domingo, 6 de outubro de 2013

Janio de Freitas

Justiça pelo avesso
Tudo indica que o TSE favoreceu os culpados pelas estranhezas na tramitação do partido de Marina
Inocências e culpas receberam tratamentos invertidos nos dois casos mais recentes que trouxeram os altos tribunais às apropriadas altitudes também do noticiário. No primeiro caso, o Tribunal Superior Eleitoral ofereceu cena e voz. No outro, não chega a ser surpresa, o protagonista foi o ministro Joaquim Barbosa.
Tudo indica que o Tribunal Superior Eleitoral, mesmo com os votos em geral bem argumentados dos seus ministros, favoreceu os possíveis culpados pelas estranhezas na tramitação do pretendido partido de Marina Silva. Ainda que não houvesse "uma ação deliberada" de "mais de 53% dos cartórios" eleitorais, na gravíssima acusação feita por Marina Silva, os indícios de anormalidade na verificação dos apoios de eleitores (necessários 492 mil) foram, pior do que inexplicados, suspeitos.
O deputado Miro Teixeira, do Rio e entusiasta da Rede de Marina, sustenta que "no ABC (Grande São Paulo), a quantidade de apoios rejeitados pelos cartórios é absolutamente anormal". Para admitir a possibilidade dessa anormalidade e de sua dimensão, é só lembrar-nos de que o ABC é uma cidadela da CUT e do PT, contrários à criação da Rede, e de que outros também levantavam lá um partido, o plagiário Solidariedade do Paulinho da Força Sindical.
Mais difícil é admitir que, em tais circunstâncias, os comandos da Rede tivessem a ingenuidade de aplicar no ABC o trabalho mais promissor em outras regiões. Não foram as únicas ingenuidades influentes no desfecho negativo.
Não há dúvida da falta de 50 mil apoios válidos para o total necessário, comprovada na contagem pedida pela relatora Laurita Vaz. Mas dessa certeza não decorre a segurança de que as tantas invalidações fossem de fato motivadas, já que nem ao menos suas causas foram informadas.
Ciente desse e de outros problemas, como o irregular excesso de tempo consumido pela burocracia cartorial, o TSE deveria providenciar uma verificação por amostragem nos cartórios com rejeição anormal. Não o fez. Deu votos sólidos para o que parecia, não para a certeza do que era.
Ao pedir a retirada da servidora Adriana Leineker Costa do Supremo Tribunal Federal, por ser casada com o jornalista Felipe Recondo, que atua no Judiciário para "O Estado de S. Paulo", o ministro Joaquim Barbosa invocou uma situação contrária à ética. A situação é incomum, mas falta de ética, a haver, não estaria propriamente nela. Se existisse, viria da conduta de um ou de ambos, com o aproveitamento da relação conjugal para beneficiar o jornal e o prestígio do repórter com informações especialíssimas.
Adriana Leineker Costa, originária do STJ, está lotada no STF há 13 anos. O fato de que seu marido seja designado pelo jornal para cobrir o STF não é de sua responsabilidade. E, se ao presidente do tribunal a situação parecer intolerável, cabe-lhe pedir ao jornal a substituição do repórter ou descredenciá-lo. Punir com transferência indesejada quem não criou a situação é punir quem não tem culpa. O contrário de ato próprio de magistrado.

