segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Ciência básica - Editorial FolhaSP

folha de são paulo
Ciência básica
Até fazia sentido, uma década atrás, concentrar em português e matemática os esforços para estancar a perda de qualidade nas redes públicas de educação no Brasil. São pré-requisitos básicos, inclusive para o aprendizado de ciências --o que não implica dizer que estas sejam menos fundamentais.
Não são. A complexidade crescente na esfera da produção, mesmo no setor agrícola, exige hoje de cada trabalhador uma familiaridade com a verificação de dados e com o método hipotético-dedutivo que só um bom ensino de ciências pode prover.
Um primeiro passo para pôr a educação científica no radar foi dado na semana passada. Como informou o jornal "O Globo", quase 85 mil alunos dos níveis fundamental e médio realizaram um exame de ciências como parte da Prova Brasil e da Avaliação Nacional da Educação Básica, além da tradicional avaliação nas áreas de matemática e leitura.
Claro está que o fato de aquilatar o nível de proficiência dos estudantes na matéria não terá o poder, sozinho, de induzir o progresso desejado. Sem conhecer o estado real das deficiências, contudo, tanto do ponto de vista de conteúdos quanto da incidência regional e local, será difícil traçar um diagnóstico preciso e um plano de ação eficaz.
Trata-se ainda de uma fase experimental, pois só 1,7% dos alunos foram incluídos nesse teste, que abrange 26 questões de ciências naturais e 26 de ciências humanas. Já se fala em generalizar o procedimento em 2014 ou 2015 --quanto antes, melhor.
Toda a dificuldade enfrentada para melhorar a educação pública no Brasil, nas duas últimas décadas, tornou evidente que avaliações são condição necessária para elevar seu nível, mas insuficiente. Sem medidas estruturais, como a requalificação dos professores e a valorização da carreira docente (aliando ganhos salariais, bônus e cobrança de desempenho), o país nunca dará o salto necessário.
É na formação de professores de ciências, de resto, que desponta a crise mais grave. Só de física e química a educação básica tem deficit de 100 mil docentes com formação específica (quase 90% dão aulas nessas disciplinas sem diploma na área).
A avaliação em ciências vai revelar com maior clareza as fraquezas dos estudantes brasileiros nessas matérias. O passo seguinte, e necessário, será eliminá-las.

    Ruy Castro

    folha de são paulo

    Uma vez rato

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    RIO DE JANEIRO - Mickey, o rato, está fazendo 85 anos. Os EUA comemoram isso com estardalhaço e, como sempre, intimam o mundo a soprar velinhas para um personagem que só a eles diz respeito. Mickey representa os americanos como eles se veem: adultos, justos, responsáveis, gentis, inatacáveis. Mas não é assim que o mundo enxerga os americanos.
    Para mim, muito mais representativo no cânone de Walt Disney é o inimigo de Mickey, João Bafodeonça, criado em 1925 --três anos antes do próprio Mickey, cinco antes de Pluto, sete antes do Pateta e nove antes de Donald. Mas era típico de Walt que um maravilhoso vilão como João Bafodeonça, em ação até hoje, nunca passasse de coadjuvante, destinado a perder todas para o rato.
    Rato este que não tinha nada de santo ao nascer. Logo em seu primeiro desenho, "Steamboat Willie" (1928), Mickey tortura um gato, roda-o pela cauda e o atira dentro do rio. E cometeu outras ignomínias com animais nos desenhos seguintes, até que Disney ordenou a sua desratização e conversão em algo parecido com um ser humano.
    Mas, uma vez rato, sempre rato, e não é por acaso o ódio de Walt aos gatos, evidente em toda a sua produção. Em "Pinóquio" (1940), o gato Gedeão é um malandro odioso e repulsivo. Em "Cinderela" (1950), o gato Lúcifer, gordo e perverso, é uma constante ameaça para dois ratos esqueléticos, Gus e Jaq. Em "Alice no País das Maravilhas" (1951), o Gato é lógico, frio e insensível. Em "A Dama e o Vagabundo" (1955), os siameses Si e Ão destroem as cortinas, atacam o canário e afogam o peixinho dourado. E mesmo em "As Aristogatas" (1970), um filme que se imagina pró-gatos, há um bando de gatos vadios e desprezíveis, e o herói é um rato chamado Roquefort.
    Daí ser inevitável que Walt um dia fizesse a Disney World --a maior ratoeira humana já construída por um rato.

