terça-feira, 8 de outubro de 2013

Janio de Freitas

Presente e futuro
A história das eleições já legou exemplos suficientes de que acordos são passí-veis de desmanchar-se no ar
Visão política é a capacidade de olhar para o momento presente e, em vez dele, ver o futuro.
Tudo indica que Marina Silva e Eduardo Campos voltaram os olhos para o futuro e viram apenas um momento do presente.
Em um só lance, os dois plantaram fartos problemas para sua adaptação mútua, em meio a igual dificuldade de seus grupos. Políticos costumam ter flexibilidade circense, mas não é o caso, por certo. Bem ao contrário.
Nem mesmo o pessoal do PSB cita o nome do partido por inteiro, há muito tempo: fazê-lo exigiria mencionar a palavra "Socialista". O que se sabe das ideias do próprio Eduardo Campos não é muito mais do que se sabe de Marina Silva. Em relação aos dois sabe-se, porém, o suficiente para perceber a inconciliação quase completa. Não cabe mais dizer que o PSB seja partido "de esquerda", nem se pode dizer isso de Eduardo Campos. Mas conservadores, o partido e seu presidente não são, nem podem sê-lo, por exigência da ambição eleitoral que expõem.
Marina Silva tem mais de esfinge que de política (sem alusão a certa semelhança de traços básicos). Se não há clareza de como a ex-candidata à Presidência pensa o país e seus problemas, ao menos se dispõe de uma percepção básica, na medida em que uma dedicação religiosa intensa exprime uma concepção bastante mais ampla. E ao deixar o catolicismo para tornar-se evangélica dedicada, Marina Silva integrou-se a uma corrente de notório conservadorismo. Demonstrado, inclusive, em extensão política, nas posições e atos de sua bancada no Congresso, com frequentes referências nos meios de comunicação.
Imaginar que tamanha diferença, digamos, conceitual caminhe para a conciliação, em nome de conveniências políticas imediatistas, exige esquecer o início da questão: as conveniências políticas dos dois são as mesmas e concorrentes entre si. Sustentadas, de uma parte e de outra, em graus equivalentes de pretensão e mal contido autoritarismo.
Com este pano de fundo, veremos o que se passará diante das posições de ambos invertidas na chapa do PSB em comparação com as pesquisas. Os seguidores de Marina nem esperam por próximas pesquisas, já entregues à campanha pela cabeça da chapa. As simpatias dos dois grupos vão mostrar o que são, de fato, quando se derem as verdadeiras discussões sobre liderança, temas de campanha, respostas às cobranças do eleitorado, a batalha.
A história das eleições, mesmo a recente, já legou exemplos suficientes de que acordos, garantias, alianças e comunhões são passíveis de também desmanchar-se no ar. É só bater um ventinho mais conveniente para um dos lados. Eduardo Campos sabe disso, o que significa que o festejado entendimento com Marina representa, para ele, múltiplos riscos. Entre os quais, até o desgaste político decorrente da simples dificuldade de convivência, descoberta agora por vários (ex-)entusiastas da Rede Sustentabilidade.
Marina Silva, ao passar de uma posição de liderança para a duvidosa inserção em partido alheio e com líder-candidato definido, na melhor hipótese fez uma jogada no escuro sob a luz do dia. Ao menos terá tempo para sair pelo país explicando ao seu eleitorado o que quer dizer sustentabilidade, um nome de partido à altura da incompetência com que foi tratado por seus sustentadores.

    Minissérie tenta captar o 'sertão real'

