quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Paula Cesarino Costa

folha de são paulo
O X roeu a roupa do rei do Rio
RIO DE JANEIRO - Eike Batista chegou a ser o brasileiro mais rico, mas era pouco para quem queria ser o homem mais rico do mundo. Mineiro de Governador Valadares, criado na Europa, planejou mudar o Rio e espalhar o X de sua marca pelo Estado.
A eterna promessa de despoluição da lagoa Rodrigo de Freitas começou a virar realidade com sua colaboração financeira. O projeto que reelegeu Sérgio Cabral e transformou a segurança pública do Estado, o das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), recebeu cerca de R$ 100 milhões da OGX desde seu início.
Colaborou com vários projetos de sucesso, mas enfileirou uma série de outros que podem ser enquadrados como fiascos ou até crimes contra o patrimônio público. Ajudou a bancar a campanha que deu ao Rio o direito de sediar a Olimpíada de 2016, quando emprestou o jatinho que levou governador e prefeito para a Dinamarca, onde foi anunciada a cidade vencedora. Construiu a biografia misturando o público e o privado, seja dando um colar com seu nome à então mulher Luma de Oliveira, seja oferecendo doações de campanha e viagens gratuitas a aliados políticos.
Não fez nada à toa nem sem autoridades influentes que o bajulavam. Ganhou isenções fiscais, financiamentos e facilidades dos diferentes níveis de governo.
O processo de recuperação judicial de sua petroleira, a OGX, é o maior de uma empresa latino-americana até hoje. Eike deixou escombros. Caminhar pela rua que ladeia o hotel Glória, um dos mais charmosos da cidade, é desolador. Inaugurado em 1922, está deformado pela reforma que prometia torná-lo um hotel maravilhoso. Tomou R$ 190 milhões do BNDES de uma linha criada para hotéis para a Copa de 2014.
À Folha, em 2009, disse: "Adoro o conceito americano de você devolver para a sociedade". Chegou a hora.
O rei do Rio ruiu. E o rato que roeu a roupa do rei do Rio chama-se... X.

    Pasquale Cipro Neto

    folha de são paulo
    'Amigos em comum'
    E de onde vem o hábito de dizer "Estava um tanto quanto nervoso" ou "um tanto quanto alterado"?
    Há algum tempo, escrevi uma coluna para atender a um pedido de ninguém menos do que Mestre Ziraldo, que me sugeriu que abordasse um caso de concordância verbal que causou um certo "impasse" entre ele e alguém de uma editora.
    Na semana passada, mais uma vez tive a subida honra de receber um telefonema do grande Ziraldo. Depois de trocarmos duas palavras sobre o que ocorreu na Feira de Frankfurt e sobre a internação dele na Alemanha, chegamos ao busílis: Ziraldo me falou da expressão "Somos amigos em comum", que em algum canto da internet aparece como correta. "Isso está errado, não?", perguntou-me ele, já sugerindo o caso como tema de uma coluna.
    A mestres como Ziraldo obedece-se sem pestanejar. Vamos lá, pois. Como atestam os nossos bons dicionários, a expressão "em comum" significa "conjuntamente por dois ou mais, sem ser de nenhum deles apenas" ("Houaiss"); "de maneira conjunta ou coletiva" ("Aulete").
    Como se vê, é perfeitamente possível dizer que Ziraldo e eu temos amigos em comum, isto é, Ziraldo tem um ou mais amigos que são meus amigos também, mas não se diz que Ziraldo e eu somos amigos em comum. A frase deve parar em "amigos": "Ziraldo e eu somos amigos".
    A esta altura, talvez alguém queira saber de onde vem o uso da forma inadequada ("Somos amigos em comum"). Poder-se-ia pensar no processo de contaminação. Explico: em língua, é muito comum o falante se guiar por um processo mais comum do que outro e acabar usando o minoritário como usa o majoritário. Um exemplo concreto: a segunda pessoa do singular ("tu") de oito nos nove tempos verbais simples termina em "s". Tomemos como exemplo as formas do verbo "beijar": "tu beijas, tu beijavas, tu beijaras, tu beijarás, tu beijarias, que tu beijes, se tu beijasses, quando/se tu beijares". A única que não termina em "s" é a do pretérito perfeito ("tu beijaste").
    Pois bem. O que fazem os falantes quando, por alguma razão, querem empregar uma dessas formas, pouco usuais hoje em dia? Guiam-se pela terminação mais comum, ou seja, lascam um "s", inexistente, e aí surgem formas como "tu te fostes de mim" (como diz Fafá de Belém em uma canção), "abismo que cavastes com teus pés" (como diz Cazuza em "O Mundo é Um Moinho", de Cartola), "tu me abandonastes" etc.
    Nada de "s" nessas formas, que se referem à segunda pessoa do singular ("tu"). Essas formas existem, mas são da segunda do plural ("vós"): "vós fostes", "vós cavastes", "vós me abandonastes" etc.
    Voltando à forma "Somos amigos em comum" (inadequada), é provável que o falante se deixe levar pela construção "em comum", que, quando adequada, tem uso mais frequente, em formas como "Temos amigos em comum", "Possuímos negócios em comum", "A decisão foi tomada em comum" etc.
    Caso semelhante ocorre com a expressão "um tanto", que, quando significa "um pouco", quase sempre recebe a companhia (indevida) da palavra "quanto". É comum ouvirmos ou lermos formas como "Ele estava um tanto quanto nervoso naquele dia" ou "Ela ficou um tanto quanto alterada com a má notícia". Jogue fora o "quanto": "Ele estava um tanto nervoso naquele dia" ou "Ela ficou um tanto alterada com a má notícia".
    E de onde vem o hábito de dizer "um tanto quanto nervoso" ou "um tanto quanto alterada"? Provavelmente do uso (muito comum) da expressão comparativa "tanto quanto": "Gosto de música tanto quanto de literatura"; "Dorme tanto quanto um urso"; "Sei disso tanto quanto você". É isso.

