quarta-feira, 9 de outubro de 2013

José Simão

Obama! Fiado só amanhã!
Se o Obama der o calote, vai mudar o slogan pra 'YES, WE CANO!'. O Obama vai pedir dinheiro pro Tio Patinhas!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Enquanto confessava os pecados, mulher furta padre na catedral de Ribeirão Preto". A pecadora roubou o iPhone 5 do padre. Mas roubar iPhone 5 não é pecado, é necessidade. Furto famélico! Rarará!
E essa outra piada prontíssima: um amigo estava numa livraria em Curitiba quando viu esse livro "As 25 Leis Bíblicas do Sucesso. Prefácio: Eike Batista". Rarará! O Eike vai entrar pro Bolsa Família. Bolsa FamiliaX!
E esse monte de piada pronta numa única piada pronta: "Miss Bumbum leiloa calcinha com buraco atrás e vai doar fundos pra caridade". O fundo vai pro buraco! Rarará!
E essa: "Mercados caem pelo mundo com risco de calote dos EUA!". Epa! Se o Obama der o calote, ele vai mudar o slogan pra "YES, WE CANO!". O Obama vai pedir dinheiro pro Tio Patinhas! O Obama tá vendendo tudo.
Olha essa charge do Aroeira com a placa no portão da Casa Branca! "Vende-se! Porteira Fechada! Tratar aqui". Por isso que a Michelle tá fazendo campanha contra obesidade. Vão ter que apertar os cintos!
E a manchete do Piauí Herald: "Governo chinês aceita rolar dívida americana mas exige Angelina Jolie como garantia". Rarará! É aquela velha perrenga: republicanos x democratas! E já reparou que todo republicano tem cara de caubói velho. E todo democrata tem cara de amendoim: Carter, Clinton, Obama!
E avisa pro Obama que "Fiado Só Amanhã!". A crise tá tão feia que, na hora de assinar a moratória, o Obama vai gritar: "Alguém tem uma Bic pra me emprestar?". Rarará!
E essa: "Marina tem ataque alérgico dois dias depois de se filiar ao PSB". JÁ?! Diz que é alergia a chocolate! Acho que é alergia a bolo de rolo, aquele bolo pernambucano! Rarará!
E a Marina tá confundindo chavismo com chatismo! E duas coisas que eu não aguento mais ouvir: Marina e gol da Portuguesa!
É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é lúdico! O brasileiro escreve tudo errado, mas todo mundo se entende. Olha essa placa em Uruana, Goiás: "Venda-se Malmiteke". Adoro esse "venda-se". E essa placa numa árvore em Juqueí: "Vou filmar o IQUINORANTE que coloca lixo na rua". E a língua portuguesa também. Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

