segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Valdo Cruz

folha de são paulo
Pátria das dificuldades
BRASÍLIA - Somos a pátria das dificuldades, terreno propício para o grande negócio da venda de facilidades. Um ramo sempre à disposição de gente que deseja ganhar a vida facilmente com o seu, o meu, o nosso dinheiro, o dos impostos.
As justificativas oficiais para a existência de imensas dificuldades em todos os escaninhos do setor público são muitas, todas levando a uma explicação quase consensual: proteger o patrimônio público.
Pode funcionar em muitos casos, mas cria brechas para larápios como os da máfia de fiscais de São Paulo. O que, convenhamos, já é suficiente para repensar todo o sistema de procedimento, regras e exigências no mundo do setor público.
Não só para combater o roubo de recursos públicos, como assistimos agora na cidade de São Paulo. Mas também para tornar o Brasil um país menos hostil e mais amigável àqueles que decidem fazer do setor produtivo, seja em que esfera for, uma forma de ganhar a vida.
Triste notar, porém, que esse é um discurso antigo. Não é de hoje que se defende a modernização da administração pública para torná-la mais eficiente e reduzir entraves para quem deseja produzir.
Afinal, parte do nosso fraco crescimento econômico tem origem no Estado pesado e grande demais, complicado demais, que confunde rigor com excesso de controle. Muitas vezes por obra de grupos interessados na manutenção do poder.
Modelo perfeito para pequenos e grandes desvios de recursos públicos. Gerando tanto esquemas sofisticados montados pelos donos do poder como por servidores que deveriam zelar pela coisa pública, mas a utilizam para se enriquecer.
Daí que tudo é mais custoso no Estado brasileiro. Desde um simples habite-se até grandes obras federais. Enfim, sei que não é a resposta para tudo, mas o ideal seria reduzir os tentáculos do Estado na economia, diminuindo o imenso campo fértil para a corrupção.

    Vinicius Mota

    folha de são paulo
    Urbanismo bandeirante
    SÃO PAULO - Está em curso na capital paulista uma série de audiências públicas em torno da nova edição do Plano Diretor, o código que deveria orientar o desenvolvimento urbano ao longo dos próximos anos. Deveria. O noticiário dá reiteradas mostras de que, na prática, uma interação caótica de ilegalidades e lobbies econômicos continuará usurpando o papel do plano.
    Ilegalidades miúdas brotam a todo momento, na relação que muitos paulistanos de todas as classes de renda estabelecem com o espaço. Agem como desbravadores da terra virgem. Nesse bandeirantismo do asfalto, edificam o que lhes dá na telha, apropriam-se de áreas públicas, estrangulam e enchem de obstáculos os passeios dos pedestres.
    A selvageria ganha volume e amplia seu impacto quando se trata de grandes construtores. Eles têm acesso direto a vereadores e a autoridades do Executivo, financiam campanhas, influenciam soberbamente a feitura das legislações que lhes interessem. Sabem que a via da corrupção está aberta em caso de necessidade. Aberta e incentivada pelo mesmo círculo de relações no poder.
    Fraudes milionárias descobertas com facilidade pela corregedoria da gestão Fernando Haddad (PT) indicam o grau de acomodação e acobertamento mútuo que prevalecia entre corruptores e autoridades --algumas eleitas; outras, servidores de carreira, alçadas a postos de confiança por meio de indicações políticas.
    O prefeito terá interesse de puxar todos os caranguejos desse saco? Sairão os mais graúdos, as carapaças coruscantes que, na vereança, na prefeitura e em empresas, há décadas imprimem o urbanismo de fato na capital? A iniciativa irá até o ponto de enfrentar lobbies como o que torpedeia a limitação de vagas de garagem em edifícios providos de boa infraestrutura de transporte público?
    A percepção de um recuo nesse flanco seria deletéria para um prefeito já precocemente desgastado.
    vinimota@uol.com.br