    Mônica Bergamo

    folha de são paulo

    CGM aciona autoridades em Brasília por causa de esquema de fraude na Prefeitura

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    ESQUEMA FEDERAL
    A CGM (Controladoria-Geral do Município), que iniciou as investigações sobre esquema de fraude que pode ter causado um rombo de até R$ 500 milhões na Prefeitura de SP, acionou autoridades de Brasília para compartilhar informações. O órgão detectou que lotéricas podem ter sido usadas pelos acusados para supostamente esconder dinheiro de corrupção.
    CARTILHA
    Ao contrário de outros escândalos, em que bilhetes "premiados" justificaram a entrada de alta quantia de dinheiro em declarações de patrimônio, desta vez a utilidade das lotéricas não está clara. Uma das hipóteses é que elas funcionavam como bancos para descontar cheques de propinas. A CGM acionou o Coaf, órgão de inteligência financeira do governo federal, para estudar o que pode ser um novo "modus operandi" de corrupção.
    FITA ISOLANTE
    Era visível o esforço do prefeito Fernando Haddad, ontem, para evitar que a operação transbordasse para uma crise ainda maior com Gilberto Kassab. "Não há interface política", afirmava a interlocutores.
    AUTORIZADA
    Roberto Carlos ganhará uma biografia fotográfica (e devidamente autorizada) no ano que vem. O livro, que sai em abril pela editora Toriba, terá edição única e com número limitado de exemplares. Será uma coletânea de imagens selecionadas pelo artista com frases retiradas de suas canções.
    QUEM NÃO CHORA...
    A top Carol Trentini, que deu à luz o primeiro filho em agosto, armazena o próprio leite para quando se ausenta de casa. Ela tira um litro por dia, em média. "Meu banco está com 7,5 litros", diz. Carol mantém o estoque organizado com data e quantidade. E afirma que se sentiria ofendida se fosse alvo de comentários como o do apresentador Danilo Gentili. Ele fez piada sobre a técnica de enfermagem que produzia até dois litros de leite por dia. "Graças a Deus ela produz tudo isso e pode ajudar outras mães."
    GRÁFICO
    A mortalidade por Aids alcançou o menor índice da história no Estado de São Paulo. Foram 2.760 óbitos no ano passado (taxa de 6,6 por 100 mil habitantes), segundo a secretaria estadual de Saúde. Em 1995, primeiro ano da medição, houve 7.739 casos (proporção de 22,9). A pasta também afirma que a sobrevida dos pacientes está maior e com mais qualidade.
    COTA
    Dez bancos que criaram programas de inclusão de negros no mercado de trabalho assinam convênio com a Faculdade Zumbi dos Palmares hoje para abrir cem vagas de estágio a alunos da instituição. Bancos como Bradesco, Citibank, HSBC, Itaú Unibanco e Santander vão aderir à iniciativa.
    SEM UMA, MAS COM TODAS DE UNIFORME PARA VER LAGERFELD
    Enquanto os primeiros convidados chegavam à Oca, no parque Ibirapuera, para a abertura de "The Little Black Jacket", exposição de fotos com a clássica jaqueta preta da Chanel, a segunda estrela mais esperada da noite, a atriz Uma Thurman, embarcava para os Estados Unidos.

