quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Marcelo Coelho

folha de são paulo
Vale o ingresso
'Blue Jasmine', de Woody Allen, concentra numa personagem as ilusões do mercado financeiro
Conheço gente que, em especial depois da crise de 2008, tornou-se fundamentalista em matéria de investimentos financeiros. "O que você faria?", perguntam. "Apostaria de novo todo o seu dinheiro em papéis e impulsos eletrônicos?"
Recomendam que se compre ouro. O velho metal amarelo é confiável há pelo menos 10 mil anos. O resto, com a possível exceção dos imóveis, não passa de fluxos de informação. Promessas de pagamento. Cartas de crédito.
Papeizinhos, em suma, que qualquer governo ou banco, um belo dia, pode rasgar. Pior que isso, bits na tela do seu computador.
Sim, pode haver algo de ilusório em tudo isso. Só que tendo a ser mais radical. O próprio ouro, afinal, concentra menos valor em si do que mitos e crenças. Supondo que valha para alguma coisa além de fazer anéis e obturações dentárias --mas estas já entram em desuso--, nada impede que seu preço desabe em definitivo.
Não entendo nada de finanças, mas já vi muita coisa de Woody Allen, e esses comentários sobre a importância do ouro vêm a propósito de "Blue Jasmine", filme seu que entrou em cartaz recentemente.
Cate Blanchett (aposto meio quilo que ganha o Oscar) é Jasmine (na verdade Jeanette, mas ela trocou de nome), uma mulher grã-finérrima que perdeu tudo num escândalo financeiro. O marido (Alec Baldwin) era um desses magos do mercado que, a exemplo de tantos outros em 2008, manipulavam créditos podres em cima de créditos podres, iludindo milhares de poupadores e vivendo como nababos.
Woody Allen fez um filme bem mais dramático do que de costume. Não entrou, como costuma fazer de modo tão encantador, na fantasia dos seus personagens --caso de "Meia-Noite em Paris", por exemplo.
Aqui, Cate Blanchett e algumas pessoas em volta dela vivem num plano de irrealidade mais ou menos intenso, mas o espectador se mantém a uma distância nítida daquilo que acontece.
A loucura, a ingenuidade, a simploriedade de muitas personagens faz com que o humor não desapareça de "Blue Jasmine", mas a fonte de inspiração para a Jeanette/Jasmine de Woody Allen não poderia ser mais dramática.
Cate Blanchett é uma espécie de nova Blanche Dubois, a delirantemente refinada solteirona de "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennessee Williams. A exemplo daquela peça dos anos 1940, a grã-fina vai morar na casa da irmã, que tem uma vida pobre, simples, real.
No cinema, "Um Bonde Chamado Desejo" tinha um Marlon Brando belíssimo e brutal no papel do cunhado de Blanche. No filme de Woody Allen, o macho de plantão é Bobby Cannavale, namorado da irmã.
O ser humano, nos filmes de Woody Allen, nunca será tão mau como nas peças de Tennessee Williams. Há muitos patifes, mas não demônios. Há tentação e fraqueza, mas não perversidade.
Talvez isso seja a última ilusão de Woody Allen, que bem ou mal está com quase 80 anos, e não pretendo, de todo modo, fingir que sou mais experiente do que ele. Cada um julga as coisas segundo a própria experiência, e a minha, felizmente, de modo geral não me leva a desmenti-lo.
Nesse gênero de diagnósticos sobre a humanidade, tudo talvez se resuma a rótulos, palavras, papéis assinados ou escritos, tendo como testemunha Rousseau, Kafka, Nietzsche, Deus ou o Diabo.
Crédulo, em todo caso, Woody Allen não é. "Blue Jasmine" concentra na personagem de Cate Blanchett uma capacidade para a ilusão e para a mentira que, no fundo, parece disseminada na sociedade americana --e no mundo todo, por extensão.
Compramos produtos e mais produtos baseados no que nos diz a publicidade, sabendo perfeitamente que os anúncios não correspondem à verdade. As compras são feitas com cartões de crédito, que muita gente usa sem ter certeza de como vai pagar depois.
Parte de toda a dinheirama é, ou pelo menos foi, aplicada em títulos e fundos de investimento, sabe-se lá mais o quê, cujo valor se baseia na promessa de que alguém, algum dia, vai devolver todo o dinheiro, com um bom chantili de juros por cima.
Deu-se o calote, e o governo produz dinheiro para cobrir as perdas gerais; dinheiro no qual todos acreditamos, mas é papel, promessa de pagamento. Nem isso: ficaria louca a autoridade que quisesse produzir, fisicamente, todos os dólares que circulam por aí.
"Confiança" é a palavra mágica, em torno da qual gira a máquina e, com ela, todos os argumentos dos economistas. Não entendo de economia, como já disse; entendo um pouco de palavras, e sei que podem ser substituídas.
Que tal, em vez de "confiança", "credulidade", ou "mentira"? O cinema, como a literatura, produz as suas, claro; mas "Blue Jasmine" consegue dar à ilusão o peso, o lastro em ouro, do real. Vale, pelo menos, o preço do ingresso.