    'Amores Roubados', que a Globo exibe em 2014, traz adaptação de folhetim pernambucano clássico para dias de hoje
    Emissora busca atualização para fidelizar audiência fora do eixo Rio-São Paulo, analisa especialista
    ISABELLE MOREIRA LIMADE PAULO AFONSO (BA)O sertão brasileiro, velho conhecido da Rede Globo, volta à TV. Desta vez, no entanto, sai de cena o agreste icônico de Lampião e Padre Cícero e entra a terra fértil cortada pelo rio São Francisco, produtora de vinho e de frutas para exportação.
    Este é o cenário de "Amores Roubados", série de dez capítulos que a emissora exibe em janeiro de 2014 com a promessa de sotaque mais fidedigno e imagem de cinema.
    A obra é uma adaptação de "A Emparedada da Rua Nova", de Carneiro Vilela, folhetim publicado semanalmente entre 1909 e 1912 pelo "Jornal Pequeno", do Recife (PE). Trata de um Don Juan que entra em apuros ao se envolver com a filha de um homem rico e poderoso da capital. Na época da publicação, a trama, que gira em torno de paixão e vingança, virou febre com status de lenda urbana.
    Agora, foi teletransportada para a área rural e para o século 21. Segundo os idealizadores, a ideia é levar à tela um sertão contemporâneo e mais próximo da "vida real" do Nordeste, ainda que a história original tenha sido escrita há mais de cem anos.
    A professora de comunicação da Universidade Federal da Bahia, Maria Carmem Jacob de Souza, afirma gostar da ideia de ver um sertão mais atual na tela e diz achar importante que a produção de teledramaturgia "saia do eixo rotineiro" e explore diferentes regiões do país.
    "Na verdade, eles podem é desmontar estereótipos e até tornar mais rica a impressão sobre o Nordeste."
    Segundo Julio Wainer, professor de jornalismo e diretor da TV PUC, a escolha da Globo reflete uma necessidade de modernização e de fidelização de um público. "O cavalo não existe mais, existe a moto há mais de dez anos. A emissora é obrigada a se atualizar para não ficar de fora da audiência no Nordeste."
    Para "agarrar" essa audiência, a Globo repetiu o triunvirato responsável por "O Canto da Sereia" (2013): George Moura ("Linha de Passe", 2008) no roteiro (sob a supervisão de Maria Adelaide Amaral), José Luiz Villamarim ("Avenida Brasil") na direção-geral e Walter Carvalho, uma grife do cinema com mais de 80 títulos no currículo, na direção de fotografia e câmera --algo incomum na TV, onde a câmera é operada por outros profissionais.
    "O olhar do Walter vai criar esse sertão contemporâneo, onde tem motoboy e Land Rover, mas tem também uma moral arcaica", diz Moura, que há 17 anos sonhava em roteirizar o folhetim.
    Para Carvalho, a maior marca da minissérie é o sol. "Eu acho que o sertão tem dois sóis, um que queima e outro que aterrissa, chega muito perto de você. Tudo o que eu penso em termos de imagem tem que ir por aí."
    Esse sol "inclemente e cáustico" que Carvalho cita foi também um dos grandes desafios das gravações.
    Folha acompanhou o antepenúltimo dia de trabalho da equipe na última semana no Raso da Catarina, área mais seca de todo o Estado da Bahia, célebre por ter servido de abrigo a Lampião quando fugia da polícia, e presenciou certos cuidados tomados pela equipe de produção.
    As gravações na região começam cedo, às 6h, quando as temperaturas ainda não são insuportáveis. Toda a equipe --exceto os atores --usa roupas com proteção contra raios UV, chapéus e protetor solar, e se aglomera embaixo de tendas. Além disso, há dois funcionários que têm como função primordial distribuir água, isotônicos e melancia frequentemente.
    Villamarim, o diretor, afirma que a saúde da equipe foi uma preocupação constante, mas que o maior desafio é justamente o seu maior objetivo: "Dar um frescor [à adaptação] e mostrar realisticamente o que é o sertão que a gente vê hoje. Eu não estou inventando sertão nenhum".
      ANÁLISE
      Grito da emparedada é ouvido até os dias de hoje no Recife
      XICO SÁCOLUNISTA DA FOLHAO caso se deu no final do século 19, mas até hoje, quem passa no casarão de número 200 da rua Nova, no centro do Recife, ouve os gritos de Clotilde, a moça emparedada viva pelo desalmado pai.
