Heymès e Marcelo Pallotta receberam convidados para a abertura da exposição "O Poder das Formas", no espaço A Estufa. A ceramista Lídia Lisboa e a designer de interiores Karen Steinberg foram conferir 150 peças de manifestações artísticas garimpadas em viagens à África e Indonésia.
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CURTO-CIRCUITO
Violência infantil é o tema da exposição "Cantigas", da artista plástica Simone Kestelman, que fica em cartaz no MuBe até 3 de novembro.
Abdulaziz Bin Abdullah, príncipe da Arábia Saudita, participa da entrega de prêmio para tradutores da língua árabe, hoje, no Palácio dos Bandeirantes.
O maquiador Marcos Costa lança novo livro amanhã, na Livraria da Vila da alameda Lorena, às 17h.
Mônica Bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

Informação é prioridade, dizem juristas

folha de são paulo
BIOGRAFIAS
Informação é prioridade, dizem juristas
Advocacia-Geral da União e Ministério Público divergem sobre necessidade de autorização prévia de biografados
Para AGU, liberdade de expressão não se sobrepõe a privacidade; parecer da Procuradoria afirma o contrário
FREDERICO VASCONCELOSDE SÃO PAULOOs historiadores deveriam pedir autorização aos descendentes de dom Pedro 1º para narrar as relações do imperador com suas amantes? Esta é a questão central da ação que os editores de livros movem no Supremo Tribunal Federal contra a proibição de biografias não autorizadas.
Ninguém teve a intimidade mais devassada que Pedro 1º, diz Gustavo Tepedino, professor de direito civil, em parecer que a Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) enviou ao STF.
Essa espécie de "censura privada" atinge as editoras com ações de indenização e a proibição de biografias.
"Felizmente, no mundo inteiro, a biografia autorizada é a exceção, não a regra", sustentou a escritora Rachel de Queiroz (1910-2003) em parecer anexado, em 1996, à ação movida pelas herdeiras de Garrincha contra a editora Companhia das Letras.
Ao julgar o caso de "Estrela Solitária", de Ruy Castro, o desembargador João Wehbi Dib lembrou que historiadores e biógrafos não omitiram, entre outros casos, o alcoolismo de Vinicius de Moraes e João Saldanha.
O voto de Dib é mencionado pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira no livro "Propriedade Intelectual". Segundo o jurista, o biógrafo "não apenas pode, como necessita e até deve" adentrar as intimidades do biografado. Exatamente por isso "as biografias fascinam", diz.
"É inconcebível a limitação da liberdade de expressão, que resultaria na proibição das biografias. Não há argumento aceitável", diz o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, membro da Comissão Nacional da Verdade.
O ministro Celso de Mello, do STF, entende que os abusos no exercício dessa liberdade expõem os autores a sanções jurídicas --mas sempre após publicação da obra.
A presidente Dilma Rousseff juntou à ação da Anel, em agosto de 2012, informações da Advocacia-Geral da União, para quem "a divulgação de biografias deve ser consentida, pois, nos termos da Constituição, a vida privada é inviolável". O ato, uma formalidade no processo, não pode ser entendido, no entanto, como opinião pessoal de Dilma sobre o tema.
"Nenhum direito à liberdade de expressão será supremo ou superior aos direitos personalíssimos", dentre os quais a honra, o bom nome e a reputação, sustenta a AGU.
José Sarney, então presidente do Senado, também em agosto de 2012, encaminhou parecer da advocacia da Casa, afirmando que não procede a alegação da Anel de que há proibição no Brasil de biografias não autorizadas.
Em junho, Deborah Duprat, na época como procuradora-geral da República, deu parecer considerando procedente o pedido da Anel para "afastar do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade de consentimento da pessoa biografada" ou de familiares. Para ela, a liberdade de expressão e o direito à informação são prioridade sobre o direito à intimidade de personalidades públicas.

