folha de são paulo
Biografia de fundador do Fasano conta trajetória de altos e baixos da família
"Qual o apartamento do senhor?", pergunta o garçom. "Sou Fabrizio Fasano", responde, seguro e sem apostos, o senhor de 78 anos, que pede ao funcionário do hotel que tem seu sobrenome para a conta da mesa ser enviada ao escritório central, nos Jardins.
Fabrizio Fasano ganha biografia
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O empresário Fabrizio Fasano, 78, no hall do hotel Fasano, nos Jardins, em São Paulo
A cena, presenciada pelo repórter Joelmir Tavares, é emblemática do papel do empresário nos negócios da família. Outrora figura central, ele é hoje mais um referencial do que um patrão no grupo comandado por dois dos três filhos -com 18 restaurantes, quatro hotéis, bufê e casa de eventos em cinco cidades.
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Fabrizio diz não saber seu cargo ("Acho que é vice-presidente. Ou presidente? Nunca perguntei"). O fato é que ainda vai à sede da empresa todo dia. O clã entrou no setor de alimentação com seu avô Vittorio em 1902, continuou com seu pai Ruggero e se mantém, na quarta geração, com seu filho do meio, Rogério, o Gero.
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A transformação do sobrenome da família de origem italiana em símbolo de luxo é agora contada em livro -"Fabrizio Fasano - Colecionador de Sonhos", de Ignácio de Loyola Brandão. A obra, que tem na capa foto do patriarca feita pelo primogênito, Fabrizio Júnior, o Fabrizinho, será lançada amanhã na Casa Fasano, administrada pela caçula Andrea, a Deca.
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"Ele não queria o livro. Relutou muito", diz o escritor, 77, sentado ao lado do amigo. "Acho um pouco soberbo. Não gosto muito de falar de mim mesmo", justifica o personagem da obra. Ela é, segundo o autor, mais "um perfil afetivo" do que biografia.
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Das 206 páginas, que consumiram um ano e meio de trabalho, ficaram fora aventuras amorosas do empresário, por exemplo. Foi um pedido de Fabrizio. O casamento com Daisy, em 1960, durou 26 anos. Ficaram separados por 22 e se reaproximaram há dois. Cada um tem a própria casa. "O Fá precisava ter alguém ao lado dele, porque teve um problema sério [de saúde]. E as namoradas sumiram", diz ela, 75.
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Marlene Dietrich (1901-1992) foi uma das conquistas. Em sua versão "empresário da noite", ele trouxe a alemã para cantar no Fasano da avenida Paulista, em 1959. Após o show, viraram a noite circulando por dez casas noturnas. "Beijei só, mas não tive nada com ela sexualmente. A Daisy sabe que eu saí com ela."
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A obra relata ainda o dia em que a atriz americana Jane Russell (1921-2011), outra a passar pelo palco do Fasano, surpreendeu o dono da casa com um beijo cinematográfico no salão.
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Nat King Cole (bêbado, desafinou e foi vaiado), Sammy Davis Jr., Tony Bennett, Ginger Rogers e Cauby Peixoto também fizeram shows no espaço. Hoje, ao relembrar os famosos jantares dançantes, Fabrizio recorda o custo altíssimo para contratar artistas estrangeiros. "Mas eu fazia assim mesmo. Me divertia pra burro. Sempre fui boêmio."
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A noite era diferente. "Hoje as pessoas vão para se exibir", diz Loyola. "Que nem o tal Rei do Camarote [paulistano que gasta até R$ 50 mil na balada]. Antes iam pelo show..." Fabrizio completa: "E pelos amigos".
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A intimidade entre Fabrizio e Loyola -os dois se conhecem há 40 anos- foi fundamental para construir a cronologia. Quando a memória do biografado falhava, o autor de 40 livros tratava de achar o fio da meada.
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"Tenho cada vez menos amigos. Estão morrendo", observa Fabrizio. "É possível conhecer pessoas. Mas amizade com raiz eu não consigo mais na minha idade. Você não passa problemas juntos."
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Foi com dois amigos que ele fundou a editora Três (que publica a revista "IstoÉ"), após a família fechar seus restaurantes e confeitarias, afetados pelas incertezas econômicas pós-golpe de 1964.
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Voltou a ganhar dinheiro produzindo o uísque Old Eight, líder do mercado nacional entre os anos 1960 e 1970. Dono de fazendas, barcos, imóveis e uma imensa casa no Morumbi, onde dava festas para até mil pessoas, recebeu boa proposta e vendeu a marca. Decidiu investir em um novo uísque. Aí veio a queda.
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O lançamento ambicioso do Brazilian Blend incluiu patrocínio à transmissão da Copa do Mundo de 1978 pela TV. Mas um erro na fórmula, que deixava a bebida branca e sem sabor após semanas, levou Fabrizio a pedir concordata. Perdeu bens e amigos.
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"Preferia que meus negócios tivessem tido uma trajetória mais normal", afirma, sobre os altos e baixos. "Hoje não tenho dívidas, mas também não tenho poupança." Para Loyola, "ele teve tudo e nada. O que interessou para esse homem? Sempre o desafio. Nunca foi dinheiro".
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Após o tombo, o empresário retomou os restaurantes nos anos 1980, ao lado de Rogério, que resgatou a vocação gastronômica da família e expandiu a atuação para a hotelaria. "Meu pai é parceiro, conselheiro, sempre presente", diz. "O Rogério é perfeccionista, muito mais que eu", comenta o velho Fasano.
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"Herdei dele o arrojo e essa coisa de sonhar, 'vai que dá'", diz Rogério. Há alguns anos, o filho chegou a levar 18 chefs, maîtres e garçons para a Itália, num tour por Roma, Veneza e Florença. Queria que a equipe se entrosasse e conhecesse o país que inspira a culinária do grupo. Até os funcionários ficaram perplexos.
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Fabrizio, que se empolga com o número de lugares para comer em SP, frequenta estabelecimentos como os de Jun Sakamoto e de Alex Atala, que, segundo ele, "colocou o Brasil no mapa da gastronomia mundial".
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Cita os gastos com pessoal ("representam 30% do custo") para explicar o preço elevado do setor. "As pessoas não trabalham mais de graça ou só pela gorjeta, como antigamente. Querem salário fixo." Diz que, "se o garçom é simpático, o cliente releva os erros".
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Descrito no livro como "inquieto, hiperativo, homem da noite, sedutor, empreendedor", Fabrizio mantém o hábito de jantar fora todas as noites. Passa na casa de Daisy. Vai com ela a um de seus restaurantes prediletos. E termina no Fasano, tomando um cálice do vinho que chama de "meu portinho".
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.