    Suzana Singer - Ombudsman

    Arauto das más notícias
    Folha destaca apenas dados negativos da Pnad, apesar de a pesquisa ter apontado aumento de renda em 2012
    A edição que a Folha fez da pesquisa Pnad, que traça anualmente um quadro social do país, é um prato cheio para quem acha que o jornal só publica más notícias. Todos os destaques pinçados no levantamento eram negativos.
    O título na capa informava que "Analfabetismo e desigualdade ficam estagnados no país" (28/9). Em "Cotidiano", havia o aumento da diferença de renda entre homem e mulher, os salários inchados pela falta de mão de obra especializada e o celular como o único tipo de telefone em mais da metade dos lares. A análise dizia que o resultado da pesquisa pode significar "o fim da década inclusiva".
    Outros jornais optaram por manchetes do tipo uma no cravo outra na ferradura: "Renda média sobe, mas desigualdade para de cair" ("O Globo"), "Analfabetismo para de cair no país; emprego e renda sobem" ("Estado"), "Em todas as regiões houve aumento de renda, mas a desigualdade ficou estagnada" (Jornal Nacional).
    Com seu característico catastrofismo, a Folha fez uma leitura míope da pesquisa, que é muito importante pela sua abrangência -são 363 mil entrevistados respondendo sobre escolaridade, trabalho, moradia e acesso a bens de consumo.
    O dado mais surpreendente era que a renda do brasileiro cresceu em 2012, ano em que o PIB subiu apenas 0,9%. Na Folha, esse fenômeno só foi citado no meio de uma reportagem sobre a desigualdade.
    Coube ao colunista Vinicius Torres Freire, no dia seguinte, chamar a atenção para o fato de que o Brasil estava mais rico "e não sabíamos". "É possível dizer que a taxa de pobreza deve ter caído bem no ano passado", escreveu Freire.
    Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. "No conjunto das transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos", diz Neri.
    A desigualdade parou mesmo de cair, mas foi porque os muito ricos (1% da população) ficaram ainda mais ricos (a renda subiu 10,8%), num ritmo mais rápido do que os muitos pobres (10% na base da pirâmide) ficaram menos pobres (ganho de renda de 6,4%). É claro que não se deve desprezar o abismo social, mas não dá para ignorar que houve uma melhora geral no ano passado, o que é um mistério a ser explicado pelos economistas.
    Se o jornal subestimou o dado da renda, deu espaço demais para o fato de o analfabetismo ter parado de cair. Teve nesse ponto a companhia dos outros jornais e da TV.
    Depois de 15 anos de queda contínua, a taxa de analfabetismo variou de 8,6% para 8,7%. A diferença, irrisória, pode ser apenas uma flutuação estatística. Nem o fato de a taxa ter parado de cair é importante, segundo os especialistas.
    Os analfabetos brasileiros concentram-se, principalmente, na faixa etária mais alta (60 anos ou mais). Os mais velhos, que não tiveram acesso à escola na infância, são mais difíceis de serem alfabetizados. "Entre os jovens, a proporção de analfabetos continua caindo. A conclusão é que, embora nossa educação tenha muitos problemas, este não é um deles", explica Simon Schwartzman, 74, presidente do Iets.
    O destaque dado à diferença entre a remuneração de homens e mulheres também foi descabido. Em 2011, a brasileira recebia 73,7% do salário de um homem. No ano passado, era 72,9%.
    Além de não ser uma variação muito significativa, pode ser um problema amostral. "As mulheres não estão necessariamente ganhando menos do que os homens. Se elas já têm uma renda média menor, basta crescer a participação feminina no mercado de trabalho para aumentar a diferença entre os sexos", afirma Marcio Salvato, 44, professor de economia do Ibmec.
    Entre os bens de consumo, o jornal destacou o celular e as motos. Wasmália Bivar, 53, presidente do IBGE, ressalta a máquina de lavar roupa, presente em 55% das casas. "Para a vida das famílias mais pobres, é um bem de grande significado, porque dá mais tempo livre para as mulheres."
    Não é fácil escolher o que há de mais relevante em uma pesquisa extensa como a Pnad, mas não dá para adotar o critério dos piores números. O jornalismo deve ter como primeira preocupação o que vai mal, apontar os problemas, só que o necessário viés crítico não pode impedir que se destaque o que é de fato o mais importante.

