sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Helio Schwartsman

folha de são paulo
Dois mundos
SÃO PAULO - O STF encontrou um modo sagaz de conciliar os princípios do devido processo legal com a necessidade de dar uma resposta pública ao problema da corrupção.
Ao determinar que os condenados no caso do mensalão devem começar a cumprir imediatamente a pena correspondente à parte de suas sentenças que não pode mais ser modificada por recursos, os 11 ministros afastam a ideia de que o julgamento terminou em pizza, como pareceria a muitos se os principais condenados conseguissem protelar o caso por mais um ano, quem sabe mais.
A decisão, cujo princípio geral foi aprovado por unanimidade, algo raro nesse processo, tem ainda a grande vantagem de não passar como um trator por cima das garantias individuais dos réus, muitos dos quais terão oportunidade de rediscutir o mérito de algumas das acusações por que foram sentenciados.
Se o sentido geral da sessão de anteontem do STF é positivo, o caso como um todo não esconde as contradições mais incômodas do Judiciário brasileiro. Enquanto os ministros se perdem em doutas digressões filosóficas sobre quando se dá o trânsito em julgado e as penas podem ser aplicadas, no mundo das pessoas que não têm acesso a bons advogados a Justiça tende a ser mais sumária. Um bandido pé de chinelo pode ficar encarcerado desde o instante em que o crime é cometido (se houver flagrante) até o final de sua sentença. Ou mais. O Ministério da Justiça estima que 10% dos 420 mil presos do país ou já cumpriram sua pena e não foram soltos ou teriam direito a algum benefício, como progressão de regime, mas não conseguem obtê-lo porque o sistema é falho.
É claro que, em qualquer país capitalista, ser mais rico e poder contratar bons defensores ajuda. No Brasil, porém, a diferença no tratamento dado a cada um dos grupos é tamanha que é como se tivéssemos dois sistemas distintos, o que conspira contra a ideia de um Judiciário republicano.

