sábado, 26 de outubro de 2013

Brasileiros propõem novo método para descobrir planetas

folha de são paulo
SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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Um trio de cientistas brasileiros desenvolveu um novo método para descobrir planetas fora do Sistema Solar e pretende testá-lo em breve.
A estratégia pode ao menos em parte suprir a ausência do satélite Kepler, da Nasa, que havia sido lançando em 2009 e pifou em maio deste ano, depois que dois de seus giroscópios (dispositivos de controle da orientação da nave) falharam.
Espera-se que a técnica, que envolve o uso do observatório Alma (rede de radiotelescópios instalada a 5.000 metros de altitude no deserto do Atacama, no Chile), possa revelar pelo menos alguns planetas potencialmente habitáveis em torno de estrelas menores que o Sol.
NA SINTONIA
Os dois principais métodos conhecidos para encontrar mundos são o de velocidade radial e o do trânsito.
O primeiro mede o suave bamboleio da estrela conforme planetas interagem gravitacionalmente com ela.
Já o segundo verifica pequenas reduções no brilho da estrela conforme um planeta passa à frente dela.
A estratégia sugerida por Caius Lucios Slhorst e Cássio Leandro Barbosa, ambos da Univap (Universidade do Vale do Paraíba), em associação com Adriana Válio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem associação com esse segundo método.
A técnica também medirá, mas em frequências de rádio e de micro-ondas, reduções de brilho ocasionadas pelo trânsito de planetas à frente das estrelas.
Contudo, o que para os telescópios tradicionais destinados a observar trânsitos era uma fraqueza --o nível de atividade da estrela--, para o Alma será uma vantagem.
Quanto maior o nível de atividade estelar (na forma de manchas e erupções), mais sensível será o equipamento para conseguir detectar planetas pequenos.
Por isso os cientistas esperam que em anãs-vermelhas --estrelas menores, mas mais ativas que o Sol-- seja possível encontrar até mesmo planetas do tipo terrestre na zona habitável.
Alex Argozino/E
PILOTO
O trabalho que sugere a nova técnica já foi aceito para publicação no periódico "The Astrophysical Journal Letters". "Foi aceito em tempo recorde", afirma Cássio Barbosa.
A ideia do trio agora é fazer um teste do método com um sistema planetário já conhecido --Epsilon Eridani.
Trata-se de uma estrela próxima, bastante ativa, que tem um planeta gigante e dois cinturões de asteroides conhecidos.
O teste do método será detectar pelo menos o planeta já conhecido, como prova de princípio.
Caso funcione, aí sim os cientistas esperam pedir tempo de observação no Alma para tentar descobrir novos planetas em outras estrelas.
A comunidade científica brasileira tem acesso ao Alma por meio da participação nacional no ESO (Observatório Europeu do Sul), um dos parceiros no conjunto de radiotelescópios.
Embora o acordo ainda não tenha sido ratificado no Congresso, a organização europeia já trata o Brasil como membro desde 2010, quando o governo Lula assinou o protocolo de adesão.

Sem apoio do Brasil, Suíça arquiva parte do caso Alstom

folha de são paulo
Após 2 anos de espera, procuradores suíços desistiram de investigar 3 suspeitos
'Falha administrativa' impediu buscas na casa de acusado de receber propinas em SP, diz Procuradoria brasileira
FLÁVIO FERREIRAMARIO CESAR CARVALHOJOSÉ ERNESTO CREDENDIODE SÃO PAULOCansados de esperar pela cooperação de seus colegas brasileiros, procuradores da Suíça que investigam negócios feitos pela multinacional francesa Alstom com o governo do Estado de São Paulo arquivaram as investigações sobre três acusados de distribuir propina a funcionários públicos e políticos do PSDB.
Em fevereiro de 2011, a Suíça pediu que o Ministério Público Federal brasileiro interrogasse quatro suspeitos do caso, analisasse sua movimentação financeira no país e fizesse buscas na casa de João Roberto Zaniboni, que foi diretor da estatal CPTM entre 1999 e 2003, nos governos dos tucanos Mário Covas e Geraldo Alckmin.
Como nenhum pedido foi atendido, nesta semana autoridades brasileiras foram informadas de que o Ministério Público da Suíça desistiu de contar com a colaboração do Brasil e decidiu arquivar parte das suas investigações.
Segundo a Procuradoria da República em São Paulo, o gabinete do procurador Rodrigo de Grandis, responsável pelas investigações sobre os negócios da Alstom no Brasil, cometeu uma "falha administrativa": o pedido da Suíça foi arquivado numa pasta errada e isso só foi descoberto anteontem.
O Ministério Público da Suíça havia pedido que Grandis fizesse buscas na casa de Zaniboni porque ele é acusado de receber US$ 836 mil (equivalentes a R$ 1,84 milhão) da Alstom na Suíça para assinar contratos do Estado que beneficiaram a multinacional francesa.
A procuradoria suíça também pediu que fossem interrogados os consultores Arthur Teixeira, Sérgio Teixeira e José Amaro Pinto Ramos, suspeitos de atuar como intermediários de pagamento de propina pela Alstom.
Segundo os procuradores da Suíça, Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira foram os responsáveis pelos repasses ao ex-diretor da CPTM.
O Ministério Público estadual paulista, que também investiga negócios da Alstom, soube do pedido da Suíça e pediu cópias da documentação ao órgão federal responsável pela cooperação com autoridades estrangeiras, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional).
Indagado sobre a situação, o gabinete de Grandis afirmou só ter encontrado o pedido suíço anteontem.
A Procuradoria informou que o gabinete falhou ao deixar de anexar a solicitação a outro pedido de cooperação da Suíça, e o documento acabou indo para uma pasta de arquivo. O pedido ficou sem qualquer providência por dois anos e oito meses.
A Procuradoria disse que já avisou o DRCI sobre o problema e que as autoridades suíças serão indagadas se ainda querem adotar medidas quanto aos suspeitos.
Porém, nesta semana autoridades brasileiras receberam a informação de que os suíços cansaram de esperar e arquivaram as investigações sobre Zaniboni, Ramos e Sérgio Teixeira, morto em 2011.
Eles haviam sido indiciados pelas autoridades suíças por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.
O único que continua sendo investigado é Arthur Teixeira, controlador da empresa Gantown, sediada no Uruguai, que teria feito repasses da Alstom para Zaniboni entre 1999 e 2002.
Zaniboni afirma que o dinheiro se referia a serviços de consultoria prestados antes de sua chegada à CPTM.
    Multinacional pagou US$ 43 mi para encerrar caso
    DE SÃO PAULOA Suíça continua investigando brasileiros suspeitos de intermediar o pagamento de propina, mas encerrou as investigações em torno da Alstom em novembro de 2011.
    À época, as autoridades daquele país fizeram um acordo judicial com a multinacional francesa pelo qual ela pagou uma multa de US$ 42,7 milhões (o equivalente hoje a R$ 94 milhões).
    A multa foi aplicada porque a Justiça suíça considerou que a Alstom não tinha mecanismos adequados para evitar o pagamento de propina a funcionários públicos de três países: Tunísia, Malásia e Letônia.
    A legislação europeia proibiu depois de 2000 o pagamento de comissões para as empresas obterem negócios no exterior --até então, esse tipo de mecanismo era legal e dedutível no Imposto de Renda das corporações.
    As investigações em torno da Alstom começaram na Suíça em 2008, quando policiais e procuradores daquele país encontraram indícios de que um banqueiro fora contratado pela empresa francesa para abrir contas que foram usadas para repassar propinas a funcionários públicos e políticos do Brasil, da Argentina, da Venezuela e da Indonésia. Havia a suspeita de que a Alstom teria distribuído um total de US$ 200 milhões em propinas desde o final dos anos 1990.
    O banqueiro, o suíço Oskar Holenweger, dono do Tempus Bank, era considerado uma peça-chave na investigação pelo Ministério Público suíço porque as contas eram usadas para esconder que o real pagador do suborno era a Alstom francesa. Ele era acusado de ter aberto 163 contas para distribuir propina para a Alstom.
    Em abril de 2011, o banqueiro também foi considerado inocente. Segundo o juiz Peter Popp, a investigação não trouxe elementos conclusivos de que ele sabia que os recursos que passavam pelas 163 contas haviam sido usados pela Alstom para o suborno.
    Se ele não sabia que o dinheiro seria usado para fins ilícitos, não cabia a acusação de lavagem de dinheiro, ainda de acordo com o juiz.
    Havia também problemas processuais na investigação. Os promotores e policiais foram acusados de esconder fatos do juiz e de extrapolar os limites da apuração.