    Mônica Bergamo

    folha de são paulo

    Igreja Católica é condenada a pagar indenização em caso de pedofilia no Paraná

    DE SÃO PAULO
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    A Igreja Católica foi condenada a pagar indenização em um caso de pedofilia no Paraná. A ministra Nancy Andrighi, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), negou recurso da Diocese de Umuarama e determinou a responsabilidade solidária da entidade eclesiástica em ação movida contra o padre José Cipriano da Silva.
    PUNIÇÃO
    A igreja e o sacerdote vão pagar R$ 100 mil (metade cada um), de forma solidária, pelos danos morais decorrentes do delito. A vítima tinha 14 anos em 2002. "A igreja não pode ser indiferente --em especial no plano da responsabilidade civil, frise-se-- aos atos praticados por quem age em seu nome ou em proveito da função religiosa, sob pena de trair a confiança que nela própria depositam os fiéis", declarou a ministra em seu voto.
    PUNIÇÃO 2
    A Mitra Diocesana de Umuarama vai recorrer da decisão. "O ato da pessoa física, em suas atividades privadas, nada tem a ver com o ofício do sacerdócio e não pode ser creditado à instituição", entende Hugo Cysneiros, advogado da diocese.
    PUNIÇÃO 3
    Em seu voto, a ministra rebate os argumentos da defesa: "Mais do que simples relação de subordinação, o ministro ordenado é para os fiéis a própria personificação da Igreja Católica, no qual depositam justas expectativas de retidão moral". E diz que a instituição não pode ser indiferente ao crime praticado pelo sacerdote que "convencia as vítimas a pernoitarem na casa paroquial para praticar atos libidinosos".
    NA PRORROGAÇÃO
    O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Marco Aurélio Mello, prevê que a minirreforma eleitoral criará a mesma celeuma da Lei da Ficha Limpa. Segundo o ministro, as regras recém-aprovadas pelo Senado não podem vigorar no pleito de 2014. Pelo princípio da anuidade previsto na Constituição, a lei passa a vigorar de imediato, mas não vale para a eleição do ano seguinte. As regras só vão incidir sobre as eleições municipais em 2016.
    PARA A PLATEIA
    "Os parlamentares têm o tempo todo para promulgar leis, mas deixam para fazer em cima da hora para dar uma satisfação vã à sociedade", critica o novo presidente do TSE.
    HELLO
    Cat Stevens ligou para Eduardo Suplicy (PT-SP) na quinta-feira passada. Pediu desculpas por não poder ter recebido o senador e os filhos, no dia 17, após show em SP. O cantor, que mudou o nome para Yusuf, confirmou ter recebido o exemplar de "Renda de Cidadania - A Saída É pela Porta", enviado pelo político com dedicatória em inglês. Na conversa, Suplicy revelou ao britânico a vontade dos filhos Supla e João, os Brothers of Brazil, de tocar com ele "em algum lugar da Terra".
    BOB SINCLAIR EM SÃO PAULO
    Leonardo Soares/Folhapress
    BO DJ francês em suíte no hotel Tivoli, em São Paulo
    BO DJ francês em suíte no hotel Tivoli, em São Paulo
    Com uma intensa relação com o Brasil, o DJ francês Bob Sinclar, 44, já pensa até em gravar com o músico Gusttavo Lima. Em sua passagem por São Paulo para apresentação em uma festa da Pirelli, no embalo da Fórmula 1, ele falou à coluna.
    *
    Folha - Você já se sente em casa tocando tanto no Brasil?
    Bob Sinclar - Desde que "Love Generation" ficou em primeiro lugar no Brasil e o apresentador Luciano Huck começou a tocá-la em seu programa, fui ficando mais conhecido. As pessoas não sabiam quem eu era, mas conheciam a música. Comecei a vir no Carnaval. Me sinto mais confortável tocando aqui do que na França. Os brasileiros têm música nas veias.
    Mas não cansa tocar "Love Generation" sempre?
    Temos que ter orgulho do nosso trabalho e tocá-lo quanto for necessário. Uma música boa é uma música boa. Dura pra sempre. Mas procuro atualizar minhas faixas.
    Você escuta música brasileira?
    Tenho escutado muito Seu Jorge, Maria Gadú. Queria muito gravar com o Gusttavo Lima. Entrei em contato para fazermos algo juntos e ele topou, mas ainda estou esperando uma data na agenda. Ele é bastante ocupado.
    Todo mundo hoje se diz DJ?
    Hoje a tecnologia é evoluída, por isso todo mundo pode ser DJ. Você viu "Ratatouille"? Nesse filme um dos personagens diz que todo mundo pode cozinhar, mas nem todo mundo pode ser um chef de cozinha. Pra ser um bom DJ, aquilo tem que estar em você. Muitos não entendem que a energia vem do público. Prestar atenção nisso faz um bom DJ.
    MAR À VISTA
    T. Costa
    A estilista Fernanda de Goeye exibiu a boa forma para divulgar a coleção de alto verão de Adriana Degreas em um ensaio caseiro entre amigas
    A estilista Fernanda de Goeye exibiu a boa forma para divulgar a coleção de alto verão de Adriana Degreas em um ensaio caseiro entre amigas
    GAROTA-PROPAGANDA
    Livro de estreia da atriz Fernanda Torres, "Fim" terá divulgação digna de grande lançamento. Andrucha Waddington, marido da colunista da Folha, dirige os vídeos da campanha, criada pela agência WMcCann.
    ÁLBUM
    O Museu do Futebol abre exposição no sábado com objetos que fazem parte da memória impressa do esporte. Além de figurinhas e postais, "Futebol de Papel" exibe itens como os ingressos de todas as Copas do Mundo.
    SEM CHORO
    Gustavo Rosa, que morreu no dia 12, será homenageado nos espetáculos "Mover-se" e "Entrelaços", da companhia Cinque Sensi. Obras do artista plástico farão parte do cenário e um vídeo sobre ele será exibido, nesta sexta, no teatro Anhembi Morumbi.
    AU AU AU
    A atriz Larissa Manoela, 12, vai festejar os dois anos de sua cachorrinha, Guilhermina, no bufê Mega Magic, em SP, nesta quarta. A yorkshire da estrela de "Carrossel" tem dez fã-clubes.
    HISTÓRIA CONSTRUÍDA
    Os arquitetos e sócios Fernando Vidal, Luiz Fernando Rocco e Douglas Tolaine lançaram o livro "Rocco Vidal", sobre o escritório que comandam. Felipe Aflalo e Kiko Salomão, também arquitetos, estiveram no evento, no Museu da Casa Brasileira.