      Ruy Castro

      folha de são paulo
      Neonazistas
      RIO DE JANEIRO - Numa época em que os governos, inclusive o nosso, não fazem outra coisa exceto se espionar --e em que cada e-mail, telefonema ou mensagem pode ser gravado, lido, cheirado, ouvido e bisbilhotado--, a Polícia Federal levou quatro meses para rastrear 130 "black blocs", suspeitos de incitar a violência, desafiar a polícia e promover a destruição de bens públicos e privados.
      Não que, desde o começo, os "black blocs" não fornecessem farto material de escuta e análise --afinal, passam o dia nas "redes sociais" tramando ações e depredações. Foram precisos muitos prédios danificados, agências bancárias invadidas, orelhões e lixeiras arrancados de seus postes e, agora, ônibus e caminhões incendiados, para que os órgãos de inteligência começassem a levantar o perfil de pessoas ligadas a tais atos.
      Para alguns, uma surpresa nesse perfil será o desprezo dos "black blocs" pelos manifestantes que eles simulam apoiar --na forma de hostilidades contra sindicalistas, estudantes e jornalistas. Mas será uma surpresa?
      Para os "black blocs", o objetivo é criar o máximo de tumulto em cada manifestação, contando com reações desastradas da polícia e, com isso, gerar pretextos para mais "protestos". Uma balbúrdia reprimida, por exemplo, em São Paulo, com prisões e pancadaria, será respondida no Rio, em Curitiba, Brasília ou Porto Alegre. E sabe-se agora que eles se comunicam e se instruem até internacionalmente --ou seja, já não há inocentes ou românticos em suas fileiras.
      Há duas semanas, o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, por precaução, cancelou uma palestra que daria num centro cultural no Leblon. Havia "black blocs" nas proximidades. O que significa: o homem que costuma pôr o tráfico para correr teve de curvar-se à ação desses inesperados --já não há outra palavra-- neonazistas.

        Mônica Bergamo

        folha de são paulo

        Governo de SP estuda testar monitoramento eletrônico de presos provisórios

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        O governo de São Paulo estuda testar o monitoramento eletrônico de presos provisórios. Um projeto-piloto deve ser feito na capital e na região metropolitana com 1.500 pessoas, que receberiam tornozeleiras ou pulseiras. A proposta está em relatório assinado pelo secretário da Segurança Pública, Fernando Grella.
        EM CASA
        Monitorados, os presos que ainda aguardam julgamento não precisariam lotar as celas. "Seria uma alternativa ao cárcere na fase processual", diz o advogado Paulo José Iasz de Moraes, da OAB-SP, que integrou a comissão que estudou o tema. "E evitaria a ida de muitas pessoas para as penitenciárias, que são escolas do crime." Cada equipamento tem custo estimado de R$ 3.000.
        GRANDE AMIGA
        Luciana Temer, secretária municipal de Assistência Social, sai em defesa de Antonio Donato, de Governo. Ela afirma que o petista nada teve a ver com a nomeação da servidora Paula Nagamati para um cargo em sua equipe. "Ela chegou aqui por indicação de Fábio Remesso, era muito amiga dele", diz, referindo-se a seu ex-chefe de gabinete que foi afastado em junho.
        GRANDE AMIGA 2
        Remesso, que por sua vez foi indicado a Luciana Temer pelo vereador Nelo Rodolfo (PMDB-SP), é apontado pelo Ministério Público como integrante da máfia dos fiscais. Paula depôs como testemunha. Ex-chefe de gabinete da Secretaria de Finanças na gestão de Mauro Ricardo, que comandou a pasta no governo de Gilberto Kassab, ela era próxima também de Ronilson Rodrigues, tido como chefe do esquema.
        GRANDE AMIGA 3
        Aos promotores do Ministério Público, a servidora afirmou que os fiscais deram dinheiro para campanhas eleitorais de Donato.
        *
        O secretário nega ter recebido qualquer tipo de contribuição deles.
        RAP
        Gui Calíssi
        Flora Matos, contratada pelo selo do rapper Emicida, lança este ano o single "O Jeito"; a música faz parte de seu primeiro disco, que será lançado em 2014 e é produzido por Andres Levin, que já trabalhou com Marisa Monte

