sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Eu já sabia - Marina Silva

É claro que o título acima é uma brincadeira. Escrevo antes da sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que vai julgar o pedido de registro da Rede e não posso anteci- par o resultado, embora mantenha viva e forte minha confiança na Justiça.
A Rede é uma realidade e já contribui para a ampliação e o aprofundamento da democracia no Brasil. Em primeiro lugar, porque oferece um espaço de reencantamento com a política para uma vasta parcela da população que se mantinha afastada, profundamente decepcionada com os partidos, discursos e práticas dominantes.
A Rede abre uma porta especialmente para a juventude. Oferece aos jovens uma possibilidade de expressão, ação e elaboração de novos ideais e projetos identificatórios. Isso é de uma importância incalculável, uma estreita ponte para um futuro possível.
Mesmo enfrentando a resistência de quem quer manter o "status quo" a qualquer custo, a Rede cria uma agenda estratégica para o país e inscreve o debate sobre a sustentabilidade em sua página central. Questiona os falsos consensos sobre produção e consumo, energia, infraestrutura e todos os elementos de uma ideia de progresso que herdamos do século passado e que já chegou ao seu limite.
E até nas dificuldades para se institucionalizar, a Rede denuncia os limites do sistema jurídico e político do país e abre a possibilidade de mudanças. Invertendo a prática comum dos partidos, de primeiro se registrarem para depois buscarem representatividade social, a Rede surge como movimento social amplo e profundo e é sintomático que passe apertadíssima nas estreitas aberturas do sistema político hoje existente (em que organizações artificiais, diga-se de passagem, passam com folga).
A Rede, enfim, já nasce cumprindo seu destino: democratizar a democracia.
Mas, para tornar séria a brincadeira do início, disso tudo eu já sabia. E é essa certeza que quero compartilhar: o encontro do Brasil com os limites e fragilidades de sua democracia, sua superação e fortalecimento, é uma hora da verdade que não pode ser evitada. Sem a atualização de todo o seu sistema político, sem sua passagem ao século 21, o Brasil corre o risco de uma entropia que desfaça todos os avanços que obteve desde o fim da ditadura.
De nada adianta criar obstáculos e dificuldades, os organismos vivos de um novo tempo já surgem para substituir as estruturas que se fossilizaram com o tempo. Como dizíamos em nossa juventude, mesmo que matem milhares de flores não poderão impedir a chegada da primavera.
Há quanto tempo sabemos disso, não é mesmo?

    Ruy Castro

    Todos chegarão lá
    RIO DE JANEIRO - O Brasil está envelhecendo. Segundo projeções oficiais, 20% da população terá mais de 60 anos em 2030. É o óbvio: vive-se mais, morre-se menos e as taxas de fecundidade estão caindo --e olhe que nunca se viu tantos gêmeos em carrinhos duplos no calçadão de Ipanema.
    Em números absolutos, esperam-se perto de 50 milhões de idosos em 2030 --imagine o volume de Lexotan, Viagra e fraldas geriátricas que isso vai exigir. Não quer dizer que a maioria desses macróbios seguirá o padrão dos velhos de antigamente, que, mal passados dos 60, equipados com boina, cachecol, suéter, cobertor nas pernas, e mastigando uma dentadura imaginária, eram levados para tomar sol no parquinho.
    Quero crer que os velhos de 2030 se parecerão cada vez mais com meus vizinhos do Baixo Vovô, aqui no Leblon --uma rede de vôlei frequentada diariamente por sexa ou septuagenários torrados de sol, com músculos invejáveis e capazes de saques e cortadas mortíferas. A vida para eles nunca parou.
    Por sorte, a aceitação do velho é agora maior do que nunca. Bem diferente de 1968 --apogeu de algo que me parecia fabricado, chamado "Poder Jovem"--, em que ser velho era quase uma ofensa. À idade da razão, que deveria ser a aspiração de todos, sobrepunha-se o que Nelson Rodrigues denunciava como "a razão da idade" --a juventude justificando todos as injustiças e ignomínias (como as da Revolução Cultural, na China, em que velhos eram humilhados publicamente por ser velhos).
    Naquela mesma época, o rock era praticado por jovens esbeltos, bonitos e de longas cabeleiras louras, para uma plateia de rapazes e moças idem. Hoje, como se viu no Rock in Rio, ele é praticado por velhos carecas, gordos e tatuados, para garotos que podiam ser seus netos. Já se pode confiar em maiores de 60 anos e, um dia, todos chegarão lá.