      José Simão

      Ueba! Partido é como banana!
      E o partido Solidariedade diz que é de centro-esquerda. Só se for de centro espírita. Até morto eles filiaram. Rarará!
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E os predestinados da semana. Funcionária do Senado suspeita de lavagem de dinheiro: Flávia PERALTA! E a mãe na maternidade: "minha filha, você vai se chamar Flávia Peralta e vai fazer peraltices lá no gabinete do Renan". Médico cubano que desistiu do programa Mais Médicos: Bladimir REMÉDIOS! Era placebo! Rarará. "Acá la salud non tiene remedios". E pegou uma balsa pra Miami! E o presidente do PT, Rui Falcão, é o que mais falta na Assembleia. Então é o RUI FALTÃO! E adoro o Aécio convidando: "Vamos conversar?". "Vamos! Cadê o bafômetro?". Rarará.
      E os novos partidos? O Brasil já não tem quase partido, tava precisando de mais três mesmo. Partido no Brasil é como banana, dá em penca! Tem esse partido chamado Pros! Pros filhos, pros netos, pros genros e pros raios que os parta! E um leitor sugeriu um novo nome pro Pros: PROSTÍBULO! Rarará! Esse Pros é Pros Mesmos!
      E o partido Solidariedade do Paulinho da Forca Sindical: Solidariedade. Só se for auto-solidariedade! Diz que é de centro-esquerda. Só se for de centro espírita. Até morto eles filiaram. Rarará! E a Marina? A Marinárvore! A tartaruga sem casco! O partido da Marina é um PSD que não come carne. Rarará.
      Rede com gancho enferrujado! Nhenc nhenc. E eu bem que sugeri pra Marina pra ela chamar os gremlins. Pra multiplicar as assinaturas. Ela pegava um gremlin, jogava um copo d'água, eles se multiplicavam e formavam um partido. O Partido dos Gremlins! Rarará.
      E por que a Marina tá sempre com cara de mártir? E o Paulinho tá sempre com cara de quem tá se recuperando de uma hepatite crônica! Rarará!
      E o chargista Jotapê sugere um novo partido: o PQP. Partido das Questões Populares! E um monte de leitor me sugere o PUTA! Partido Unido dos Trabalhadores Autônomos. Mas o melhor partido continua sendo o meu partido; o PGN! Partido da Genitália Nacional! Rarará!
      E os professores? No Rio quem leva bomba são os professores! E adorei a charge do Nani com a PM do Rio gritando pros professores: "Professoras, trouxemos a borracha!". E POW POW! Rarará.
      É mole? É mole, mas sobe!
      O Brasil é Lúdico! Olha essa placa na lanchonete no Méier: "Sugestão do dia; Frango Assado! Coixas e sobrecoixas". Adorei, muito mais chique. Por exemplo, o Corinthians levou nas coixas! Rarará.
      E essa em Santana, Bahia: "Fazemos manutenção de mega-ré".
      Ueba! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        Senhoras Divas - Mônica Bergamo

        Leandra Leal dirige documentário sobre travestis na época áurea da Cinelândia

        O papo corre solto, naquela intimidade típica das longas amizades. "Sabe qual é o nome do filme da Camille?", indaga Rogéria. Ela mesma responde: "Deus Sabe o Quanto Amei!". Risos gerais diante da colega que, dizem, rivaliza com Elizabeth Taylor em número de casamentos.
        *
        As risadas dão o tom do encontro no camarim do teatro Rival, no centro do Rio. As quatro senhoras dispensam apresentações quando exibem suas identidades artísticas: Rogéria, 70, Camille K, 71, Jane Di Castro, 67, e Eloína, 67. Já no RG, elas são Astolfo, Carlos, Luiz e Edson, respectivamente.
        *