    Chanel abre exposição com festa

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    Zanone Fraissat/Folhapress
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    A atriz Laura Neiva, embaixadora da grife Chanel no Brasil, compareceu à abertura da exposição "The Little Black Jacket", na Oca, no parque Ibirapuera, na noite de terça (29)
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    A protagonista de "Kill Bill" encabeçava a lista de VIPs que vieram no entourage de Karl Lagerfeld, o todo-poderoso da grife, autor das fotos e curador da exposição (assinada também por Carine Roitfeld, da "Harper's Bazaar"). Mas não deu as caras.
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    Hospedada no hotel Fasano, bloqueado pela grife para o evento, Uma se irritou por ter sido acomodada pela Chanel em uma suíte junto com a filha, de 1 ano e meio, e a babá. "Foi um mal-entendido entre a organização e o 'manager' da atriz", disse um membro da equipe. Oficialmente, a estrela alegou torcicolo para se mandar.
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    "Ele vem?", era a questão na entrada da exposição, por volta das 20h de anteontem. Lagerfeld só apareceu às 22h30. Uma procissão o seguiu até o andar de baixo, onde ficou em um cercadinho. De lá, viu impávido o show dançante da cantora M.I.A..
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    Antes de se apresentar, a inglesa, que faz sucesso com um pancadão eletrônico, posou no backdrop, mural com o logotipo da marca que era parada quase obrigatória para os famosos. "Quem é essa?", perguntava a dona de casa Sílvia Bonfiglioli.
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    A atriz Diane Kruger (de "Bastardos Inglórios") passou rapidamente por ali com o namorado, Joshua Jackson, o Pacey de "Dawson's Creek". Uma legião de tops fez o dever de casa -todas com seus looks Chanel, fornecidos pela grife. Fizeram carão para os fotógrafos Isabeli Fontana, Caroline Ribeiro e Carol Trentini, entre outras.
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    A maioria das convidadas também desfilava modelitos da grife. "All of Chanel", explicava Sílvia. Ela chamava atenção por ser a própria reencarnação de Coco Chanel, em seu look inteiramente da marca: vestido branco, estola preta.
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    "Quero fazer uma foto lá", apontava a cliente fiel para o mural com o logo da marca. "Tem tanta gente brega lá, eu quero", insistia. "A produção é minha. Fui eu que paguei", brincava o marido, o empresário Márcio Bonfiglioli.
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    Já a atriz Suzana Pires passou como um relâmpago pelo backdrop. Seu vestido vermelho não era Chanel. "É Azzaro, mas é meu." Laura Neiva seguiu o "dress code". Embaixadora da grife no Brasil e única brasileira nas fotos da exposição, vestia Chanel da cabeça aos pés. "A bolsa é igual à da Cinderela [com hora para devolver]", disse, sobre a peça transparente emprestada pela marca.
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    Muitas tiraram um Chanel "vintage" do baú. Valeu até "homenagear" a grife com modelito de brechó de Nova York, como fez Thássia Naves, de Uberlândia, "a maior blogueira do Brasil". "Tenho 700 mil seguidores."
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    Karl, o dono da festa, torceu o nariz para o tal backdrop. Em protesto, os fotógrafos foram embora mais cedo sem um clique do "Kaiser".
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    Poucas tiveram a sorte de entrar no cercadinho VIP. A apresentadora Ticiana Villas Boas chegou lá. "Recebi hoje o croqui do meu vestido de noiva desenhado pelo Karl", contou. Em seu casamento com o empresário Joesley Batista, do grupo JBS Friboi, o noivo arremessou uma bolsa Chanel aos convidados.
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    Ticiana e Iara Jereissati, mulher de Carlos Jereissati, dono do shopping Iguatemi, ficaram 20 minutos de papo com as recepcionistas da área VIP até serem aceitas. Havia seis seguranças na entrada. A atriz Bárbara Paz foi barrada, mesmo na companhia de Lilian Pacce, apresentadora do "GNT Fashion", que foi levada sozinha até Lagerfeld.
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    Sílvia Bonfiglioli não chegou perto de Lagerfeld. E, ao final, deu uma de Uma Thurman: "Ainda bem que quebrei a monotonia do preto e branco da Chanel e coloquei meu brinco de lagartixa", mostrava ela. Karl teria gostado do acessório, ela garante. "E o meu Chanel não tem cheiro de naftalina, viu?"
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    Lagerfeld visitou a Chanel do JK Iguatemi, mas não apareceu em um jantar, para poucos, no Fasano, na segunda. Foi visto no restaurante japonês de Jun Sakamoto.
    CURTO-CIRCUITO
    O bar eStônia, dentro do restaurante Ramona, é inaugurado hoje, às 19h.
    O desembargador José Renato Nalini lança hoje o livro "Magistratura e Ética: Perspectivas", às 18h30, na Livraria Cultura da Paulista.
    A Oi abre hoje inscrições para o edital do Programa de Projetos Culturais Incentivado. Até 2/12.
    com ELIANE TRINDADEJOELMIR TAVARESANA KREPP e MARCELA PAES
    Mônica Bergamo
    Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

