domingo, 3 de novembro de 2013

Casais pelados lutam por comida em reality show

folha de são paulo
GUILHERME GENESTRETIDE SÃO PAULOO nudismo chegou aos reality shows de sobrevivência. "Largados e Pelados", que estreou em junho nos EUA e chega ao Brasil na terça (5) pela Discovery, é uma espécie de Gênesis na TV.
Toda semana é mostrado um casal diferente de desconhecidos. Eles passam 21 dias em um ambiente selvagem. Têm que lutar por comida, suportar intempéries e mau humor alheio.
Tensão sexual? "Nem por um segundo", responde a dublê de filmes australiana Ky Furneaux, 40, que aparece no sexto episódio. "Era um pântano cheio de cobras e crocodilos. Não tinha como pensar: Nossa, que sexy o meu parceiro'."
O reality mostra o primeiro contato de Ky com o escritor Billy Berger, 39. Já nus, eles se conhecem em um brejo na Louisiana, sul dos EUA. "Bonito colar", ela diz a ele. Seios e genitais aparecem borrados na tela.
"O estranhamento com minha parceira durou o tempo de um aperto de mão", diz o cantor Clint Jivoin, 24, do segundo episódio. "Ficar nu foi difícil porque as roupas são a primeira proteção do corpo."
No Panamá, Jivoin e a taxidermista Laura Zerra, 27, dormiram lado a lado nas primeiras noites. "O abrigo estava num lugar tão úmido que não conseguíamos acender uma fogueira."
As tensões crescem. Ele reclama dos restos de coco deixados por ela. Ela se queixa que ele não ajuda a buscar comida. "Deve ser assim que a gente se sente num casamento", diz Jivoin para a câmera, com folhas amarradas na cintura.
A associação One Million Moms, que faz abaixo-assinados contra "conteúdo impróprio na mídia", tentou tirar os pelados do ar nos EUA. Não conseguiu.
"A nudez parece que deixa tudo com carga sexual, mas não é por aí", diz Jivoin. "Parece tosco, engraçado, mas é bem sério."

    José Simão

    folha de são paulo
    Obama! Onde está Wally?
    E os servidores do Kassab deixaram a Cidade Limpa mesmo. Limparam R$ 500 milhões!
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Semana Macabra: Halloween e Finados! Chama a Sonia Abrão! Rarará!
    E os servidores do Kassab deixaram a Cidade Limpa mesmo. Limparam R$ 500 milhões! E fantasma não assusta mais gritando "ÚÚÚ", agora grita "IPTÚÚÚ"!
    E o Obama espiona o mundo inteiro, mas não sabe onde está Wally. Obama descobriu que a Dilma dorme de pijaminha do Che Guevara, aqueles de flanelinha com estampa do Che! E que a Angela Merkel não dorme, RONCA!
    Ela deve ser aquela que dorme de barriga pra cima, com as mãozinhas cruzadas em cima da pança! Rarará!
    E o Obama descobriu a idade da Glória Maria: ela nasceu há 10 mil anos atrás, junto com o Raul Seixas. Rarará. E um leitor quer saber: "Caro Obama, espero que o que eu fiz ontem com a minha secretária fique só entre nós três".
    E outro: "Obama, a minha mulher vai três vezes por semana ao cabeleireiro ou é migué dela?". E a filosofia do Obama: quem espiona o que eu estou espionando é espionagem!
    E o Roberto Carlos? Que é a favor da biografia não autorizada, desde que não seja a dele! E disse: "Ninguém melhor que eu pra saber da minha vida". Mas ele não tem vizinho? Se ele morasse no meu prédio, ele não ia dizer isso!
    E sugestão de título pra autobiografia do Roberto: "Jesus Cristo, eu AINDA estou aqui". Rarará. E Finados? Finados é o Senado! Aqueles políticos que morreram e se esqueceram de cair. E diz que o Sarney é um finado-vivo! Rarará. E adorei a lápide do hipocondríaco: "Eu não falei que eu tava doente?". Rarará!
    E Halloween? A Dilma parece uma abóbora. Só falta acender uma vela na boca! E todo dia o Serra se olha no espelho e o espelho grita: "Halloween de novo?". Pro espelho do Serra, todo dia é Halloween!
    E o chargista Flavio revela a nova empresa do Eike: CALOTEX! Rarará. O Eike desmoralizou tanto a letra x' que até a Xuxa vai mudar de nome pra Chucha! Rarará.
    É mole? É mole, mas sobe!
    O Brasileiro é Cordial! Olha essa placa em Curitiba: "Você estacionou na calçada. Não se reproduza. Grata, a Humanidade".
    E essa placa numa escolinha infantil: "Não vale jogar pedra nos colegas". Deve ser a escolinha dos black blocs. Maternal Black Bloc. Rarará.
    Nóis sofre, mas nóis goza!
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      James Spader é o trunfo da nova 'Blacklist'