    José Simão

    Ueba! A Oi vai se chamar Pois!
    O Partido Socialista Brasileiro está aceitando qualquer um, contanto que não seja socialista! Rarará
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta direto do G1: "Jovem cria método para emagrecer com controle da mente e perde 40 quilos". Como é o nome dele? Edson BURGER! Rarará!
    E o vexame? E o meu São Paulo? Perdeu pro Santos! E a frase da torcida: "Os são-paulinos não fizeram gol no Santos porque o goleiro se chama Aranha". O famoso espanta-Bambi! Rarará!
    E o Santos faz gol, mas não tem torcida pra aplaudir. A comemoração é na fila do INSS! É como o Botafogo: perde, mas não tem torcida pra vaiar! E um são-paulino me disse: "O nosso tricolor virou TRICOLIXO!".
    E tô adorando essa fusão: Portugal Telecom com Oi. A Pois! Ou então podia se chamar: "Está lá? Não, estou cá!". E uma vez uma amiga ligou pra casa duma portuguesa: "Quem está falando?". "VOCÊ!", respondeu a portuguesa. Rarará.
    E sabe por que Portugal lançou celular no Brasil? Pro povo parar de usar o telefone da padaria. Uma reivindicação da colônia. E a Portugal Telecom/Oi vai instalar orelhão na horizontal. Pro povo falar deitado. Sempre pensando em você!
    E o que eu adoro em Portugal é a língua. Casamento é "nó". Esparadrapo é "penso". Então Band-Aid é "penso rápido". E supositório é "penso pra trás". Rarará.
    E gol de bicicleta é gol sobre duas rodas. E carrinho é penalidade sobre quatro rodas. Rarará!
    E uma vez fui pra Portugal, mostrei o passaporte e o cara da migração ficou uns dez minutos olhando pro passaporte. Aí eu pensei: "Ai, meu Deus, eu vou ser barrado em Portugal". Aí ele entregou o passaporte e disse: "Faz tempo que não vem, não gostou?". Rarará!
    E os novelhos partidos? E o PSB do Eduardo Campos filiou dois socialistas convictos: Heráclito Fortes, do DEM, e Paulo Bornhausen, do DEM. Deu Em Merda. O PSB Deu em Merda!
    O Heráclito Fortes é aquela almôndega suada. Que fala como velha comendo bolacha sem dentadura. E o Paulo Bornhausen é filho do velho Bornhausen, que tem cara de quem faz experiência em cérebro de macaco.
    Os socialistas! O Partido Socialista Brasileiro está aceitando qualquer um, contanto que não seja socialista! Rarará.
    É mole? É mole, mas sobe!
    Nóis sofre, mas nóis goza!
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      Barbara Gancia