    José Simão

    folha de são paulo
    Halloween! Dilma é a abóbora!
    E todo dia o Serra levanta, vai pro espelho e o espelho grita: 'Halloween de novo?!'. Sim, de novo!
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! O brasileiro é cordial! Olha essa placa numa escolinha infantil: "Não vale jogar pedra nos colegas". Dever ser a escolinha dos black blocs. Maternal Black Bloc!
    E o bloqueio da Fernão Dias?! São João Fora de época! Um amigo meu gostou do bloqueio porque a sogra dele tava vindo de Belo Horizonte. Bloquearam a minha sogra!
    E o Alckmin Picolé de Chuchu devia ter feito uma ameaça: "Ou vocês param de incendiar ônibus ou eu chamo a Sonia Abrão". Rarará!
    E atenção! Me mate um bode! Todos para o abrigo! Hoje é Halloween! Acorda, Serra! Levanta do caixão! Pega a vassoura, Dilma! Todos pra Noite do Terror! E a Dilma parece uma abóbora! Só falta acender uma vela na boca! Rarará!
    Dia das Bruxas! E todo dia o Serra levanta, vai pro espelho e o espelho grita: "Halloween de novo?!". Sim, de novo! Pro espelho do Serra, todo dia é Halloween!
    Mas tem um grupo que acha que Halloween é coisa de gringo! No Brasil, a gente tem que comemorar o Dia do Saci! Todo mundo pulando num pé só! Tem até cartaz: "Deixa de pagar pau pra gringo".
    E pra comemorar o Dia do Saci, sabe o que o Saci falou pra Sacia? Fica de três! Rarará! Essa eu conto todo ano, mas é hilária!
    E como já dizia Nelson Rodrigues: "Uma coisa dita uma vez só permanece inédita".
    E atenção! Para os que desconhecem as nossas lendas: apesar do cachimbinho, o Saci não é símbolo da cracolândia. Rarará!
    E sabe o que o Saci falou? Vou num pé e volto no mesmo!
    E Halloween é animado. Olha a festa que teve ontem aqui em São Paulo: "Festa do Halla o Hímen! Com As Pirigóticas. Garotas com lingerie à mostra: entrada VIP. Sem calcinha: entrada VIP mais drink grátis".
    E o Halloween da Val Marchiori é HELLOween! E namorar com Saci é bom porque quando você leva um pé na bunda, quem cai é ele. Levar pé na bunda é bom quando o outro cai! Rarará!
    É mole? É mole, mas sobe!
    O Brasil é Lúdico! E em Salvador um cara botou a placa num sofá: "VEDIS". Deve ser o sofá do Mussum: vedis! E numa casinha em Maceió, a placa: "Vendo-me". Ueba! Vou botar uma placa dessa na porta daqui de casa: Vendo-me! Rarará!
    Nóis sofre, mas nóis goza!
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      Contardo Calligaris

      folha de são paulo
      O som, a fúria e as cartas
      É primavera, época de limpeza. Por favor, não jogue fora levianamente cartas e papéis manuscritos