        Leandra Leal dirige documentário sobre travestis

         Ver em tamanho maior »
        Rony Maltz/Folhapress
        AnteriorPróxima
        No palco do teatro Rival, a atriz Leandra Leal posa deitada no colo de quatro das personagens do seu documentário "Divinas Divas": Camille K, Rogéria, Jane Di Castro e Eloína
        As quatro estão ali para falar de "Divinas Divas", documentário que protagonizam ao lado de Marqueza, Waléria, Fujika de Halliday e Brigitte de Búzios. A história da geração de travestis da época áurea da Cinelândia deve chegar às telonas no ano que vem, pelo olhar da atriz Leandra Leal, 31, que estreia na direção de longa-metragem.
        *
        "Elas são artistas de verdade e representam uma escola que vem do teatro de revista", explica a diretora. No corre-corre do lançamento de quatro filmes em que atua, Leandra reuniu o grupo para o bate-papo com a repórter Eliane Trindade. Elas chegam impecáveis. Vestem-se de personagens que encarnam no palco e nas ruas desde o final dos anos 1960.
        *
        O elo entre a diretora e as transformistas é o teatro Rival. Foi ali que o avô de Leandra, Américo Leal, levou para a ribalta homens vestidos de mulheres. Em 1967, a trupe pioneira estreava o espetáculo "Pode Vir Quente que Eu Estou Fervendo", no mesmo palco onde brilhavam nomes como Luz Del Fuego, bailarina que se exibia seminua com uma cobra.
        *
        As aspirantes ao estrelato ainda desfilavam pela vida de "homenzinhos". Maquiadora da TV Rio, Rogéria já era vedete, mas se vestia de mulher só no palco. Jane trabalhava em banco. "Chegava ao teatro de terno."
        *
        A ousadia artística contrastava com o moralismo da época da ditadura. "Sair em trajes femininos era crime. Fui presa várias vezes", conta Jane. Além da polícia, encaravam "pit boys". "Juntávamos as piores bandidas e os bofes apanhavam horrores dos cem travestis da Lapa", recorda-se Rogéria, às gargalhadas.
        *
        Já no palco, faziam a linha lady. As musas eram Marilyn Monroe, Tônia Carrero e Martha Rocha, ícones da beleza feminina. As transformações no corpo só vieram quando as primeiras embarcaram para a Europa na década de 1970.
        *
        Brilhavam no Carrossel de Paris, templo do travestismo, e esculpiam o corpo com hormônios e silicone. "Voltei linda. Achavam que eu tava operada. Tinha de mostrar o peru para todo mundo", diz Rogéria. Até então adepta de peruca, lá fora descobriu que tinha madeixas poderosas. "Meu cabelo veio parar na cintura. Não tenho xoxota, mas a cabeleira ferve."
        *
        As histórias pipocam numa balbúrdia de amigas que passaram por poucas e boas juntas. "Somos uma família. Como em qualquer outra, na nossa também existe fofoca", diz Jane. "Fizeram intriga comigo e Rogéria, comigo e Eloína. Tivemos brigas, mas nunca nos afastamos."
        *
        Todas amam Camille. A figura magérrima contrasta com a exuberância das colegas. Famoso cabeleireiro da alta sociedade carioca, Carlinhos virou Camille K e passou a imitar a cantora Marlene e a se destacar em papéis cômicos. Foi dirigida no teatro por Miguel Falabella.
        *
        No espetáculo "Gay Fantasy" (1981), Eloína reuniu a turma sob a direção de Bibi Ferreira. Foi ela também que apresentou Camille ao atual marido, o webdesigner Fabrício Marotte, 30. As quatro décadas de diferença de idade parecem não pesar no relacionamento de sete anos. "Nosso cotidiano é uma fantasia real", define ele. Fabrício tem uma diva 24 horas por dia. "Nunca vi a Camille sem maquiagem nem de chinelo." Levou três anos para seduzi-la.