        Marco Nanini estreia monólogo

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        Zé Carlos Barretta/Folhapress
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        Guel Arraes e Marco Nanini, ator e diretor de "A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe para Pedir Um Aumento", monólogo que está em cartaz até o dia 1º de dezembro no Sesc Vila Mariana

        Ministro do STJ lança livro

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        Divulgação
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        O ministro do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão, que lançou o livro "Direito Privado - Teoria e Prática", e o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal
        ARCO-ÍRIS
        Membros dos conselhos municipal e estadual dos direitos LGBT divulgam carta nos próximos dias com propostas para reverter o fechamento da área do parque Ibirapuera conhecida como "Autorama". Ponto de encontro de gays, lésbicas e travestis, o local deixou de funcionar nas madrugadas após denúncias de prostituição, exploração de menores e tráfico de drogas.
        ARCO-ÍRIS 2
        Entre as sugestões, estão reforço na atuação da Guarda Civil, melhoria na iluminação e visitas do Conselho Tutelar. A prefeitura diz estar disposta a negociar soluções.
        CANTO E RISO
        A ida do Porta dos Fundos para os palcos, na forma de um musical, deve ficar a cargo da Aventura, empresa dos produtores culturais Luiz Calainho e Aniela Jordan. As negociações entre a companhia e o canal de vídeos de humor, um dos mais populares do YouTube, estão avançadas. O projeto é para 2015.
        DIREÇÃO DE ARTE
        Marília Pêra vai dirigir Cássio Reis e Silvia Pfeifer no espetáculo "Callas", que estreia no mês que vem no Rio. A peça é um "documentário vivo" sobre os 90 anos que a cantora lírica Maria Callas completaria no ano que vem.
        PF DE LUXO
        O prato em homenagem ao jogador Neymar no restaurante Paris 6 terá arroz, feijão, ovo frito, farofa de bacon e carne. A refeição custará cerca de R$ 40. Cinco meses após a abertura da primeira unidade carioca, na Barra da Tijuca, no Rio, Isaac Azar, chef e proprietário do estabelecimento, já procura um ponto na zona sul para outra filial na cidade.
        CURTO-CIRCUITO
        A Cachaça da Tulha lança hoje a Edição Única 2013, no bar Ilha das Flores, na Cidade Jardim, às 19h30.
        Adilson Paes de Souza autografa hoje o livro "O Guardião da Cidade - Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares". A partir das 18h30, na Livraria Martins Fontes da avenida Paulista.
        Fernando Henrique Cardoso será homenageado hoje no Prêmio Marketing Best Sustentabilidade, às 19h, na ESPM.
        A exposição "O Prêmio Nobel - Ideias Mudando o Mundo" será aberta hoje, às 19h30, na sede da Fiesp, na avenida Paulista.
        O livro "Milton Neves, Biografia do Jornalista Esportivo mais Polêmico do Brasil", de André Rosemberg, será lançado hoje, às 19h, no shopping Frei Caneca.
        com ELIANE TRINDADE, JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
        Mônica Bergamo
        Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