    Lançamento de livro no Museu da Casa Brasileira

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    Divulgação
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    Fernando Vidal, Luiz Fernando Rocco e Douglas Toulaine, sócios do escritório Rocco Vidal, foram ao lançamento do livro "Rocco Vidal", do escritório Rocco Vidal P+W, no Museu da Casa Brasileira
    BRILHA MUITO
    O joalheiro Jack Vartanian e o artista plástico Kleber Matheus receberam convidados na inauguração da exposição "Variação sobre Pedras", nos Jardins. A empresária Karina Motta, a estilista Juliana Jabour e a mulher de Jack, Cassia Avila, foram à abertura da mostra.

    Jack Vartanian abre exposição

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    Flavio Teperman
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    O joalheiro Jack Vartanian e o artista plástico Kleber Matheus receberam convidados na inauguração da exposição "Variação sobre Pedras", na terça (19), em sua loja no Jardins
    CURTO-CIRCUITO
    Luiz Felipe d'Avila lança o livro "Caráter & Liderança: Nove Estadistas que Construíram a Democracia Brasileira". Amanhã, às 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
    A blogueira Lala Rudge vai assinar coleção para a marca de sapatos Schutz.
    Nizan Guanaes oferece jantar hoje, nos Jardins, em homenagem ao publicitário PJ Pereira, que lança "O Livro do Silêncio".
    Rubens Barrichello comanda leilão de artigos esportivos hoje, no Noite do Bem, evento beneficente no Grand Hyatt.
    mônica bergamo
    Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