    Fotógrafo registra ato sexual da própria mãe

    folha de são paulo
    Em exposição em Londres, imagens do americano Leigh Ledare desafiam espectador
    LEANDRO COLONDE LONDRESA própria mãe fazendo sexo. O fotógrafo americano Leigh Ledare, 37, foi além de uma das fantasias mais difíceis de administrar. Não só imaginou, como assistiu e fotografou Tina Peterson, sua mãe, transando.
    E não parou por aí. As fotos foram divulgadas ao público, que pode ver a mãe dele, uma ex-bailarina profissional, fazendo sexo com homens mais jovens. Sem cortes.
    O trabalho de Ledare desperta a curiosidade e o debate em Londres na exposição "Duras Verdades: Fotografia, Maternidade e Identidade", aberta no dia 11 pela Photographer's Gallery.
    A que mais impressiona os visitantes é a "Mom on Top of Boyfriend" (mamãe no topo do namorado). Tina Peterson, nua e completamente depilada, está de frente para a lente do filho, enquanto ela recebe sexo oral de um homem.
    Em "Mom Fucking in Mirror" (mamãe fodendo no espelho), Tina aparece de costas, transando, em cima do namorado. Parte do corpo de Ledare surge na foto, feita por ele por meio de um espelho.
    Graduado pela Universidade Columbia, Ledare é discípulo de Nan Goldin e de Larry Clark ("Tulsa" e "Kids"), uma escola marcada pela polêmica por explorar imagens da realidade de drogas, sexo e prostituição. Ledare trabalhou com ambos.
    A mostra em Londres também tem fotos de outros profissionais sobre a maternidade, mas em contexto diferente, sem o apelo sexual das imagens de Ledare.
    A Folha visitou a exposição, que vai até janeiro. Alguns visitantes passam rápido, tentam disfarçam o constrangimento inesperado. Outros ficam estáticos por alguns minutos no local, refletindo o que leva um fotógrafo a registrar, por exemplo, a mãe se masturbando.
    A estudante Chiari Salvi, 20, foi à exposição sem saber da proposta. "O mundo mudou muito, não me surpreende", disse. Mas admitiu o susto. "É lógico que você não imagina ver algo assim, mas gostei da mensagem de tentar mostrar a intimidade da mãe", disse. Ed Anderson, 30, elogiou o resultado, mas foi enfático: "Não viria com meus pais aqui".
    A curadora da mostra, Susan Bright, minimiza qualquer polêmica. "O choque inicial é o que menos interessa, isso na verdade passa rápido", disse. "Ver o trabalho dele com o romantismo do artista transgressivo é não considerar toda essa obra e a posição que alcança o projeto."
    "O trabalho desafia e demanda muito do espectador como qualquer outra arte deveria. É importante para o espectador explorar as muitas emoções que terá ao olhar as fotos", ressalta Susan.
    Ledare não quis dar entrevista, mas se manifestou por escrito, ao lado das fotos, aos visitantes da mostra.
    Ele explica seu projeto: "Eu vejo o desempenho da sexualidade de minha mãe como tendo uma série de funções, entre elas, desafiar o clima de moralismo e conformismo em torno dela, como uma forma de proteger-se do seu envelhecimento".
    As fotos foram feitas entre 2000 e 2008, período em que a mãe estava na faixa dos 50 anos. A ideia, segundo Ledare, surgiu quando, após um ano e meio sem vê-la, foi recebido por ela na porta, nua, e sem esconder que no quarto havia um namorado. Para ele, a atitude dela foi proposital, para mostrar que havia recuperado a autoestima.