        Gregorio Duvivier

        folha de são paulo
        Amizade platônica
        Tive algumas oportunidades de conhecê-lo, mas preferi não chegar às vias de fato, porque isso poderia abalar a relação
        Fiquei melhor amigo do Antonio Prata sem que ele soubesse. Li o livro "Douglas e Outras Histórias", presente do Fernando Caruso, amigo meu que já era melhor amigo do Prata sem que ele soubesse. Não parecia que eu tinha lido o livro, parecia que eu tinha sentado num bar com o Prata e ele tinha me contado o livro inteiro. E falando assim parece que foi chato, mas não foi. Foi muito legal. Tanto é que a gente ficou melhor amigo à primeira vista. Sem que ele soubesse, é claro.
        Tive algumas oportunidades de conhecê-lo, mas preferi não chegar às vias de fato, porque isso poderia abalar a nossa relação. Vai que ele tem 1,90 m. Eu não posso andar ao lado de um cara de 1,90 m. Vai parecer que eu tenho 1,30 m. Eu sou muito criterioso em relação à altura das pessoas com quem eu ando. Na amizade platônica, a pessoa tem a altura que você quiser. Você só tem os benefícios da amizade, sem aquela obrigação de ir no chá de panela ou liberar no "Candy Crush".
        Caso vocês estejam se perguntando, ele não é o meu único amigo platônico. Tenho alguns, entre eles o Paul McCartney e o Fred do Fluminense. Mas o Prata era o mais íntimo, mesmo.
        Até que, outro dia, preparando-me pra lançar meu segundo livro, "Ligue os Pontos", o pessoal da Companhia das Letras sugeriu que eu e o Prata lançássemos o livro juntos. E me mandaram o livro dele: "Nu, de Botas". E descobri que a gente não era melhor amigo. A gente era a mesma pessoa. Li as memórias dele com a impressão estranhíssima de que eram as minhas memórias. E eu garanto que isso vai acontecer com você também. Por mais louca e específica que tenha sido a vida do Prata, por mais louca e específica que tenha sido a sua vida, quando o Prata fala da vida dele, parece que é a sua vida, parece que ele é você e sempre foi. Volta e meia tinha que fechar as páginas e lembrar da minha própria vida, pra não misturar com a vida dele.
        Cheguei ao Rio determinado a findar essa relação platônica. Em primeiro lugar, é muito narcisismo você ser melhor amigo de você mesmo. Em segundo lugar, a gente teria que se conhecer, pra lançar o livro juntos.
        Aí a gente se conheceu. E parecia que a gente já se conhecia há muito tempo. Porque a gente já se conhecia há muito tempo. E tem coisas que a amizade platônica não pode te dar. Ele tem 1,69 m, igualzinho a mim. Na verdade ele tem 1,68 m e mente que tem 1,69 m. Igualzinho a mim. Viva a amizade. A platônica e as outras.