    E se aparecer a banda "Fora PT"? - Elio Gaspari

    Marina Silva está no PSB. Está? Disputará a vice (mas pode não disputar) de Eduardo Campos, que até o mês passado estava na base de apoio do governo. Marina tomou uma decisão imperial e fechou o acordo com o senhor do PSB em menos de 24 horas. Disse que fez uma "aliança pragmática", mas logo corrigiu-se: "programática". Em torno do quê, não se sabe. Se disso resultar apenas uma chapa, tem tudo para ser nova parolagem. Se dessa aliança nascer uma tentativa de frente antipetista, o caminho e a conversa serão outros.
    Em matéria de chapa esquisita, ninguém superará a de Tancredo-Sarney. No entanto, aquilo era uma frente contra o que a rua chamava de "isso que está aí", e Tancredo foi eleito (indiretamente) sem ter apresentado programa. Precisava?
    Mário Covas, Ulysses Guimarães e Leonel Brizola não podiam imaginar que o segundo turno da eleição de 1989 seria disputado por Lula e Fernando Collor. Eram dois candidatos contra aquilo que estava ali.
    Quem foi para a rua em junho saberá nos próximos meses que o Supremo está pronto para diluir as sentenças do mensalão. Aquilo que Marina Silva exageradamente classificou de "chavismo" é apenas um aspecto do jogo bruto do comissariado petista. Ele foi sentido nos tribunais, nos bancos oficiais, na porta giratória das agências reguladoras e na monumental trapalhada da proposta de Constituinte exclusiva. Isso para não se falar nos grandes circos com padrão Fifa.
    A aliança dos dois ex-ministros do governo de Lula tanto pode acabar numa pirueta movida a palavrório como em algo maior. Sinal de seu anacronismo é a notícia de que Fernando Bezerra Coelho harmonizará a aliança "pragmática", ou "programática". Até outro dia era ministro da doutora Dilma. Faz parte do clã que controla Petrolina há meio século. O PT respondeu às ameaças mais encorpadas com a voz das urnas e prevaleceu porque o eleitorado preferiu "o que está aí".
    O comissariado buscará em 2014 a extensão do seu mandato até 2018. Serão 16 anos corridos. Jamais na história brasileira um partido conseguiu essa marca dentro de um só regime constitucional. Os conservadores do Império tiveram 14 anos (1848-1862). Getúlio Vargas teve 15 (1930-1945), com três regimes e uma ditadura. Os militares tiveram 21, com quatro ordens constitucionais. No 16º ano de vida, seu partido, a Arena, estava estilhaçado. Já o PT, vai bem, obrigado, sonhando com uma reforma política que criaria o financiamento público das campanhas (dinheiro na mão do comissariado) e a instituição o voto de lista (o mesmo comissariado alinha os candidatos). Não se tratará apenas de uma tentativa espichar o tempo de mando. O que há na mesa é um projeto explícito. Jogo jogado.
    Para os costumes brasileiros, a longevidade petista seria uma novidade. Contudo, nas quatro maiores democracias do mundo (Estados Unidos, Alemanha, França e Inglaterra), a sociedade deu o poder a blocos de poder longevos que fizeram grandes reformas.
    O marqueteiro João Santana acha que Dilma Rousseff será reeleita graças a uma oposição viciada pela "antropofagia de anões". Marina Silva com Eduardo Campos tanto podem representar isso, devorando o tucanato, como podem formar uma banda tocando "Fora PT". Os eleitores decidirão quem dança.
    Elio Gaspari
    Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por "As Ilusões Armadas". Escreve às quartas-feiras e domingos na versão impressa de "Poder".