      A filha da alta sociedade pernambucana estava grávida de um pé-rapado, um desconhecido e misterioso plebeu, fato inadmissível para a nobre família.
      Não há mais como dizer se a história é verdadeira ou não, debate que se arrasta há um século. Vale a lenda, publicada inicialmente em forma de folhetim no "Jornal Pequeno", entre 1909 e 1912, que daria depois no romance "A Emparedada da Rua Nova", obra de Carneiro Vilela (1846-1913).
      Por muito tempo artigo raro nos sebos, o livro ganhou em setembro a sua quinta edição pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco).
      Em 2010, foi adaptado no curta-metragem homônimo de Marlom Meirelles e neste ano mereceu versão teatral com o título "O Amor de Clotilde por um Certo Leandro Dantas", da Trupe Ensaia Aqui e Acolá.
      O grito que assombra a rua Nova tem um certo eco do conto "O Gato Preto", de Edgar Allan Poe (1809-1849). A prática do emparedamento, porém, como alerta o narrador de Poe, é coisa que vem de relatos ainda da Idade Média.
      Do folhetim de Vilela à lenda da "Perna Cabeluda", misterioso membro que aterroriza a capital desde os anos 1970, o Recife cultiva a fama da cidade brasileira mais mal-assombrada.
      A história da perna nasceu a partir de um programa de rádio feito pelo escritor Raimundo Carrero.
      Em "Assombrações do Recife Velho", Gilberto Freyre também recolheu histórias deste imaginário.
      Atualmente, o projeto "O Recife Assombrado", dos jornalistas André Balaio e Roberto Beltrão, reúne, em site e livros, uma farta antologia do gênero.
        Elenco nordestino combate sotaque global
        Protagonistas da minissérie "Amores Roubados", no entanto, são interpretados por conhecidos do horário nobre
        Acadêmico afirma que a escolha dos atores está relacionada à qualidade atual do cinema feito em Pernambuco
        DA ENVIADA A PAULO AFONSO (BA)Outra arma usada pela TV Globo para conseguir mostrar o "sertão real" na minissérie "Amores Roubados", que exibe em janeiro, foi o sotaque.
        Embora os papéis principais da minissérie sejam interpretados por velhos conhecidos do horário nobre --Murilo Benício, Patrícia Pillar, Ísis Valverde e Cauã Reymond--, foram escalados atores nordestinos que vivem fora do eixo Rio-São Paulo para dar mais credibilidade à pronúncia.
        Entre eles, os pernambucanos Irandhir Santos ("O Som ao Redor") e Jesuíta Barbosa ("Tatuagem") e o potiguar Cesar Ferrario ("Cheias de Charme").
        "Em um primeiro momento, a gente se sente ridículo. Até você realmente começar a se sentir bem falando, você passa por uma estrada muito dolorida", afirma Benício, que se preparou antes das gravações com fonoaudióloga e chegou a pedir ajuda a Irandhir durante o trabalho.
        Para Julio Wainer, diretor da TV PUC, a escolha do elenco faz sentido. "Hoje, o melhor cinema no Brasil está em Pernambuco e as novelas são feitas com atores do Sudeste. É uma tentativa de se atualizar sem perder a referência do imaginário e ainda buscar novos mananciais de atores. É um jogo de caras mais conhecidas e de caras novas."
        Cauã Reymond, uma das caras mais conhecida e o Don Juan da minissérie, experimenta o sotaque nordestino pela segunda vez --a primeira havia sido em "Cordel Encantado" (2011). Ele diz ter ficado feliz em trabalhar com George Moura, autor que "sabe falar bem do universo masculino, que tem uma visão masculina sobre o homem".
        "Na dramaturgia, hoje, os autores escrevem muito para mulher. Isso não é uma crítica, mas uma tendência. Mas o George escreve homens de forma ativa, com personalidade dominante, forte. O Jayme [personagem de Benício] e o Leandro [o de Reymond] são machos alfa", diz.
        Reymond antagonizará com Benício, que faz o homem mais poderoso de Sertão, município fictício de Pernambuco escolhida para mostrar o "sertão contemporâneo".
        A cidade é formada de imagens captadas em locações de Petrolina (PE), onde estão as vinícolas do antagonista Jaime Favais (Benício), e na região de Paulo Afonso (BA), base para as cenas feitas no Raso da Catarina.