O fim é o começo - Editorial FolhaSP

folha de são paulo
O fim é o começo
STF decide executar penas do mensalão; que esse julgamento seja um passo na mudança consistente dos costumes políticos e jurídicos
Um processo que parecia jamais ter fim conheceu, anteontem, seu momento mais esperado.
Esperado sim, mas não no sentido de ter correspondido aos desejos mais exaltados dos que, desde o princípio, prefeririam a condenação sumária e, talvez, cruel de todos os acusados. Isso não ocorreu.
Esperado porque, passados seis anos desde seu início, oito depois da revelação do escândalo por esta Folha e dez após os primeiros delitos terem sido cometidos, o país inteiro já parecia conviver de novo com a ideia de que a Justiça não funciona, que a corrupção nunca é punida, que a classe política constitui categoria privilegiada.
Em mais uma surpresa, entre as inúmeras que pontuaram as dezenas de sessões do mais longo julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu-se na quarta-feira que teriam execução imediata as penas contra as quais não cabe nenhum recurso.
Embora os ritos burocráticos tenham tomado mais tempo do que se supunha necessário, 16 dos 25 condenados já começarão a cumprir, provavelmente na próxima semana, pelo menos parte das sanções que lhes foram impostas.
Estão nesse grupo o publicitário Marcos Valério de Souza (prisão em regime fechado) e os ex-dirigentes do PT José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares (os três em regime semiaberto).
Dissipou-se, assim, a impressão enganosa criada quase dois meses atrás. Com a aceitação dos chamados embargos infringentes pelo STF, houve quem manifestasse completa revolta e desalento.
O ministro Gilmar Mendes protagonizou então uma das cenas mais exaltadas de todo aquele longo e tenso espetáculo judicial.
Os crimes em julgamento, insistia, estavam entre os mais graves de que se pode ter notícia numa ordem democrática. Atentava-se --pela compra de votos do Congresso Nacional, com dinheiro público desviado-- contra as instituições, contra o próprio sistema partidário, contra a independência do Poder Legislativo.
Formara-se um esquema pelo qual um punhado de dirigentes partidários buscava uma continuidade sem contraste no domínio do aparelho de Estado. O escândalo, a que tiveram o desplante de reagir como se fossem vítimas de uma conspiração antipopular, não teria como passar em branco.
Mas quase aconteceu. A ação da imprensa, o empenho da Polícia Federal, a independência do Ministério Público Federal e a rigorosa condução do processo pelo seu relator, Joaquim Barbosa, tiveram como contrapeso, muitas vezes exasperante, a falácia argumentativa das autoridades petistas, a alta qualificação dos advogados de defesa, o ineditismo da situação processual, a complicadíssima engrenagem da Justiça.
Dois ministros do Supremo se aposentaram ao longo do processo, podendo ser substituídos por nomes em tese mais sensíveis à conveniência do partido no poder.
Embargos de declaração, embargos de embargos e embargos infringentes delongaram o julgamento --e ainda delongam alguns casos no tribunal. Os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) estão entre os nove condenados que aguardam decisão acerca de novos recursos para cumprir suas penas.
Feitas as contas, serenados os ânimos, não é o pior que poderia ter acontecido. Com todos os indesejáveis atrasos --e uma nova cultura jurisprudencial talvez se esboce a partir desta experiência--, o processo do mensalão chegou a um desfecho equilibrado. Mesmo com os embargos infringentes, pouca coisa mudará --se é que algo de fato mudará.
O resultado não foi perfeito; foi fruto de uma instituição humana, como foram humanos, por vezes demasiado humanos, os ministros que se contrapuseram, que se ofenderam, que hesitaram, que aceitaram ou não, conforme suas convicções, argumentos e contra-argumentos debatidos e apresentados pela defesa e pela acusação.
Comprova-se que não foi uma "farsa", como queria a máquina de propaganda petista, o caso do mensalão; que não foi um "tribunal político", como se tentou fazer crer, uma corte dividida ao extremo e atenta até à vertigem para as minúcias do processo.
Comprova-se também o quanto é desigual o acesso à Justiça no país e o quanto há a aperfeiçoar na legislação, nos costumes, nas práticas políticas e forenses para prevenir e punir os atos de corrupção.
O país não mudará, infelizmente, assim que os condenados do mensalão começarem a cumprir as penas devidas; vai mudando, contudo, e mudará mais ainda, desde que a sociedade não se aquiete nem consinta.

Mônica Bergamo

folha de são paulo

Pedido de prisão dos réus do mensalão foi precedido de encontro entre governistas