    Veja as manchetes dos principais jornais desta quarta-feira

    folha de são paulo

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    DE SÃO PAULO
    *
    Jornais nacionais
    O Estado de S.Paulo
    PSDB pede demissão de ministro da Justiça
    O Globo
    Caso Siemens: Tucanos denunciam que documentos foram forjados
    Valor Econômico
    Decisão do STF pode custar R$ 40 bi a fundos de pensão
    Estado de Minas
    Colégios mineiros no topo do Enem
    Zero Hora
    Senado aprova voto aberto em cassações
    *
    Jornais internacionais
    The New York Times (EUA)
    Novas regras seria frear papel político sem fins lucrativos
    The Washington Post (EUA)
    Microsoft se muda para aumentar a segurança
    The Guardian (Reino Unido)
    Reivindicação de mentiras policiais reacende caso Plebgate
    El País (Espanha)
    "Os protestos foram o resultado da democracia e crescimento"

    terça-feira, 26 de novembro de 2013

    Mudanças climáticas ameaçam produção de alimentos

    folha de são paulo

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    JUSTIN GILLIS
    DO 'NEW YORK TIMES'
    The New York TimesPara ter uma visão do que a mudança climática poderá causar ao suprimento alimentar no mundo, considere o que aconteceu na Europa em 2003, depois que uma onda de calor cortou a produção de algumas colheitas em até 30% e fez os preços dispararem.
    Vários pesquisadores concluíram que a onda de calor europeia se tornou mais provável devido à mudança climática causada pelos seres humanos. Os cientistas ainda discutem sobre um período de calor e seca em 2012 nos EUA que reduziu a safra de milho. Sejam quais forem suas origens, ondas de calor como essas nos dão uma prova do que pode nos aguardar no futuro com o aquecimento global.
    Entre os que estão ficando nervosos, há pessoas que passam a vida pensando de onde virá nossa comida. "Os impactos negativos da mudança climática global sobre a agricultura só deverão piorar", disse um relatório feito no início deste ano por pesquisadores da Escola de Economia de Londres e um grupo de pensadores de Washington, a Fundação para a Tecnologia da Informação e Inovação.
    O relatório citou a necessidade de "colheitas e sistemas de produção agrícola mais resistentes do que os que possuímos hoje no mundo".
    Esse talvez seja o maior temor isolado em relação ao aquecimento global: que a mudança climática possa desestabilizar de tal modo o sistema alimentar do mundo que haja o aumento da fome ou até a penúria em massa.
    O esboço de um relatório vazado da comissão do clima da ONU, conhecida como Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática, sugeriu que as preocupações do grupo aumentaram e que esse relatório, marcado para lançamento em março em Yokohama, Japão, provavelmente incluirá uma firme advertência sobre os riscos ao abastecimento alimentar.
    O tom é notadamente diferente do de um relatório do mesmo grupo de 2007, que discutia alguns riscos, mas via o aquecimento global como algo que provavelmente beneficiaria a agricultura em importantes regiões de plantio.
    Desde então, novas pesquisas contiveram essas suposições.
    Um grupo de cientistas desenvolveu maneiras mais sofisticadas de analisar a relação entre a agricultura e o clima. Seu trabalho sugere que o aumento do calor em algumas áreas de plantação já está causando uma redução da produção, e cresce a possibilidade de efeitos muito mais sérios conforme o aquecimento global continua.
    Os cientistas há muito tempo esperavam que o efeito do calor e da água sobre as colheitas pudesse ser compensado pelo o que gera o aquecimento global: o aumento acentuado de dióxido de carbono no ar. Esse gás é o principal suprimento alimentar para as plantas, e um grande corpo de evidências sugeria que o aumento atual de CO2 poderia incentivar a produção das colheitas.
    Mas muitas dessas evidências vieram de testes em ambientes artificiais como estufas. Cientistas mais jovens, que insistiram em testar as colheitas em condições naturais, mais parecidas com o mundo real, descobriram que o aumento da produção, embora real, não era tão grande quanto se esperava e talvez não fosse suficiente para compensar os outros estresses do aquecimento global.
    O maior temor alimentar deste século ocorreu em 2007 e 2008. Vários anos de produção agrícola ineficiente, causados em parte por extremas condições climáticas, chocaram-se com a demanda crescente. Os preços dos principais cereais mais que duplicaram, países inteiros fecharam a porta das exportações alimentícias, houve pânico de compras em muitos mercados e tumultos em mais de 30 países.
    A boa notícia é que a agricultura tem uma tremenda capacidade de se adaptar a novas condições, incluindo um clima mais quente. As colheitas podem ser plantadas mais cedo e novas variedades mais resistentes ao estresse climático podem ser desenvolvidas.
    Mas especialistas dizem que a pesquisa necessária para fazer tudo isso acontecer está recebendo pouco estímulo. "Sucessos do passado na agricultura deram uma falsa sensação de segurança a muitos dos que estão em cargos de decisão", disse L. Val Giddings, membro adjunto do grupo de pensadores de Washington e coautor de seu relatório. "Faz muito tempo desde que algum deles realmente sentiu fome."