      folha de são paulo
      CRÍTICA SERIAL
      LUCIANA COELHO - coelho.l@uol.com.br
      Protagonista irreverente segura suspense de ação sobre criminoso genial à caça de seus desafetos
      JAMES SPADER É o tipo raro de ator que pode segurar uma série sozinho, mesmo que o roteiro seja esquemático, o elenco de apoio, mediano, e a fórmula a ser explorada não seja lá a coisa mais original do mundo.
      Por isso, é estranho que a nova "The Blacklist" não tenha sido escrita para ele --ainda que o ex-galã cult de "Sexo, Mentiras e Videotape", muito melhor em sua versão envelhecida, engordada e com menos cabelos, fosse a primeira opção dos produtores.
      A série, aposta de peso do canal americano NBC (e no Brasil, do Sony) para esta temporada, revolve em torno de Raymond "Red" Reddington, um gênio do crime procurado pelo FBI que se entrega às autoridades com uma lista de desafetos a procurar/desgraçar/exterminar.
      Sim, "gênio do crime" é uma expressão deveras clichê, mas o personagem também é. O que o salva é justamente o humor negro, o timing refinado e o charme um tanto perturbador que Spader é capaz de lhe atribuir.
      É isso que torna possível para o espectador crer que Red, uma espécie de cruza de Sherlock Holmes com Jack Bauer com Hannibal Lecter, pode fazer o que faz.
      E que torna difícil imaginar o que a série seria se ele rejeitasse o papel como fez até o último minuto, segundo entrevistas dos produtores. Provavelmente, uma sequência de cenas de ação bem-feitas, que entretêm por alguns episódios e só.
      O mistério da história é que Red só aceita conversar com a agente novata Liz Keen (Megan Boone, sem nada relevante no currículo, segura direitinho a missão de coprotagonista). Assim como as intenções do criminoso, o passado da policial nunca fica claro. E tampouco a relação prévia entre eles.
      Apesar das muitas perguntas a responder, cada episódio de "The Blacklist" é uma história fechada sobre um dos ex-sócios ou inimigos de Red. Dos quatro já exibidos no Brasil, o melhor é o que traz Isabella Rossellini, sexagenária e linda, como uma ativista de intenções dúbias.
      O resto do elenco é anódino. Diego Klattenhoff, o Mike de "Homeland", continua sem saber atuar na pele do agente Donald Ressler, parceiro de Liz. Ryan Eggold, o marido da agente, é igualmente insosso.
      Mesmo o experiente Harry Lennix, de "Matrix", é massacrado em qualquer cena com Spader. A segunda melhor ali é Parminder Nagra, a adolescente jeitosa com a bola de "Driblando o Destino" que cresceu e vive a agente Meera.
      Ainda assim, "The Blacklist" funciona. O cosmopolitismo de cenários lhe dá ritmo, os casos são bem escritos, as perguntas mantêm o suspense, a tensão entre os protagonistas flui e há James Spader, que sozinho salvou a saudosa "The Office" do naufrágio quando já não havia Steve Carrell para fazer rir.
      Não vai revolucionar a TV nem criar uma legião de adoradores, mas pode garantir uma audiência cativa por boas temporadas --equação perfeita para o horário nobre de um canal comercial de peso. Pense em uma novela bem-feita. É suficiente.

      Mônica Bergamo

      folha de são paulo

      'Médicos cubanos são muito talentosos', diz a blogueira Yoani Sánchez

      Opositora do regime comunista, a blogueira e ativista cubana Yoani Sánchez defende a contratação de profissionais da ilha pelo programa brasileiro Mais Médicos. Mas diz que "há algo de verdade" em chamá-los de "escravos", porque seriam usados "como mão de obra barata".
      "Gostaria que as organizações sindicais brasileiras ajudassem esses médicos", diz.
      Há alguns dias, ela conversou com Joelmir Tavares em Denver, nos EUA, na assembleia da SIP, a Sociedade Interamericana de Imprensa.