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O pedido de prisão dos réus do mensalão, nesta semana, foi precedido de um encontro entre a ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, e de Luis Adams, advogado-geral da União, com Rodrigo Janot, procurador-geral da República. Um dia depois, Janot assinou a solicitação encaminhada ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a detenção imediata dos condenados.
NO QUINTAL
A reunião chegou ao conhecimento de José Dirceu e dos deputados José Genoino e João Paulo Cunha, do PT, e se espalhou pelo partido. Foi interpretada como um envolvimento do próprio governo de Dilma Rousseff com a iniciativa, que surpreendeu a legenda e também os condenados. No mínimo, dizem, o governo foi informado com antecedência.
PAUTA
Adams confirma o encontro com Janot. E diz que ele nada teve a ver com o pedido de prisão. "Nem tocamos no assunto mensalão", afirma. Segundo o advogado-geral, Janot pediu um encontro com Gleisi Hoffmann. Ela decidiu visitar a PGR (Procuradoria-Geral da República). E pediu que Adams a acompanhasse. Conversaram, segundo ele, sobre "tratados internacionais".
RUÍDO
A interpretação de dirigentes do PT e de outros partidos é a de que a prisão dos réus agora favorece Dilma. Na campanha eleitoral, o impacto da medida já estaria amenizado pelo tempo. E ela não teria que responder a acusações de que seu governo se esforçava para garantir a "impunidade" dos petistas.
NADA PESSOAL
Uma das pessoas mais próximas de Dirceu na fase do mensalão disse à coluna que, do ponto de vista pessoal, Dilma sempre foi uma das lideranças mais solidárias ao petista.
ATÉ BREVE
José Dirceu passou boa parte da manhã de ontem telefonando para familiares -- entre outros, as três irmãs, os irmãos, os três filhos já adultos e as ex-mulheres. Dizia estar bem e pedia tranquilidade a todos.
CARA...
A Proclamação da República "foi um dia lamentável na história" do país, na visão de dom Bertrand de Orleans e Bragança, 72, príncipe imperial do Brasil e defensor do retorno da monarquia. "O país foi desviado das vias nas quais devia ter continuado", afirma o segundo na linha de sucessão (se a realeza voltar). Para ele, não há "nada a festejar" hoje. A "prova" do "fracasso absoluto" do regime é que "as pessoas só votam porque é obrigatório."
...OU COROA
O trineto de Pedro 2º se diz preocupado com os "black blocs". Teme que "se aproveitem da inconformidade popular com a República".
CRÔ ATACA NOVAMENTE
O cineasta Bruno Barreto exibiu anteontem para convidados o filme "Crô", estrelado por Marcelo Serrado. As apresentadoras Ticiane Pinheiro e Ana Hickmann com o marido, Alexandre Corrêa, e o ginasta Diego Hypolito estiveram no plateia. Os atores Alexandre Nero, Katia Moraes e Karin Rodrigues, que também fazem parte do elenco do longa, foram ao evento no shopping Eldorado.

Marcelo Serrado estreia filme

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Bruno Poletti/Folhapress
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O ator Marcelo Serrado protagoniza o filme "Crô", que teve pré-estreia no shopping Eldorado na quarta (13)
NOVENTA
Samuel Klein, patriarca das Casas Bahia, festeja hoje seus 90 anos em uma comemoração tripla. Noventa convidados vão participar da festa de aniversário que acontece junto com o "brit milá" (cerimônia de circuncisão do rito judaico) dos netos Joseph e Benjamin, que completam 45 dias de vida. Os gêmeos são herdeiros de Michel, 60, um dos três filhos do aniversariante, que tem sete netos e três bisnetos.
A COR DESSA CIDADE
Uma extensão de 3,5 km de muros no caminho para o Itaquerão será coberta por grafites para a Copa do Mundo. As pinturas, com o tema futebol e torcida, serão feitas ao longo da linha vermelha do metrô por 30 artistas. "É a maior intervenção de grafite da América Latina", diz Raquel Verdenacci, coordenadora do Comitê Paulista da Copa, autor do projeto.
DA TERRA DA RAINHA
Cristiana Arcangeli ofereceu jantar em sua casa a membros do Conselho de Moda Britânico, anteontem, nos Jardins. Ela e o marido, o também empresário e apresentador de TV Álvaro Garnero, receberam Anna Orsini e Marits Roberts, respectivamente consultora e diretor de marketing da entidade, e Kimberly Carroll, relações-públicas da Semana de Moda de Londres. As estilistas Barbara Casasola e Lethicia Bronstein e a designer Paola de Orleans e Bragança compareceram.

Cristiana Arcangeli oferece jantar

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Bruno Poletti/Folhapress
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O casal Álvaro Garnero e Cristiana Arcangeli ofereceu jantar em homenagem ao Conselho de Moda Britânico, na quarta (13), nos Jardins
CURTO-CIRCUITO
A ópera "La Bohème", que estreia no mês que vem no Theatro Municipal de SP, já tem mais de 10 mil ingressos vendidos.
O documentário "Blood Money - Aborto Legalizado" entra em cartaz hoje nos cinemas. 14 anos.
Marina Lima apresenta hoje e amanhã o show "Maneira de Ser", às 22h, no Tom Jazz. 14 anos.
O espetáculo de dança "Baderna - Reverberações Antropofágicas" inicia temporada hoje, no Kasulo, na Barra Funda. 16 anos.
com ELIANE TRINDADE, JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
Mônica Bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