      Os cubanos treinaram no McDonald's?
      O terrorista Cesare Battisti tem à disposição uma legião de médicos cubanos com quem se tratar
      Minha intenção hoje era falar dos índios. Mudei de ideia lembrando da transamazônica de nãos que recebi de todos a quem perguntei: "E aí, gostou de Xingu'?" (o filme, não o parque nacional que estão esquartejando). Trata-se de um esforço que ninguém apreciou. A história dos irmãos Villas-Boas não interessa. Brasileiro não gosta de índio.
      Como desejo ser lida, disponho-me a agradar. Mas há limites. Se pensa que vou descambar para a apelação, meu nobre leitor, e sair malhando Obama Rousseff e suas ancas duras para a articulação política, errou feio. Vá lá. Já que estamos aqui, só uma lasquinha: negão ruim de cintura como esse nem se morasse no Alvorada, usasse tailleur de manga três quatros e tivesse dificuldade em se locomover de salto --como bem notou Thammy, filha de Gretchen.
      Por falar na Angela Merkel tapuia (eu sei, só daria para comparar se a Angela Merkel estivesse em coma), há muito sinto como se um bisturi me retalhasse as vísceras, tamanha a vontade de dizer a minha opinião sobre essa história de médico que veio de jangada lá de Cuba (ah, não veio? Foi de avião da FAB? Quem pagou?). Entendi: pergunte ao Fidel. Quer saber? A mim pouco importa. Eu preciso é desabafar, senão tenho um treco.
      Para começar, se, neste momento, eu me encontrasse em situação de vítima da seca, no interior do interior da Paraíba, sol fritando a moleira e moscas zunindo ao redor dos meuzôio (nesse contexto seria meuzôio mesmo), baita dor de barriga e, ainda por cima, desidratada, nem que eu fosse acolhida por um ser falando em papiamento que me auscultasse com um estetoscópio trincado e me desse um copo de lavagem de porco para beber, creio que acharia melhor do que não ter assistência.
      Dito isto, passemos para o outro lado do balcão: já notou que os médicos cubanos têm um discurso ensaiado? Pessoal parece ter sido treinado para atendente do McDonald's. Todos estão "felices por estar acá ayudando a Brasssil".
      Ocorre que eu vou ficar devendo, mas não posso acreditar em uma palavra do que dizem.
      Tudo bem. Há quem prefira a ditadura cubana, torça pela volta do Ahmadinejad e esteja morrendo de saudades as traquinagens de Kadafi. Sem problema. Os EUA estão longe da beatificação. Repressão e liberdade de expressão seletiva é com eles.
      Diplomacia é teatro, o mundo todo é um palco e todos os homens e mulheres, meros atores. Mas há de se medir o tom da dramaticidade. Sair de cena abruptamente por conta de ato de espionagem para medir força é perder oportunidade de negócio e de romper com maniqueísmo --resquício da Guerra Fria.
      E se a potência que nasce resolvesse forçar convivência? O Brasil faz negócio com Angola, Venezuela, EUA... Por que não? Por que não podemos vender nossas latas velhas para os EUA e também para o Afeganistão? É verdade. Hoje, só a Argentina se dispõe a comprar automóveis "made in Brazil", já ia esquecendo. Seja como for, não está aí a espionagem a serviço do controle da transferência de tecnologia, ora bolas?
      No fim das contas, quem se sacode são os médicos cubanos, forçados a viver onde nenhum tapuia quis ir. Alguém perguntou se queriam vir passar três anos no sertão? E ainda correm o risco de ter o mesmo destino de seus conterrâneos, que tiveram asilo político negado durante o Pan do Rio.
      Mente aberta, Dilma não liga de deixar ainda mais arredios os já paranoicos EUA. Lembrando que, da nossa porta para dentro, gente como o terrorista Cesare Battisti sempre pode contar com nossa hospitalidade. Política externa de primeira é isso.

      Na TV, Gabeira aborda a violência, o medo e a solidão que afeta os errantes - Fernanda Torres

      Andarilhos
      Gabeira sempre se manteve à margem, no acostamento, cruzando a pista vez por outra, mas no contrafluxo
      Em 1976, 1975, não me lembro mais, assisti a um "Globo Repórter", dirigido por Walter Lima Júnior, sobre contatos imediatos de terceiro grau no Brasil.
      O que prometia ser um programa sobre a visita de seres de outros planetas ao Planalto Central revelou tratar-se de algo bem mais perturbador. Embrenhado nas veredas de Minas e Goiás, Lima Júnior colheu o depoimento de capiaus que viviam isolados em casas de pau a pique e afirmavam ter sido abduzidos por extraterrestres.
      O caso mais impressionante narrava a história do amor entre um matuto e uma ET.
      Levado por um facho de luz, o caipira jurava ter despertado em uma nave espacial, onde fora examinado, não sabia por quanto tempo, por uma junta de médicos alienígenas. Ao cruzar os olhos com um deles, uma ela, enamorou-se. E foi correspondido.
      Encontrado em um campo ermo, uma semana após a suposta abdução, foi trazido de volta para casa. Agora, lamentava a falta da amada e passava as noites a olhar as estrelas.
      Surpreendia o caráter experimental da reportagem. Lima Júnior fazia parte de um grupo de cineastas convidado para produzir especiais para o horário nobre do telejornalismo. Ao receber a encomenda de um "Eram os Deuses Astronautas?", levou ao ar um tratado sobre a loucura.
      O programa de estreia de Fernando Gabeira na Globo News me lembrou imenso o "Globo Repórter" de Lima Júnior. Gabeira optou pelo tema dos andarilhos da via Dutra. Gente que largou a família, ou jamais teve uma, e perambula pela rodovia.
      Com aquela voz inconfundível, lerda, pausada, o verde Gabeira mata a sede em uma fonte de água limpa, fala da abundância do recurso natural na principal ligação entre o Rio e São Paulo e da sua importância na sustentabilidade da vida dos "easy riders".
      E aborda o medo, a violência e a solidão que assombra os errantes. Um rapaz mostra a carteira de documentos escondida no fundo da mochila, diz tratar-se de seu bem mais precioso. É de uma melancolia ímpar.
      Gabeira poderia ter se debruçado sobre a Síria, os "black blocs" ou a alta espionagem, mas preferiu ser existencialista. Por quê?
      Havia uma clara identificação entre o repórter e o caminhante. O homem e sua circunstância. Há muito, desde que se livrou dos dogmas de esquerda, o ex-guerrilheiro, escritor e deputado federal examina o limite entre a liberdade do indivíduo e o interesse comum.
      Gabeira sempre se manteve à margem, no acostamento, cruzando a pista vez por outra, mas no contrafluxo, na contracorrente. Vendo-o na TV, interessado por uma escolha tão radical de vida, me veio a sensação de que a obra era um elogio ao livre-arbítrio. Uma quase autobiografia.
      A retrospectiva dos últimos 40 anos da "Veja" traz uma foto, mais que foto, o "portrait" de Gabeira em Trancoso, deitado sobre um tronco de árvore à beira-mar, coberto apenas com a mítica tanga herdada da prima, Leda Nagle.
      A imagem é bonita, provocante, aborígine, homem-fêmea, e explica o choque dos que esperavam a volta do revolucionário. O microquadrado de crochê lilás com debrum amarelo é pequeno demais para acomodar os pelos da virilha, o elástico é frouxo, e Gabeira está com as pernas abertas, de lado, mas abertas. Ele ri feliz, bronzeado, na Bahia, depois do tortuoso inverno e da convivência com a moral avançada dos países nórdicos. É o retrato de um homem livre.
      Nos quase três meses em que passei acampada no Xingu, durante as filmagens de "Kuarup", nenhum índio superou em graça um Yawalapiti de nome Palavra. Palavra era capaz de acertar uma mosca com uma flecha a cem metros de distância. Era gentil, humorado e sensível. Foi o mais próximo do ideal de índio que eu já cheguei.
      Palavra era místico e viajante, gostava de cruzar longos trechos de floresta a sós. Uma noite, no meio do caminho que levava até a exuberante aldeia dos Camaiurá, sentiu uma letargia súbita e se amparou para não cair. Foi quando um disco voador surgiu flutuando sobre uma árvore à sua frente. A aparição girou as luzes, dançou, rodou, até desaparecer.
      O delírio do Palavra dava a dimensão da profundidade dele.
      É por isso que na semana em que a "Economist" estampa a capa do Cristo Redentor colapsando sobre a Guanabara, "I go looking for flying saucers in the sky".