      Helio Schwartsman

      folha de são paulo
      Ritmo da evolução
      SÃO PAULO - A evolução humana está em processo de aceleração ou desaceleração? A pergunta, que pode parecer de um academicismo meio bizantino, na verdade encerra uma ácida polêmica que cinde em dois o habitat dos biólogos.
      O trabalho da brasileira Carolina Marchetto, que usou células embrionárias reprogramadas para mostrar que o homem está evoluindo de forma mais lenta do que chimpanzés e bonobos, dá algum suporte para a hipótese da desaceleração, mas a questão está longe de resolvida.
      Para os cientistas que se perfilam nesse grupo, o advento da cultura, com seus desenvolvimentos sociais e tecnológicos, nos tornou menos dependentes da genética. O paleontologista Stephen Jay Gould era um campeão dessa teoria. Para ele, não houve mudança biológica significativa nos últimos 40 mil anos.
      Na outra ponta, pesquisadores como os antropólogos Henry Harpending e John Hawks e o físico Gregory Cochran sustentam não só que a evolução genética continua viva e atuante na humanidade como se acelerou nos últimos 40 milênios, especialmente desde o surgimento da agricultura, dez mil anos atrás. Essa teoria, embora longe de consensual, tem ganhado a simpatia de pesquisadores de várias áreas.
      As conclusões desse grupo se baseiam principalmente em análises estatísticas de mutações observadas no genoma de diferentes populações humanas. Em suas contas, 23% de nossos genes estiveram sob pressão seletiva recente. No plano teórico, a ideia é que a concentração demográfica e a exposição a ambientes mais diversos favorecem a evolução.
      É cedo para cravar quem está certo. Mais trabalhos deverão ser produzidos e, pelo menos em princípio, as evidências podem resolver a questão. O complicador aqui é político. Evolução recente pode ser interpretada como sinônimo de raça, e este é um assunto que tende a ser especialmente explosivo na academia.

        Saber aprender é principal requisito do novo profissional

        folha de são paulo

        Saber aprender é principal requisito do novo profissional


         
        ÉRICA FRAGA
        DE SÃO PAULO
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        Se quiserem ser bem-sucedidos, os trabalhadores terão de se tornar principalmente leitores eficientes.
        Essa é a opinião do economista americano Richard Murnane, professor da universidade Harvard, que se dedica ao estudo de temas relacionados à educação e ao mercado de trabalho.
        Segundo ele, os profissionais não podem se restringir mais a simplesmente seguir instruções que estão resumidas em um texto.
        Em vez de receber e cumprir orientações prontas, o desafio, no mercado de trabalho atual, é encontrar soluções para os diferentes problemas no vasto campo das informações on-line.
        Para isso, os candidatos a vagas precisam, antes de tudo, de um amplo vocabulário -e o ideal é que ele seja adquirido já na pré-escola.
        Murnane estará no Brasil na próxima semana para participar de seminários organizados pelo IAB (Instituto Alfa e Beto), em São Paulo e Recife, cujo tema é a educação baseada em evidências.
        Arquivo pessoal
        Richard Munarne, que vem ao Brasil na próxima semana
        Richard Munarne, que vem ao Brasil na próxima semana
        Leia a seguir trechos de entrevista concedida pelo economista à Folha.
        *
        Folha - Que característica do perfil dos trabalhadores é mais demandada hoje pelo mercado de trabalho?
        Richard Murnane - De forma crescente, computadores têm dado conta de todos os tipos de tarefas mais fáceis. Então, atualmente, trabalhadores precisam ser capazes de ler de forma a aprender as coisas.
        Por exemplo, se você fizer uma pesquisa on-line, terá milhares de respostas. Você precisa conseguir distinguir quais dessas respostas são úteis para resolver seu problema. Por isso, é fundamental que o trabalhador seja um leitor eficiente hoje em dia.
        Se alguém precisar simplesmente seguir direções, você pode escrever um texto que diga o que ela precisa fazer, usando um vocabulário relativamente simples.
        Mas o que é importante atualmente é que os trabalhadores usem a leitura para adquiri novos conhecimentos. Isso significa que precisam ser capazes de entender o significado de textos que tenham palavras que não viram antes.
        Essa é uma das razões por que ampliar o vocabulário é mais importante hoje do que há 30 anos. E nós sabemos que é importante começar a construir o vocabulário cedo, já na pré-escola.
        As escolas têm sido bem-sucedidas em fornecer esse tipo de mão de obra?
        O desafio das escolas é ensinar essas habilidades para crianças de famílias com renda baixa.
        O fato de que as crianças de famílias com renda mais baixa conhecem muito menos palavras do que crianças de famílias com renda mais alta já foi bastante documentado.
        Qual é o formato ideal do ensino médio técnico hoje?
        Acho que é importante que indivíduos que serão cidadãos em uma democracia pluralista tenham um bom conhecimento básico de ciências, que entendam a história de seu país e um tenham um entendimento de assuntos correntes, seja aquecimento global, armas nucleares ou como lidar com a Amazônia.
        Tudo isso é fundamental para ser capaz de contribuir para o diálogo e para os desafios que países como o Brasil enfrentam no mundo atual.
        A segunda coisa é que os adolescentes precisam ser capazes de adquirir habilidades fundamentais que os permitam continuar a serem aprendizes ao longo de sua vida.
        Eles precisarão continuar a aprender a fim de conseguir ter uma vida decente, sejam eles chefs de cozinha, mecânicos de computador ou profissionais do setor de saúde.
        Então a questão é: qual é a melhor forma para se ensinar as crianças a adquirir os conhecimentos básicos de estudos sociais e ciências assim como fortes habilidades fundamentais?
        Todos podem aprender essas habilidades. Algumas crianças as aprendem com facilidade em escolas de ensino médio tradicionais. Outras crianças não vão bem nas escolas tradicionais.
        Acho que é por isso que a educação vocacional tem sido repensada em muitos países, incluindo os Estados Unidos. A chave não é preparar os estudantes para realizar uma ocupação limitada, como ser um encanador ou um eletricista.
        Existe um reconhecimento de que o ideal é que haja um foco em um grupo de ocupações no qual o aluno tenha interesse. Podem ser ocupações ligadas ao setor de saúde ou ao setor de tecnologia.
        Então, o currículo precisa ser desenhado de forma que os professores usem ideias dessas áreas para ensinar os conhecimentos básicos de leitura, ciências e estudos sociais. Dessa forma, o interesse do aluno aumenta.
        Um bom profissional precisa ter feito ensino superior?
        É importante que os alunos saiam do ensino médio sabendo como tirar vantagem de educação e de treinamentos subsequentes.
        Para alguns, isso significará ir para a universidade, para outros, significará entrar em um programa de treinamento.
        Por exemplo, a indústria de automóveis muda frequentemente. É importante que um mecânico do setor automotivo possa ser mandado para um programa de retreinamento, no qual vai aprender sobre os novos designs de motor.
        E que o mecânico possa experimentar e aprender sobre as novas tecnologias para adquirir aquele conhecimento e consertar os novos modelos de carros quando voltar para a empresa.
        Isso não implica ir para a universidade, mas participar de um programa de retreinamento.
        O que acontecerá com países que não consigam fazer com que a educação atenda às novas demandas do mercado?
        Mudanças significativas em educação levam muito tempo.
        O problema é que muitas vezes políticos que querem resultados rápidos pressionam por políticas -como a compra de novos computadores ou qualquer coisa que possa ser feita rapidamente-, mas as coisas que realmente importam levam muito tempo para melhorar.
        Requerem uma estratégia que faça sentido e que seja mantida ao longo do tempo.
        Além disso, em países com alto nível de desigualdade de renda, o fato de que crianças vindas de famílias de baixa renda não recebem educação decente reduz enormemente as possibilidades de mobilidade social.
        Acredito que isso seja verdade no Brasil e sei que é verdade nos Estados Unidos.
        Uma boa educação é o passaporte para a mobilidade social. Essa é a forma de você ter acesso a um trabalho melhor e a um maior nível de renda.
        Portanto, se os mais pobres não tiverem acesso a uma boa educação, os filhos deles serão pobres também. E isso é profundamente inquietante.
        Quando as pessoas sentem que, se trabalharem duro, seus filhos terão uma situação financeira melhor do que a delas, isso fortalece a democracia.
        Agora, uma situação em que exista a percepção de que os pobres sempre serão pobres é uma ameaça real à democracia.