      Yoani Sánchez defende Mais Médicos

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      Joelmir Tavares/Folhapress
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      Yoani Sánchez durante entrevista em Denver, nos Estados Unidos, onde falou com a Folha
      Procurada para comentar as declarações de Yoani à coluna, a Embaixada de Cuba não se pronunciou.
      Já o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que ajudou a receber a blogueira no Brasil em fevereiro, discordou dela.
      "O que eu gostaria de dizer à Yoani, com todo o carinho, é que os médicos cubanos com quem conversei não reclamam da remuneração nem se sentem como escravos."
      Os profissionais de saúde sabem previamente as regras e não são obrigados a aceitar o trabalho, diz o petista.
      "Eles se inscrevem porque querem vir. Sabem que vão receber uma remuneração menor do que os R$ 10 mil pagos pelo governo brasileiro [à Organização Pan-Americana de Saúde, que repassa a verba ao governo cubano]. Não vejo por que criticar Cuba ou o Brasil pelo projeto."
      A seguir, trechos da entrevista com Yoani.
      *
      Folha - O que pensa do programa Mais Médicos?
      Yoani Sánchez - Tenho opiniões desencontradas. Por um lado, nunca estaria contra um projeto médico que vai ajudar a salvar vidas, a proteger pessoas, a atender a população que não tem acesso ou que tem um acesso limitado à saúde pública. Parece-me bom que médicos, sejam cubanos, russos, suecos ou brasileiros, ajudem outros seres humanos.
      E qual é sua segunda opinião?
      Minha crítica a esse projeto e a esse movimento de enviar médicos cubanos ao Brasil é que essas pessoas, nas questões salarial, laboral e sindical, são utilizadas como mão de obra barata. São pessoas que vão a diferentes países, e não só ao Brasil. Há experiências parecidas na Venezuela, Equador, Bolívia, África do Sul. Os governos desses países pagam grandes quantias ao governo cubano e, em troca, os médicos recebem valor quase simbólico [estimado entre 25% e 40% do total].
      Isso me entristece porque em Cuba temos profissionais muito qualificados. Há exceções, como em toda parte. Mas nós temos profissionais talentosos, que estão passando por uma situação econômica e material lamentável. Muitos são grandes especialistas em sua área, mas não têm dinheiro nem para comprar um par de sapatos ou tomar café da manhã.
      Muitas vezes os médicos são mais vítimas do que beneficiários. Portanto, eu gostaria que as organizações sindicais brasileiras, de proteção a médicos, de proteção a profissionais da saúde, ajudassem esses médicos.
      O que eles pensam do Brasil?
      Conheço alguns que foram selecionados para ir para o Brasil. E a primeira reação deles é de alegria, porque terão a oportunidade de ir a um país onde irão ganhar um pouco mais de dinheiro, onde vão poder ter certas liberdades. Pensam que, quando voltarem [a Cuba], poderão comprar um computador, uma lavadora nova, ou vão poder construir o teto da casa. É muito triste que um profissional da saúde tenha que sair do país para conseguir essas realizações. Parece-me muito boa a ajuda humanitária. Mas, por favor, por uma condição salarial, laboral e humana satisfatória.
      E a parceria de Brasil e Cuba?
      Imagino que o governo brasileiro tenha acertado as condições com o governo cubano. Em parte porque precisa de médicos, em parte porque isso se converte em uma questão de geopolítica.
      A maioria dos países para onde Cuba tem enviado médicos são nações que interessam ao governo cubano. É uma maneira também de ter uma presença não militar, que se converte em uma força de pressão diplomática. Lamentavelmente, a presença desses médicos às vezes vira motivo para silenciar críticas ao governo cubano.
      Pode ocorrer com o Brasil?
      Espero que o governo do Brasil possa superar isso e seguir mantendo ênfase nos direitos humanos, sem prejudicar o projeto de levar médicos cubanos a seu território. Vamos ver isso nos próximos meses. Não há comparação, por exemplo, com a proximidade entre os governos de Cuba e Venezuela. Noto mais cautela. Lamentavelmente, muitas vezes os interesses econômicos se sobrepõem aos políticos. No porto de Mariel [em Cuba], o Brasil está ajudando muito, com dinheiro e prestígio. Ultrapassa ligeiramente o tom diplomático.
      O que pensou sobre os protestos, alguns agressivos, contra os médicos cubanos no Brasil?
      Sou uma pacifista. Não gosto da violência, nem por parte dos que pensam como eu nem dos que discordam de mim. Quando se aplica a violência contra uma pessoa, ela sai mais dignificada.
      Alguns cubanos foram chamados até de escravos.
      É triste, é triste. Mas há algo de verdade nisso, no sentido de que essas pessoas, nos direitos laborais e salariais, estão sendo muito sacrificadas.
      Como se sente quando é atendida por médicos cubanos?
      Desde 2009 não vou a nenhum médico em Cuba. Na última vez que fui, por causa de um golpe que havia sofrido em um sequestro da polícia política, os médicos que me atenderam foram entrevistados por autoridades, o que viola o juramento de Hipócrates. Decidi que não voltaria a um médico lá, por causa da falta de privacidade. Resolvi contar com a sorte em relação à minha saúde. Por sorte [beija a mão direita], sou uma pessoa saudável.
      Consegue pensar em alternativas para solucionar a falta de médicos no Brasil?
      O Brasil é um país muito complexo, que não conheço em profundidade. Mas penso que seria preferível o incentivo à formação de médicos locais a trazê-los de fora, porque [os brasileiros] conhecem melhor o idioma, os lugares, se identificam melhor com as pessoas. Mas desejo muita sorte a esse projeto [Mais Médicos].
      Você está fundando um jornal em Havana. Como ele será?
      É um jornal digital. Vamos tratar de tudo: cotidiano, tecnologia, economia. Eu e a equipe queremos lançá-lo até o fim do ano. Vamos ver se os santos da tecnologia e da informação nos permitem.
      Não tem medo de censura?
      Claro. Mas vamos fazer. Não vamos esperar que seja permitido para fazermos.
      Mônica Bergamo
      Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