          Luiz Felipe Pondé

          folha de são paulo
          Kubrick de olhos bem abertos
          Somos seres do desejo, e não de razão. Devoramos tudo em consequência do desejo irracional
          Depois de ler sobre pré-história, minha percepção do mundo mudou. Para começo de conversa, o tema da violência na condição humana é melhor compreendido quando olhamos para nossos ancestrais do Paleolítico Superior do que quando tentamos compreendê-lo a partir de ideias como "o modelo social está ultrapassado", apesar de saber que frases como essa dão orgasmo em muita gente.
          Somos seres do desejo, e não de razão. Com isso não quero dizer que não sejamos racionais, mas sim que o desejo se impõe à razão. Freud e Lacan bem sabem disso. Schopenhauer e Nietzsche também sabem isso. Devoramos tudo à nossa volta por conta dessa força irracional chamada desejo.
          O cineasta Stanley Kubrick (que aliás está "nos visitando" no Museu da Imagem e do Som, o MIS) entendeu bem esse aspecto: é na pré-história e no desejo que melhor entendemos nossa desorganização interna, nossas contradições e a luta que temos cotidianamente contra elas. Refiro-me a dois dos seus filmes, "2001, Uma Odisseia no Espaço", de 1968, e "De Olhos Bem Fechados", de 1999.
          O primeiro se abre com o momento descrito como "aurora". Nessa sequência, dois bandos de homens pré-históricos disputam a posse de um pequeno lago. O mais fraco perde. Depois, acuados, comem ervas embaixo de uma pedra, atormentados por predadores à noite.
          Um deles, na manhã seguinte, descobre que, tendo um osso nas mãos, consegue ficar mais forte. Matam um animal grande e "se tornam" carnívoros (o vegetarianismo é um comportamento ultrapassado evolucionariamente).
          Mais tarde, munidos de ossos nas mãos, atacam o bando que os haviam expulsado do lago. O "novo homem", com uma arma na mão, retoma o lago. Na cena seguinte, joga o osso para cima e este vira uma nave espacial. Chegamos ao futuro da pré-história.
          Já na última parte do filme, vemos o primeiro computador com inteligência artificial se "revoltar" contra os dois astronautas da nave. O que o filme nos revela? Que o "avanço técnico" seguramente está associado à violência.
          Isso não significa que seja "bonito". Hoje em dia, por causa do modo como se dá o debate público, baseado em caricaturas do outro, difamação e simplificação ridícula (tipo: quem não pensa como eu é racista, "sequicista" e a favor da TFP), torna-se necessário fazermos reparos como esse: reconhecer a relação de implicação entre melhoria material da vida, avanço cultural e uma dose de violência não significa achar isso bonito, mas sim reconhecer o grau de ambivalência que marca nossa condição. Mas, num mundo de mimados, como é o nosso, dizer isso parece ser "gostar" disso.
          O que Kubrick está dizendo aqui é que provavelmente nossa história de ganhos técnicos implica um alto grau de risco. O problema é que queremos os ganhos, mas, no mundo da carochinha, no qual vivem os mimados, parece ser possível zerar a ambivalência. Nada disso quer dizer que devemos cultivar a violência, mas que não adianta pintar sua cara com cores de anjo porque só vai convencer gente boba.
          No outro filme, "De Olhos Bem Fechados", Kubrick dialoga profundamente com Freud. O filme é baseado, em última instância, num sonho de Freud no qual ele entra num trem e um aviso diz que ali só permanecem pessoas de olhos bem fechados.
          O sonho está dentro do processo de "autoanálise" de Freud, no qual ele descobre o complexo de Édipo e sua vergonha pelo fato de o pai não ter reagido a uma humilhação feita por um grupo de antissemitas testemunhada pelo menino Sigmund. O tema envolve a ambivalência dos sentimentos e desejos da criança para com os pais.
          No filme, a mulher (a deusa Nicole Kidman) conta para o marido (Tom Cruise) que um dia desejou fazer sexo violento com um oficial da Marinha que ela tinha visto num hotel quando eles estavam num momento "família" (quis ser a "puta" dele). Com isso, ela joga o marido num total desespero, que só se encerra quando ela o chama para trepar ("let's fuck").
          O desejo da bela e bem comportada mulher revela ao marido que nem ela escapa da desorganização do desejo sexual "ilegítimo". A vida ordenada está sempre por um triz.