      Gregorio Duvivier

      folha de são paulo
      História real
      O beque não tinha dado uma volta completa quando brotaram, do nada, dois PMs trincados: 'Cadê o flagrante'?
      A primeira vez que eu fumei maconha foi no aterro do flamengo, depois de uma pelada. Éramos quatro pernas de pau do liceu francês. Perdemos de muito a zero. Sentamos debaixo de uma árvore e o Marcio apertou (mal) um baseado pra atenuar a derrota. "Tomamos um esculacho." O esculacho maior estava por vir. O beque mal apertado ainda não tinha dado uma volta completa quando brotaram, do nada, dois PMs trincados: "Cadê o flagrante?". O flagrante, a essas alturas, estava longe. Bruno tinha isolado o beque pro mato. O PM bom disse que se a gente não achasse o tal flagrante eles levariam a gente para Bangu 2, onde "bandidos comeriam o nosso cu". Argumentei, me sentindo Mel Gibson em "Coração Valente", que se eles não achassem o flagrante, não haveria prisão, porque só pode haver prisão com flagrante. E que nós éramos menores de idade e não iríamos pra Bangu. Mas essa última frase eu não cheguei a dizer, porque o PM mau me deu um soco no peito e eu fui parar no chão. Se eu fosse Mel Gibson, teria revidado. Se eu fosse Mel Gibson, eu estava morto. A sorte é que eu não sou Mel Gibson e a garganta apertou. Comecei a chorar. Bruno, Marcio e Antonio, que tampouco eram Mel Gibson, começaram a procurar o flagrante no chão, de quatro. Acharam. Pronto, não tinha mais o que fazer. Ou melhor: tinha. Esvaziamos nossas carteiras, que, juntas, deram R$ 10. Naquela época o ônibus custava R$ 0,90. Achamos R$ 10, era uma fortuna. O PM mau não achou. Marcio disse que morava ali perto. Eles ficaram com as nossas carteiras de identidade, pra gente não sumir ("Retenção de documentos não é crime?", teria dito Mel Gibson). Na casa do Marcio, a mãe dele estava vendo TV na sala. Atravessamos cabisbaixos. "Boa noite, mãe." Saímos do quarto dele com uma mochila pesada, contendo tudo o que ele tinha de mais valioso na vida: uma nota de R$ 50, um PlayStation velho, meia dúzia de jogos de PlayStation, um videocassete, algumas fitas de VHS, os controles do PlayStation. "A gente já volta, mãe." Deixamos a mochila na viatura, com muita dor e vergonha. No dia seguinte, rachamos o prejuízo: uns R$ 200 pra cada um. E uma raiva que eu iria levar pra vida.
      Desde então, aprendi a temer a polícia. Aprendi que ela não existe pra me proteger. Aprendi que as coisas não mudam. A sorte é que tem gente que não é feita do mesmo material que eu. Tem gente que toma soco no peito e revida. Assim, quem sabe, um dia, ninguém mais vá precisar tomar porrada.

        Luiz Felipe Pondé

        Folha de São Paulo
        Literatura como cura
        O silêncio, às vezes, é um dos maiores indicativos de maturidade de uma civilização
        Hoje quero falar de dois sintomas que marcam nossa época. O primeiro sintoma é a falação ruidosa de nosso mundo; o segundo é a ideia de que o mundo sofre porque não nos amamos e que tudo se resolveria se nos abraçássemos e parássemos de sermos gananciosos.
        Fala-se demais hoje. Todos têm opinião. Até jovens de 20 anos são chamados a dar opinião sobre o mundo e a sociedade, quando mal sabem arrumar o quarto. E quando se elegem crianças de 25 anos como arautos da sociedade (adulto que faz isso, o faz, normalmente, para ter discípulos fiéis e fanáticos, ou porque é bobo mesmo), o resultado é que acaba se pensando que o mundo começou, como diz um amigo meu muito esquisito, em "Woodstock".
        Quando se pensa isso, acaba-se imaginando que o problema do mundo é mesmo aprendermos que "all you need is love"... Infelizmente, a humanidade é mais complicada do que pensa nossa vã inteligência woodstockiana. Contra essa visão infantil da realidade (este é o segundo sintoma do qual falei acima), proponho a leitura da obra do grande crítico norte-americano Edmund Wilson. Vou a ele já; antes, quero voltar ao problema do ruído mais especificamente (o primeiro sintoma do qual falei acima).
        Somos um grande mundo ridículo e falastrão. Decorrente dessa falação, um ruído infernal toma conta do dia a dia. O silêncio, às vezes, é um dos maiores indicativos de maturidade, não só de uma pessoa, mas de uma civilização.
        Estou falando isso por conta de um breve ensaio que caiu na minha mão esses dias, parte integrante do volume "Best American Essays 2013", editado por Cheryl Strayed.
        O ensaio ao qual me refiro foi escrito pela prêmio Nobel Alice Munro e chama-se "Night". Nele, a autora conta a operação que fez quando criança para tirar o apêndice e uma "coisa do tamanho de um ovo de peru". Munro compara o comportamento atual diante de casos como o dela e o comportamento de seus pais na época. A conclusão é que hoje se falaria como o diabo do risco que ela corria na época. Mas, ao contrário, pouco se falou do assunto, "respeitando o medo" sem falação. Conta Munro que, nessa época, ela dormia num beliche com sua irmã mais nova (moravam numa espécie de granja), e que numa noite olhou para a irmã e pensou em sufocá-la.
        A partir daí, não conseguia mais dormir, pensando no ímpeto que tivera de matar sua irmã. Numa das manhãs seguintes a suas noites de insônia, encontrou com seu pai, todo vestido chique, saindo de casa de manhã muito cedo. Contou para ele o que pensara e o horror que sentira.
        Seu pai simplesmente lhe disse que esquecesse aquilo e que essas coisas passam. Depois, adulta, lembra como o modo simples de falar do pai a acalmou profundamente. A pequena Alice nunca mais teve insônia.
        Na sequência, a prêmio Nobel comenta que nunca perguntara ao pai para onde ele ia tão cedo e tão elegante. Perguntou-se se ele ia ao banco renegociar a dívida da família ou ver a mulher que amava, mas com quem não podia ficar porque amava sua família... Silêncio. Nem uma linha de rancor. Hoje, escreveriam uma tese sobre como seu pai poderia ter sido um homem desatento ou, quem sabe, infiel. Ao lembrar do seu pai no momento do reconhecimento em que recebera o prêmio, Munro pensa em como ele teria ficado orgulhoso de sua pequena filha insone.
        Nessas horas, tenho saudade do passado e lamento como nos transformamos em adolescentes barulhentos que se levam demasiadamente a sério.
        O segundo autor que quero comentar é Edmund Wilson, um dos últimos críticos literários, segundo Paulo Francis, a enfrentar a literatura sem se esconder atrás de grandes teorias abstratas (que se querem "concretas").
        No volume editado por Francis pela Companhia das Letras em 1991, "Onze Ensaio - Literatura, Política, História", esgotado, aparece sua "visão de mundo": a história é um longo processo através do qual as civilizações se devoram, criando e destruindo, em círculos, indo para lugar nenhum. Concordo.
        Pura coragem intelectual, que tanto faz falta hoje, nesta época de líderes adolescentes que creem em Woodstock como modelo de sociedade.