      quinta-feira, 3 de outubro de 2013

      A Constituição está em perigo - Manuela Carneiro da Cunha

      Manuela Carneiro da Cunha: A Constituição está em perigo

      Tendências / Debates
      Há 25 anos, em 1988, uma nova Constituição afirmou que o país queria novos rumos. O Brasil aspirava a ser fraterno e justo.
      O capítulo dos direitos dos índios na Constituição de 1988 foi emblemático dessa postura. Não tanto pelo reconhecimento do direito dos índios à terra, que já figurava em todas as Constituições do século 20. Mais significativo foi o abandono da ideia --esta do século 19-- de que a missão da chamada civilização consistia em fazer os índios deixarem de ser índios. Em vez disso, pela primeira vez, celebrou-se a diversidade como um valor a ser preservado.
      Em 1988, as expectativas de mineração e construção de hidrelétricas em áreas indígenas já eram contrárias à afirmação dos direitos dos índios. No entanto, a Confederação Nacional dos Geólogos se opôs aos interesses das mineradoras e entendeu que as terras indígenas constituíam uma reserva mineral. Ou seja, elas deveriam ser as últimas a serem consideradas para mineração, quando o minério fosse de interesse estratégico indiscutível e não houvesse alternativa no território nacional.
      Na Constituinte, chegou-se finalmente a um acordo: exceções às garantias de usufruto exclusivo dos índios sobre suas terras, somente em caso de relevante interesse da União. Foi o parágrafo 6º do artigo 231 da CF. O entendimento era de que cada caso seria debatido e sua excepcionalidade comprovada.
      Agora, 25 anos mais tarde, as exceções pretendem se tornar a regra. Como? Definindo --a pretexto de regulamentar o tal parágrafo-- o "relevante interesse da União" de uma forma tão genérica e tão ampla que tudo caiba nela. Pasme: passa a ser de "relevante interesse nacional" qualquer mineração e hidrelétrica, é claro, além de estradas, oleodutos, gasodutos, aeroportos, portos fluviais e até assentamentos agrários. E no final, a pérola que trai a origem da manobra: podem ser "de relevante interesse da União" até terras indígenas intrusadas, com títulos contestáveis.
      Esse é o teor de um projeto de lei complementar na Câmara, de origem ruralista, o PLP 227/2012. Outro projeto, de redação mais sutil, mas com efeitos até piores, foi apresentado recentemente pelo senador Romero Jucá do PMDB de Roraima, e, sem sequer ainda ter número, deve ter rápida tramitação. Deve-se reconhecer a esperteza da manobra, que pretende acabar de uma vez com todas as restrições.
      O que está acontecendo? A bancada ruralista, aliada à bancada da mineração, está tomando conta do nosso Congresso. Por outro lado, desde 1988, as terras públicas remanescentes foram sendo destinadas para se garantir o que interessa ao Brasil como um todo, por exemplo a conservação ambiental.
      Carvall
      A investida dos ruralistas, agora em posição de força no Congresso --e, portanto, no governo também-- é no sentido de tornar legais todas as transgressões da lei que já eram praticadas. Primeiro, foi o Código Florestal, desfigurado há dois anos, que anistiou os desmatamentos irregulares. Agora, querem legalizar o esbulho de terras indígenas.
      Na tentativa de influenciar a opinião pública, os ruralistas usam como fachada os pequenos agricultores. A situação hoje é a seguinte: a definição de áreas de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas e de quilombolas estão paradas. Multiplicaram-se os projetos de lei e de emendas constitucionais que lhes são hostis.
      Um exemplo gritante é a proposta de emenda constitucional (PEC) 215, que quer tirar do executivo e passar para o Congresso a demarcação das terras indígenas, o que na prática significa o fim das demarcações.
      Por toda esta semana, índios e não índios protestam contra o desmantelamento do emblemático capítulo constitucional referente ao direito indígena. Mas esse não é só um ataque aos índios. É todo nosso projeto de futuro que está em jogo.
      MANUELA CARNEIRO DA CUNHA, 70, antropóloga, é membro da Academia Brasileira de Ciências e professora titular aposentada da Universidade de São Paulo e da Universidade de Chicago
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      'Homenagem' substitui cantor corajoso por garotão bronzeado