Exibidores apostam mais em filmes sem legendas

folha de são paulo

 
FERNANDO MASINI
DE SÃO PAULO
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Com o lançamento de mil cópias no país, o filme "Jogos Vorazes: Em Chamas", que estreia hoje, terá cerca de 65% de versões dubladas nos cinemas. Em São Paulo, das 179 salas que exibem a aventura juvenil estrelada pela atriz Jennifer Lawrence, 106 apresentam a cópia falada em português.
Quem for neste fim de semana, por exemplo, ao Mauá Plaza Shopping, na região metropolitana, vai encontrar o filme em cartaz em quatro salas, sendo que todas exibem a versão dublada.
Isso se repete em proporções parecidas no caso de filmes como "Homem de Ferro 3" e "Velozes e Furiosos 6", outros blockbusters que estrearam neste ano.
Editoria de Arte/Folhapress
A tendência, antes restrita a animações e a obras infantis, agora se estende para produções adultas, entre comédias e filmes de ação.
Segundo a gerente de marketing da UCI, Monica Portella, houve aumento de cerca de 50% das versões dubladas nos lançamentos da rede de 2012 para 2013.
Um levantamento da Playarte mostra que nesse mesmo período os números de filmes estrangeiros falados em português passaram de 65% para 75%.
Para o diretor-geral da Paramount Brasil, Cesar Silva, há um aumento expressivo que se consolidou neste ano.
A maior parte dos exibidores credita essa mudança a uma demanda do público. "A versão dublada atende também às pessoas que não frequentavam cinema antes", acrescenta Silva.
Pesquisa feita em 2012 pelo Datafolha por encomenda do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Rio de Janeiro mostra que 56% das pessoas preferem assistir a filmes dublados nos cinemas, enquanto 37% optam por legendados. Os demais são indiferentes.
"A aposta em dublagem baseia-se na procura do público por esse formato e na qualidade melhor de som disponível nas salas", diz o diretor de programação do Cinemark, Ricardo Szperling.
A lógica, no entanto, não é tão simples. Por trás disso, há um fator que contribui para essa expansão: o custo de produção de uma versão dublada, que se tornou mais barato em razão do processo de digitalização dos cinemas.
Antes, era preciso ter duas cópias em película para projetar o filme em ambas as versões. Hoje, isso não é mais necessário, já que elas cabem num mesmo HD (disco rígido de um computador).
O hábito de ver astros como George Clooney e Tom Hanks falando português nas telonas, no entanto, encontra resistência por aqui. Grupos como o "Filme Dublado, Não", que mantém uma página no "Facebook", argumentam que há perda de qualidade sonora nas dublagens e a tradução nem sempre é fiel aos diálogos originais.
Para Pedro Butcher, editor do site "Filme B" e crítico de cinema, é importante encontrar um equilíbrio. "Acho difícil um filme do Woody Allen chegar aos cinemas falado em português", diz.
Butcher ressalta que os exibidores experimentaram nos últimos anos como seriam as respostas dos espectadores às versões dubladas.
Hoje, eles já apostam num mercado mais bem definido e levam em conta critérios como localização da sala, gênero do filme e rentabilidade.