    Autor chileno Lemebel critica o preconceito em alto tom, apesar de câncer que afetou a sua voz

    folha de são paulo
    Grito marginal
    Autor chileno Lemebel critica o preconceito em alto tom, apesar de câncer que afetou a sua voz
    JULIANA GRAGNANIDE SÃO PAULOFora de cena, o escritor e performer chileno Pedro Lemebel se comunica por meio de gestos. No ano passado, o autor, definido pelo conterrâneo Roberto Bolaño (1953-2003) como o "maior poeta de sua geração", tirou parte das cordas vocais por causa de um câncer na laringe.
    Ironicamente, seu maior trunfo como artista talvez tenha sido sua voz. Foi por meio dela que Lemebel, 58, militou a favor da causa gay e contra a ditadura de Augusto Pinochet, que comandou o Chile de 1973 a 1990.
    Hoje, a voz que lê o manifesto "Hablo por mi Diferencia" (falo por minha diferença), polêmico texto declamado em um ato político da esquerda em Santiago, em 1986, é um áspero sussurro, entrecortado por tosses secas.
    Lemebel é conhecido por suas crônicas, relacionadas pela crítica à estética kitsch e barroca. Ele escreveu apenas um romance, "Tengo Miedo Torero" (2001). Não há obras suas publicadas no Brasil.
    Em 1987, fundou, com o poeta e artista Francisco Casas, o coletivo de arte "Las Yeguas del Apocalipsis" (as éguas do apocalipse). A primeira aparição dos dois foi na Faculdade de Artes da Universidade do Chile, onde entraram pelados, montados em um cavalo. O duo fez diversas intervenções políticas.
    Quando esteve em São Paulo, na semana retrasada, Lemebel se disse decepcionado ao ver os lugares vazios na plateia do Centro Cultural São Paulo, onde fez uma leitura, parte da Balada Literária e do Festival Mix.
    Às cerca de 30 pessoas presentes, contou piadas com a palavra "bicha", recém-descoberta por ele. O termo é equivalente a "maricón", que usa para referir-se a si mesmo e aos "primos". "Porque chamar de irmão é brega", justifica.
    Na ocasião, vestia legging e dois lenços: um enrolado pelo pescoço e outro na cabeça, escondendo a ausência de cabelo. O vestuário inteiro era preto, exceto pelos sapatos de salto dourados.
    O chileno é desconfiado e avesso a entrevistas. Ao saber que a repórter não acompanharia a sessão de fotos para a reportagem, declarou um alto "No". Mas acabou cedendo e se produziu com três roupas para a fotógrafa (mulher, por exigência sua).
    MARGINAIS
    Em setembro, o autor, que foi criado em um bairro pobre de Santiago, ganhou o José Donoso, prêmio literário do Chile, por, entre outros motivos, seu caráter de "cronista dos marginais".
    Ele rejeita a definição. "Seria tremendamente messiânica [ele alterna o feminino e o masculino para se referir a si] se me definisse assim. Os marginais têm de falar por si. Às vezes faço um gesto de ventriloquismo e nos meus textos saem balbucios que me representam gritando em meio à multidão", diz.
    "A palavra de Lemebel é uma barricada de onde ele dispara contra o preconceito e a hipocrisia, sem pudor, imiscuindo-se na vida social pela porta dos fundos, onde moram as bichas, os bêbados, os favelados", diz Laura Hosiasson, professora de literatura hispano-americana da Universidade de São Paulo.
    Quando ouviu falar do projeto conhecido no Brasil como "cura gay", Lemebel disse, simplesmente: "Me curar seria tão impossível quanto domar uma anaconda".
      TRECHO
      Não sou Pasolini pedindo explicações / Não sou Ginsberg expulso de Cuba / Não sou uma bicha fantasiada de poeta / Não preciso de fantasia / Aqui está a minha cara / Falo pela minha diferença / Defendo o que sou / E não sou tão estranho / Me aborrece a injustiça / E suspeito desta lenga-lenga democrática / Mas não me fale do proletariado / Porque ser bicha e pobre é pior / É preciso ser ácido para suportá-lo (...) Você sabe que a hombridade / Não a aprendi nos quartéis / Foi a noite quem me ensinou a hombridade