            Descalabro é primeiro ano da gestão Haddad

            folha de são paulo
            ENTREVISTA DA SEGUNDA - GILBERTO KASSAB
            Ex-prefeito responde a críticas de seu sucessor e nega ter relações com esquema de fraude no ISS
            ROGÉRIO PAGNANJAIRO MARQUESDE SÃO PAULODizendo-se obrigado a pagar na mesma moeda, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD) atacou seu sucessor, Fernando Haddad (PT), contra quem usou termos como má-fé, desonestidade e desrespeitoso.
            Foi a primeira vez que o ex-prefeito e presidente do PSD criticou o petista. Foi uma resposta à entrevista de Haddad à Folha em que o prefeito disse ter encontrado a prefeitura em situação de "descalabro" e "degradação".
            Kassab negou ter relação com o esquema de fraude no ISS. "Eu me retiro da vida pública se em algum momento alguém identificar qualquer vínculo entre essas afirmações e a realidade", afirmou.
            Para ele, seu sucessor utiliza o combate à corrupção como forma de esconder o fracasso do primeiro ano de administração petista.
            A seguir, os principais trechos da entrevista.
            Folha - Como sr. interpretou a afirmação de Haddad de que a situação encontrada na prefeitura era de "descalabro"?
            Gilberto Kassab - Na medida em que ele utilizou o termo descalabro, sou obrigado a devolver na mesma moeda.
            É difícil aceitar essa referência sobre o final da nossa gestão. Se aceitássemos, o final da gestão anterior, que era dele [Haddad participou da administração Marta Suplicy (2001-2004)], estaria duas vezes esse descalabro.
            Todos sabem como encontramos a cidade. Ela estava quebrada. E, apesar das dificuldades financeiras e da dificuldade para encaminhar nossas reivindicações ao governo federal sobre o problema da dívida, terminamos com finanças em dia, [com] recursos em caixa.
            Fizemos uma transição impecável, segundo o próprio prefeito em sua posse. Ele só esqueceu de olhar para o próprio umbigo, para sua administração, quando a cidade está espantada com o descalabro desse primeiro ano.
            Há uma verdadeira situação de falta de controle no transporte público. A prefeitura, pela primeira vez, entra o ano com uma perspectiva de dar um subsídio de aproximadamente R$ 2 bilhões.
            Se ele tivesse competência, tinha conseguido administrar essa questão com o governo federal para não tirar esses recursos no ano que vem destinados a casas populares, saúde, ensino público.
            Vale lembrar que pela primeira vez na cidade corremos o risco de entrar num novo ano sem reajuste de IPTU, um reajuste razoável.
            O reajuste aprovado é justo?
            Não acho razoável.
            A Justiça acaba de tornar nula essa votação. Foi estranha mesmo. A administração negou à cidade o direito de debater. Foi antecipada a votação na calada da noite.
            Vale lembrar, ainda no campo do descalabro, como encontramos a saúde, com programas reduzidos, unidades sucateadas. Chegava ao ponto de faltar medicamentos em toda a rede. Superamos isso. E não é que voltamos agora a ter falta de medicamentos?
            Sobre duplamente descalabro, o sr. fala da gestão anterior?
            Se essa é um descalabro, imagina como era antes, duas vezes um descalabro. Nunca assumimos o compromisso de resolver todos os problemas, mas a cidade avançou bastante.
            E neste primeiro ano de gestão [Haddad], ela não avançou nada. Ele se iludiu, talvez, com o marketing de sua campanha, de que soluções mágicas eram suficientes. Cadê o Arco do Futuro [projeto urbano de estimular o desenvolvimento em algumas regiões]? Ele deixou de lado. Cadê os investimentos da cidade? Deixamos recursos em caixa.
            Virou uma questão pessoal? Houve sua saída de um evento [antes de Haddad chegar].
            Eu tinha um compromisso e não fiquei por conta disso. Não tenho problema de cumprimentar o prefeito Haddad. Aliás, tenho cumprimentado pela ação que faz no combate à corrupção, em especial nesse episódio.
            Há implicação política? Está ameaçada a aliança PT e PSD?
            Não posso apequenar o PSD e vincular essas manifestações incompreensíveis do prefeito com as decisões do partido.
            O sr. vai mudar seus planos de disputar o governo do Estado?
            As decisões são do partido. Sobre essas ilações, elas são covardes e inadmissíveis.
            [A nossa foi] uma das administrações que mais combateram a corrupção. Nesse próprio episódio de grande dimensão, a investigação foi iniciada na nossa gestão.
            Questiono essa afirmação do prefeito de que a gestão dele é independente. Foi ele quem nomeou o controlador. Então, tem um vínculo com ele, sim. Ele mesmo disse que acompanhou "pari passu" [simultaneamente], tanto é que contribuiu com recursos de seu bolso para pagar o aluguel de uma sala.