    Robôs ganham feições humanas

    folha de são paulo

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    JOHN MARKOFF
    DO 'NEW YORK TIMES'
    The New York TimesNuma manhã recente, Natanel Dukan entrou na sede da fábrica francesa de robôs Aldebaran, em Paris, e observou um dos robôs humanoides da empresa, o NAO, sentado numa cadeira.
    Dukan, engenheiro eletricista, não resistiu. Beijou a bochecha do robô. Em resposta, o NAO inclinou a cabeça, tocou o rosto dele e soltou um "smac" audível.
    David Walter Banks/The New York Times
    O robô francês NAO, feito pela Aldebaran Robotics, sentado durante conferência sobre robótica no Instituto de Tecnologia da Georgia, nos EUA
    O robô francês NAO, feito pela Aldebaran Robotics, sentado durante conferência sobre robótica no Instituto de Tecnologia da Georgia, nos EUA
    Mandar beijos é certamente uma utilidade bem francesa para uma máquina, mas o gesto íntimo do robô de meio metro de altura --que custa US$ 16 mil e está atualmente sendo usado em laboratórios acadêmicos e em campeonatos de futebol robótico-- também reflete uma mudança significativa.
    Até recentemente, a maioria dos robôs ficava cuidadosamente separada dos humanos. Eles têm sido muito usados em fábricas para realizar tarefas repetitivas que exigem velocidade, precisão e força. Essa geração de robôs é perigosa e foi confinada para a proteção dos operários.
    Agora, os robôs estão começando a imitar os humanos --e a se parecer com eles. Estão também começando a realizar tarefas humanas.
    "Hoje essa é a onda na robótica", disse Charlie Kemp, professor-associado de engenharia biomédica no Instituto de Tecnologia da Geórgia (ou Georgia Tech), em Atlanta.
    "As coisas não são as mesmas quando você está interagindo com pessoas. É aí que queremos que os robôs estejam e é onde vemos que há enormes oportunidades para os robôs. Há exigências muito diferentes das que levaram ao clássico robô industrial."
    Muitos dos robôs da nova geração são operados à distância. Porém, cada vez mais, eles realizam tarefas independentemente do controle humano direto.
    David Walter Banks/The New York Times
    O RoboThespian, fabricado pela Engineered Arts Limited para interagir com humanos em ambientes públicos
    O RoboThespian, fabricado pela Engineered Arts Limited para interagir com humanos em ambientes públicos
    É o caso de Romeo, robô humanoide de 1,5 metro, que em breve será lançado pela Aldebaran. Criado com uma ajuda equivalente a US$ 13,8 milhões do governo francês, o robô está sendo programado para cuidar de idosos e ajudar em tarefas domésticas.
    A ideia de que os robôs sejam parceiros dos humanos, em vez de seus substitutos ou empregados, está motivando pesquisas em universidades e laboratórios industriais.
    Os projetistas dos robôs acreditam que suas criações vão se transformar em terapeutas, cuidadores, guias e seguranças e que no futuro virão a realizar praticamente qualquer forma de trabalho humano (mas ainda não surgiram robôs capazes de pensar por conta própria).