      Mauricio Stycer

      folha de são paulo
      Show da vida, retrato da TV
      Aos 40 anos, o programa enfrenta fuga de público e o duro diagnóstico de Boni: "O 'Fantástico' era fantástico"
      Nenhum programa expressa tão bem quanto o "Fantástico" a trajetória --e a crise-- da TV aberta no Brasil. No ano em que comemora 40 anos, o dominical da Globo tem mostrado incrível capacidade de se renovar, mas não conseguiu estancar a queda no Ibope. Ao contrário, a cada novidade a audiência parece reagir com mais fuga.
      De uma média anual de 34,3 pontos em 2000, chega a 2013 (até outubro) com média de 19,4 em São Paulo. No último domingo (27), dia de estreia de um novo quadro, o sofisticado "Correio Feminino", dirigido por Luiz Fernando Carvalho, o programa marcou 16 --um recorde negativo.
      Nascido no momento em que a Globo buscava se reposicionar no mercado, o "Fantástico" preencheu um vazio deixado por Chacrinha, então líder de audiência, que saiu brigado com a emissora em dezembro de 1972.
      "Nós não precisamos mais de Ibope. Nossa preocupação é com a qualidade da programação e, se Chacrinha saiu, podem estar certos de que colocaremos outro programa de igual, ou melhor, qualidade", disse então à "Veja" o diretor Homero Icaza Sánchez.
      Por alguns meses, em 1973, a emissora exibiu nas noites de domingo um programa piegas, chamado "Só o Amor Constrói", até que, em 5 de agosto, estreou a atração idealizada por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho.
      Como conta em "O Livro do Boni", o seu projeto tinha feição megalomaníaca: "Alguma coisa que reunisse tudo o que a televisão fazia, com notícias, reportagens, música, humor, circo, dramaturgia e curiosidades". Deu certo.
      Quarenta anos depois, o "mix" que dá aparência de "revista" ao programa não mudou muito. O que parece diferente é a preocupação de ensinar e se fazer entender, maior até do que entreter, propriamente.
      Dois quadros novos me chamaram especialmente a atenção neste aspecto. Num, o humorista Marcelo Adnet recriou, em chave de paródia, os famosos "clipes do Fantástico", exibidos nas décadas de 1970 e 1980. Num caso talvez inédito no humorismo, a cada domingo Adnet explicava a piada ao público antes de exibi-la.
      Em outro, o repórter Ernesto Paglia foi convocado a testar a reação do público diante de situações-limite, registradas com câmera escondida, como a agressão a um mendigo, ofensas a um nordestino ou o preconceito contra homossexuais. A ênfase da "pegadinha" não era na denúncia do comportamento abjeto, mas sim no elogio da atitude solidária.
      Esse mesmo espírito percorreu os realities exibidos, tanto o dedicado aos obesos quanto o dos homens no papel de "donas de casa". A própria entrada de Renata Vasconcellos, no lugar de Renata Ceribelli, parece atender ao desejo de um programa em tom mais suave e professoral. É bom lembrar que, falando em números absolutos, a atração alcança hoje muito mais gente do que em 1973.
      Apesar das muitas novidades, os principais destaques do "Fantástico" em 2013 saíram da cartola do jornalismo. Seja com as denúncias de Glenn Greenwald, seja em investimentos próprios, o programa registrou grandes feitos nesta área.
      Boni encerra seu capítulo sobre o programa dizendo: "O Fantástico' era fantástico. E ainda há lugar para um grande programa, com o formato de magazine, na televisão brasileira". A crueldade do verbo no pretérito leva a uma pergunta: o "Fantástico" chega aos 40 mais maduro ou velho?