    Marcelo Coelho

    Não me diga que é um Matisse
    Querendo denunciar o sistema financeiro, 'O Capital' é um filme bem pobrezinho
    O diretor Costa-Gavras está com 80 anos, e já passou para a história como autor de grandes filmes políticos. Recentemente assisti ao DVD de seu "A Confissão", com Yves Montand.
    Sem nenhuma crueza, aquele filme de 1970 tratava dos julgamentos espetaculares nas antigas ditaduras do Leste Europeu, em que altos dirigentes terminavam admitindo suas "traições" ao regime.
    Confessavam tudo o que não tinham feito. Os métodos de tortura não seguiam o modelo brasileiro do pau de arara e do choque elétrico. Importava produzir, num tribunal farsesco, a impressão de que tudo era voluntário e verdadeiro.
    Meses de privação de sono, além de outros métodos para produzir exaustão física e mental, levavam o preso a assinar declarações cada vez mais comprometedoras, graças a um estudado jogo de ambiguidades verbais.
    Assim, o personagem de Yves Montand terminava admitindo ter feito seguidas reuniões com "trotskistas" e "agentes do imperialismo". Eram apenas seus colegas de partido, entre os quais inúmeros heróis da resistência ao nazismo.
    Ele podia dizer, e era verdade, que nunca soube que Fulano e Beltrano eram trotskistas. "Mas eram", afirma o interrogador. "Você se reunia com Fulano e Beltrano?"
    "Sim", responde o preso. "Então, se você se reunia com Fulano e Beltrano, e se eles eram trotskistas, você se reunia com trotskistas."
    Estava feita a confissão; o crime era admitido pelo réu, "objetivamente". Mesmo se, na época das reuniões, todos os participantes, americanófilos, trotskistas ou comunistas, estivessem unidos na resistência ao nazismo.
    "A Confissão" é um filme que continua importante, ainda mais quando se sabe que o sistema de interrogatório preferido pelo governo Bush no combate ao terrorismo inspirou-se nas técnicas soviéticas.
    Com a burrice suplementar, observe-se, que no Leste Europeu o objetivo da tortura era conseguir confissões falsas, e não informações de fato úteis sobre atentados em curso.
    Aprendia-se algo com os filmes de Costa-Gavras de 40 anos atrás. Não é o caso de sua obra mais recente, "O Capital", atualmente em cartaz em São Paulo.
    Aqui, a ideia é mostrar a dureza e a ganância dos banqueiros. Recém-nomeado presidente de um conglomerado financeiro, Marc Tourneuil (Gad Elmaleh) terá de demitir milhares de funcionários para garantir o lucro dos acionistas.
    Seu antigo chefe, afastado do banco por razões de saúde, fica chocado. Não é esta a tradição francesa de tratar com o problema social, argumenta. Nessa hora, o espectador deve tirar do bolsinho superior do paletó seu lenço de seda Hermès e enxugar uma lágrima comedida em homenagem ao tradicional sistema bancário europeu.
    Quanta saudade. Hoje, os americanos estão por trás de tudo. Os controladores de um fundo de investimento com base na Flórida (?) querem dinheiro fácil.
    Iates, supermodelos e ameaças irão cercar o cotidiano do novo executivo, sempre nervosinho e sensível a um rabo de saia. Clichês se sucedem. Tourneuil tem pouco tempo para a família. O filho adolescente nem tira os olhos do videogame quanto ele chega de suas aventuras.
    Para conquistá-lo, o executivo traz um presente. "É seu primeiro cartão de crédito, filho." O garoto nem agradece. Ah, conclui o espectador, "existem coisas que o dinheiro não pode comprar".
    Mas aí o mesmo espectador lembra que ouviu esse tipo de mensagem em algum anúncio, já não sabe se de banco ou de cartão de crédito. Pobres publicitários! As coisas que eles têm de fazer.
    Que tal, então, mostrar os "bastidores reais" da alta cúpula? Os banqueiros se reúnem no salão de um palácio particular.
    Um esplêndido quadro se destaca na parede. O executivo número 1 pergunta ao executivo número 2: "Matisse?". Frrancameént. Clarro que se trrát de um Matisse. Da melhorr fááz. A esta altura do campeonato, até o mais humilde mendigo de Bobigny ou Bagnolet sabe reconhecer um Matisse.
    Seguem-se declarações de princípios, do tipo "os sindicatos que se danem! O que importa é a alta da nossa cotação na Bolsa!".
    Tudo, mesmo as tramoias entre os rivais do conselho, fica nesse nível de abstração --como se, em vez de executivos reais, tivéssemos apenas um grupo de colegiais encenando a lição que aprenderam em alguma aula de atualidades.
    Os realizadores de "O Capital" poderiam ter caprichado mais no roteiro. Mas, como sabemos, bons roteiristas também custam caro. Pode ser que a produção, coitada, não tivesse tanto para gastar. Ou, talvez, tenha economizado nisso para aumentar os próprios lucros.