      Gregorio Duvivier

      folha de são paulo
      Divisão de bens
      O problema que a gente teve foi pra dividir os amigos; a gente ficou na dúvida de que amigo ficava com quem
      Reunião de amigos. Carlos e Madalena estão de pé. Jorge, César, Max, Irene e Telma estão sentados. Eles bebem cerveja. Jorge já está bêbado.
      CARLOS A gente chamou vocês aqui porque, como vocês sabem, eu e a Madalena nos separamos.
      JORGE Era só por isso? Eu já sabia. Posso ir pra casa? (As pessoas riem constrangidas. Ele não tem graça.)
      MADALENA Não, Jorge. O negócio é que a gente tá com uns problemas na divisão de bens.
      JORGE Entra na Justiça! Processa ele, Madá.
      CARLOS Não, Jorge. A gente não teve problema com nenhuma das nossas posses.
      JORGE Até porque não são muitas! (As pessoas riem um pouco menos.)
      MADALENA O problema que a gente teve foi pra dividir os amigos.
      CARLOS Vocês. (Silêncio constrangedor.)
      MADALENA A gente ficou na dúvida de que amigo ficava com quem.
      CARLOS Por exemplo: Irene. Você era minha amiga antes de eu conhecer a Madalena, né?
      IRENE Era.
      CARLOS Iaaau.
      MADALENA Mas depois ficou muito mais próxima de mim, né?
      IRENE Fiquei.
      MADALENA Toma.
      CARLOS Tá bom, fica com a Irene. (As duas se abraçam, comemorando.)
      CARLOS Mas aí eu vou ter que ficar com o César.
      MADALENA O César é meu irmão.
      CARLOS Mas você gosta dele?
      MADALENA Não muito.
      CARLOS Então pronto. Tá comigo, César.
      CÉSAR Graças a deus. (Eles comemoram, se abraçam.)
      MADALENA E Max e Telma? O que é que faz? Separa?
      CARLOS Acho que é melhor cada um ficar com um.
      MADALENA Vocês se importam? (Eles fazem que não.)
      MADALENA (e CARLOS muito pouco depois) Eu fico com Max!
      CARLOS Merda! Por um segundo.
      MADALENA Se fodeu.
      CARLOS Eu faço o que com a Telma? Nem o Max tem assunto com ela. (Telma faz cara de "foi mal". Madalena e Max se abraçam, comemorando.)
      MAX Ela adora comida mexicana. Leva ela num mexicano. Ela vai gostar. Não é, Telminha?
      (Ela faz que sim.)
      MAX (cochichando) Ela gosta tanto de comida mexicana que vocês nem vão perceber que não têm assunto. É tiro e queda.
      CARLOS Obrigado.
      JORGE E eu? Quem vai ficar comigo?
      CARLOS Então, a gente chamou você aqui porque não faz mais muito sentido.
      MADALENA A gente só era seu amigo ironicamente.
      JORGE Ironicamente?
      CARLOS É, você bebia, falava merda, aí depois a gente depois ficava lembrando das merdas que você tinha falado...
      MADALENA Você era uma piada interna do casal.
      CARLOS A gente tendo terminado, não faz mais sentido você existir na nossa vida. (Constrangimento.)
      JORGE Bom, gente, alguém me quer?
      (Telminha sorri pra ele.)
      JORGE Ah, não, a Telminha não.