    A chave para esse avanço é a nova forma dos robôs. Sua aparência humana vai além de satisfazer fantasias de ficção científica.
    Os especialistas dizem estar escolhendo a forma humana tanto por razões sociais quanto técnicas. Robôs que operam em ambientes fechados, em particular, devem ser capazes de se deslocar em um mundo cheio de manoplas, alavancas, portas e interruptores, todos concebidos para humanos.
    Os desenvolvedores também observam que os humanos têm afinidade com sua própria forma, o que facilita as transições e torna a colaboração mais neutra. Criar robôs de forma humanoide também simplifica o treinamento e as parcerias no local de trabalho, aumentando o potencial para novas aplicações, como cuidar de pessoas.
    David Walter Banks/The New York Times
    Componente de robô feito pela empresa Schunk, que projeta robôs capazes de usar instrumentos como maçanetas e botões de elevador desenhados para seres humanos
    Componente de robô feito pela empresa Schunk, que projeta robôs capazes de usar instrumentos como maçanetas e botões de elevador desenhados para seres humanos
    Na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, na Pensilvânia, Manuela Veloso, professora de ciência da computação, desenvolveu uma série de robôs --os CoBots-- para realizar tarefas como distribuir correspondência, orientar visitantes com hora marcada e trazer café.
    Ela chama isso de "autonomia simbiótica", já que os robôs também dependem dos humanos. Eles chegam a pedir orientações se ficarem perdidos.
    Rápidas melhorias na visão por computador, no poder de processamento e armazenamento e no barateamento dos sensores, além de novos algoritmos que permitem que os robôs se desloquem em ambientes atulhados, estão possibilitando esses novos usos e, de quebra, alterando a natureza da robótica.
    Nos chãos de fábrica mundo afora, uma nova geração de robôs está sendo fabricada por empresas como a Rethink Robotics, de Boston, que produz um robô humanoide para tarefas automatizadas simples, e a Universal Robots, de Odense, na Dinamarca, que fabrica um sistema duplo de braço robótico projetado para aplicações mais tradicionais.
    A Rethink Robotics recentemente divulgou um vídeo do seu robô, o Baxter, preparando um café. A empresa disse que o robô humanoide, com mãos em forma de pinça e tela de computador no lugar do rosto, foi treinado em algumas horas para realizar diversas tarefas pré-programadas associadas à preparação do café.
    No laboratório de Kemp na Healthcare Robotics, na Georgia Tech, um robô de 1,5 metro, chamado Cody, capaz de sentir forças sobre os seus braços e dotado de uma base que o faz se movimentar graciosamente, está sendo usado como parceiro de dança para dançarinos humanos experientes e para pacientes de fisioterapia.
    "É uma forma de usar os robôs para exercícios divertidos e interativos na reabilitação", disse ele.