          José Simão

          Folha de São Paulo
          Ueba! Marina parece o Vasco!
          E diz que, em homenagem à Portuguesa, vai ter gata do Brasileirão com bigode! Rarará!
          Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do Pais da Piada Pronta: "Narcisa Tamborindeguy se filia a partido político errado". Ai, que ferradura! Entrou pro PSD pensando que era o PSDB! Imagine na hora de votar! E como disse um cara no Twitter: "Narcisa devia entrar pro LSD!". Rarará!
          E gol da Portuguesa! E gol da Portuguesa! Agora a gente só escuta isso: Goool da Portuguesa! Jogaram pó-de-mico nos jogadores da Lusa? Meteram 4 no Corinthians, 3 no Santos e o Rogério Ceni já tá em pânico! Rarará!
          Tão chamando a Portuguesa de Barcelusa! E sabe por que a Portuguesa tá ganhando? Porque eles usam a tática padaria: atacam em massa e retrancam em bolo! E diz que, em homenagem à Portuguesa, vai ter gata do Brasileirão com bigode! Rarará! Eu acho que eles fizeram macumba com bacalhau preto. E vinho do Porto!
          E a Marina? A Marina parece o Vasco: faz um barulho danado pra ser VICE no final! O plano B era o PSB! Plano PSB! E a Marina não precisa de chapa, precisa de chapinha!
          E o Ciro Botelho disse que PSB quer dizer: Preferimos Surpreender o Brasil. Ou Pretendemos Surrar o Barbudo! Rarará!
          Achei uma incoerência a Marina falar "vamos sepultar a Velha República" e se filiar a um partido que filiou o Heráclito Fortes e o Bornhausen, do DEM! Deu Em Merda! Partido Socialista Brasileiro filia qualquer um, contanto que não seja socialista!
          E a política tá assim: o PT se junta com o Maluf e o Sarney. A Marina se filia ao PSB, que filia o povo do DEM. E o PSDB parece um antiquário. É O NOVO! Como gritou uma leitora: "Junta tudo e JOGA FORA!" Rarará!
          E eu posso ser sincero? Eu não entendo nada do que a Marina fala! Acho que ela tá falando grego com legenda em curdo e dublado em sânscrito! Parece filme da Mostra! E diz que, por causa da fusão Maricampos, a Dilma tá bolada. A Dilma não tá bolada. A Dilma É bolada: "Como presidenta, eu digo: Vamos em frenta que atrás vem genta!'". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
          Os Predestinados! Mais dois para a minha série Os Predestinados! É que em Moema, aqui em Sampa, tem uma psicanalista chamada Janet NOYA! "Ai, doutora Janet, tô com uma noia!" E em São Carlos tem uma psicóloga chamada Silvia PÂNICO! Rarará!
          Nóis sofre, mas nóis goza!
          Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

            Festival leva deficientes às telas e à plateia

            Assim Vivemos chega à 6ª edição e exibe filmes de 17 países que destacam protagonismo de portadores de deficiência
            Programação tem audiodescrição para cegos, legendas para surdos e acessos com adaptações
            MARCELO ALMEIDADE SÃO PAULOO festival "Assim Vivemos" completa dez anos como o maior festival do país com temática ligada à deficiência.
            Além de usarem como tema a deficiência, os 28 filmes de 17 países da programação terão acesso para cadeirantes e recursos para pessoas com deficiência visual (com audiodescrição e catálogos em braille) e auditiva (com legendas e interpretação em libras nos debates).
            Dentre os destaques está "As Sessões", sobre personagem real que ficou tetraplégico. O filme rendeu a Helen Hunt uma indicação ao Oscar.
            Segundo Lara Pozzobon, uma das fundadoras e curadoras, a ideia do evento surgiu após ela participar de um festival temático sobre deficiência em Munique, em 2001.
            "Fiquei maravilhada com o nível de qualidade dos filmes e achei que deveria haver iniciativa semelhante por aqui", afirma.
            EXIGÊNCIA
            Pozzobon conta que, quando o festival teve início, em 2003, o conceito de audiodescrição mal existia no país. "Os deficientes auditivos tinham que levar alguém que ficava cochichando o tempo todo."
            Segundo a curadora, o protagonismo dos deficientes é a principal exigência feita para a seleção. "Priorizamos obras em que as próprias pessoas com deficiência contam suas vidas."
            A consultora Jucilene Braga, 32, que é deficiente visual, diz que costuma recorrer a eventos do tipo para ter acesso completo a filmes e peças de teatro.
            Para ela, as duas horas por dia de programação com audiodescrição na TV aberta são pouco. "Em duas horas, dentre as 24 do dia, eu vou ver só a Tela Quente'. É bastante limitante", afima.