        *
        Jane achou seu "príncipe" na juventude. Está casada com o baiano Otávio Bonfim há 46 anos. A união civil só ocorreu há dois. Ele se encantou ao ver a morena à la Claudia Cardinale no palco. Mandou um bilhete e se encontrou com um engravatado. "Tava meio tubarão, meio sereia", brinca ela. Ele a incentivou a se transformar. "Tomei hormônio, operei o narizinho."
        *
        O empurrão final foi ver as amigas voltando de Paris poderosas. "Eloína era feia e ficou bonita. Rogéria tava um escândalo. Eu quis ficar uma miss." A metamorfose de Eloína foi tamanha que ela virou rainha de bateria em 1976, entronizada por Joãosinho Trinta. "Enganamos todo mundo." Dois carnavais depois, descobriram que ela era ele.
        *
        Quem também turbinou os seios foi Jane, mas ela se arrepende de ter colocado silicone líquido nas coxas. "Fomos cobaias. Caí na mão de um travesti assassino que me induziu a fazer aplicação na perna. Sofro até hoje."
        *
        Entre as quatro, apenas Jane cogitou fazer cirurgia de mudança de sexo. "Uma operada tentou fazer minha cabeça, mas não caí nessa." Também driblaram a prostituição. Rogéria conta uma experiência em Paris. "As meninas diziam: 'Vai fazer [pegar] um cliente'. Saí com um cara e foi uma coisa horrorosa. Ele botou a mão na frente, lá. Não rolou", recorda-se. "Mas, de graça, peguei todos os lindos franceses."
        *
        Jane relata ter feito michê para não passar fome em Paris. "Mas não é nossa praia." Rogéria pondera: "Tem muito travesti que se prostitui e são ótimos artistas".
        *
        Essa trajetória será recontada em depoimentos e imagens no documentário, cujo "gran finale" será as filmagens do espetáculo "Divinas Divas", que estreou em 2004. Em 13 de dezembro, as oito subirão ao palco do Rival para encenar a própria história em uma superprodução.
        *
        O projeto ganhou edital de R$ 200 mil da Prefeitura do Rio. Para fechar o orçamento, vão lançar um crowdfunding -ferramenta de financiamento pela internet- para tentar levantar R$ 150 mil. As cotas da "vaquinha virtual" começam em R$ 20 e chegam a R$ 10 mil. "A partir de R$ 100, a pessoa pode ver o show e fazer figuração no filme", diz a produtora Carolina Benjamin.
        *
        O documentário coroa a carreira de um grupo que, com altos e baixos, nunca deixou os palcos e conquistou outros espaços. "Jamais imaginei chegar aos 70 anos sendo Rogéria", diz a própria. Ela é prova de que ator não tem sexo. Fez o papel de uma avó na novela "Lado a Lado", da Globo. "Somos os travestis da família brasileira."
        *
        Além de síndica do prédio onde mora em Copacabana, Jane se orgulha de ser fundadora da Parada Gay. No primeiro desfile no Rio, ela cantou o Hino Nacional para barrar a ação violenta dos opositores. "Todo homofóbico tem problema. Não deu certo no sexo nem com homem nem com mulher. Quando nos veem pensam: 'Aquilo sou eu'. Tanto ódio é por não assumir a homossexualidade."
        *
        Elas vieram ao mundo para confundir. "Fui fazer exame de próstata e, na hora de entrar na sala, a atendente perguntou cadê meu marido", conta Camille, provocando explosão de risos. "Os gays fazem da tristeza alegria. Somos iluminados." E elas não veem a hora de as luzes se acenderem para a cena final de "Divinas Divas". "Vamos morrer em cima do palco", diz a síndica Jane. Haja estreias e tapete vermelho.