            E o próprio controlador admitiu que encontrou a investigação em aberto. Se estava aberta, não estava fechada. Se ele não fechou, estava aberta.
            Então ele ignorou a nossa gestão numa ação política, para diminui-la. E omitiu. Ele tinha a obrigação de comunicar ao Ministério Público que nossa gestão tinha feito o início desses trabalhos.
            As escutas falam que o sr. mandou arquivar [a apuração].
            Isso nunca aconteceu. Eu nunca tive esse diálogo. É uma afirmação mentirosa, talvez de alguém que quisesse despreocupar seus companheiros. Ou alguém que quisesse mostrar prestígio. Ou alguém que soubesse que estava sendo gravado e queria tumultuar as investigações.
            Tentativas sórdidas de manchar minha imagem.
            O sr. estava falando desse grupo de servidores ou das pessoas que estão vazando as gravações que o citam?
            Se soubesse de onde vêm, falaria. Como sei que não são verdadeiras, de onde quer que venham, são sórdidas.
            Eu me retiro da vida pública se em algum momento alguém identificar qualquer vínculo entre essas afirmações e a realidade.
            É desonesto intelectualmente da parte do prefeito querer passar a imagem de que nada nunca foi feito para combater a corrupção. Principalmente em relação à nossa gestão.
            São dezenas de criminosos e esses criminosos também agiam no passado.
            O prefeito foi chefe de gabinete da Secretaria de Finanças. Eu não quero acusá-lo de nada. Porque ele pode ter sido, e com certeza foi, vítima do mesmo crime.
            A desonestidade do prefeito é passar a impressão de que ele foi o primeiro a combater a corrupção. Se ele é o primeiro, cadê suas manifestações sobre o mensalão?
            Como foi o combate à corrupção na sua gestão?
            A elaboração de guias falsas de recolhimento de outorgas onerosas foi identificada, investigada e concluída na nossa gestão. Recuperamos R$ 80 milhões. Enfrentamos o crime organizado no Aprov [setor da prefeitura que aprova construção de imóveis].
            O Ministério Público foi convidado a trabalhar em conjunto, e o caso está na Justiça. Punimos diversos profissionais e avançamos na transparência.
            A prefeitura recebeu a denúncia anônima sobre a máfia dos auditores, ouviu as pessoas. Por que o processo parou?
            Não ficou parado. Acabou a gestão. O prefeito Haddad demorou dez meses para fazer algo. Tivemos três meses.
            Mas, segundo a investigação, grandes esquemas de corrupção operaram em sua gestão.
            Mas há alguma dúvida de que funcionaram também no passado, com os mesmos profissionais? Um mesmo profissional se torna desonesto de uma hora para outra? Não quero ser injusto com o Fernando Haddad, mas quantos desses, no atual caso, foram convidados na gestão dele?
            Ele acaba de exonerar o seu diretor de arrecadação [Leonardo Leal Dias da Silva]. Se fez isso, é porque tem suspeitas. Não vou devolver na mesma moeda: tenho certeza de que o prefeito não sabia.
            O Ronilson Bezerra [ex-subsecretário de Finanças, tido como chefe do grupo suspeito de desvios no ISS] ganhou cargo de destaque por sua decisão?
            Eu não o conhecia anteriormente e pouco conheço agora. Estive com ele poucas vezes em sete anos, sempre para discutir assuntos técnicos, e geralmente em meu gabinete. Não tenho nenhuma relação pessoal com ele. Conheço menos ainda os outros envolvidos na investigação.
            Por que ele foi indicado para formar a equipe de transição?
            Há nisso uma má-fé muito grande, uma afirmação maldosa, que não é digna do Fernando Haddad. Havia um secretário indicado para formar o grupo, e os dois lados fizeram isso. Ele levou sua equipe.
            Ronilson estava na transição porque estavam todos daquele núcleo. Ele era da equipe. Ele e centenas de outros.
            Em grampo, Ronilson diz a outra fiscal que o sr. sabia de tudo. Do que o sr. sabia, afinal?
            Não sabia de nada.
            O que era essa situação de "muito mais descalabro" que o sr. diz que encontrou?
            Contas não pagas, bilhões de dívidas, fornecedores sem receber, postos de saúde sem abastecimento, escolas de lata. Aquilo era um descalabro.
            O que tem achado das primeiras medidas do prefeito?
            Quero voltar à campanha. Ele fez promessas sobre vagas em creche e elas já foram diminuídas. É preciso lembrar do Arco do Futuro, da redução do plano de metas. Isso tudo com a colher de chá do governo federal [renegociação de dívidas], que não fez o mesmo com a nossa gestão.