              João Pereira Coutinho

              folha de são paulo
              Homens de bem
              Não são os homens públicos que devem ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis
              Você, leitor, é pessoa honesta e cumpridora. Trabalha. Paga as contas. É decente com a mulher e os filhos. Mas quando olha em volta, o cenário é selvagem. Os colegas usam e abusam da dissimulação e da mentira. Sem falar da corrupção de superiores hierárquicos ou de políticos nacionais, esse câncer que permite a muitos deles terem o carro, a casa, as férias, a vida que você nunca terá.
              Para piorar as coisas, eles jamais serão punidos por suas viciosas condutas. A pergunta é inevitável: será que eu devo ser virtuoso? Será que eu devo educar os meus filhos para serem virtuosos?
              Essas perguntas foram formuladas por Gustavo Ioschpe em excelente texto para a "Veja". De que vale uma vida ética se isso pode representar, digamos, uma "desvantagem competitiva"?
              Boa pergunta. Clássica pergunta. Os gregos, que Ioschpe cita (e, de certa forma, rejeita), diziam que a prossecução do bem é condição necessária para uma vida feliz. Mas o que dizer de todas as criaturas que, praticando o mal, o fizeram de cabeça limpa por terem falsificado a sua própria consciência?
              Apesar de tudo, Gustavo Ioschpe tenciona educar os filhos virtuosamente. Não por motivos religiosos, muito menos por temer as leis da sociedade. Mas porque assim dita a sua consciência. Um dia, quem sabe, talvez o Brasil acabe premiando essas virtudes.
              A resposta é boa por seu otimismo melancólico. Mas, com a devida vênia ao autor, gostaria de deixar dois conselhos para acalmar tantas angústias éticas.
              O primeiro conselho é para ele não jogar completamente fora as leis da sociedade na definição de boas condutas. Porque quando falamos de vidas éticas, falamos de duas dimensões distintas: uma dimensão pública, outra privada.
              E, em termos públicos, acreditar que os homens podem ser anjos (para usar a célebre formulação do "Federalista") é o primeiro passo para uma sociedade de anarquia e violência.
              Na esfera pública, eu gostaria que os homens fossem anjos; mas, conhecendo bem a espécie, talvez o mínimo a exigir é que eles sejam punidos quando se revelam diabos.
              Se preferirmos, não são os homens públicos que têm de ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis quando os homens públicos são viciosos.
              Isso significa que a principal exigência ética na esfera pública não deve ser dirigida ao caráter dos homens --mas, antes, ao caráter das leis e à eficácia com que elas são aplicadas. No limite, é indiferente saber se os homens públicos são exemplos de retidão. O que importa saber é se a República o é.
              Eis a primeira resposta para a pergunta fundamental de Gustavo Ioschpe: devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis. E, como alguém dizia, é do temor das leis que nasce a conduta justa dos homens. Desde que, obviamente, as leis inspirem esse temor.
              E em privado? Devemos ser virtuosos quando nem todos seguem a mesma cartilha e até parecem lucrar com isso?
              Também aqui, novo conselho: não é boa ideia jogar fora os gregos. Sobretudo Aristóteles, que tinha sobre a matéria uma posição sofisticada e, opinião pessoal, amplamente comprovada.
              Fato: não há uma relação imediata entre virtude e felicidade. Mas Aristóteles gostava pouco de resultados imediatos. O que conta na vida não são as vantagens que conseguimos no curto prazo. É, antes, o tipo de caráter que "floresce" (uma palavra cara a Aristóteles) no curso de uma vida.
              E, para que esse caráter "floresça", as virtudes são como músculos que praticamos e desenvolvemos até ao ponto em que a "felicidade", na falta de melhor termo, se torna uma segunda natureza.
              Caráter é destino, diria Aristóteles. O que permite concluir, inversamente, que a falta de caráter tende a conduzir a um triste destino. Exceções, sempre haverá. Mas, aqui entre nós, confesso que ainda não conheci nenhuma. Não conheço maus-caracteres que tiveram grandes destinos.
              Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.
              E, sobretudo, nunca subestime a capacidade dos homens sem caráter para arruinarem suas próprias vidas.
              Educar os filhos para serem "homens de bem" é também ajudá-los a evitar essa ruína.