        RAIO-X
        Nome: Richard Murnane
        Formação: PhD em economia pela Univ. Yale
        Cargos: Professor da Universidade Harvard e pesquisador associado do NBER (National Bureau of Economic Research)
        Livro: "The new division of labor: how computers are creating the next job market", em co-autoria com Frank Levy, entre outros

        Entrevista Boaventura de Sousa Santos

        folha de são paulo

        "Dilma tem grande insensibilidade social", diz guru da esquerda


         
        RICARDO MENDONÇA
        DE SÃO PAULO
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        Referência de militantes de esquerda em todo o mundo, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos diz que há retrocessos em segmentos dos direitos humanos no Brasil e critica a presidente Dilma por demonstrar "insensibilidade social".
        Segundo ele, isso fica "ainda mais evidente por conta [...] do estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais".
        Para Boaventura, no entanto, Marina Silva (PSB) não representa uma alternativa para a esquerda. Ele diz que sua eleição fortaleceria correntes religiosas conservadoras. Além disso, entende que, na economia, Marina seria um retorno ao que havia antes de de Lula. "Ela é uma cara nova para a direita", afirma.
        Boaventura veio ao Brasil para o lançamento de dois livros: "Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos" e "Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento", o segundo em coautoria com a filósofa Marilena Chaui.
        Folha - "Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos" é um título provocador. Sugere que o senhor acredita em Deus. E sugere que Deus poderia dar mais importância para os direitos humanos. É isso?
        Boaventura de Sousa Santos - De fato, não. O título é provocador. Eu não me comprometo com a existência de Deus. Sou como Pascal [filósofo francês, 1623-1662]: diria que não temos meios racionais para poder afirmar com segurança se Deus existe ou não. O que podemos é fazer uma aposta: apostar se existe ou se não existe. Como sociólogo, o que penso é que há muita gente que aposta na existência de Deus e que organiza sua vida ao redor disso.
        Estamos num momento de fortes movimentos sociais em todo o mundo, com protestos, muita indignação, muita revolta. Alguns desses movimentos trazem no seu interior pessoas e grupos que seguem diferentes religiões. Ou que transformam a religião e a existência de Deus no motivo da ação ou num impulso para a ação. Portanto, eu tive curiosidade de analisar. Esse fenômeno é extremamente ambíguo.
        Fabio Braga/Folhapress
        Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em entrevista à Folha
        Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em entrevista à Folha
        Quando surgiu a curiosidade?
        Eu já tinha notado desde o Fórum Social Mundial de 2001, onde vi que havia movimentos sociais e organizações de diferentes partes do mundo com vivências religiosas, como a Teologia da Libertação e outros. Tinham uma dinâmica de grupo onde o elemento religioso, espiritual, era forte. Havia movimentos indígenas, para quem o elemento da religiosidade é sempre forte. Essa dimensão do transcendente é que me fascinou, pois eu venho de uma cultura eurocêntrica, que há muito tempo tenho criticado, mas sou filho dela, por assim dizer. Essa cultura tinha resolvido o problema através do que chamamos de secularismo, que é expulsar a religião do espaço público.
        A presença da religião na política está crescendo?
        A religião nunca saiu verdadeiramente da política. Temos sociedades que são laicas, mas cujos estados não são. É o caso da Inglaterra, por exemplo. E temos sociedades onde a convivência é mais laica do que outras. Tanto assim que hoje a gente faz distinção entre o secularismo e a secularidade. Secularismo é uma atitude mais radical, de deixar que a religião fique exclusivamente no espaço privado, na família, na vida. Secularidade é aquela que permite que haja expressões [religiosas] no espaço público como afirmação da própria liberdade de todos os cidadãos.
        Mas é evidente, a gente sabe, a maneira com que a Europa resolveu a questão da separação da igreja e do Estado no século 17, depois de uma guerra enorme, nunca foi uma separação total. A igreja continuou a ter uma grande influência. Foi assim no esforço da colonização. Continuou com grande influência, ainda tem, nas agendas que o papa Francisco disse recentemente que são as agendas da cintura para baixo (risos), acerca das orientações sexuais, aborto, divórcio. Obviamente são questões de interesse público.
        O que parece é que a crise do Estado secular trouxe uma maior presença da religião no espaço público. No mundo árabe, no mundo indiano e também no mundo ocidental. Começou a emergir nas televisões religiosas, cada vez mais e sobretudo com as correntes evangélicas e pentecostais. É uma presença pública muito mais forte, mas também um interesse em influenciar a vida pública, a vida dos Congressos, dos parlamentos. É o que acontece hoje no Brasil.
        No Brasil isso parece mais evidente a partir da eleição de 2010, quando o assunto chegou a dominar o debate eleitoral. Como tem sido no resto do mundo?
        Na Europa não é tão forte quanto aqui ou nos Estados Unidos. Mas encontramos no próprio mundo islâmico, por outro lado, diferentes formas de afirmação religiosa que não são todas fundamentalistas. Algumas são bastante moderadas. Mas que também se recusam a pensar que sua dimensão espiritual e religiosa não têm nada a ver com suas lutas.
        Então o mundo hoje é mais diverso, e dessa diversidade, no meu entender, faz parte uma maneira muito diversa de ver a religião na vida pública. Isso está surgindo por todo lado, com formações bem distintas.
        Algumas continuam na base da sociedade, como acontecia com a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. Mas temos nos últimos anos, no Brasil muito claramente, a influência [religiosa] na própria cúpula do Estado, na estrutura política do Estado. Isso é novo.
        Era uma corrente que já vinha dos anos 80 dos Estados Unidos. Uma corrente muito conservadora. Um dos grandes líderes dessa corrente nos Estados Unidos fez uma previsão que praticamente se confirmou. Ele disse assim: "quando um dia não houver uma grande diferença entre democratas e republicanos, e se forem todos mais ou menos conservadores, podemos começar a jogar golfe tranquilamente, pois significa que cumprimos a nossa missão".
        E a esquerda com isso? Seu livro é uma espécie de ajuste?
        O pensamento crítico da esquerda, de uma sociologia crítica, sempre foi muito renitente em analisar o fenômeno religioso. Pois qualquer análise que não seja simplesmente dizer que religião é o ópio do povo fica como suspeita.
        Minha experiência no Fórum Social Mundial fez-me crer que, se eu mantivesse essa atitude pouco complexa, eu deixaria fora da minha análise muita gente que genuinamente luta contra a desigualdade, a injustiça, a discriminação, a opressão. Não é gente alienada. É gente que realmente luta por um mundo melhor e que, no entanto, tem uma referência religiosa. Eu não posso considerar que isso é alienante. Então escrevi esse livro também para fazer as contas comigo mesmo.