Crescimento e violência, o paradoxo da América Latina

El País

Sandro Pozzi
Em Nova York (EUA)

  • 13.nov.2013 - Bruno Gonzalez / Agência O Globo
    Polícia Civil do Rio de Janeiro durante operação no complexo de favelas da Maré, na zona norte da cidade
    Polícia Civil do Rio de Janeiro durante operação no complexo de favelas da Maré, na zona norte da cidade
Ninguém discute o sucesso da América Latina em tirar milhões de pessoas da pobreza. Um esforço elogiado pelo Banco Mundial e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que está permitindo emergir uma nova classe média que aspira e exige mais de seus governantes. E também pela ONU.
E, apesar dos avanços econômicos e sociais, é a região mais desigual e insegura do mundo.
De acordo com os dados do Programa para o Desenvolvimento (Pnud), mais de 30% dos latino-americanos têm que ser criativos para viver com menos de US$ 4 por dia (cerca de R$ 9,30); 16% da população vive na extrema pobreza, com menos de US$ 2,50 por dia; 30% são considerados parte da classe média; e 2% são ricos.
É verdade que a brecha da desigualdade de renda diminuiu na última década em 16 dos 18 países da região. Mas, dos 15 países com mais desigualdade do mundo, dez se encontram na América Latina. E há também um paradoxo: na última década, a região não só foi cenário de uma grande expansão econômica, como também de uma expansão da criminalidade.
A insegurança, insiste a ONU, é um desafio compartilhado e um obstáculo para o desenvolvimento social e econômico em todos os países da América Latina. O último relatório de desenvolvimento humano reflete com novos dados como o crime e a violência impactam a região. Há um dado que permite visualizar a dimensão de um problema crescente: mais de 100 mil assassinatos por ano.
Quer dizer, enquanto a região foi um motor do crescimento mundial, mais de 1 milhão de pessoas morreram assassinadas entre 2000 e 2010. O Pnud denuncia que, em mais da metade dos países analisados, o índice de homicídios aumentou, inclusive nos que têm menores níveis de pobreza. Onze países superam os dez assassinatos por 100 mil habitantes, um nível "epidêmico".
O relatório elaborado pelo departamento dirigido pelo chileno Heraldo Muñoz, sob a supervisão de Rafael Fernández de Castro, mostra que cinco em cada dez cidadãos percebem uma deterioração da segurança em seu país. Os casos de roubo, por exemplo, triplicaram nos últimos 25 anos. É o crime que mais afeta os latino-americanos.
Além disso, um em cada três habitantes da região indicou ter sido vítima de um crime com violência em 2012. Essa percepção crescente da insegurança explica, por exemplo, que na América Latina existam 3,8 milhões de vigilantes privados, 50% a mais que agentes de polícia. São os mais armados do mundo. O crescimento da contratação de guardas de segurança é de 10% ao ano.
A crescente insegurança, como diz o Pnud, faz com que os cidadãos tenham de trocar sua rotina para evitar ser vítimas do crime, o que restringe suas liberdades. Entre 45% e 65% dos pesquisados --dependendo do país-- deixaram de sair à noite e 13% falam na necessidade de mudar de residência, o que equivale a 58,8 milhões de pessoas, aproximadamente.
A mensagem da ONU é resumida da seguinte maneira pela administradora do Pnud, Helen Clark: "Sem paz não pode haver desenvolvimento, e sem desenvolvimento não pode haver uma paz duradoura". "Esse grave problema tem remédio", acrescenta Heraldo Muñoz, mas explica que "exige visão e vontade política em longo prazo". "Não há soluções mágicas", acrescenta.
O desafio, segundo Fernández de Castro, é maior porque as ameaças à segurança se entrecruzam. Costuma-se referir ao narcotráfico para explicar o atual nível de insegurança na América Latina. Mas, como indica o especialista do Pnud, as dinâmicas regionais, nacionais e locais são muito mais diversificadas. Ele também aponta que a política da "mão dura" não funciona.
Talvez o primeiro passo que se poderia dar nesse sentido fosse acabar com a politização que sofre o problema da insegurança, estabelecendo cada país um Acordo Nacional pela Segurança Cidadã entre governo, partidos políticos e sociedade civil. Quer dizer, como indica o embaixador, trata-se de "transformar" a segurança em uma política de Estado.
A ONU faz assim outras recomendações, que vão além das medidas de controle do crime. Para conseguir uma redução duradoura da insegurança, além de promover um crescimento "includente e equitativo", defende-se reduzir a impunidade fortalecendo a eficácia das instituições de segurança e justiça e políticas públicas que estimulem a convivência.
A isso se somam ações como regular e reduzir de uma perspectiva integral e de saúde pública o que chamam de "gatilhos do crime", como o álcool, as drogas e as armas. Isso enquanto se elevam as oportunidades reais de desenvolvimento humano para os jovens, se previne a violência de gênero e se protegem ativamente os direitos das vítimas.
O estudo também menciona o que qualifica como "crime de aspiração", derivado do aumento das expectativas de consumo e relativa falta de mobilidade social na região. O crescimento rápido e desordenado das cidades, junto às mudanças na estrutura familiar e aos problemas de escolarização, acrescenta a ONU, geram condições que incidem na criminalidade.
A ONU dá números ao impacto econômico da insegurança. A organização calcula que "o excesso de mortes" reduz em 0,5% o potencial da região, o que equivale a cerca de US$ 24 bilhões anuais. A isso se soma a redução da expectativa de vida. Sem contar o alto custo do crime e da violência para as contas públicas.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

