folha de são paulo
Grupo de artistas, agora, reivindica pagamento a biografados ou herdeiros
Escritores reagem ao que consideram tentativa de censura prévia por parte de Caetano, Chico e Gil
JULIANA GRAGNANIDE SÃO PAULOPAULO WERNECKCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO debate sobre publicação de biografias no país esquentou com a divulgação das gestões do grupo Procure Saber para consolidar, no Código Civil, o controle das histórias pelos próprios biografados.
A novidade, introduzida pela presidente do grupo, Paula Lavigne, é a tentativa de impor a obrigação de pagamento a biografados ou herdeiros. O pleito ganhou a adesão de artistas.
"Tudo o que se usa, paga", diz o sambista Wilson das Neves. "É até bom um dinheiro que entra na conta. Só estou esperando a minha vez."
O compositor Pedro Luís defende a iniciativa: "Todo mundo que é ingrediente do sucesso deve ser remunerado. Quem faz a revisão, a capa, não é remunerado? E o assunto do produto, não?".
"É justa a reivindicação", diz o roqueiro Nasi, que recebe 10% do preço de capa de sua biografia, "A Ira de Nasi" (Belas Letras), de Mauro Beting. "Você está explorando a história e a imagem de alguém. É como se eu deixasse de receber por uma música minha gravada por outro."
Biógrafos e editores, por sua vez, se mobilizam contra a iniciativa. "Sinto-me insultado com a afirmação de que biógrafos só buscam abarrotar o bolso de dinheiro", disse Mário Magalhães, que narrou a vida do guerrilheiro Carlos Marighella.
Fernando Morais (Olga Benário, Chatô, Paulo Coelho) também reagiu: "É pré-colombiano." Morais, que escreve agora a história de Lula, perguntou à reportagem se o apoio de Chico Buarque está confirmado (sua assessoria confirmou).
Regina Echeverria, biógrafa de Cazuza, Elis, Gonzaguinha e Gonzagão e José Sarney também se mostrou perplexa: "Não estou entendendo. Acho impossível. O Chico?".
Entre os pontos de discórdia está a eventual obrigação de pedir autorização e pagar a personagens controversos. Lira Neto, biógrafo de Getúlio, questiona se, caso escreva sobre Filinto Muller, chefe da polícia política do Estado Novo, precisará pagar e pedir autorização à família.
Magalhães evoca um exemplo mais recente, ainda vivo: "De acordo com a lei atual, o Cabo Anselmo poderia impedir a circulação de uma biografia independente. O Cabo Anselmo tem o direito de impor à história uma biografia chapa-branca? Afinal, a ditadura acabou ou não?".
Para Dudu Braga, o "Segundinho", esse argumento é "incoerente": "Na discussão das biografias não autorizadas colocam artistas e esportistas no mesmo saco que ditadores e criminosos?", tuitou o filho de Roberto Carlos.
O Procure Saber rejeitou pedidos de entrevista. Um tuíte deletado do perfil de Caetano dizia: "Querem fazer biografias sem autorização? Ok! Mas paguem ao biografado". Segundo sua assessoria, Lavigne controla entrevistas de Caetano sobre o tema.
Músicos questionam comercialização de livros; leia entrevista com a produtora Paula Lavigne
JULIANA GRAGNANI
DE SÃO PAULO
Criado pelos músicos Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan, Erasmo Carlos e Gilberto Gil, o grupo Procure Saber agora se posiciona a favor da exigência de autorização prévia para a comercialização de obras biográficas.
À frente dos músicos, como sua porta-voz e presidente da diretoria, está a produtora Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano.
A anuência de biografados ou herdeiros antes da publicação de livros, que hoje dá margem à proibição e recolhimento de obras, é considerada por autores e editores como uma "censura privada".
Para a Associação Nacional de Editores de Livros, o procedimento fere a liberdade de expressão e o direito à informação. O grupo é autor de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que contesta as normas atuais no Supremo Tribunal Federal.
Os artistas, por outro lado, dizem acreditar que a comercialização de biografias acaba privilegiando o mercado em detrimento dos biografados. Eles também questionam os valores pagos por danos morais.
"Usar o argumento da liberdade de expressão para comercializar a vida alheia é pura retórica. Vamos correr o risco de estimular o aparecimento de biografias sensacionalistas, em um país em que a reparação pelo dano moral é ridícula", disse Lavigne, em entrevista concedida à Folha por e-mail.
Segundo ela, o Procure Saber está em vias de registrar-se como associação para entrar como "amicus curiae" (interessada na causa) na ação a ser analisada pelo Supremo.
O grupo chamou a atenção em julho, quando alguns de seus membros, como Roberto Carlos, Caetano e Erasmo Carlos, foram a Brasília pedir a aprovação da lei que deve modificar a forma como os direitos autorais são geridos no país.
No dia da votação, encontraram-se com a ministra da Cultura, Marta Suplicy, com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e com a presidente Dilma Rousseff. Saíram vitoriosos. Segundo Lavigne, a participação de Marta nos debates sobre causas artísticas no Congresso é "um luxo".
Para discutir o projeto de lei, músicos chegaram a reunir-se na casa do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que presidiu a CPI que investigou o Ecad (entidade arrecadora de direitos autorais) no ano passado.
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Folha - O que é o Procure Saber?
Paula Lavigne - É uma associação de representatividade, que reúne autores musicais e intérpretes para tratar de questões relevantes para esses profissionais, promovendo debates, levantando informações, fazendo estudos, analisando projetos de lei, informando, esclarecendo e fornecendo suporte técnico e operacional para assuntos de interesse da classe artística. Também é uma plataforma profissional de atuação política em defesa dos interesses da classe.