    Caetano, não seja um coronel e volte para o lado do bem - Benjamin Moser

    Carta aberta a Caetano
    Autor da biografia 'Clarice,', escritor pede ao amigo que reconsidere sua iniciativa
    BENJAMIN MOSERESPECIAL PARA A FOLHACaro Caetano,
    Nos EUA, quando eu era menino, havia uma campanha para prevenir acidentes na estrada. O slogan rezava: "Amigos não deixam amigos bêbados dirigir". Lembrei disso ao ler suas declarações e as de Paula Lavigne sobre biografias no Brasil. Fiquei tão chocado que me sinto obrigado a lhe dizer: amigo, pelo amor de Deus, não dirija.
    Nós nos conhecemos há muitos anos, desde que ajudei a editar seu "Verdade Tropical" nos EUA. Depois, você foi maravilhoso quando lancei no Brasil a minha biografia de Clarice Lispector, escrevendo artigos e ajudando com o alcance que só você possui. Admiro você, de todo o coração.
    E é como amigo e biógrafo que te escrevo hoje. Sei que você sabe da importância de biografias para a divulgação de obras e a preservação da memória; e sei que você sabe quão onerosos são os obstáculos à difusão da cultura brasileira dentro do próprio Brasil, sem falar do exterior.
    Fico constrangido em dizer que achei as declarações suas e da Paula, exigindo censura prévia de biografias, escandalosas, indignas de uma pessoa que tanto tem dado para a cultura. Para o bem dessa cultura, preciso dizer por quê.
    Primeiro, achei esquisitíssimo músicos dizerem que biógrafos querem ficar com "fortunas". Caetano, como dizem no Brasil: fala sério. Ofereço o meu exemplo. A biografia de Clarice ficou nas listas de mais vendidos em todo o Brasil.
    Mas, para chegar lá, o que foi preciso? Andei por cinco anos pela Ucrânia, pela Europa, pelos EUA, pesquisando nos arquivos e fazendo 257 entrevistas. Comprei centenas de livros. Visitei o Brasil 12 vezes.
    Você acha que fiquei rico, depois de cinco anos de tais despesas? Faça o cálculo. A única coisa que ganhei foi a satisfação de ver o meu trabalho ajudar a pôr Clarice Lispector no lugar que merece.
    Tive várias vantagens desde o início. Tive o apoio da família da Clarice. Publico em língua inglesa, em outro país. Tenho a sorte de ter dinheiro próprio. Imagine quantos escritores no Brasil reúnem essas condições: ninguém.
    Mas a minha maior vantagem foi simplesmente ignorância. Não fazia ideia das condições em que trabalham escritores e jornalistas brasileiros. Não sabia o quanto não se pode dizer, num clima de medo que lembra a época de Machado de Assis, em que nada podia ofender a "Corte".
    Aprendi o quanto ganham escritores, jornalistas e editores no Brasil, e quanto os seus empregos são inseguros e como são amedrontados por ações jurídicas, como essas com que a Paula, tão bregamente, anda ameaçando.
    É um tipo de censura que você talvez não reconheça por não ser a de sua época. Não obriga artistas a deixarem o país, não manda policiais aos teatros para bater nos atores. Mas que é censura, é. E mais eficaz do que a da ditadura. Antes, as obras eram censuradas, mas existiam. Hoje, nem chegam a existir.
    Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?
    Eu queria fazer. Mas não vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes como as suas?
    Por isso, também, essas declarações, de que o biógrafo faz isso só por amor ao lucro, ficam tão pouco elegantes na boca de Paula Lavigne. Toda a discussão fica em torno de nossas supostas "fortunas".
    Você sabe que no Brasil existem leis contra a difamação; que um biógrafo, quando cita uma obra ainda com "copyright", tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas. Mas falo de algo bem diferente do que você está defendendo.
    De qualquer forma, essas obsessões com "fortunas" alheias fazem parte de um Brasil do qual eu menos gosto. Une a tradicional inveja do vizinho com a moderna ênfase em dinheiro que transformou um livro, um disco, uma pintura em "produto cultural".
    Não é questão de dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos? A liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo gosta. A diferença entre o jornalismo e a propaganda é que o jornalismo é crítico. Não existe só para difundir as opiniões dos mais poderosos. E essa liberdade ou é absoluta, ou não existe.
    Imagino, e compreendo, que você pense que está defendendo o direito dos artistas à vida privada. Mas quem vai julgar quem é artista, o que é vida privada e sobre quem ou o que se pode escrever? Você escreve em jornal. Como o artista deve fazer, tem se metido no debate público. Sarney, da Academia Brasileira das Letras, escreve romances. Deve ser interditada também qualquer obra crítica sobre ele, sem autorização prévia?
    Não pense, Caetano, que o seu passado de censurado e de exilado o protege de vocêse converter em outra coisa. Lembre que o Sarney, quando eleito governador do Maranhão, chegou numa onda de aprovação da esquerda.
    Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo,
    Benjamin Moser