        Socialismo e xenofobia [França] - Editorial Folha

        folha de são paulo
        Socialismo e xenofobia
        No dia 9 de outubro, a estudante Leonarda Dibrani, de 15 anos, estava no ônibus de uma excursão de sua escola, o colégio André Malraux, na região leste da França.
        Recebeu um telefonema pelo celular: estava sendo deportada com sua família para o Kosovo, na antiga Iugoslávia. De origem cigana, Leonarda nasceu na Itália e vivia na França havia cinco anos.
        O ônibus parou num estacionamento; Leonarda era esperada por policiais, que a conduziram até a família, no caminho da expulsão.
        Deportações de imigrantes ilegais são fato comum na França, mas o caso de Leonarda desperta comoção. A adolescente não estava, afinal, vagando pelas ruas; sua retirada se deu diante dos olhos dos colegas e da professora.
        Na tradição política francesa, a escola pública assume, ou deveria assumir, o caráter de "santuário", como declarou o ministro socialista da Educação, Vincent Peillon.
        Peillon entra em conflito com um colega de partido. Nascido na Catalunha e naturalizado francês, o ministro do Interior, Manuel Valls, defende a legalidade da medida.
        Já se havia notabilizado, aliás, por declarações contrárias à presença de ciganos; apenas uma minoria, disse ele, deseja, de fato, integrar-se à sociedade.
        Parece ser este o caso de Leonarda, que, já no Kosovo, deu entrevista angustiada. Não tem onde dormir, não entende a língua do lugar e quer voltar aos seus estudos.
        Membros do governo socialista de François Hollande adotaram a causa da adolescente, que mobiliza protestos de milhares de estudantes. Não eram outras as bandeiras dos socialistas quando criticavam a dureza da gestão Sarkozy, de centro-direita, a que sucederam.
        Abdallah Boujraf, de 19 anos, na França desde os 14, foi mandado de volta ao Marrocos pelo governo Sarkozy em 2006; seguiu-se o caso de outra estudante, do Mali, sob os protestos do Partido Socialista.
        Está aberta a polêmica entre os representantes dessa legenda.
        Já tendo se pronunciado contra a descriminação da maconha e tendo combatido a decisão de uma rede de supermercados de vender exclusivamente produtos de acordo com a lei islâmica, Manuel Valls corteja claramente o eleitorado conservador. É, como se sabe, uma tendência dos políticos de esquerda em diversos países.
        A imagem de xenofobia, associada aos franceses pelo menos desde os sucessos de Jean-Marie Le Pen, na década de 1980, está novamente em jogo; os protestos em favor de Leonarda Dibrani tentam desmentir, ainda que parcialmente, essa impressão.