Qual é exatamente sua função no Procure Saber?
Minha função é a de presidente da diretoria. Os líderes da Associação Procure Saber são seus fundadores, membros do conselho deliberativo, que são Gilberto Gil, Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
A diretoria é formada por Flora Gil, Leo Esteves, Dudu Falcão, Suzy Miranda, Helber Oliveira, João Mário Linhares, Leonardo Netto, Anna Barroso, José Fortes, Sonia Lobo, Pedro Tourinho, Fábio Francisco, Cicão Chies, Kaká Mamoni e eu. Além do suporte jurídico de nossa enciclopédia viva do direito autoral: a advogada Vanisa Santiago.
Como é sua relação com a ministra da Cultura, Marta Suplicy? Vocês mantêm um diálogo constante?
Minha relação com a ministra Marta Suplicy é muito cordial. O diálogo se estabelece naturalmente, ela é a ministra de uma pasta com a qual os autores e artistas têm tudo a ver. Sempre que há necessidade, nós a procuramos para consultas, ou ela vem a nós, para nos ouvir sobre questões de interesse da classe artística e da cultura de um modo geral. Nós nos conhecemos há algum tempo, Marta sempre teve ligação com a arte. Acho um luxo termos uma ministra-senadora que briga por nós no Congresso. Afinal, não temos representatividade em Brasília. A classe não contrata empresas de lobby, não paga escritórios milionários de advocacia na capital para tomar conta de seus interesses. Temos que contar com políticos bem-intencionados.
Como é sua relação com o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP)? Vocês são amigos ou conversam com frequência?
O senador Randolfe Rodrigues se preocupou com assuntos que nos dizem respeito e somos gratos por isso. A CPI do Ecad, que ele presidiu, jogou um foco de luz em problemas que nos incomodavam, mas que não detectávamos corretamente. Eu não o conhecia e depois que ele me procurou, a pedido da ministra Marta Suplicy, resolvi convocar outras pessoas para que todos ouvissem o que ele tinha a dizer. O senador foi muito claro e objetivo, se colocou à disposição da classe e aceitou discutir o PLS 129 [projeto que deve modificar a forma como os direitos autorais são geridos no país], que acabou sendo aprovado e sancionado pela presidenta Dilma Roussef. Mantemos um diálogo produtivo. Mas outros parlamentares também ajudam a cultura, como a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Lindbergh Farias (PT-RJ), o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), entre outros. Tenho uma relação cordial com os que ajudam a cultura, independente de partidos. Como diz o Lenine: queremos inteiros e não partidos!
Como funciona a rede de contato entre os artistas que se mobilizam?
A rede é mobilizada por e-mail, por telefone, pelas mídias sociais, e estamos finalizando a construção do nosso site. A diretoria se reúne com frequência e por vezes convida autores, artistas, herdeiros e pessoas conectadas com a classe, como empresários e produtores, para conversas informais.
Como funciona o "recrutamento" dos artistas que vão a Brasília? É você quem faz os convites para que eles estejam no Congresso durante a votação de um projeto?
Todos nos mobilizamos quando algum assunto importante está em votação. Algumas vezes somos mobilizados por outros grupos, como o GAP [Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música] e recentemente a ABMI [Associação Brasileira de Música Independente], para a votação da PEC da música. Muitas vezes os artistas têm problemas de agenda, mas quando não podem ir a Brasília, nos apoiam de alguma forma: enviando e-mails, usando suas redes sociais, etc.
Os artistas pagam suas próprias passagens e hospedagem em Brasília?
Sim, o que nós fazemos é organizar o encontro.
Quais são os próximos passos em relação ao Ecad depois da aprovação da lei que mudou sua forma de gestão? Vocês estão se articulando para integrar algum conselho que pode vir a fiscalizar o órgão?
Os próximos passos serão dados no sentido de acompanhar bem de perto a gestão coletiva dos direitos autorais. Os autores não podem se afastar nunca mais, precisam ficar sempre atentos. Vamos querer saber o que é resolvido em nossos nomes. Vamos esperar a criação do órgão de controle e a regulamentação da comissão criada pela lei para saber como serão integrados. Nosso grupo está à disposição para fazer parte de qualquer órgão que seja útil para a classe, mas é preciso que outros grupos também se organizem, tem muita gente que pode somar e contribuir para a defesa da classe artística.
Vocês são a favor ou contra o projeto de lei que permite a publicação de biografias não autorizadas?
Nosso grupo é contra a comercialização de uma biografia não autorizada. Não é justo que só os biógrafos e seus editores lucrem com isso e nunca o biografado ou seus herdeiros. O Código Civil já libera as biografias, desde que não seja para usos comerciais. Porque mudar os artigos 20 e 21? Simplesmente por interesses comerciais? Usar o argumento da liberdade de expressão para comercializar a vida alheia é pura retórica. Vamos correr o risco de estimular o aparecimento de biografias sensacionalistas, em um país em que a reparação pelo dano moral é ridícula. É quase um incentivo às violações. Nesse caso, somos contra. As pessoas públicas e notórias também têm direito à sua intimidade e vida privada, que são invioláveis segundo a Constituição.
Você pretende entrar para a política, se candidatando a algum cargo, algum dia?
Nem pensar! Não me vejo na vida pública, adoro minha liberdade e acho que sou mais útil numa posição como a da presidência do Procure Saber.