    Gordura emagrece?

    folha de são paulo

    Óleos prometem reduzir a fome, mas faltam provas sobre os benefícios


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    JULIANA VINES
    DE SÃO PAULO

    O cardápio da moda para emagrecer inclui colheradas de gordura --o que parece estranho, já que uma colher de sopa de óleo de coco, linhaça ou cártamo, populares em sites de dieta, tem cerca de 120 calorias, o mesmo que um bombom recheado.
    Mas, segundo os fabricantes, apesar do alto valor calórico, essas gorduras vegetais aceleram o metabolismo e aumentam a saciedade, ajudando na perda de peso.
    As promessas são vendidas a preços salgados: 260 ml de óleo de semente de chia, rico em ômega 3, custam R$ 59,90 na rede Mundo Verde (preço sugerido).
    O sucesso das gorduras para emagrecer começou com o óleo de coco, que explodiu no verão de 2012. De lá para cá a lista só cresceu (veja ao lado).
    Ainda está longe, porém, de haver um consenso sobre os benefícios dos produtos.
    Adriano Vizoni/Folhapress
    Da esq. para a dir., óleo de cártamo, cápsulas de chia, óleo e cápsulas de abacate e óleo de linhaça
    Da esq. para a dir., óleo de cártamo, cápsulas de chia, óleo e cápsulas de abacate e óleo de linhaça
    "A literatura científica sobre o óleo de coco é ampla", defende Natana Martins, nutricionista do Herbarium, marca de fitoterápicos e suplementos. Segundo ela, o efeito emagrecedor é atribuído à propriedade termogênica da gordura do coco (que aumenta a queima de calorias no corpo).
    Mas, para o nutrólogo Edson Credidio, pesquisador da Unicamp, essa ação ainda não foi comprovada. "As pesquisas encontraram tanto benefícios como malefícios no alimento e não foram capazes de explicar o mecanismo envolvido", diz.
    A nutricionista Annie Belo, pesquisadora do Instituto Nacional de Cardiologia, no Rio, orienta um estudo sobre óleo de coco com 130 voluntários. A pesquisa será apresentada em março, mas já há uma prévia dos resultados.
    "O óleo teve efeito adjuvante na redução da circunferência da cintura", diz. Ela ressalta que os participantes seguiram uma dieta acompanhada por nutricionista, porque o óleo de coco, sozinho, engorda. "Não há milagre."
    À espera do efeito milagroso descrito em blogs, a assessora jurídica Sheilla Lovato, 27, tentou emagrecer só com óleo de coco, primeiro em colherada, depois em cápsulas.
    "Deu muito errado. Passei mal", conta. Ela tomou 500 gramas de óleo em um mês. "Tentei de todo jeito: puro, na salada... Não funcionou. Tive diarreia e ânsia. Se emagreci foi de tanto passar mal."
    Tomar o óleo pode mesmo causar diarreia, principalmente em grandes quantidades, diz a nutricionista e bioquímica Lucyanna Kalluf.
    Ela recomenda no máximo duas colheres de chá ao dia, aliadas a uma alimentação saudável. "Óleo de coco é uma gordura saturada --pode aumentar o colesterol."
    ÔMEGAS
    Mais novos no arsenal das dietas, os óleos de chia, cártamo (planta da família do crisântemo), abacate e linhaça são boas fontes de ômega 3, 6 e 9, gorduras mais saudáveis que as saturadas e que ajudam na manutenção da saúde cardiovascular.
    editoria de arte/editoria de arte
    Mas não emagrecem, de acordo com a nutricionista Ana Maria Lottenberg, do Laboratório de Lípides do Hospital das Clínicas de SP. "É uma falácia. Quem emagrece tomando óleo é porque faz outras mudanças alimentares em conjunto", diz.
    A estudante Nicole Olive, 19, toma três cápsulas de óleo de cártamo por dia há quatro meses e perdeu três quilos. "Dá resultado, sim", diz. Mas, além de tomar o óleo, Nicole cortou refrigerante e frituras e caminha quase todo dia. "Acho que as cápsulas ajudam a controlar a fome."
    O óleo de cártamo é fonte de ômega 6, ácido graxo essencial que também é encontrado no óleo de soja, canola e milho. "Não precisamos consumir ômega 6 do cártamo, que é caríssimo. É melhor variar entre outros óleos mais baratos", diz Lottenberg.
    O ômega 9 do abacate é o mesmo do azeite, e o ômega 3 do óleo de chia e de linhaça é encontrado nesses alimentos na forma de semente. "Não faz sentido comprar o óleo, mas as sementes de linhaça e chia, sim, porque têm fibras e aumentam a sensação de saciedade", diz ela.
    Para a nutricionista Alessandra Rodrigues, o brasileiro já consome muita gordura. "Tomar um suplemento via oral ultrapassaria as recomendações diárias." E não importa se a gordura é boa ou ruim: "Em excesso, vai engordar e fazer mal".