          Governo de Marina seria similar aos de FHC e Lula,diz Giannetti na Entrevista da 2ª

          folha de são paulo
          ENTREVISTA DA 2ª - EDUARDO GIANNETTI
          Marina Silva faria governo menos estatizante que Dilma
          CONSELHEIRO DA EX-SENADORA, ECONOMISTA DEFENDE 'TRIPÉ' EM POLÍTICA AUSTERA E CONDENA CRESCIMENTO A QUALQUER PREÇO
          ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULOUm governo similar à segunda gestão de FHC e à primeira de Lula. Menos estatizante do que Dilma. Assim seria uma eventual administração Marina Silva na visão de um dos seus principais conselheiros, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, 56.
          Defensor da austeridade, ele faz eco às palavras da ex-senadora que tem defendido o chamado "tripé" (superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação). Na sua opinião, essas ideias estão longe de significar que Marina virou uma candidata do mercado financeiro.
          Em entrevista concedida em São Paulo na última quinta-feira, Giannetti critica o governo e advoga que o crescimento não deve ser feito a qualquer preço: "Crescer 7% destruindo patrimônio ambiental é muito pior do que se crescer 3% preservando".
          Ex-professor da USP, de Cambridge e do Insper, Giannetti conversa duas ou três vezes por semana com Marina. Para ele, há dificuldade na fusão com o PSB e obstáculos para atrair empresários para o grupo. "A elite empresarial está no bolso do governo", diz.
          -
          Folha - Como a economia vai estar no ano eleitoral?
          Eduardo Giannetti da Fonseca - Não tem perspectiva de crescimento mais forte. Entramos numa fase de baixo crescimento crônico, com uma inflação teimosamente na vizinhança do teto da meta e num caminho de vulnerabilidade externa. A conjuntura internacional mudou. Há um componente estrutural que é a deterioração fiscal desde 1988. E tem um componente conjuntural que é piora da qualidade da política econômica a partir do segundo governo Lula e, de forma acentuada, durante Dilma. O Brasil tinha uma carga tributária bruta de 24% do PIB em 1988 e o Estado investia 3% do PIB. Hoje temos uma carga de 36% do PIB e investimento de 2,4% do PIB.
          Mas o maior aumento da carga tributária foi com FHC.
          FHC abriu a frente das contribuições, que hoje representam mais para o governo federal. O que era para ser exceção virou regra e gerou um estrago fiscal que está asfixiando o Brasil.
          Mas a taxa de juros elevada não é responsável por isso?
          Isso foi o caso no primeiro mandato do FHC, quando havia câmbio fixo e valorizado e a política monetária tinha que ser aquela para manter o câmbio fixo. O governo FHC errou muito ao manter a âncora cambial. A partir do momento que flutuou o câmbio, o juro começou a baixar.
          Mas ainda é muito alto.
          É alto, mas não é o que explica esse estrago fiscal. O Brasil vinha de um bom momento, que foi o segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula, quando prevaleceu o tripé: austeridade fiscal, superávit primário para valer, câmbio flutuando, autonomia do BC para cumprir o centro da meta de inflação. Isso começou a se fragilizar com a expansão fiscal do segundo mandato de Lula, até certo ponto justificável pela crise de 2009. Só que a partir de 2009, e do governo Dilma, as três pernas do tripé fraquejaram.
          O empresariado pode desembarcar do apoio à presidente Dilma e apoiar Marina?
          Esses movimentos não são nunca em bloco. O que me entristece é ver boa parte do empresariado brasileiro tutelado pelo governo e neutralizado na sua capacidade de crítica pelo fato de depender de obséquios, favores, subsídios e proteção que o governo oferece. O empresariado brasileiro em boa parte se comporta como súdito e não como cidadão. O governo abriu esse balcão de negócios. Começou a negociar caso a caso tarifa de proteção para setor, a abrir os cofres dos bancos estatais para os empresários. Como é que um empresário que está dependendo de um crédito de um banco estatal vai poder aparecer publicamente criticando o governo? Ele fica tolhido. A elite empresarial está no bolso do governo.