              segunda-feira, 7 de outubro de 2013

              Inovar, mas com critério - Alexandre Schneider

              A prefeitura paulistana deixou de divulgar mensalmente o número de matrículas em creche. Um caso inusitado de redução de transparência
              Em agosto deste ano, a Prefeitura de São Paulo apresentou um projeto para, supostamente, "reformar o currículo e toda a administração da rede de ensino".
              Não era sem tempo. Somando-se à posse do novo secretário da Educação os três meses de transição de governo, já faz um ano que fizemos, juntos, uma radiografia de todos os números, obras, serviços em andamento e do que se previa em projetos e ações.
              Assim que assumiu a Educação, porém, Cesar Callegari passou a fazer denúncias e reparos à antiga gestão. Somos, portanto, obrigados a voltar a repor verdades.
              Cesar Callegari afirma hoje que "no quinto ano do ensino fundamental de nossas escolas, há 38% de alunos não alfabetizados". Na época da transição, disse ao UOL, sem citar a fonte, que esse número era de 27% e "era preciso agir já, imediatamente".
              Teria se descuidado tanto e o número de não alfabetizados em sua gestão crescido assustadores 11%? Ou, então, se esqueceu da declaração que deu ao portal em 26 de dezembro e, com divulgação da taxa maior, estaria se preparando para anunciar agora a mágica redução um ano depois...
              O mais interessante, porém, é que sua gestão não fez nenhuma avaliação dos alunos para medir esse índice. O Ministério da Educação (MEC) também não mede esse dado. De concreto, sabe-se que o MEC vai passar a medir nacionalmente o índice de alfabetização no terceiro ano do ensino fundamental.
              Índices à parte, Callegari anuncia várias novidades para fazer a "revolução" prometida. Destacamos quatro delas.
              1. Realização de provas bimestrais. Como? As escolas da rede municipal já fazem avaliações periódicas. Além das elaboradas pelas escolas, a Secretaria de Educação aplicava provas externas. Não há nada de novo, a menos que a secretaria padronize todo o processo de avaliação, eliminando compulsoriamente o que é feito pelas escolas.
              2. Lição de casa para os alunos. Estranho, pois dados oficiais da própria secretaria indicam que, segundo os pais, apenas 4% dos alunos da rede não levavam lição para casa (Pesquisa de Hábitos de Estudo 2010 - Prova São Paulo). Então, o que propõe a secretaria? Criar uma lição de casa padrão para todas as escolas? Será feito um controle centralizado? Todos os professores deverão, por exemplo, passar os mesmos problemas de matemática aos alunos de um determinado ano? E informar a secretaria se os alunos fizeram a lição?
              3. Recuperação paralela para os alunos. Todas as escolas já têm isso. Com material específico para uso em sala de recuperação.
              4. Promessa de escola em tempo integral. Vale esclarecer que, na gestão Kassab, saímos de quatro para seis horas de aula na pré-escola e de quatro para cinco horas de aula no fundamental. Em setembro de 2012, já havia mais de 260 mil matrículas em atividades no contraturno escolar, com alunos do ensino fundamental frequentando a escola por sete horas, com aulas de recuperação, música, xadrez (um dos maiores programas de xadrez educativo do mundo) e outras.
              Por fim: a prefeitura deixou de divulgar mensalmente no seu site o número de matrículas em creche. Em troca, coloca a soma do número de alunos em creche e em pré-escola, o que reduz a transparência e a possibilidade de controle. Não há mais como saber o número de alunos por sala, como antes. Nem sobre a formação de professores e sua distribuição. Um caso inusitado de redução de transparência.
              Vale todo esforço para inovar e melhorar o ensino municipal. E se for preciso renomear, desativar projetos, interromper e eliminar soluções já implantadas, que seja com critério, seriedade e transparência. São Paulo, os profissionais da educação, alunos e pais de alunos merecem isso.