        Luiz Felipe Pondé

        folha de são paulo
        O crítico de bolso bacana
        Em jantares inteligentes, a sobremesa é sempre leve, porque essa gente é muito crítica
        Um dos traços essenciais de nossa psicologia é que queremos ser aceitos. Muitos filósofos, entre eles Adam Smith (1723-1790), diziam que nossa imaginação é constantemente presa à inquietação de como somos vistos pelos outros, fato este que é parte saudável da vida moral social, mas que também facilmente degenera numa angústia de dependência afetiva destruidora da autonomia.
        Uma das formas mais seguras de se sentir aceito pelo grupo é desenvolver opiniões de rebanho. No fundo, temos horror a sermos recusados pelo bando, mas, hoje em dia, esse desejo de agradar é avassalador.
        As redes sociais e sua mesmice brega, espaço de repetição do irrelevante, são prova de nossa condição de rebanho como pilar da (in)segurança psicológica.
        As redes sociais criaram um novo perfil, o do crítico de bolso em versão pós-moderninha. O sonho dessa moçada, que se afoga na irrelevância e no desespero do anonimato cotidiano (que assola todos nós), é ter opiniões sobre as coisas, mas acaba mesmo falando da pizza que comeu ontem ou xingando os inimigos de plantão. O sonho de muitas dessas pessoas é frequentar jantares inteligentes nos quais gente bacana emite opiniões bacanas.
        A forma mais fácil de frequentar jantares inteligentes é atacar a igreja, os EUA e a polícia. Mais sofisticado, mas que também garante acesso aos jantares inteligentes das zonas oeste e sul de São Paulo, é dizer que "o modelo social está ultrapassado". Esta frase leva algumas pessoas ao orgasmo (risadas?).
        "O modelo social está ultrapassado" é a típica frase de quem quer se passar por crítico (mas, na realidade, é crítico de bolso), porque é a sociedade de mercado (ou como dizia Adam Smith, "commercial society"), a mesma que os comunistas chamam de "capitalismo", que nos retirou da miséria que é o estado natural da vida (e à qual voltamos rapidinho se o Brasil virar a Venezuela de Chávez e Maduro).
        Toda riqueza que sustenta esse povo de jantares inteligentes, a começar pelo "bom vinho em conta", é fruto do mesmo modelo que consideram ultrapassado.
        Aqui e ali, faça uma caricatura de quem você não consegue enfrentar porque lhe falta repertório conceitual. Diga que são racistas, "sequicistas" e homófobos. Conte, fingindo segredo, que seu filho é do círculo íntimo dos "maravilhosos" meninos do MPL e que sua filha é (incrível!!) black bloc, mas nunca bateu em ninguém.
        Assim você chegará à sobremesa (leve, pois em jantares inteligentes ninguém quer engordar, porque sabe que os parceiros de jantares inteligentes são pessoas muito críticas) com segurança, sem dizer nada que ponha em risco sua cidadania de gente bacana.
        Mas o que marca essa gente bacana é que na verdade nunca fala, nem tem contato real, com as pessoas fora das escolas de R$ 3.000 que paga para os seus filhos críticos desde os cinco anos de idade frequentarem, ou do seu círculo profissional chique e/ou da praia chique onde tem sua casa de praia típica de praias chiques.
        O problema, quando você é um cidadão de jantares inteligentes, é que você acaba mesmo alienado e acreditando nas suas próprias críticas de bolso. Mas vamos ao que interessa. Vamos falar de um dos tópicos que autorizam você a se achar bacana e a frequentar jantares inteligentes: a polícia.
        Outro dia, por acaso, conversei por cerca de três horas com um policial militar aposentado do Estado de São Paulo. Muito instrutivo, uma vez que sou egresso do mundo de gente bacana, que, portanto, nada sabe acerca do mundo real.
        Ele definia sua classe como aquela que vive com a "mão no lixo" que essa gente bacana nunca vê de fato --a não ser quando resolve fazer ensaios fotográficos sobre "injustiça social". Reclama de como eles são invisíveis e de como a sociedade, na sua maioria, os considera parte do lixo. Um sofrimento profundo, devido a essa invisibilidade, marcava seu rosto de solitário. A polícia é um dos setores mais maltratados da sociedade, apesar de essencial.
        Essa gente bacana sai correndo do jantar inteligente para o carro, com medo, sonhando com um baseado e uma bike em Amsterdã nas férias.

        Veja as manchetes dos principais jornais desta segunda-feira

        folha de são paulo

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        DE SÃO PAULO
        *
        Jornais nacionais
        O Estado de S.Paulo
        Pacto com Irã dá a Obama maior triunfo diplomático
        O Globo
        Diplomacia atômica - Acordo freia programa do Irã mas gera desconfianças
        Correio Braziliense
        Terror no hospital
        Estado de Minas
        A caixa-preta das emendas parlamentares
        Zero Hora
        Uso de veneno cresce três vezes mais do que lavoura
        Brasil Econômico
        "A oposição cria uma espécie de terrorismo econômico"
        *
        Jornais internacionais
        The New York Times (EUA)
        Acordo de longo prazo com Irã enfrenta grandes desafios
        The Washington Post (EUA)
        Acordo nuclear com Irã é fechado, mas próximos passos são incertos
        El País (Espanha)
        Irã congela sua ameaça nuclear
        Clarín (Argentina)
        Homem mata mulher e filha em brutal caso de violência familiar