      folha de são paulo
      'Homenagem' substitui cantor corajoso por garotão bronzeado
      ANDRÉ BARCINSKICRÍTICO DA FOLHACazuza era um porra-louca talentoso que cantava sobre sexo, bebedeiras, drogas e amores. Morreu de Aids, aos 32 anos, sem fugir de fotógrafos e holofotes, e ajudou a colocar a doença, assunto até então tratado a sussurros e mistério, na agenda nacional.
      Mas o Cazuza que deve ressuscitar nos próximos meses, pelo menos em forma de holograma, não é o Cazuza magro de suas últimas turnês, mas o garotão sorridente e bronzeado de seus primeiros anos de carreira.
      Segundo reportagem da Folha, os organizadores da turnê vão utilizar no holograma apenas imagens "pré-doença" do cantor, para "evitar a lembrança do artista debilitado". Por quê? Por que não mostrar o Cazuza corajoso, que enfrentou a doença de frente e morreu gravando e fazendo shows?
      Talvez porque essas "homenagens" não se interessem pela realidade, mas por uma releitura idealizada do passado. Cazuza deixou de ser humano e virou simplesmente "O Poeta".
      Há tempos, a indústria do entretenimento vive de embalar o passado. Estúdios de cinema faturam bilhões com sequências e refilmagens; no primeiro semestre de 2012, pela primeira vez, a venda de discos de catálogo superou a de lançamentos nos Estados Unidos.
      No Brasil, pegamos nossos ídolos musicais mais autênticos e interessantes --Cazuza, Tim Maia, Renato Russo-- e os transformamos em personagens da Disney.
      É a MPB em versão shopping, onde donas de casa podem ver o musical de Tim Maia sem medo de que o "Síndico" fale palavrão e fãs da Legião Urbana vivem uma epifania quase religiosa ao ver o "espírito" de Renato Russo planando sobre o palco em forma de holograma.
      E a música de Cazuza é reciclada pela milésima vez, em tributos chochos no Rock in Rio, em shows de Maria Gadu patrocinados pelo Banco do Brasil, e em discos-tributo de bandas independentes (estas, ao menos, optaram por músicas menos conhecidas que "Brasil" ou "Exagerado").
      Nos anos 1970 e 1980, grupos como The Fevers, Roupa Nova e Lee Jackson faziam shows de "covers" em bailes e eram execrados pela "intelligentsia" da MPB. Hoje, os bailes ganharam nomes pomposos, como "Banco do Brasil Covers" e são bancados por estatais.
      É a institucionalização da MPB de barzinho.