      Editorial: A ciência do azul

      folha de são paulo

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      Ao tomar conhecimento de que ganhara metade do Prêmio Nobel em Física deste ano, o britânico Peter Higgs saiu em defesa do conhecimento puro: "Espero que esse reconhecimento da ciência fundamental ajude a chamar a atenção para o valor da pesquisa básica".
      Higgs, cujo nome batiza a última partícula fundamental da matéria prevista no Modelo Padrão a ser detectada, em julho de 2012, empregou na realidade a expressão inglesa "blue-sky research" (pesquisa de céu azul). Vale dizer, a investigação científica que volta os olhos para o que não tem aplicação imediata --como o azul do céu.
      O chamado bóson de Higgs atravessou quase meio século como simples construção teórica. Higgs e o belga François Englert foram os primeiros a descrever essa partícula que confere massa à matéria, em 1964, mas só 48 anos depois ela teve sua existência confirmada pela Cern (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear).
      O mundo palpável não se alterou com essa descoberta, seja em 1964, seja em 2012. Só a compreensão humana da composição da matéria se enriqueceu, nada mais.
      Embora a corroboração do Modelo Padrão contribua para o entendimento e a experimentação em toda sorte de domínio físico, o bóson de Higgs fica muito distante de outras descobertas agraciadas com o Nobel. Por exemplo, a da magnetorresistência gigante, crucial para o funcionamento de discos rígidos de computadores.
      Em grau um pouco menor, o Nobel em Fisiologia ou Medicina deste ano, conferido a James Rothman, Randy Schekman e Thomas Südhof, reitera a valorização da ciência movida mais pela curiosidade do que por aplicações. O trio desvendou mecanismos fundamentais de transporte de substâncias dentro de células e para fora delas, no interior de vesículas.
      Esse sistema celular está presente em todo o mundo vivo. Por certo sua explicação contribui para um conhecimento mais profundo de doenças, como diabetes, e fornece pistas para o desenvolvimento de novos fármacos. Mesmo que assim não fosse, só um excesso patológico de pragmatismo impediria alguém de reconhecer o valor puramente cognitivo de elucidar componente tão básico da vida.
      A pesquisa dirigida por objetivos tecnológicos é importante e necessária, mas nunca é demais lembrar que a ciência humana não teria chegado aonde chegou sem que alguém levantasse os olhos para o céu e se perguntasse por que raios ele é azul.

      terça-feira, 8 de outubro de 2013

      Mirian Goldenberg

      Velho está na moda
      O mercado é voltado para as jovens magras e exclui quem não se enquadra no padrão
      Muitas mulheres de mais de 40 anos dizem que são ignoradas pelo mercado. Além de se sentirem invisíveis, pois não são mais olhadas ou elogiadas como quando eram mais jovens, dizem que não encontram roupas adequadas para a idade.
      Uma nutricionista de 47 anos contou: "Tenho um corpo bonito. Fui comprar um jeans de uma marca famosa e a vendedora me olhou dos pés à cabeça como se dissesse: Não temos roupas para velhas. Não queremos nossa etiqueta desfilando na bunda de uma velha ridícula e sem noção'. Saí arrasada".
      Outras querem se diferenciar das adolescentes, mas não querem se vestir como velhas. Uma professora de 41 anos disse: "Não posso usar os mesmos jeans das minhas alunas. Tento encontrar um que não seja colado e de cintura baixa, mas é impossível. Não quero parecer uma garotinha, mas não quero parecer uma velha. As opções para a minha idade são horrorosas".
      A dúvida é como se adequar à idade sem abrir mão de roupas bonitas. O mercado está voltado para as jovens e magras e exclui aquelas que não se enquadram no padrão.
      Uma arquiteta de 56 anos afirmou: "Sempre usei biquíni e minissaia. Agora não posso mais? Adorei quando a Betty Faria, depois de ter sido chamada de velha baranga' por usar biquíni aos 72, disse: Querem que eu vá à praia de burca, que me envergonhe de ter envelhecido?'".
      Em um congresso internacional de moda, afirmei que o mercado reproduz as imagens dos velhos do século passado e não vê os "novos velhos" que têm projeto de vida, saúde, amor, felicidade, liberdade e beleza. Convoquei o público a mudar essas representações e participar da campanha que lancei aqui com o artigo "Velho é lindo".
      De biquíni ou maiô, minissaia ou jeans, somos mais livres para inventar nossa "bela velhice". E para mostrar aos velhos de hoje e de amanhã que "velho é lindo!" e que "velho está na moda!".
      ***
      No dia 16, às 19h, estarei na Fnac de Pinheiros para um bate-papo sobre o livro "A Bela Velhice" promovido pela Folha. Será uma alegria conversar com vocês lá!