    Suzana Herculano-Houzel

    folha de são paulo
    Videogames para a atenção
    A melhor coisa que pode acontecer para melhorar a capacidade de atenção do cérebro é exigir dela
    Muita gente fala mal da tecnologia e levanta até a possibilidade de o deficit de atenção de tantas crianças e jovens adultos ser causado pelo uso dos aparelhos modernos, que permitem (ou exigem) que a atenção seja dividida entre várias tarefas ao mesmo tempo. Eu discordo e, continuando minha campanha em prol da tecnologia (e contra, isso sim, seu mau uso), digo o porquê: a melhor coisa que pode acontecer para melhorar a capacidade de atenção do cérebro é justamente exigir dela.
    A neurociência aprendeu isso com uma das invenções tecnológicas mais execradas nos círculos pseudocientíficos: o videogame. Primeiro, descobriu-se que ficar horas a fio na frente do monitor não faz mal algum à visão. Pelo contrário, a acuidade visual até melhora em alguns jogadores.
    Segundo, jogadores de videogames de ação, como Grand Theft Auto, Medal of Honor ou Call of Duty, têm uma capacidade maior do que não jogadores de não se deixar distrair por objetos fora do foco de atenção, ao mesmo tempo em que conseguem detectar objetos interessantes na periferia do campo de visão. Ou seja: têm maior capacidade de atenção.
    Há que ser cético, contudo, e lembrar que talvez seja justamente uma maior capacidade prévia de atenção de alguns jovens que faça com que eles se dediquem muito mais do que os outros aos videogames de ação --atividade que seria naturalmente mais fácil para eles, nesse caso. Mas é fácil tirar a dúvida: basta treinar jovens não jogadores e medir sua capacidade de atenção antes e depois da prática.
    Resultado: tanto moças quanto rapazes que passam a jogar Medal of Honor diariamente, por exemplo, demonstram melhora na coordenação visuomotora, na capacidade de detectar objetos e na atenção, com apenas dez dias de treino. Jogar o bem-comportado Tetris, em comparação, não adianta nada. A atenção melhora... quando se presta atenção --assim como a memória melhora quanto mais recorremos a ela.
    É claro que jogar videogames pode trazer problemas. Assim como beber água em excesso faz mal (sabia?), jogar demais pode ser nocivo, principalmente para jovens e crianças com predisposição a comportamento impulsivo --e, antes de mais nada, por tomar o tempo em que eles poderiam estar aprendendo outras coisas. Mas, de novo, o problema não é da tecnologia: é do mau uso que fazemos dela.