José Simão

folha de são paulo
Mensalão! Algema de sex shop!
Os monarquistas dizem que a República foi proclamada, mas no Brasil tudo é rei: Rei Pelé, Rei Roberto Carlos...
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! "Condenados do mensalão querem evitar algemas!". Concordo. Algemas, só de sex shop. Aquelas acolchoadas. De oncinha! De pelúcia. Prisão Fetiche!
E o presídio da Papuda vai mudar de nome pra Hospedaria do Zé Dirceu! Rarará!
E tem que melhorar aquela quentinha porque no Brasil ainda não tem pena de morte!
E eu não gosto de ver ninguém indo preso. Mesmo que mereça. Me sinto mal.
E o predestinado dos condenados: Jacinto Lamas! Tesoureiro do PR, Jacinto Lamas até o pescoço!
E atenção! Levanta a espada! Feriadão da Proclamação da República! Deodoro da Fonseca levantou a espada. Dom Pedro 1º levantou a espada! No Brasil, tudo se resolve levantando a espada! Rarará!
Levantou a espada, proclama qualquer coisa! Tô na Bahia. Vim proclamar a República na Bahia. Ops, a República DA Bahia! Vim levantar a espada na Bahia! Rarará!
E sabe por que proclamaram a República? Pra gente votar no Collor, no Romário, no Tiririca, no Maluf e na Mulher Pera! Rarará!
E avisa praquele povo de Brasília que a República já foi proclamada, os caras querem ficar no poder a vida inteira. Tronopólio!
E os monarquistas dizem que a República foi proclamada, mas no Brasil tudo é rei: Rei Pelé, Rei Roberto Carlos, Rei do Gado, Rei do Bacalhau, Rei do Camarote, Rainha dos Baixinhos, Rainha do Bumbum. E em São Paulo tem uma padaria chamada Rainha da Traição. Esse padeiro não levou uma vida de rei, levou um corno de rei! Rarará!
É mole? É mole, mas sobe!
E proclamaram a República, mas esqueceram de avisar o Fernando Henrique. Que tá sempre com aquela cara de rei no exílio!
E o Lula tem cara de Reizinho de revista de quadrinhos! Aquele bem barrigudão com o manto arrastando no chão!
E brasileiro reclama tanto que hoje devia ser dia da Reclamação da República! Ops, República da Reclamação!
E trabalhar em feriadão dá gastura, calo seco, ovo virado, nó nas tripas, zumbido no zovido e cansaço no coração! Rarará!
Cansaço no coração é estar na Bahia e ter que falar de mensalão! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Mario Sergio Conti