      1) Para mim, Ricardo 3º era um personagem shakespeariano, que conquistou o poder por caminhos tortos e, na véspera da batalha que lhe foi fatal, ouviu os fantasmas de suas vítimas lhe dizerem o inesquecível "Despair and die!", desespere-se e morra.
      Certo, eu sabia que Ricardo 3º fora mesmo o último rei da casa de York, no fim do século 15, cem anos antes que Shakespeare escrevesse sua história. Mas sabia sem saber.
      Isso, até quinta-feira passada, quando tive entre as mãos um documento assinado por ele (quando era duque de Gloucester, antes de dar um trato nos seus sobrinhos e se tornar assim rei da Inglaterra). Passei de leve um dedo sobre sua assinatura e foi como se sentisse a pegada de sua brutalidade, de sua ambição e de sua tragédia.
      2) Eduard, o segundo filho de Albert Einstein e Mileva Maric, nasceu em 1910. Ele queria ser médico e psiquiatra. Aos 22 anos, Eduard entrou, pela primeira vez, no Burghölzli, a famosa clínica de Zurique onde Jung foi assistente de Bleuler. Mas Eduard não entrou como médico --entrou como paciente. No Burghölzli, aliás, ele morreu, internado, em 1965.
      Numa carta a Mileva, em 1928, Einstein, referindo-se obviamente a Eduard, escreve que ele considera a psicanálise "como uma moda extremamente perigosa... Ninguém será submetido a esse tratamento com meu consentimento".
      Quatro anos depois, Eduard era internado, e Einstein, convidado a escolher um contemporâneo com quem dialogar sobre a guerra, escolhia Freud. Mais quatro anos, e Einstein, num breve bilhete, declararia a Freud que ele entendera, enfim, a teoria freudiana da repressão. Naquela época, Einstein mandava a Eduard obras de Freud, declarando não ter dúvidas sobre a teoria freudiana. Será que era para agradar a Eduard, que guardava um retrato de Freud na parede de seu quarto?
      Na quinta passada, com meu alemão capenga, eu procurava as palavras, na carta de 1928: "...eine überaus gefährliche Mode". A loucura de um filho é o desespero de qualquer inteligência.
      3) Num dia de 1911, Georges Courteline, escritor e dramaturgo francês, recebeu um bilhete escrito por um menino que gostara muito de um texto dele e até dizia ter tentado em vão traduzir o tal texto para o alemão a fim que a babá dele, alemã, entendesse e apreciasse.
      A assinatura do bilhete, que estava agora nas minhas mãos, era: "Jean-Paul Sartre, seis anos e meio".
      O bilhete tinha um cheiro de livros, misturado com um perfume de ternura materna. Como Sartre diria contando sua infância, a vocação de escrever foi encontrada na paixão de ler.
      4) Jean Cocteau recebe uma carta de um jovem admirador, de 19 anos, que acaba de fundar um cineclube, o qual vai estrear com a apresentação de "Sangue de um Poeta". O clube só viverá se o próprio Cocteau prestigiar a sessão com sua presença. Cocteau não foi. A carta é assinada: François Truffaut.
      Penso nos convites que recuso, nos livros de estreantes que deixo de ler, nas amizades que não vingam.
      5) Mas, na quinta passada, nada me emocionou tanto quanto uma breve carta do Marquês de Sade à sua mulher, que nunca deixou de amá-lo (a recíproca sendo provavelmente verdadeira). A carta é escrita do asilo de Charenton, onde Sade ficou preso como louco, de 1801 a 1814 --porque sua sogra não gostava dele e, no fundo, porque ele nunca renunciou a pensar e escrever sobre as fantasias que exaltavam seu desejo. Olhei para meus dedos, na esperança que algo dele tivesse entrado em mim, por osmose.
      Em suma, passei horas com Pedro Corrêa do Lago, que me mostrou alguns dos manuscritos que ele reúne há mais de 40 anos. A coleção é extraordinária por sua extensão e variedade --e pela inteligência de Pedro (para se ter uma pequena ideia, ver os livros "Cinco Séculos a Papel e Tinta", da editora Afrontamento, ou "True to the Letter", da Thames and Hudson).
      A história é mesmo, como diria um colega de Ricardo 3º, um conto sem sentido, cheio de som e fúria, mas ela é bonita ou mesmo sublime quando, por algum milagre, ela se torna concreta, como aconteceu para mim, na quinta-feira passada. Este é o poder do manuscrito: ressuscitar os corpos, pelo gesto da mão que persiste, inscrito na forma das letras.
      É primavera, época tradicional de limpeza. Doe as velharias que você não usa mais, mas, por favor, não jogue fora levianamente cartas e papéis manuscritos.