        Qual é a sua conclusão?
        Termino dizendo que não há um Deus. Há dois: o Deus dos oprimidos e o Deus dos opressores. Enquanto a sociedade for dividida e houver tanta desigualdade social, penso que o Deus que estiver do lado dos oprimidos não se reconhece num Deus que esteja do lado dos opressores.
        O outro livro é sobre direitos humanos, que parece refluir na medida em que aumenta a influência religiosa. Alguns políticos têm como principal plataforma o ataque aos direitos humanos. Quais são as relações entre as duas coisas?
        É obviamente uma estratégia religiosa. É uma dimensão de todas as correntes conservadoras, de direita, que existiram ao longo do tempo. Houve, de fato, uma igreja progressista, de esquerda, que achou que sua missão era a missão evangélica do sermão da montanha, de estar com os pobres. Os pobres não estão no parlamento, estão nos bairros, nas favelas. E é para aí que os missionários devem ir. Mas há toda uma outra corrente que nunca aceitou que igreja ficasse fora do governo. Alguns deles entendem que a Bíblia, literalmente, dita o direito para os Estados e que, portanto, os direitos humanos não pertencem a esse direito bíblico. É como no mundo islâmico, onde há conceitos muito hostis aos direitos humanos.
        Então, de vários lados, estamos a assistir a um ataque aos direitos humanos. Esse é o tema do meu outro livro, escrito por um sociólogo que se considera um cidadão ativista dos direitos humanos.
        Eu também faço uma crítica aos direitos humanos. Mas uma crítica progressista: os direitos humanos são pouco. Então eles são criticados por mim por serem poucos. E a direita critica por serem muito. Eu digo pouco porque acho que a grande maioria dos cidadãos do mundo não são sujeitos de direitos humanos, são objeto de discurso de direitos humanos. São violados constantemente.
        Agora, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, em que as narrativas socialistas caíram em desuso, pelo menos até agora, o que ficou de luta por uma sociedade melhor foram os direitos humanos. Se o socialismo estivesse na agenda política, eu tenho certeza que essa direita religiosa incidiria completamente contra o socialismo.
        Nessa questão dos direitos humanos, em que posição o senhor situa o Brasil hoje?
        É uma leitura muito complexa. Há áreas e domínios dos direitos humanos em que tivemos conquistas extraordinárias desde o governo Lula. Eu considero [positiva] toda política de ações afirmativas, do reconhecimento de que há racismo na sociedade brasileira e de que é preciso tomar medidas para que afrodescendentes e indígenas possam ter acesso à educação, numa tradição que vinha desde há muito tempo com Abadias do Nascimento, mas que nunca teve êxito. Também o fato de criar um Brasil mais inclusivo, mais diverso, mais colorido, com mais consciência de sua diversidade étnico cultural. Penso que tudo isso foi um grande avanço.
        Onde eu vejo que há retrocesso é em toda a área dos direitos humanos que trouxeram também no seu bojo aquilo que, para um desenvolvimentista, pode ser considerado um obstáculo.
        Os direitos humanos trouxeram consigo o reconhecimento dos direitos coletivos. E os direitos coletivos do povos indígenas estão protegidos, internacionalmente, por convenções, aliás, que o Brasil assinou, sobretudo o convênio 169 [da Organização Internacional do Trabalho], que obriga consulta prévia, livre, informada e de boa fé. E de boa fé! E que, hoje em dia, depois da declaração das Nações Unidas de 2007 sobre os direitos dos povos indígenas, firma-se na jurisprudência da Corte Internacional de Direitos Humanos que sempre que estejam em causa a própria sobrevivência de um povo, seja uma barragem, seja um projeto de mineração, a consulta deve ser vinculante. Bem, nesse caso, eu tenho que dizer que tem havido retrocesso.
        Não é só na demarcação de terras. Tem ainda a questão de saber se a concessão de novas terras são atribuição do parlamento e não do Executivo, o que seria a mesma coisa que dizer que nunca mais haverá qualquer concessão.
        Então eu acho que a presidente Dilma está a perder uma batalha, está realmente com uma grande insensibilidade ao movimento indígena camponês, que foi uma grande forma de transformação em toda América Latina.
        O senhor considera o governo Dilma de direita?
        Eu venho da Bolívia, estive no Equador, conheço os outros países [da região]. Alguns deles são muito mais à direita no governo, é o caso do México. E lá estamos assistindo a uma grande vitória de um povo indígena que lutou contra uma barragem, La Parota, e conseguiu efetivamente parar essa barragem.
        Eu colocaria a presidente Dilma no mesmo pé em que coloco o presidente da Bolívia [Evo Morales] e o governo do Equador. São governos que eu considero progressistas. Não os considero de direita. Eles, de alguma maneira, fazem muito do que sempre fez a direita: têm o mesmo modelo de acumulação, o mesmo modelo capitalista, o mesmo neoliberalismo, aproveitaram a mesma onda de extrativismo, com a reprimarização da economia.
        Mas o que esses governos fazem e que a direita nunca fez na América Latina foi redistribuir esses rendimentos de alguma maneira. Distribuem muito mais que os outros governos. Para muitos grupos sociais, isso não é suficiente. Até porque essa forma de redistribuição é relativamente precária, não é com direitos universais, é algo que pode parar de um momento para outro. Mas há problemas. Os ambientais são extraordinários.
        Qual o senhor citaria?
        É certo que o Congresso é outra coisa. Mas eu fico espantado como é que é possível, estando a frente do país alguém como Dilma Rousseff, como é possível abrir uma discussão sobre a semente Terminator no Congresso. É a semente que fica estéril, a suicida. Isso está suspenso. É ilegal para o mundo inteiro. É um escândalo, se aprovar. Ela foi suspensa no âmbito da convenção de biodiversidade exatamente porque coloca os camponeses nas mãos da Monsanto e das outras três ou quatro empresas que têm a patente. Isso é o fim da agricultura camponesa.
        Em muitos países é a agricultura camponesa que alimenta as populações, pois a grande indústria produz soja e outros produtos de exportação. A diversidade da produção agrícola é feita por pequenas propriedades, a agricultura familiar, a camponesa. Portanto isso significa arrogância dessas empresas transnacionais que têm acesso ao parlamento para ditar sua lei. E se você olhar bem, há uma aliança entre os religiosos evangélicos e os ruralistas. Então aqui há uma convergência de forças, uns que vêm da tradição ruralista, outros que vêm de uma tradição religiosa de direita, que se armou contra o comunismo e contra a revolução na América Latina.
        Então não considero a presidente Dilma um governo de direita por sua capacidade de distribuição, agora há uma grande insensibilidade, que não vem de agora.