    Rosely Sayão

    folha de são paulo
    Criança-papagaio
    Tudo o que o garoto dizia nada mais era do que a repetição de frases saídas da boca de adultos
    Testemunhei uma conversa entre uma conhecida, que é mãe de um garoto de dez anos, e seu filho, que tem, segundo ela mesma, problemas na escola. Não, ele não se recusa a aprender o que lhe é ensinado, não faz drama com as lições de casa e tem obtido boas notas segundo a avaliação escolar realizada.
    Está certo que ele reclama da obrigatoriedade de frequentar a escola todo santo dia e de ter de usar a "perua escolar", porque a mãe trabalha nos horários em que ele vai e volta da escola. Mas, fora esses dois motivos de suas frequentes reclamações, a escola, para ele, não é uma pequena tragédia como parece ser para algumas crianças.
    Já os colegas com quem convive... Eles são o seu pesadelo. Segundo o próprio garoto, ele vive sendo provocado o tempo todo com apelidos que considera pejorativos, com caretas, gestos e outras dezenas de pequenas atitudes de seus pares que o fazem perder a linha.
    Ele reage quase sempre com agressividade --bate nos colegas. Por isso, a mãe vive sendo chamada à escola e o menino vive isolado.
    Essa jovem mãe contou que já deixou o filho de castigo --tirou dele coisas das quais ele gosta muito por vários dias-- e que já falou para ele que o que ele tem feito é errado, mas o fato continua a se repetir.
    "O que devo fazer, onde estou errando?", perguntou ela.
    Sugeri que ela conversasse com o filho em busca dos pontos de vista dele. Sim: uma criança dessa idade já tem noção do que faz de certo e de errado e tem, muitas vezes, explicações surpreendentes para seu próprio comportamento. A mãe me pediu que eu estivesse presente nessa conversa, que aconteceu na casa deles, quando eu os visitava.
    Quando a mãe lhe perguntou o que havia acontecido no dia anterior na escola, ele de pronto respondeu que havia feito uma coisa muito errada. "Se você sabe que é errada, por que fez?", perguntou a mãe. "Não sei" --foi a resposta que ela teve de volta. E assim seguiu a tentativa de diálogo entre os dois, com a mãe se mostrando satisfeita com as respostas que obtinha do filho.
    Eu não consegui ouvir o que o garoto, de verdade, tinha a dizer a respeito de fatos que envolviam a sua vida. Tudo o que ele dizia nada mais era do que a repetição de frases e de ideias saídas da boca de adultos.
    O garoto, tão vivaz, nesses momentos se transformava em um "garoto-papagaio", porque descobrira que era exatamente isso que os adultos --pais e profissionais da escola-- esperavam dele.
    Temos demonstrado tanto desinteresse pela conversa com os mais novos que eles aprenderam a não perder seu precioso tempo com nossas tolas e moralistas perguntas e com os questionários que fazemos a eles. Eles dizem logo o que queremos ouvir para que possam se livrar dessas entediantes conversas.
    Mas, caso algum adulto demonstre interesse verdadeiro em ouvir o que eles pensam sobre os problemas que enfrentam, eles são capazes de dizer, mesmo que indiretamente, o que os atrapalha e porque não conseguem encontrar novas soluções para as situações difíceis que vivem.
    Enquanto tivermos, antecipadamente, a resposta certa a ser dada por uma criança quando conversamos com ela, criaremos "crianças-papagaio", que respondem o que queremos sem ao menos saber ao certo o que de fato significa.
    Precisamos aprender a conversar com crianças, não é verdade?