        Ferreira Gullar

        folha de são paulo
        O feitiço contra o feiticeiro
        Há muito mais necessitados do que Lula pensava e todos passaram a querer também bolsa, casa, geladeira etc.
        Sinceramente, você acha que Lula contava com tamanho descontentamento popular, após dez anos de governo petista?
        Acredito que não. Pelo menos, é o que poderia deduzir dos tantos discursos que fez, quando presidente da República, e que foram repetidos depois por sua substituta, Dilma Rousseff, pelos ministros de ambos os governos e pelos dirigentes petistas. O Brasil nunca antes, em tempo algum, foi tão feliz. Por isso mesmo, insistem em fazer de conta que o descontentamento, que se manifesta todos os dias nas ruas, não tem nada a ver com eles.
        Mas tudo tem limite. Por isso mesmo, Lula, esperto como é, veio a público dizer que, quando líder sindical, nunca participou de vandalismos. É verdade. Mas o problema maior, para ele, não é o vandalismo, que todo mundo condena.
        O que é mais preocupante, para o governo, nessas manifestações, pelo que reivindicam e pelo que denunciam, é a demonstração de que algo deu errado nos governos petistas, que vieram para contentar os trabalhadores e o povão.
        Não resta dúvida de que Lula, ao ampliar o assistencialismo com o Bolsa Família, ao aumentar o salário mínimo e tomar medidas estimuladoras do consumo, possibilitou a ascensão de um amplo número de pessoas a condições de vida um pouco melhores.
        Esse fato teve reflexo positivo na vida econômica --mas no quadro social do país, como advertiram os economistas, tratava-se de uma melhoria momentânea, incapaz de ampliar-se e mesmo sustentar-se por muito tempo. É que os investimentos imprescindíveis em setores estruturais, de que depende o crescimento econômico efetivo, não foram feitos, certamente porque não trariam consigo o mesmo apelo eleitoral. Essa é uma característica do populismo, coisa antiga no Brasil.
        A preocupação em conquistar o eleitor --e especialmente o eleitor mais carente e menos informado dos problemas do país-- foi desde o início a marca do governo petista. E não por acaso. Todos se lembram da declaração de José Dirceu, dada naquela época, garantindo que o PT ficaria no governo por 20 anos, pelo menos.
        Dez anos, ele já ficou; quanto aos outros dez, pelo que se vê agora, restam sérias dúvidas. Mas, por isso mesmo, a preocupação essencial do governo Dilma é a mesma que a do governo Lula, mas com algumas concessões que foi obrigada a fazer, como privatizar aeroportos e, agora, permitir a participação de empresas privadas estrangeiras no leilão do campo de Libra.
        Por suas raízes ideológicas, o PT nasceu sonhando com uma revolução do tipo cubana no Brasil e, consequentemente, contra o capitalismo. Foi difícil manter-se nessa posição, com as mudanças ocorridas no mundo, após queda do Muro de Berlim.
        O radicalismo petista --que o levara a negar-se a assinar esta nova Constituição que está em vigor-- amainou-se após as sucessivas derrotas de Lula como candidato à Presidência da República. Ele obrigou o partido a recuar e passar a falar mais manso. Graças a isso, foi eleito e passou a viver um dilema: se se mantivesse esquerdista, não governaria. De qualquer modo, abraçava Bush e fazia questão de mostrar que sua verdadeira simpatia para Ahmadinejad.
        Aqui dentro, a coisa era mais complicada: como privatizar os aeroportos se sempre condenara as privatizações? Mas tinha de fazê-lo e passou, então, a chamar as privatizações de "concessões" e pôr nelas exigências que as inviabilizavam. Agora, teve que recuar. Por outro lado, restava-lhe o caminho ambíguo do populismo chavista. E assim ampliou em vários milhões os beneficiados pelo Bolsa Família e financiou o consumismo das faixas mais pobres.
        Sucede que, no Brasil, há muito mais necessitados do que Lula pensava e todos passaram a querer também bolsa, casa, geladeira, fogão, televisão de graça. Por outro lado, a economia exige que o Estado se abra à iniciativa privada. Ou faz isso, ou o país para de crescer. Aliás, já há quem preveja, para breve, crescimento zero.
        Assim, Dilma abriu o leilão de Libra a empresas estrangeiras, o que foi certo, mas os operários do petróleo não pensam assim; pensam como Lula lhes ensinou: privatizar a exploração do petróleo é trair a pátria. Com essa ele não contava.