      Janio de Freitas

      folha de são paulo
      Procuram-se
      Nova posição do grupo Procure Saber ainda revela a pretensão de submeter as biografias a um crivo prévio
      Mudar de opinião não é o mesmo que negar haver ostentado outra opinião. A primeira atitude bastaria, até por honestidade intelectual, aos cantores e compositores que se deixaram levar para a segunda, agora. E até pagaram por pretensa assessoria especial para isso, reabrindo um assunto que se esvaziava, como lhes convinha.
      "Nunca quisemos censura" é a frase que resume a nova posição do grupo relativa a biografias. Iniciada com "desculpas ao Brasil", como Ancelmo Gois publicou no "Globo", "se não nos fizemos entender". Quer dizer, então, que a imensa quantidade dos que divergiram do desejo de censura prévia às biografias são todos idiotas, incapazes de entender o que aquelas celebridades musicais disseram e escreveram com tanta clareza e tanta ênfase até poucos dias.
      Essa atitude presunçosa mostrou-se já de início no nome que o grupo de cantores, compositores e aderentes se deu: Procure Saber. Eles têm o saber, seja lá do que for, e os demais ainda têm de sair a procurá-lo. Como em toda atitude presunçosa, esta transmite uma depreciação a que não falta um tempero humilhante.
      A pretensão de crivo prévio das biografias está impressa ou, quando não, está gravada em suas tantas manifestações, com diferentes autorias. Mesmo em sua nova posição, lá está ainda a intenção inspiradora, explícita e clara na recusa a dispor apenas dos direitos dados pela lei ao difamado ou insultado: "O resultado [do recurso legal] é um pouco tardio. Depois de publicado, todo mundo já leu, já viu pela internet. Isso não vale muito, não".
      A solução? A liberdade do biógrafo, mas "com um ajuste". Ajuste, é óbvio, que só pode ser do texto original ao pretendido pelo biografado. Logo, o "ajuste" é efetivar alterações por censura ou, se recusadas, a censura total à publicação.
      São de elevado conceito os advogados contratados para o Procure Saber. Como tais, não ignorariam a dificuldade dos seus clientes de se sentirem vitoriosos no julgamento, em breve, do recurso de editores ao Supremo Tribunal Federal, contra a necessidade de autorização do biografado ou de familiares para a edição de biografias. Também no Congresso, a perspectiva do projeto contra a obrigatoriedade de autorização, cuja preliminar necessária é um exame censor, não permite otimismo ao Procure Saber. Perder, para reis e celebridades, talvez seja visto como um vexame intolerável.
      Nem por isso os que expõem nova posição precisariam fazê-lo com o contorcionismo ético e factual a que cederam (não por sugestão dos advogados, mas de um tal especialista). Nem, com a sua exigência de "garantias contra os ataques, os excessos, as mentiras, os aproveitadores", precisariam continuar tratando os biógrafos como bisbilhoteiros, fofoqueiros, e com essas outras gentilezas que o sempre bem tratado Gilberto Gil agora distribui.
      No subsolo do que os integrantes do Procure Saber disseram aparentemente dos e para os biógrafos, ficou evidente que muito se referia aos jornalistas. Não precisam fazer cerimônia. Nem precisarão desdizer-se, porque isso é tão pouco ético quanto o que fazem os maus biógrafos e o que criticam na imprensa.

      quarta-feira, 30 de outubro de 2013

      Estupradores de Mumbai não tinham medo da lei

      The New York Times

      Ellen Barry e Mansi Choksi
      Em Mumbai, Índia
      • Punit Paranjpe/AFP
        Policiais escoltam um suspeito de participar do estupro coletivo a uma fotojornalista em Mumbai
        Policiais escoltam um suspeito de participar do estupro coletivo a uma fotojornalista em Mumbai
      Às 17h30 daquela quinta-feira, quatro jovens estavam jogando cartas, como de costume, quando o celular de Mohammed Kasim Sheikh tocou e ele anunciou que era hora de sair à caça. Presas tinham sido avistadas, disse ele a um amigo. Quando o dono da casa perguntou o que eles iriam caçar, Sheikh disse: "um belo veado".

      Quando os dois homens saíram apressados da residência, o anfitrião sorriu, imaginando que eles não gostavam de perder no jogo.

      Duas horas depois, uma fotojornalista de 22 anos saía mancando de um edifício em ruínas. Ela havia sido estuprada repetidas vezes por cinco homens. Um deles pediu para que ela imitasse cenas pornográficas exibidas em um telefone celular. Depois que a moça deixou o local do estupro, os homens se dispersaram e voltaram para suas esposas ou mães – ao menos aqueles tinham esposas e mães –, pois era hora do jantar. Nenhuma de suas vítimas anteriores tinha ido à polícia. Por que esta iria?