        Rosely Sayão

        Adolescência: até quando?
        Faz tempo que constatamos que a adolescência tem começado cada vez mais cedo e acabado mais tarde
        A adolescência sempre foi um conceito bem complexo de se abordar. Nem mesmo os estudiosos conseguiram chegar a um conceito único a respeito dessa fase do desenvolvimento. Quando ela começa e quando termina? Quais suas características principais? Tem relação direta com a idade e/ou com fenômenos biológicos ou a estes devemos acrescentar, necessariamente, os sociológicos e os psicológicos?
        Muitos estudos foram realizados, mas estes nunca chegaram a ter unanimidade entre si. Alguns afirmaram que sim, essa é uma fase coincidente com a puberdade, enquanto outros que é um fenômeno exclusivamente sociocultural; tivemos inclusive autores que consideraram a adolescência uma síndrome --ou seja, um conjunto de sintomas-- normal. Por mais que pareça estranha essa última ideia, muitos estudos foram realizados nesse sentido, principalmente pela psicologia.
        Mesmo com tanta complexidade e divergências, alguns elementos eram tidos como referências por quem, de algum modo, se dedicava a trabalhar com os mais novos. A adolescência era considerada um período que compreendia a busca de identidade e o autoconhecimento; que era marcado pela busca de pares, o que provocava o distanciamento dos pais; e era nesse período que ocorria a explosão da sexualidade em sua forma adulta.
        Algumas outras ideias, como a mudança da noção do tempo --que passava a ser conjugado no passado, presente e no futuro-- e a busca de segurança e de estabilidade --emocional, afetiva, pessoal, profissional, por exemplo-- juntavam-se às primeiras e formavam um conceito que, na prática, caracterizava o comportamento dos adolescentes.
        Pois bem: esse conceito, já tão complexo, passou a ficar cada vez mais irreconhecível a partir do final do século 20. É que o mundo adulto foi invadido pela busca da felicidade e da juventude, entre outras coisas, o que transformou muito o comportamento de quem já tinha maturidade.
        Dessa maneira, características antes creditadas apenas a adolescentes passaram a fazer parte da vida adulta também. A impulsividade, o imediatismo, a busca do prazer e da liberdade e o comportamento de risco, por exemplo, passaram a ser fatos corriqueiros na vida dos mais velhos.
        Ao mesmo tempo, as crianças passaram a perder a infância cada vez mais cedo e seus interesses, seu comportamento, suas vestimentas, sua vida social e a linguagem usada ficaram cada vez mais parecidas com as dos adolescentes.
        Por isso, a notícia que saiu dias atrás que, agora, a adolescência deve ser considerada um período que vai até os 25 anos não é nenhuma novidade. Já faz tempo que constatamos que a adolescência começa cada vez mais cedo e termina cada vez mais tarde. Quando termina!
        Por isso, não deve estar longe o tempo em que a adolescência vai se tornar um conceito obsoleto. Vai deixar de ser um período da vida para ser um estilo de vida. O nosso.
        Se isso é bom ou não, só saberemos mais tarde. Pagamos para ver: essa é uma expressão que se aplica muito bem a essa questão. Entretanto, precisamos considerar a possibilidade de a maior parcela dessa conta poder ser debitada aos adolescentes de fato. Pelo menos, como eram considerados antes de todas essas mudanças.
        É que eles podem olhar para nós e perceber que, depois de chegarmos à vida adulta, decidimos retornar; e podem até concluir que nem vale a pena experimentar essa tal vida adulta, não é?