        Mauricio Stycer

        A zona norte vista da zona sul
        O seriado 'Pé na Cova', de Miguel Falabella, apresenta a alegoria de um Brasil selvagem
        "Pé na Cova" é um dos programas mais originais e intrigantes que a Globo colocou no ar em 2013. Criação de Miguel Falabella, o seriado estreou em janeiro e foi exibido até junho, às quintas-feiras, em 22 episódios. Uma segunda temporada acaba de ter início, agora às terças.
        O programa não conta exatamente uma história, mas apresenta semanalmente situações cômicas ou dramáticas vividas por tipos esquisitos, exagerados, que gravitam em torno de uma funerária no bairro do Irajá, zona norte do Rio.
        O seriado expressa uma visão peculiar que Falabella tem da sociedade brasileira, como ele disse em recente entrevista ao UOL: "De um modo geral, os pobres se divertem mais. Comprei de presente dois apartamentos para minhas duas empregadas, no mesmo prédio, no mesmo andar. Fui à festa de inauguração e tinha puta, travesti, tinha de tudo e todo mundo se dava bem. A sobrevivência obriga você a ser flexível. A classe média é que não tem dignidade, ela ainda está ligada a conceitos, maneiras de ser e viver. E o rico, o rico liga o f*-se."
        A funerária é dirigida por Ruço (Falabella), tipo rústico, pouco instruído, mas com coração mole a ponto de acolher em casa a ex-mulher, Darlene (Marília Pêra), alcoólatra, que cuida da maquiagem dos defuntos.
        Filha de Ruço e Darlene, Odete Roitman (Luma Costa) paga as contas fazendo striptease na internet e vive um romance com a mulher que cuida da borracharia, chamada Tamanco (a cantora Mart'nália). Agora casadas, as duas adotaram uma criança de rua e enfrentam a reprovação dos vizinhos, que veem "imoralidade" no arranjo. Tamanco tem um irmão, o mecânico Marcão (Maurício Xavier), que à noite fatura um extra como o travesti Markassa.
        Alessanderson (Daniel Torres), o outro filho de Ruço e Darlene, é o mais instruído da família, embora não saiba a diferença entre "córnea" e "corna". Eleito vereador fazendo falsas promessas, tentou emplacar a mãe na presidência do recém-criado Fundo da Tragédia Municipal, mas seu padrinho político achou que pegava mal colocar uma pessoa sem diploma no posto. Assistindo à cena, a empregada da casa, Adenóide (Sabrina Korgut), que é analfabeta, usava uma camiseta que dizia: "Eu amo Diúma".
        Quase todo episódio começa com imagens aéreas do Rio, que desembocam em Irajá. Nesta semana, a abertura foi mais longa que o usual. Começou com imagens de Copacabana, depois mostrou uma bandeira do Brasil, até que a câmera entrou em um túnel e saiu no centro da cidade. Na sequência, exibiu a Igreja da Penha, a avenida Brasil e, a entrada da estação Irajá do metrô.
        "Pé na Cova" é uma alegoria, o que salta aos olhos, mas não tenho tanta certeza se Falabella sabe o que pretende representar. "Acho que o seriado está cumprindo o seu papel. Se não for totalmente entendido agora, será um dia, quando o Paquistão tiver visto a luz", disse ao "Estadão", na semana passada.
        Por "Paquistão", creio, o autor está querendo se referir a um Brasil profundo --selvagem, mas afetuoso-- que o universo de Ruço retrata. Os pobres não se reconhecem na história, admite Falabella na entrevista, o que é compreensível em função do exagero dos tipos. Sua mensagem talvez seja dirigida a quem vive do lado de cá do túnel.