      O julgamento do caso de estupro coletivo em Mumbai teve início em um tribunal sonolento e mal frequentado, sem a pressão dos repórteres que registraram cada reviravolta de um caso semelhante, ocorrido em Nova Déli, no qual uma mulher morreu depois de ser estuprada por vários homens dentro de um ônibus particular. Os acusados, que estavam descalços e se sentaram em um banco ao fundo do tribunal, observavam os argumentos com expressões vazias, como se eles estivessem sendo proferidos em mandarim. Todos se declararam inocentes.

      Mas o caso de Mumbai oferece um vislumbre incomum sobre um grupo de jovens entediados que já cometeram o mesmo crime tantas vezes que até chegaram a desenvolver uma rotina. A polícia diz que os homens já estupraram pelo menos cinco pessoas no mesmo local. O jeito confiante e relaxado dos acusados reforça a ideia de que aqui na Índia o estupro tem sido um crime em grande parte invisível, para o qual as condenações são raras e cujas vítimas costumam sair silenciosamente de cena. Só após a prisão dos acusados, num momento em que a violência sexual vem ganhando as manchetes e tem sido alçada ao topo da agenda das autoridades locais, é que a gravidade do crime foi compreendida.

      Um editor da publicação onde a fotógrafa trabalha, que falou sob a condição de anonimato para proteger a identidade da vítima e estava presente quando uma testemunha identificou o primeiro dos cinco suspeitos – um jovem –, disse que o adolescente se esvaiu em lágrimas assim que foi acusado.

      Mumbai é uma mistura anárquica, com seus arranha-céus ladeados por pequenas favelas e imóveis desocupados que se transformaram praticamente numa selva. Um desses lugares é Shakti Mills, onde estão as ruínas dos dias prósperos da indústria têxtil de Mumbai. Quando a noite cai, Shakti Mills se transforma em um traiçoeiro trecho de escuridão em meio à cidade, repleto de buracos e detritos, mas ainda próximo o suficiente de Mumbai para que seja possível olhar para cima e observar as luzes piscantes do Hotel Shangri-La.

      A fotógrafa e seu colega, um homem de 21 anos, eram estagiários de uma publicação de língua inglesa e decidiram incluir as ruínas do complexo Shakti Mills em um ensaio fotográfico sobre os prédios abandonados da cidade, segundo o editor. Naquela quinta-feira de agosto, eles chegaram ao complexo fabril em ruínas cerca de uma hora antes do pôr do sol.
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      Casos de estupro na Índia239 fotos

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      23.ago.2013 - Policiais indianos inspecionam local onde uma jovem de 22 anos foi vítima de estupro coletivo, em Mumbai, nesta sexta-feira (23). A fotojornalista foi atacada por um grupo de homens, enquanto seu parceiro foi amarrado a uma árvore e espancado, segundo a polícia. Em dezembro passado uma jovem de 23 anos também foi estuprada coletivamente em um ônibus e morreu por consequência dos ferimentosLeia mais Indranil Mukherjee/AFP

      Os cinco homens que eles encontraram vieram das favelas próximas ao complexo fabril.

      Nenhum dos homens tinha emprego fixo. Eles diziam a suas famílias que queriam uma vida melhor, um trabalho em um escritório ou em uma fábrica, mas esse trabalho nunca parecia chegar. Eles passavam o tempo jogando cartas e bebendo. O luxo da parte mais rica da cidade era esfregado na cara deles todos os dias por meio das formas sinuosas do Lodha Bellissimo, um prédio de 48 andares que estava sendo construído em um terreno adjacente.

      Apenas Kasim Sheikh, 20, o jogador de cartas que recebeu o telefonema, parecia ter deixado a pobreza para trás. Ele usava camisas espalhafatosas e conseguia bicos de garçons para seus amigos em festas de casamento. Ele já havia sido condenado por roubo e, ocasionalmente, fornecia informações para a polícia, de acordo com o comissário de polícia de Mumbai, Himanshu Roy.

      Quando outro de seus amigos, Salim Ansari, 27, pai de dois filhos, avistou os estagiários na fábrica naquele dia, a primeira coisa que ele fez foi ligar para Sheikh para informar que a presa havia chegado.

      Nada a perder

      Nos últimos meses, desde o estupro coletivo em Nova Déli, a violência sexual tem sido discutida continuamente na Índia. Mas ainda há poucas respostas claras para as dúvidas relacionadas à frequência desse tipo de crime ou sobre suas causas.