        Onde mais há problemas?
        Basta ver quantas vezes foram recebidas a CUT e outras entidades antes desses protestos: zero. Portanto significa que a presidente Dilma tem uma grande insensibilidade social, que se tornou ainda mais evidente por conta da posição do Lula, ao estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais. Isso perdeu-se. Eu considero uma perda muito grave.
        A ex-ministra Marina Silva tem um discurso mais próximo desses segmentos que o senhor mencionou, meio ambiente, indígenas. Ela serve para a esquerda?
        Eu penso que não. Sou amigo da Marina Silva, estive em vários painéis com ela e comungo com ela muitas causas ambientalistas. Mas acho que não porque a influência religiosa no país iria nitidamente continuar a desequilibrar. A dimensão religiosa que está por trás dela é uma dimensão que, no meu entender, tem mais um potencial conservador do que um potencial da Teologia da Libertação. Portanto é um potencializador de uma interferência conservadora na sociedade.
        Isso pode ter outras dimensões para os direitos das mulheres, dos homossexuais, para as diversidades sexuais.
        Por outro lado, sua política econômica, por aquilo que tenho visto e pelos apoios que ela recorre, é realmente uma tentativa de, com uma cara nova, uma mulher, repor o sistema que estava antes. Seria desacelerar ainda mais as políticas de redistribuição social que foram aquelas que, no meu entender, mais caracterizaram o período Lula.
        Não penso que a Marina Silva esteja muito sensível a isso tudo. Então eu penso que ela é uma cara nova para a direita. Não é uma cara para a esquerda, no meu entender.
        Milhares de pessoas foram às ruas no Brasil para protestar por diversas causas. Tudo muito rápido e inédito. O senhor tem alguma reflexão sobre o que ocorreu no país?
        Analiso os diversos movimentos que surgiram no mundo desde 2011: a primavera árabe, o ocuppy [Wall Street, nos EUA], o dos indignados no sul da Europa e na Grécia, o movimento "Yo soy 132", que é contra a fraude eleitoral no México, o movimento estudantil do Chile em 2012 e também os protestos no Brasil.
        Considero que 2011-2013 é um daqueles momentos no mundo como nós tivemos em 1968, 1917, 1848. São momentos de movimentos revolucionários.
        O que os caracterizam fundamentalmente hoje? São sinais de que, em muitos países, estamos a entrar num processo de guerra civil de baixa intensidade: uma grande agitação social porque as instituições não funcionam propriamente. Na Europa, a rua é o único espaço público que não está colonizado pelo capital financeiro. Nos EUA, a mesma coisa. Há uma deterioração das instituições, uma ideia de que a democracia foi derrotada pelo capitalismo. No sul da Europa isso parece muito claro, e as ruas e as praças são os únicos espaços onde o cidadão pode se manifestar.
        Quem é esse cidadão?
        É um cidadão diferente dos [cidadãos dos] processos anteriores. Um erro do pensamento político foi pensar em cidadãos organizados que fazem essas revoltas. De fato, não é assim. Essas revoltas são feitas, normalmente, por jovens que nunca participaram de movimento social, de partidos, que nunca votaram, nunca estiveram em nenhuma ONG. E de repente estão na rua. Isso não foi só aqui. Foi no Egito, na Europa, nos EUA. São movimentos que surgem a partir de momentos em que as instituições parecem não dar respostas às aspirações populares. Obviamente são diferentes. Não se pode pôr a primavera árabe ao lado do Brasil ou do occupy. São coisas distintas.
        O movimento do Brasil tem uma genealogia, uma história, semelhante ao movimento dos indignados de Portugal, da Espanha e da Grécia. São jovens democracias onde houve uma expectativa de uma social-democracia, uma democracia com fortes direitos sociais, de educação, saúde, transporte. Havia uma expectativa de uma sociedade mais inclusiva. Essa era a promessa. A democracia não é simplesmente mero voto e a representação política, mas se traduz em direitos sociais e econômicos. Portanto nesses casos [Brasil e indignados], os movimentos surgem da ruína dessas aspirações. Democracias suficientemente jovens para ainda acreditar que eles têm esses direitos.
        Os occupy já nem têm sequer essa ilusão, pois a democracia americana é cada vez mais restringida e eu nem acho mais que é uma democracia a sério nos EUA; eu vivo lá metade do ano, como você sabe, e conheço o país.
        Uma crise da democracia?
        Aqui [no Brasil], a juventude se dá conta que aquela democracia que ela acreditou não funciona, está sendo derrotada pelo capitalismo. Os países dão mais atenção aos mercados internacionais, aos grandes grupos transnacionais, do que dão aos seus cidadãos. Na Europa isso é muito claro. O meu governo [Portugal] está mais atento à agência de classificação Standard & Poor's, sobre o que ela dirá amanhã sobre a taxa de rating do crédito português, do que as demandas dos portugueses, as reivindicações. E quanto mais as pessoas vão para as ruas, mais abaixa a nota do crédito internacional. Ou seja: a democracia está sendo usada contra os cidadãos. A democracia é exercida hoje contra o bem estar. Tinha-se a ideia que caminhávamos para um estado de bem estar. De alguma maneira, hoje, o Estado é um Estado de mal estar. O que aconteceu no Brasil, no meu entender, é essa frustração.
        Compartilha com os outros movimentos essa espontaneidade. E o fato de não ser ideologicamente unitária, é o mais diverso possível. E com demandas contraditórias. E com uma característica também comum em todos eles: prevalece o negativo sobre o positivo. Esses grupos, que eu nem chamo de movimentos sociais, chamo de presenças coletivas, sabem o que não querer, mas não sabem bem o que querem. Podem ter uma demanda, como foi o caso do Movimento Passe Livre, mas essa é uma demanda que rapidamente pode ser superada por grandes demandas de superação do Estado. Como aconteceu na Tunísia. O moço que se imolou na Tunísia queria apenas que legalizassem o seu comércio de rua, e de repente aquilo era uma luta contra a ditadura.
        O que todos estão a dizer? Estão a dizer que o mundo está escandalosamente desigual. Essa não é uma questão da pobreza. É que nos países, internamente, a diferença entre ricos e pobres nunca foi tão grande. Em meio aos maiores sacrifícios da sociedade portuguesa, com cerca de 50% dos jovens até 25 anos sem emprego, o número de ricos aumentou em Portugal nos últimos anos. E os ricos ficaram ainda mais ricos.
        Essa descrição não coincide exatamente com o que ocorreu no Brasil. A distribuição de renda brasileira medida pelo índice Gini ainda é uma das piores do mundo, mas melhorou.
        Sim, está reduzindo [a desigualdade de renda], nunca tinha acontecido antes, isso é preciso reconhecer. O que nós temos que ver, isso é minha leitura, é que as políticas que foram criadas para essa redução ocorrer --e por isso que eu digo que [Dilma] não é um governo de direita-- são as que eu chamo de políticas de primeira geração. A segunda geração é que essa gente que agora come bem, agora que tem algum apoio, quer evoluir, quer ir para a universidade, quer outra qualidade dos serviços públicos. E aí estancou.