          Ferreira Gullar

          Para onde vamos?
          O mercado é um campo de batalha: quem não dispõe de armas e munição em quantidade não sobrevive
          Que o sonho da sociedade comunista, onde todos seriam iguais em direitos e propriedades, acabou, não é novidade para ninguém. É verdade que, apesar disso, há quem ainda insista em defender uma opção ideológica alimentada por aquele mesmo sonho.
          Não obstante, na prática social, tudo indica que os valores de esquerda foram assimilados por uma boa parte dos políticos que já não lhes atribuem propósitos revolucionários. Do meu ponto de vista, isso é um avanço, já que defende o fim das desigualdades como o caminho inevitável da sociedade humana.
          De qualquer modo, o projeto da sociedade comunista se desfez. Tudo bem. E o capitalismo? Para onde vai o capitalismo? É difícil dizer para onde ele vai, mas, no meu modo de ver, ele vai mal.
          Não me refiro apenas à recente crise iniciada em 2008, porque muito antes dela, mesmo nos Estados Unidos, o mais rico país capitalista do mundo, o problema da desigualdade social jamais se resolveu.
          Não me refiro à eliminação definitiva da pobreza. Isso parece fora de cogitação. Se não se encontra lá o mesmo nível de pobreza que encontramos em países menos desenvolvidos, nada justifica um tal grau de exploração do trabalho humano num país que produz a riqueza que ali se produz.
          Não há nenhuma novidade em dizer-se que o capitalismo é o regime da exploração. E isso independe do empresário capitalista, que pode ser um feroz explorador ou um patrão generoso. Independe, porque a exploração é inerente ao sistema, voltado para o lucro máximo. E veja bem, como isso é a essência do sistema, quem descuida disso vai à falência. Ao contrário do que Marx dizia, a luta de classes não se dá entre trabalhadores e patrões, mas, sim, entre os patrões: é um tentando engolir o outro.
          Não estou dizendo nenhuma novidade. Todos os dias nascem milhares de empresas, a maioria das quais vai à falência, derrotadas pelas outras. O mercado é de fato um campo de batalha, uma zona de guerra: quem não dispõe de armas e munição em quantidade necessária e com a suficiência exigida não sobrevive. É a lei da selva, que determina a sobrevivência do mais apto; a seleção natural a que se referia Charles Darwin.
          Para vencer essa guerra, o recurso fundamental é o lucro máximo, o que pode ser sinônimo de maior exploração, seja do trabalhador, seja do consumidor. Claro que não é tão simples assim, porque, hoje em dia, os trabalhadores também dispõem de meios para se defender. Não obstante, na Coreia do Sul, hoje um dos países capitalistas mais florescentes, a quantidade de trabalhadores que se suicida é espantosa. A pergunta a fazer é: por que se matam? Certamente porque não são felizes naquele paraíso capitalista.
          E não é porque todo o empresário capitalista seja por definição explorador e cruel. Nada disso. Na verdade, ele (a empresa) está voltado para tirar cada vez mais vantagem dos negócios que faz, e isso não apenas resulta em explorar os empregados --fazer com que o trabalhador produza mais ao menor custo possível-- como pode provocar desastres como a bolha imobiliária norte-americana, que levou a economia do país ao desastre, arrastando consigo o sistema bancário e o empresariado europeus.
          Os estudiosos do assunto garantem que, a certa altura do processo, era possível antever o que inevitavelmente ocorreria, mas a aspiração ao lucro e tudo o mais que isso envolve não permitem parar. Não por acaso, as crises do capitalismo são cíclicas.
          E o mais louco de tudo isso é que o capitalista individualmente pode acumular bilhões de dólares em sua conta bancária. Mas de que lhe serve tanto dinheiro? Quem necessita de bilhões de dólares para viver?
          Ninguém precisa. Por isso, Bill Gates doou sua fortuna a uma entidade beneficente que trata de crianças com Aids e, depois disso, ele mesmo abandonou a direção de sua empresa para ir dirigir aquela entidade beneficente. Em seguida, convenceu outros capitalistas a fazerem o mesmo. É que ganhar dinheiro por ganhar dinheiro, a partir de certo ponto, perde o sentido.
          O que o capitalismo tem de bom é que ele estimula a produção de riqueza e isso pode ajudar a melhorar a vida das pessoas, mas desde que não se perca a noção de que o sentido da vida é o outro.