      Um dos problemas desse tipo de delito é que seus autores provavelmente não consideram suas ações como um crime grave, mas sim como algo mais próximo de uma travessura. Uma pesquisa realizada em seis países asiáticos – a Índia não estava entre eles – com mais de 10 mil homens e publicada pela revista Lancet Global Health em setembro passado apresentou dados surpreendentes. O levantamento constatou que, quando a palavra "estupro" não era usada como parte de um questionário, mais de um em cada 10 homens da região admitiu ter feito sexo à força com uma mulher que não era sua parceira.

      Questionados sobre os motivos que os levaram a tomar tal atitude, 73% dos homens disseram que a razão era "porque eles tinham direito". Cinquenta e nove por cento dos entrevistados disseram que sua motivação foi "a busca por diversão".

      A fotógrafa e seu colega foram até a fábrica, mas perceberam que, visualmente, o local não era o que eles queriam. Foi nesse momento que os dois homens se aproximaram deles, disse a vítima à polícia posteriormente, e se ofereceram para mostrar um ponto mais afastado. Nesse local, as imagens eram melhores, e os dois já estavam trabalhando durante meia hora quando os dois homens voltaram.

      "A presa está aqui"

      Dessa vez, eles voltaram com um terceiro homem, Kasim Sheikh, que disse algo estranho à fotógrafa e seu colega – "Nosso chefe viu vocês dois e vocês têm que vir com a gente agora" –, e ele insistiu para que eles se aprofundassem ainda mais no complexo. Enquanto eles caminhavam, a fotógrafa ligou para um editor, que disse para eles saírem imediatamente dali. Mas já era tarde demais.

      "Venha aqui para dentro, a presa está aqui", Sheikh chamou, e mais dois homens se juntaram a eles.

      Os homens disseram que o colega da fotógrafa era suspeito de assassinato, pediram para que os dois retirassem seus cintos e os usaram para amarrar o homem. Depois disso, disse a mulher à polícia, "o terceiro homem e um homem de bigode me levaram para um lugar que parecia um cômodo todo destruído".

      Os homens tinham feito a mesma coisa de um mês antes, disse Roy, o comissário de polícia, quando se revezaram no estupro de uma atendente de call center de 18 anos que, acompanhada de seu namorado, havia torcido o tornozelo e estava tentando pegar um atalho através do complexo fabril desativado. Eles também estupraram uma mulher que trabalhava como catadora em um depósito de lixo, uma prostituta e um homem vestido de mulher, disse Roy.

      Por fim, eles levaram a fotógrafa, que estava chorando, para fora do local. Antes de soltá-la, eles ameaçaram fazer o upload do vídeo do ataque na internet caso ela denunciasse o crime – uma estratégia que já havia funcionado com as vítimas anteriores.

      Mas ela não hesitou. A fotógrafa e seu colega pegaram um táxi para o hospital mais próximo. Lá, eles denunciaram o crime.

      Resposta enérgica

      Apesar de os homens que estavam na fábrica não terem consciência, o crime de estupro se transformou em uma questão de grande importância para a opinião pública na Índia, um indicativo que está relacionado à identidade de uma cidade. As autoridades de Mumbai, que tinham dito que o estupro coletivo registrado em Nova Déli não poderia ter acontecido aqui, ficaram horrorizadas e deram início a uma ampla e enérgica resposta, como se um ato de terrorismo tivesse ocorrido na cidade.

      A polícia acionou suas redes de informantes nas favelas e todos os cinco suspeitos foram presos e confessaram rapidamente o crime.

      Mas, em vários bairros localizados nos arredores de Mumbai, as pessoas ainda estão tentando ligar o crime aos homens comuns que elas conheciam.

      Shahjahan Ansari, a esposa do mais velho dos acusados, Salim Ansari, parecia aterrorizada quando um desconhecido apareceu em sua porta. Os vizinhos começaram a evitar a família desde que a notícia da prisão de Salim tornou-se pública, e mulher do acusado passou a temer a atenção extra.

      Ansari relembrou o tempo de dias melhores, antes de seu marido perder o emprego em uma fábrica que produzia caixas de papelão. Ele tinha tanto orgulho de seu trabalho na fábrica, que era equipada com grandes máquinas, que levava seus filhos para ir vê-lo trabalhar nos turnos de domingo.

      "Eu quero que meus filhos cresçam e sejam bons seres humanos, e isso é tudo", disse a mãe.

      Tradução: Cláudia Gonçalves