        O senhor disse que esses grupos sabem dizer o que não querem, mas não sabem dizer bem o que querem. No Brasil, entre as coisas que eles diziam não querer estavam os partidos políticos. Teve até hostilidade, violência. O senhor vê isso com preocupação?
        Sim, evidentemente. Mas ao mesmo tempo compreendo o que está ocorrendo. É aquilo que eu disse, que a democracia representativa liberal foi dominada e vencida pelo capitalismo, pela corrupção, pela presença do dinheiro nas eleições, nas campanhas eleitorais. Isso faz com que os representantes estejam cada vez mais distantes dos representados. É aquilo que a gente chama de patologia da representação: os representados não se sentem representados por seus representantes.
        É um processo conhecido, pois há anos discute-se no Brasil a necessidade de se fazer uma reforma política, uma reforma do sistema eleitoral, do financiamento dos partidos. E todas essas reformas têm sido bloqueadas. Então essa negação não é propriamente a negação da democracia representativa. São duas ligações importantes: esta democracia participativa não serve, o dinheiro não pode ter o poder que tem hoje nas eleições; e a democracia representativa nas sociedades complexas não chega, ela precisa ser complementada pela democracia participativa.
        Eu acho extraordinário que, no caso da primavera árabe --jovens de vários países que não tiveram democracia propriamente-- a grande bandeira é a democracia real. Portanto quando dizem que há luta contra os partidos, não é que eles estejam dizendo que, em princípio, eles não têm nenhuma validade. É esta forma de democracia, a do poder do dinheiro, que está derrotada. E se ela não se alterar, temos altos riscos para a sociedade. É por isso que eu digo, escrevi dois artigos sobre isso, que há uma grande oportunidade: a oportunidade de uma reforma política. Esse é grande tema com o qual o PT chegou ao poder, não podemos esquecer.
        Mas nos protestos ninguém levantou uma plaquinha sequer pedindo reforma política.
        (risos) É por isso que eu digo: as pessoas não sabem o que querem, sabem o que não querem. Como é que se faz formulação política? Para sair daquilo que elas não querem, é preciso uma reforma política. Obviamente. E é por isso que temos partidos.
        Eu acho que cabe à classe política encontrar as soluções. Os jovens não têm que saber [como fazer]. Nem dá para exigir que eles saibam. Como é que vai fazer um serviço unificado de saúde suficientemente robusto? Não têm que saber. Há técnicos e há políticos que vão fazer isso. A reforma política é a mesma coisa. E a presidente Dilma deu uma certa esperança quando falou nas cinco medidas que seriam tomadas e incluiu a reforma política, mas, infelizmente, os poderes conservadores do Congresso...
        Foi nesse contexto que surgiram os grupos "black blocs", com a tática de causar danos materiais para fazer suas denúncias. Eles aparecem em tudo, da greve de professores à ação para libertar cachorros de um laboratório de pesquisa médica. Qual é a opinião do senhor sobre esses grupos?
        Esses grupos nasceram nos anos 70 na Alemanha, na luta contra a energia nuclear. Na década de 80, adquiriram uma ideologia autonomista. A ideia de que "temos que criar na sociedade espaços de autonomia que não dependem do capitalismo e que, portanto, podem oferecer outra maneira de viver". Tiveram muita repercussão.
        No momento em que começam os protestos contra a globalização, Seatle (EUA) é o marco, eles começaram a assumir duas características de sua tática: de um lado a ideia de violência contra propriedades símbolos do capitalismo, que pode ser um McDonald's, um banco; de outro lado, a defesa dos manifestantes. Eles assumiram isso. Em muitas mobilizações, foram eles que, diante da violência policial, defenderam mais eficazmente os manifestantes pacíficos. Então a violência policial, no meu entender, é uma das grandes responsáveis pelo protagonismo "black bloc". Eles enfrentavam. E a notícia muitas vezes passava a ser o enfrentamento entre os "black blocs" e da polícia.
        Um terceiro fator que complica, principalmente a partir do ano 2000, isso está documentado, é que a polícia infiltra o "black bloc" para depois justificar sua violência. Isso está demonstrado em vários países. E este é o contexto em que nós estamos.
        Mas como entender o "black bloc"?
        Não são grupos de extrema-direita. Eu penso que, acima de tudo, temos que entender por que surgem esses movimentos. E encontrarmos, através do diálogo, formas de ver se estas são as melhores formas de luta. No meu entendimento, como já disse, estamos num momento político daquilo que chamo de guerra civil de baixa intensidade. Numa guerra assim, queremos que cada vez mais gente venha para a rua. No meu entender, para fazer pressão pacífica sobre os Estados.
        Quando o capital financeiro será cada vez mais influentes, quando as Monsantos conseguem pôr no Congresso a [semente] Terminator, quando os evangélicos dominam a agenda política, quando os ruralistas dominam a agenda política, os governos, mesmo que tenham uma orientação de esquerda, precisam ser pressionados de baixo. A partir de baixo. E essa pressão tem de ser pacífica. E tem de ser inclusiva. E para ser inclusiva tem de trazer para a rua as pessoas que nunca foram para a rua, os chamados despolitizados, as avós, os netos.
        Ora bem, se é esse o objetivo, o "black bloc" é uma força contraproducente. As pessoas querem ir para a manifestação, mas com medo que haja violência, com medo da brutalidade e violência policial, dizem ao final "não vamos". Penso, portanto, que o "black bloc" deve analisar em que contexto nós estamos.
        O ex-presidente Lula fez uma crítica direta ao uso das máscaras. Disse que participou de muita manifestação de rua, mas que nunca usou máscara porque não tinha vergonha do que fazia.
        Eu acho que é uma posição legítima, mas não sei se é a única resposta que se pode dar. As pessoas têm suas formas de representação. Exemplo disso é o governo do Peña Nieto, o [partido] PRI, no México, que eu considero de direita. Nas últimas manifestações, o protesto de professores no México, teve a presença dos "black blocs" com as máscaras negras. E chegou ao ponto também em que o governo está para promulgar uma lei que proíbe as máscaras. Sabe qual foi a reação? Os homossexuais começaram a usar máscaras pink. Foram para os protestos com máscaras cor-de-rosa, máscara homossexual. Então a polícia vai prender? Eles não praticam nenhuma violência, usam máscara agora para afirmar a diversidade sexual.
        Isso é para ver como a coisa é complicada. Criou-se uma solidariedade entre os homossexuais e o "black bloc". Então, por vezes, as autoridades se excedem na forma. Eu penso que essa não é a forma. Penso que a forma é de dialogar, de trazer para uma mesa de conversa. Obviamente é uma discussão muito difícil, mas é uma discussão que é preciso ter.

        BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
        Sociólogo português, 72 anos
        VIDA ACADÊMICA
        Doutor pela Universidade de Yale (EUA), professor da Universidade de Coimbra (Portugal) e da Universidade de Wisconsin (EUA)
        LIVRO RECENTE
        "Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos" (Cortez Editora)

        É certo usar animais em pesquisas científicas?

        folha de são paulo
        JOSÉ MEDINA PESTANA
        TENDÊNCIAS/DEBATES
        É certo usar animais em pesquisas científicas?
        SIM
        O exemplo da insulina
        A discussão em torno do uso de animais em experimentação não se resume ao fato de sermos favoráveis ou contrários a ele. A discussão implica a necessidade de fazê-lo para o desenvolvimento do conhecimento científico e subsequente aplicação em benefício da vida.
        Nas últimas décadas, alternativas tecnológicas têm sido estabelecidas de modo a evitar que um número maior de animais seja utilizado. Um exemplo está no desenvolvimento da insulina, cuja descoberta trouxe uma forma de quase ressurreição aos pacientes diabéticos. A insulina foi inicialmente extraída do pâncreas bovino, depois do pâncreas suíno e hoje é sintetizada sem necessitar do sacrifício de animais.
        Entretanto, existem situações na pesquisa ou no cotidiano clínico em que o abandono completo do uso de animais ainda não é possível. Como exemplos encontramos o desenvolvimento e produção de vacinas, bem como de anticorpos utilizados como reagentes diagnósticos, ou como meio de tratamento de algumas formas de câncer como os linfomas.
        Também ocorrem durante o extenso período de desenvolvimento de um novo medicamento, em que as agências regulatórias públicas demandam testes em animais antes do uso no primeiro voluntário humano, buscando antecipar o conhecimento de sua toxicidade ou mesmo de sua eficácia.
        Considerando essas situações, é essencial um sistema regulatório de proteção que garanta o bem-estar dos animais, minimize seu sofrimento e que ainda traga paz de consciência para o pesquisador.
        A primeira lei brasileira sobre o assunto foi promulgada por Getulio Vargas em 1934 (decreto-lei nº 24.645). Embora na maioria dos seus artigos predomine os cuidados voltados para animais de grande porte utilizados no trabalho de carga, ela estabeleceu que "os animais existentes no país são tutelados pelo Estado, sendo penalizado quem lhes aplicar maus tratos, mesmo no interesse da ciência".
        Em 1979, a lei nº 6.638 estabeleceu as primeiras normas para a prática didática científica com uso de animais. Em 1998, a lei de crimes ambientais nº 9.605 determinou penas para envolvidos em experiência dolorosa ou crueldade com animais vivos, quando disponíveis recursos alternativos.
        Nesse período, setores da comunidade científica, entre eles o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal, criaram manuais para descrever os princípios éticos de manuseio e cuidados com o uso de animais de laboratório.
        Em 1995, o sanitarista e deputado federal Sergio Arouca propôs a lei nº 11.794, que só foi promulgada em 2008 e regulamentada em 2009.
        Em seis capítulos, ela incentiva princípios internacionais de refinamento, redução e substituição do uso de animais, cria a política nacional do uso de animais em atividades acadêmicas científicas, determina a criação de comissões de ética nas instituições (CEUAs) e estabelece a criação do Conselho Nacional de Experimentação Animal (Concea), que tem, entre seus 14 membros, ministros de Estado e dois representantes de sociedades protetoras de animais.
        A lei lista as condições para a criação e uso de animais e as penalidades aplicadas aos transgressores. Determina que as pesquisas só podem ser realizadas em instituições previamente credenciadas e sob supervisão de profissional de nível superior. Criou normas de alojamento, sedação e eutanásia e limites quanto ao grau de sofrimento.
        Hoje, ainda não é possível ser abolida a utilização de animais em modelos experimentais, mas eles devem estar alinhados à interpretação apropriada da Lei Arouca.
        Nossa missão é aprimorar sua aplicação, utilizando as comissões locais (CEUAs) para bem analisar os projetos de pesquisa, excluindo aqueles que são redundantes, que não apresentam perspectiva de benefício científico ou que utilizam número excessivo de animais, mesmo sendo ratos ou camundongos, que, embora considerados de escala filogenética inferior aos cães, representam organismos de vida bastante evoluída.
        O progressivo desconforto público com muitos aspectos da pesquisa com animais e o debate que agora se intensifica são benéficos para despertar ou aguçar nossa consciência sobre o processo de aprimoramento do respeito ao seu bem-estar, não só na pesquisa, mas no cotidiano desse nosso convívio.
        NILTON BONDER
        TENDÊNCIAS/DEBATES
        É certo usar animais em pesquisas científicas?
        NÃO
        Homem ou rato?
        Sou contra a experimentação científica com animais não humanos da maneira cruel e indiscriminada como é feita hoje. E sou contra mais pela intenção de preservar o próprio ser humano do que apenas os animais.
        Sem dúvida é relevante a discussão ética sobre os direitos dos animais entendidos como uma minoria desprotegida, e a responsabilidade sobre eles é equiparável à responsabilidade por "menores" ou "interditados" legalmente.
        É importante a identificação com o sofrimento animal como uma questão moral, que não permite a indiferença. O uso de critérios raciais de inferioridade comparativa é uma inaceitável ameaça às conquistas que nos afastam de perversões, escravaturas, inquisições, autoritarismos e nazismo.
        Acho, porém, que todas essas razões não são suficientes para evitar o uso dos animais em experimentos, porque são todas reivindicações por direitos. E o direito de um termina diante do direito do outro.
        E quando criancinhas estiverem no lugar do direito do outro; e quando essas criancinhas forem nossos filhos, ou quando forem nossos pais, ou nós mesmos, então todos esses argumentos por direitos cairão por terra, desqualificados por todo o tipo de racionalização.
        Portanto, baseio a minha opinião não em direitos, mas em deveres. E o maior deles é salvar não os animais, mas a nossa humanidade.
        Um belo conto relata que um rabino estava numa carroça puxada por um cavalo e guiada por um cocheiro. A dada altura, surgiu uma ladeira e o animal começou a esforçar-se para subi-la. O rabino saltou de imediato da carroça e foi logo questionado pelo cocheiro: "O que está fazendo?".
        "Não quero que meu peso faça o animal sofrer", disse o rabino. "Mas então um ser humano, um rabino, deve ele sofrer subindo a ladeira no lugar de um mero cavalo?", argumentou o cocheiro. "Exatamente por essa diferença que você aponta foi que desci. Um ser humano, um mestre, com certeza não quererá se ver no tribunal do Mundo Vindouro em litígio com um simples cavalo!", sentenciou o rabino.
        Há um dever humano, mais do que um direito animal em questão. E há um esforço, um custo ao ser humano por sua consciência e pelos deveres que ela nos impõe.
        A ciência não pode nos levar de volta ao passado violento de nossa humanidade, em que os fins justificavam os meios. Nem pode a ciência nos reduzir a animais que apenas se diferenciam de outros animais por sua capacidade de se justificar.
        Vamos descer da carroça e pagar o preço de nossos deveres. Eles se impõem, não pelo cancelamento de pesquisas tão necessárias, mas pela implementação de métodos alternativos e por uma maior e melhor regulamentação e fiscalização dos centros de pesquisas, tenham eles finalidade comercial ou didática.
        Os avanços da ciência não são um bem absoluto para nossa humanidade apenas quando nos salvam da morte, mas tão somente quando nos salvam também para a vida. Afinal, você é um ser humano ou um rato?

        Morrissey, ex-Smiths, lança autobiografia e bate recorde de vendas na Inglaterra

        folha de são paulo

        Morrissey, ex-Smiths, lança autobiografia e bate recorde de vendas na Inglaterra


         
        ANDRÉ BARCINSKI
        CRÍTICO DA FOLHA
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        O caso de amor dos britânicos com Steven Patrick Morrissey parece não ter fim.
        Mais de 31 anos depois de a banda de Morrissey, The Smiths, lançar seu compacto de estreia, "Hand in Glove", o cantor de 54 anos ainda é capaz de provocar cenas explícitas de fanatismo.
        Semana passada, admiradores madrugaram nas livrarias inglesas para comprar o primeiro livro de Morrissey, "Autobiography".