              Luli Radfahrer

              Vem brincar comigo
              Está na hora de levar a brincadeira a sério; o jogo se tornou pré-requisito para o desempenho profissional
              Durante muito tempo o ato de brincar foi considerado coisa de criança, aquilo que os pequenos faziam quando se viam livres da interferência dos adultos. Opostas a "coisas sérias", as brincadeiras não eram consideradas experiências válidas. O tempo empenhado nelas era, no máximo, uma forma de lazer.
              No entanto, desde o começo do século 20, pedagogos, filósofos, psicólogos e outros estudiosos do aprendizado vêm percebendo que a brincadeira é um artifício cerebral de grande importância para o aprendizado de ideias e conceitos.
              O jogo é fundamental para o desenvolvimento social, emocional, intelectual e físico. Ambiente de simulação e representação de papéis, nele o tempo acontece de forma desestruturada e interativa, dando a seus participantes um grande controle sobre elementos que, na vida cotidiana, seriam imprevisíveis.
              Muita gente que despreza jogos não percebe que, ao entrar em debates políticos, questões de poder e estratégias de sedução, está jogando outro tipo de jogo, e, como os outros, tem regras claras e está aberto a intervenções.
              Há mais de meio século, Sigmund Freud defendia que cada criança, ao brincar, se comportava como um artista ou um cientista. Ambos criam estruturas diferentes da realidade, em que os elementos do mundo são desativados ou reestruturados, ficando sujeitos à manipulação.
              Está na hora de levar a brincadeira a sério. Hoje, tempos em que tanto se fala em inovação, cocriação e "design thinking", o jogo se tornou pré-requisito profissional. É nele que se desenvolve o raciocínio sistêmico e multivariável que mais tarde será necessário para desenvolver e operar novos aplicativos e interfaces.
              O fluxo ininterrupto de informação do mundo digital faz com que seja preciso aprender o tempo todo, questionando e desafiando as velhas certezas. Equipamentos de ponta nos hospitais e na indústria são tão diferentes do velho computador-e-mouse que nem parecem ter a mesma origem. Seu comportamento é tão amigável que se torna irresistível chamá-los de brinquedões.
              Se muita gente ainda tem preconceito com relação aos jogos é porque os videogames, como a internet e a informática, cresceram sob os nossos olhos. Como tios desligados, muitos ainda os veem como as crianças que um dia foram. Um Xbox One é tão diferente do fliperama em que se jogava "Pac-Man" quanto um Airbus A380 difere de um balão.
              Muitos jogos têm roteiros primários, mas isso é culpa de roteiristas e do mercado. Não se pode comparar Akira Kurosawa a James Cameron.
              Boa parte da internet e de sistemas como o Unix foram criados colaborativamente no horário livre de programadores, que levavam a atividade com uma dedicação de atleta profissional. APIs, impressoras 3D e circuitos como Arduino e Raspberry Pi criam uma nova geração de hackers que questionam as estruturas com suas tecnogambiarras.
              O impulso lúdico é tão forte que vemos a criação de jogos até em lugares inesperados. Quem diria que, no Twitter, teriam destaque brincadeiras como Trending Topics, FollowFriday ou o uso do caractere #?
              Há jogos por toda parte. De "Candy Crush" a "GTA", passando por Foursquare, eles podem ser óbvios ou complexos, declarados ou intuitivos. Quem não consegue vê-los é porque não sabe brincar.