folha de são paulo
O patrão cordial e a vida curta
O primado da inteligência, no qual o espetáculo 'O Patrão Cordial' investe, é uma raridade na arte atual
Nas jornadas de junho, saímos da frente dos computadores. Fomos do mundo virtual para o real, onde assumimos riscos para atacar a ordem. A agitação foi detonada pelos jovens do Movimento Passe Livre, e milhões os seguiram. Depois de 20 anos, a plebe voltou com formas inéditas de manifestação. Como o perigo mobiliza, eis aí os black blocs.
"O Patrão Cordial", que está em cartaz no Sesc Belenzinho, começou a ser preparada antes do terremoto e estreou depois dele. Mas é à luz da nova agitação que a peça deve ser vista, ainda que a arte não tenha o mesmo tempo do comentário político. Isso porque o grupo que a apresenta, a Companhia do Latão, se filia ao teatro épico de Bertolt Brecht, cujo engajamento na luta social é a pedra de toque.
"O Patrão Cordial" parte de duas matrizes. Uma é "O Senhor Puntila e seu Criado Matti", peça de Brecht em que o assunto é a relação entre proprietários e empregados. A outra, "Raízes do Brasil", ensaio no qual Sérgio Buarque de Holanda criou o conceito do "homem cordial": a interação na qual o sentimento e o favor sobrepujam a impessoalidade da lei.
Trazida pelo diretor Sérgio de Carvalho da Finlândia para uma fazenda no Vale do Paraíba, a ação foi deslocada para os anos 1970 do século passado. O patrão Cornélio é generoso e cordial quando bêbado, e explorador calculista nos períodos de sobriedade. Sua filha, Vidinha, está prestes a se casar com um homem pelo qual não tem afeto, e se interessa por um empregado, o motorista Vitor.
O enredo é de comédia e a peça diverte. A ausência de cenários, aliado ao fato de alguns atores representarem diversos papéis, evita a identificação com eles e as facilidades do gênero. O primado da inteligência, no qual o espetáculo investe, é uma raridade na arte atual. O elenco conta com uma atriz de talento formidável, Helena Albergaria. A recusa do grupo ao comercialismo é tocante.
Mesmo assim, "O Patrão Cordial" parece anacrônico, adquire ar de museu. Não porque inexista choque de classes, o ponto de fuga do teatro brechtiano. Mas a filha do fazendeiro que se apaixona pelo motorista caberia numa novela de horário nobre, pelo clichê melodramático. Num Brasil de agronegócio generalizado, aproximar patrões e trabalhadores para a relação pessoal, como faz a peça, é buscar refúgio nas boas certezas do passado.
Para piorar, o noivo da moça rica é pródigo em trejeitos afeminados, enquanto o motorista é um boa-praça parrudo e cheio de bom senso. O lugar-comum, que tem seu lado de realismo socialista, lembra estereótipos de "A Praça é Nossa" pelo subtexto de preconceito. O público ri porque o machismo é visto com naturalidade, e não porque a peça o satirize. Nesse ambiente, uma canção com frases do "Manifesto Comunista" soa como lembrete vazio: somos de esquerda.
É tarefa da arte introduzir caos na ordem, e "O Patrão Cordial", por meio de um materialismo acadêmico, faz o contrário. A plateia da Companhia do Latão sai do teatro com o progressismo reconfortado, achando o que já achava antes, que o homem cordial é uma balela frente à divisão da sociedade em classes. Não há esclarecimento nem provocação.
Reduzir "O Patrão Cordial" a esse fracasso não é tudo. A contraposição da montagem às monstruosidades do entretenimento diz algo sobre as dificuldades do presente. Se o Passe Livre abriu as comportas, por que não o Latão, a esfera artística?
Vislumbra-se essa abertura no final da peça, num momento de real distanciamento brechtiano. É quando a magia da arte se liberta da mentira de ser verdade. O ator Renan Rovida diz ao público que, se aquilo fosse teatro, a plateia seria de pessoas que gostariam de mudar o mundo. Mas isso não é teatro, é vida, e ela é curta.