        Segundo o jornal "The Guardian", "Autobiography" é o segundo livro de memórias mais vendido na semana de lançamento na Inglaterra desde que a lista começou a ser compilada, em 1998 (o primeiro é de Kate McCann, mãe da menina desaparecida em Portugal, em 2007).Resultado: quase 35 mil cópias vendidas em uma semana, batendo o recorde britânico para autobiografias musicais, que era de Keith Richards ("Vida"), com 28 mil.
        O lançamento de "Autobiography" teve todas as marcas da personalidade de seu autor: mistério, muito drama e uma boa dose de arrogância.
        Pouco se falou sobre o livro antes do lançamento.
        Tanto a editora, a Penguin, quanto o próprio Morrissey não deram maiores informações à imprensa. E muita gente estranhou o fato de o livro ter saído com o selo "Penguin Classics", uma coleção reservada a autores clássicos como Dante, Henry James, Dostoiévski e John Steinbeck.
        O fato de a Penguin ter cedido à exigência do cantor e lançado seu livro de estreia em uma coleção reservada a obras-primas da literatura causou polêmica. O jornal "The Independent" afirmou: "O narcisismo tedioso do livro pode prejudicar o nome de Morrissey um pouco, mas arruína o de sua editora".
        Ao ler "Autobiography", fica evidente que Morrissey não quis fazer nenhuma concessão comercial ou "jornalística". O livro não tem índice ou divisão por capítulos. Quem quiser alguma história sobre o guitarrista Johnny Marr, parceiro nos Smiths, terá de procurar página a página.
        O cantor/autor surpreendeu também com as exigências para lançamentos em outros países: além dos lances em dinheiro, as editoras interessadas devem escrever "cartas de amor" para Morrissey, que supostamente serão lidas por ele e terão peso na decisão de quem leva o livro.
        E o único comentário de Morrissey sobre a repercussão do livro foi um texto curto publicado em um site de fãs, em que o cantor fala sobre um trecho que relata um relacionamento com outro homem. "Infelizmente, não sou homossexual, sou humanossexual, atraído por seres humanos. Mas não muitos."
        *
        Confira algumas histórias contadas por Morrissey
        Morrissey conta que quase matou a mãe durante o parto: "Minha cabeça era grande demais". E revela que a irmã, Jackie, tentou matá-lo quatro vezes quando ambos eram pequenos.
        Morrissey admite ter inveja da verve ácida de Chrissie Hynde, cantora do Pretenders: "Chrissie tem a capacidade de fazer as pessoas gargalharem no funeral de trigêmeos".
        Um dos shows mais emocionantes do cantor foi em São Paulo. O público ergueu uma menina no palco. Morrissey se aproximou da fã e percebeu que ela era cega: "Ela me deu um bilhete que dizia: 'Eu não posso te ver, mas te amo'".
        Assim que lançou seu primeiro disco solo, "Viva Hate" (1988), Morrissey recebeu a visita de Michael Stipe, do REM: "Quando ouvi 'Everyday is Like Sunday' fiquei com muita inveja de você", disse Stipe.

        Análise: Livro de Morrissey é fascinante até a fama, depois se torna chato e mesquinho


         
        BEN RATLIFF
        DO "NEW YORK TIMES"
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        The New York TimesSteven Patrick Morrissey, de Manchester, Inglaterra, ex-vocalista do grupo The Smiths, herói passado e futuro dos incompreendidos, e defensor dos seres humanos e animais indefesos, também é um publicitário inspirado.
        O conceito das capas dos discos, ele explica em seu novo livro, "Autobiography", era "tomar imagens que fossem o oposto do glamour e injetar coração e desejo suficientes nelas para que pudessem mostrar a vida comum como um instrumento de poder --ou talvez glamour".
        "Autobiography" é um livro tanto aguçado quanto tedioso, tanto enfático quanto desnecessariamente cruel, e saiu na Inglaterra em edição da Penguin Classics.
        30.dez.95/Folhapress
        O cantor inglês Morrissey, ex-líder da banda The Smiths
        O cantor inglês Morrissey, ex-líder da banda The Smiths
        A capa do livro irradia poder. Segue o padrão de design da Penguin para livros anteriores ao século 20. Morrissey conseguiu convencer a editora a inclui-lo em uma exclusiva quadrilha de mortos. E ainda que seja um tesouro nacional britânico etc., como é que ele conseguiu isso?
        Os melhores trechos do livro, escrito no presente, um modo gramatical comum aos entusiasmos adolescentes, derivam de sua estreita atenção à música, filmes, televisão e atitudes da Inglaterra até o final dos anos 70.
        Em suas atitudes extremas, ele parece exatamente meio americano e meio inglês. Uma mistura de "quero isso para ontem" e de modéstia autoconsciente e desapontamento mórbido e reflexivo.
        As relações entre ele e outros seres humanos, famosos ou não, são complicadas. Tão logo descreve uma pessoa como dotada de integridade, o leitor pode ficar certo de que ela não demorará a morrer.
        Morrissey é um astro pop de talento literário incomum, mas escreveu memórias do tipo mais comum entre os astros pop: fascinantes até o momento em que ele conquista poder verdadeiro e ganha dinheiro suficiente para que proteger seu patrimônio mereça esforço, e depois disso o livro se torna chato e ocasionalmente mesquinho.
        As prolongadas disputas judiciais que ele teve com Mike Joyce, baterista dos Smiths, quanto ao esforço deste para receber parcela igual dos royalties da banda ocupam quase 50 páginas.
        O livro chega ao final aos tropeços, em uma série de batalhas contra a imprensa, contra supostas declarações desdenhosas de outros músicos, e contra a adoração dos fãs, que lhe causa sentimentos contraditórios.
        Tradução de PAULO MIGLIACCI

        A andorinha Lola, criada por Laerte, ganha livro; veja tiras da personagem

        folha de são paulo

        A andorinha Lola, criada por Laerte, ganha livro; veja tiras da personagem

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        BRUNO MOLINERO
        DE SÃO PAULO
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        Lola, a andorinha que voa na última página da "Folhinha" toda semana, vai bater asas em um livro.
        A obra se chama "Lola, a Andorinha" e traz tiras da ave desde seu "nascimento", em junho de 2010.
        "Mas a ordem do livro não é a mesma em que elas saíram no jornal. A Lola é livre até nisso", diz Laerte, que inventou a personagem para a "Folhinha".
        Laerte
        FOLHINHA - Lola, personagem do cartunista Laerte ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
        Capa do livro "Lola, a Andorinha"
        Na época, o caderno passava por uma mudança gráfica. Com a reforma, Laerte deixou de ilustrar uma página inteira a cada 15 dias e passou a fazer uma tira semanal.
        "Precisei inventar novas histórias em um novo espaço, mas não queria trabalhar com os personagens que eu já tinha. Então criei um passarinho, que é simples e leve", conta.
        E ela também é tão livre que às vezes desaparece. Isso aconteceu no início do ano, quando ela "tirou férias" de dois meses, e Laerte a substituiu por desenhos livres.
        "É ótimo poder dar 'tchau' para a Lola de vez em quando. Um personagem demanda muito engajamento, às vezes o cartunista se torna refém dele. Mas nunca tive a intenção de sumir definitivamente com ela", afirma.
        A coletânea de tiras pode ajudar a matar a saudade na próxima vez que a andorinha desaparecer. "É um movimento natural. Assim como a Lola, outros personagens meus também fizeram o caminho do jornal ao livro", diz Laerte, que autografará a obra amanhã, a partir das 10h, na praça Benedito Calixto, em São Paulo.
        -
        Laerte, 62
        Cartunista importante para a história dos quadrinhos no Brasil.
        Avener Prado - 4.mai.13/Folhapress
        SAO PAULO, SP, BRASIL, 04-05-2013: Quadrinistas Laerte e Angeli estiveram em bate-papo na abertura da exposição "Abobrinhas da Brasilônia", de charges políticas do Glauco Vilas Boas. (Foto: Avener Prado/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO FOLHA***
        Laerte, cartunista
        Tem no currículo obras como "Piratas do Tietê", "Suriá" e "Los 3 Amigos", esta última feita em parceria com Angeli e Glauco (1957-2010). Desde 1991, faz tiras para a Folha.
        No jornal, assina atualmente uma tirinha diária na "Ilustrada" e cria as histórias da Lola para a "Folhinha".


        "Lola, a Andorinha"
        AUTOR Laerte
        EDITORA Narval Comix
        PREÇO R$ 40,50
        INDICAÇÃO a partir de 3 anos