          Fazendo um discurso de austeridade, Marina atrai o mercado financeiro. Ela virou a candidata das finanças?
          Longe disso. O primeiro governo Lula foi um governo do mercado financeiro? Foi um governo bom para o Brasil. E sendo bom para o Brasil foi bom para parte do mercado financeiro. Mas não foi feito para o mercado financeiro. Foi feito para o Brasil consolidar uma conquista que é da sociedade.
          Então um eventual governo Marina seria mais parecido com o segundo mandato FHC e o primeiro de Lula?
          Sim. No tocante à política macroeconômica, não vamos reinventar a roda. Vamos continuar o que estava funcionando muito bem no Brasil, que é o tripé.
          O sr. elogia esses períodos, mas eles foram de baixo crescimento, ruins, certo?
          Foi quando se plantaram as bases de um crescimento melhor no Brasil. FHC privatizou, quebrou monopólios, acabou com a discriminação do capital estrangeiro, fez a lei de responsabilidade fiscal. No primeiro governo Lula, a agenda microeconômica foi formidável, porque melhorou o ambiente de negócios: nova lei de falências, alienação fiduciária, crédito consignado. Estava indo bem.
          O sr. concorda que Eduardo Campos tem um discurso mais desenvolvimentista, enquanto Marina se posiciona para o lado neoliberal?
          Temos que nos posicionar em torno do valor central que é a sustentabilidade. Mais Estado ou mais mercado? Em algumas coisas, mais Estado; em outras, mais mercado.
          O grupo de Marina está à direita ou à esquerda de FHC?
          Não sei dizer. Essa tentativa de categorizar numa relação binária toda uma proposta complexa me parece muito precária.
          Em relação a Lula e Dilma, como o sr. situa Marina?
          Menos estatizante que Dilma.
          Um governo Marina reduziria o tamanho do Estado?
          Não dá para colocar tudo num pacote. Para algumas coisas precisa de mais Estado e, para outras, menos Estado. O Estado deveria estar mais atuante na saúde pública, no ensino fundamental, no saneamento básico. Não entendo um governo que coloca tanta ênfase num trem bala e deixa esquecida a questão do saneamento básico.
          Desenvolvimento sustentável significa um ritmo menor de crescimento?
          Não, mas não é crescimento a qualquer preço. O que interessa é o crescimento da renda com qualidade de vida.
          Muitos dizem que esse raciocínio implica dizer: não dá para crescer no ritmo que os outros cresceram; o melhor é se contentar com pouco.
          Se tudo der certo no Brasil, a gente vira um EUA? Acho que não faz o menor sentido.
          Mas o Brasil não precisa se preocupar em gerar empregos e riqueza? Essa sinalização de que não se poderá crescer muito é boa?
          Não colocaria que não pode crescer muito. Precisamos encontrar um caminho de crescimento adequado às nossas necessidades e sustentável ambientalmente.
          Isso significa ritmo menor?
          Ritmo é menos importante do que a qualidade. Crescer 7% destruindo patrimônio ambiental é muito pior do que se crescer 3% preservando patrimônio ambiental e, na medida do possível, melhorando as condições de vida. O crescimento em si não é o objetivo. Nenhum governo pode prometer crescimento. Crescimento é uma escolha que a sociedade faz. O governo não tem uma alavanca. Pode oferecer um ambiente mais amigável ou não.
          O sr. acha que a Marina ofereceria um ambiente mais amigável com essas restrições ambientais?
          Temos que separar duas coisas. Uma é o grau de exigência ambiental para um país como o nosso. Outra é como vai ser o processo de seleção de investimentos. Vamos ter um nível de exigência alto, mas os processos podem ser mais ágeis e confiáveis.
          Quais são as maiores dificuldades dessa fusão PSB-Rede?
          Vai ser muito trabalhoso construir um programa e ter a garantia de que ele reflita de fato um compromisso de governo. Não tem nenhuma garantia prévia de que esse processo resulte num entendimento enraizado e profundo dos valores que justificam a colocação de uma alternativa para o país. Não sei qual é a proposta e o programa do PSB na área econômica.