          Painel - Vera Magalhães

          Estrategistas do PSB afirmam que Marina será 'candidata dublê' de Campos

          Candidata dublê Estrategistas do PSB usam a expressão cunhada por Lula sobre como atuará na campanha de Dilma Rousseff para explicar a aparente contradição no fato de Marina Silva, com 26% no último Datafolha, poder ser vice de Eduardo Campos, que tem 8%. Lula disse que será um "candidato dublê" para ajudar a presidente. Socialistas dizem que Marina vai viajar pelo país em campanha para ajudar o crescimento do governador de Pernambuco e tornar sua candidatura mais competitiva.
          Me chama... Foi Marina que procurou Campos para conversar, e não o contrário. Quem conta é o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), um dos mais próximos conselheiros da ex-senadora durante o processo de criação da Rede.
          ... que eu vou "Ele refletiu por alguns segundos e, depois, disse: isso é surpreendente e inédito", diz Miro, segundo relato de Marina.
          Desconfiança Na reunião que varou a madrugada de ontem, apoiadores da ex-senadora fizeram pesadas críticas ao governador de Pernambuco. Entre as restrições foi citada a sua proximidade com a família Bornhausen.
          Quem herda? Surpreendido pela aliança entre Marina e Campos, o comando dilmista já programou pesquisas qualitativas para avaliar o novo cenário. A expectativa é que, inicialmente, haverá uma "orfandade" dos marineiros, ampliando a taxa de indecisos, nulos e brancos.
          Arqueira O Planalto foi pego de surpresa não só pelo acordo, mas pelo discurso duro e pontuado de inusual ironia de Marina. A fala foi considerada "ressentida". Na primeira avaliação dos conselheiros de Dilma, a chapa ocupará o campo da oposição, e não da terceira via.
          Bússola Antes da entrevista do PSB e da Rede, Ideli Salvatti telefonou para vários ministros, petistas e aliados perguntando qual a leitura que faziam da reviravolta.
          Arco ou flecha? A aliados, Aécio Neves (PSDB), previu a aliados turbulência futura na aliança PSB/Rede. Ele acredita que a vantagem de Marina sobre Campos nas pesquisas permanecerá até meados do ano que vem, o que vai levar a que haja pressão pela inversão das posições na chapa presidencial.
          Numa nice Enquanto corria a entrevista de Campos e Marina, José Serra assistia a uma sessão de "Está Chovendo Hambúrguer 2" com os netos, em São Paulo.
          Puxadinho A cúpula do PSB avisou às seções estaduais que haverá uma redistribuição de forças nos Estados para acomodar os representantes da Rede. Em São Paulo, Walter Feldman deve assumir posto de comando.
          Na balança Na votação de 2011 da revisão do Código Florestal, 27 dos 30 deputados do PSB votaram a favor dos ruralistas. Em 2012, o bloco se dividiu: 16 votos para a tese ambientalista e 9 contra.
          Que tal.... Dilma revelou a um dirigente do PMDB um desenho novo para o ministério do seu último ano de mandato. Ao invés de promover os secretários-executivos, como fizeram FHC e Lula, quer nomear senadores que não serão candidatos em 2014.
          ... assim? A fórmula pode ser usada para colocar Vital do Rêgo (PB) na Integração Nacional, como pede o PMDB, mas só a partir de dezembro, quando saírem todos os ministros candidatos.
          Oremos Em aproximação com lideranças evangélicas, o PT vai em peso ao aniversário do pastor José Wellington, da Assembleia de Deus, segunda-feira. Lula avisou que estará lá. Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) também foi convidado.
          *
          TIROTEIO
          A grande novidade do dia foi essa entrevista de João Santana sobre os 'anões'. Pense numa coisa nova! Foi essa entrevista.
          DE EDUARDO CAMPOS, presidenciável do PSB, sobre o marqueteiro do PT ter chamado rivais de Dilma de 'anões' e dito que ele será o que menos crescerá.
          *
          CONTRAPONTO
          Em entrevista sobre a edição deste ano do Enem, o ministro Aloizio Mercadante (Educação) lembrou mais uma vez que não é permitido o uso de qualquer objeto eletrônico durante a prova, que acontece neste mês. Ele afirmou que, a exemplo do ano passado, a pasta vai fiscalizar a postagem dos candidatos em redes sociais.
          --Como é esse monitoramento? - inquiriu um repórter.
          Sem querer dar detalhes, Mercadante respondeu:
          --Pode ter certeza de que a gente identifica na hora onde ele está, a sala dele, e ele é tirado de lá... Não é o monitoramento do Obama, mas funciona bem!
          Com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
          painel
          Vera Magalhães é editora do Painel. Na Folha desde 1997, já foi repórter do Painel em Brasília, editora do caderno 'Poder' e repórter especial.