        Filósofo analisa 30 anos de história política

        folha de são paulo
        RICARDO MENDONÇA
        DE SÃO PAULO
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        O filósofo Marcos Nobre passou os últimos anos lapidando a expressão "pemedebismo", conceito que elaborou em 2009 para designar a cultura política que, no seu entender, tornou-se dominante no país a partir dos anos 80.
        "Pemedebismo" seria um certo jeito de fazer política que nasceu com o PMDB e alastrou-se. Entre suas características, ensina, estão o governismo, seja qual for o governo; o direito de veto do "condômino" quando o assunto em discussão diz respeito ao seu feudo; e o bloqueio de oponentes sempre pelos bastidores.
        É, enfim, uma tecnologia "made in Brazil" muito bem sucedida em seu objetivo final de travar qualquer chance de transformação. O "conservadorismo à brasileira", repete.
        "Imobilismo em movimento", livro que acaba de lançar, é a narrativa dos últimos 30 anos de história política sob o prisma do "pemedebismo".
        Nobre lamenta que a redemocratização tenha sido só formalmente cumprida e define o Brasil como um país "rico, extremamente desigual e com uma cultura política de baixo teor democrático". Sua pergunta essencial é como o sistema conseguiu manter sob controle os conflitos de uma sociedade com desigualdades tão escandalosas.
        O "peemedebismo", em suas várias manifestações, foi a resposta que ele encontrou.
        Na Constituinte, a figura do Centrão, bloco organizado para neutralizar aspirações mudancistas. Após o impeachment de Collor, a aceitação de que todos os governos teriam que dispor de maiorias esmagadoras pela "governabilidade". Depois, a organização do sistema em dois polos (PT e PSDB) que, no lugar do enfrentamento ao "pemedebismo", optam por disputar entre si quem seria seu condutor.
        Mas Nobre não é pessimista. O triunfo de Lula, diz, consolida um modelo que finalmente deixa de aceitar como inevitáveis os indecentes padrões de desigualdade. É o "social-desenvolvimentismo".
        Já os protestos de junho teriam sido um "rombo" na blindagem pemedebista. O rugido dizendo que certos modos não são mais toleráveis.
        IMOBILISMO EM MOVIMENTO
        AUTOR Marcos Nobre
        EDITORA Companhia das Letras
        QUANTO R$ 36,00 (210 págs.)
        AVALIAÇÃO bom
        Felix Lima/Folhapress
        O professor de filosofia da Unicamp Marcos Nobre, que lança o livro "Imobilismo em Movimento", sobre história política no país
        O professor de filosofia da Unicamp Marcos Nobre, que lança livro sobre história política no país