sexta-feira, 15 de novembro de 2013

José Simão

folha de são paulo
Mensalão! Algema de sex shop!
Os monarquistas dizem que a República foi proclamada, mas no Brasil tudo é rei: Rei Pelé, Rei Roberto Carlos...
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! "Condenados do mensalão querem evitar algemas!". Concordo. Algemas, só de sex shop. Aquelas acolchoadas. De oncinha! De pelúcia. Prisão Fetiche!
E o presídio da Papuda vai mudar de nome pra Hospedaria do Zé Dirceu! Rarará!
E tem que melhorar aquela quentinha porque no Brasil ainda não tem pena de morte!
E eu não gosto de ver ninguém indo preso. Mesmo que mereça. Me sinto mal.
E o predestinado dos condenados: Jacinto Lamas! Tesoureiro do PR, Jacinto Lamas até o pescoço!
E atenção! Levanta a espada! Feriadão da Proclamação da República! Deodoro da Fonseca levantou a espada. Dom Pedro 1º levantou a espada! No Brasil, tudo se resolve levantando a espada! Rarará!
Levantou a espada, proclama qualquer coisa! Tô na Bahia. Vim proclamar a República na Bahia. Ops, a República DA Bahia! Vim levantar a espada na Bahia! Rarará!
E sabe por que proclamaram a República? Pra gente votar no Collor, no Romário, no Tiririca, no Maluf e na Mulher Pera! Rarará!
E avisa praquele povo de Brasília que a República já foi proclamada, os caras querem ficar no poder a vida inteira. Tronopólio!
E os monarquistas dizem que a República foi proclamada, mas no Brasil tudo é rei: Rei Pelé, Rei Roberto Carlos, Rei do Gado, Rei do Bacalhau, Rei do Camarote, Rainha dos Baixinhos, Rainha do Bumbum. E em São Paulo tem uma padaria chamada Rainha da Traição. Esse padeiro não levou uma vida de rei, levou um corno de rei! Rarará!
É mole? É mole, mas sobe!
E proclamaram a República, mas esqueceram de avisar o Fernando Henrique. Que tá sempre com aquela cara de rei no exílio!
E o Lula tem cara de Reizinho de revista de quadrinhos! Aquele bem barrigudão com o manto arrastando no chão!
E brasileiro reclama tanto que hoje devia ser dia da Reclamação da República! Ops, República da Reclamação!
E trabalhar em feriadão dá gastura, calo seco, ovo virado, nó nas tripas, zumbido no zovido e cansaço no coração! Rarará!
Cansaço no coração é estar na Bahia e ter que falar de mensalão! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Mario Sergio Conti

folha de são paulo
O patrão cordial e a vida curta
O primado da inteligência, no qual o espetáculo 'O Patrão Cordial' investe, é uma raridade na arte atual
Nas jornadas de junho, saímos da frente dos computadores. Fomos do mundo virtual para o real, onde assumimos riscos para atacar a ordem. A agitação foi detonada pelos jovens do Movimento Passe Livre, e milhões os seguiram. Depois de 20 anos, a plebe voltou com formas inéditas de manifestação. Como o perigo mobiliza, eis aí os black blocs.
"O Patrão Cordial", que está em cartaz no Sesc Belenzinho, começou a ser preparada antes do terremoto e estreou depois dele. Mas é à luz da nova agitação que a peça deve ser vista, ainda que a arte não tenha o mesmo tempo do comentário político. Isso porque o grupo que a apresenta, a Companhia do Latão, se filia ao teatro épico de Bertolt Brecht, cujo engajamento na luta social é a pedra de toque.
"O Patrão Cordial" parte de duas matrizes. Uma é "O Senhor Puntila e seu Criado Matti", peça de Brecht em que o assunto é a relação entre proprietários e empregados. A outra, "Raízes do Brasil", ensaio no qual Sérgio Buarque de Holanda criou o conceito do "homem cordial": a interação na qual o sentimento e o favor sobrepujam a impessoalidade da lei.
Trazida pelo diretor Sérgio de Carvalho da Finlândia para uma fazenda no Vale do Paraíba, a ação foi deslocada para os anos 1970 do século passado. O patrão Cornélio é generoso e cordial quando bêbado, e explorador calculista nos períodos de sobriedade. Sua filha, Vidinha, está prestes a se casar com um homem pelo qual não tem afeto, e se interessa por um empregado, o motorista Vitor.
O enredo é de comédia e a peça diverte. A ausência de cenários, aliado ao fato de alguns atores representarem diversos papéis, evita a identificação com eles e as facilidades do gênero. O primado da inteligência, no qual o espetáculo investe, é uma raridade na arte atual. O elenco conta com uma atriz de talento formidável, Helena Albergaria. A recusa do grupo ao comercialismo é tocante.
Mesmo assim, "O Patrão Cordial" parece anacrônico, adquire ar de museu. Não porque inexista choque de classes, o ponto de fuga do teatro brechtiano. Mas a filha do fazendeiro que se apaixona pelo motorista caberia numa novela de horário nobre, pelo clichê melodramático. Num Brasil de agronegócio generalizado, aproximar patrões e trabalhadores para a relação pessoal, como faz a peça, é buscar refúgio nas boas certezas do passado.
Para piorar, o noivo da moça rica é pródigo em trejeitos afeminados, enquanto o motorista é um boa-praça parrudo e cheio de bom senso. O lugar-comum, que tem seu lado de realismo socialista, lembra estereótipos de "A Praça é Nossa" pelo subtexto de preconceito. O público ri porque o machismo é visto com naturalidade, e não porque a peça o satirize. Nesse ambiente, uma canção com frases do "Manifesto Comunista" soa como lembrete vazio: somos de esquerda.
É tarefa da arte introduzir caos na ordem, e "O Patrão Cordial", por meio de um materialismo acadêmico, faz o contrário. A plateia da Companhia do Latão sai do teatro com o progressismo reconfortado, achando o que já achava antes, que o homem cordial é uma balela frente à divisão da sociedade em classes. Não há esclarecimento nem provocação.
Reduzir "O Patrão Cordial" a esse fracasso não é tudo. A contraposição da montagem às monstruosidades do entretenimento diz algo sobre as dificuldades do presente. Se o Passe Livre abriu as comportas, por que não o Latão, a esfera artística?
Vislumbra-se essa abertura no final da peça, num momento de real distanciamento brechtiano. É quando a magia da arte se liberta da mentira de ser verdade. O ator Renan Rovida diz ao público que, se aquilo fosse teatro, a plateia seria de pessoas que gostariam de mudar o mundo. Mas isso não é teatro, é vida, e ela é curta.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Pasquale Cipro Neto

folha de são paulo
A ignorância é atrevida, arrogante etc.
Os "especialistas" em língua portuguesa disseram o diabo sobre o "nível" da nossa futura médica
Há alguns dias, recebi mensagens de leitores que me pediam comentários sobre um trecho da entrevista concedida a um jornal capixaba por Sheila Ramos Vieira, que estuda medicina em Cuba. O trecho que motivou as mensagens é este: "No Brasil, com certeza, seria muito difícil para mim fazer um curso de medicina".
Quase todas as mensagens dos leitores citavam as "redes sociais", nas quais a frase da nossa estudante de medicina causava manifestações de alto grau de sentimentos primitivos (o ínclito filósofo Roberto Jefferson que me perdoe por roubar-lhe o nobre pensamento, expresso por ele em relação a José Dirceu quando denunciou o esquema do mensalão).
Costumo fazer o que me pede um dos meus filhos ("Não leia os comentários das notícias, pai; não envenene o fígado e a alma"). De fato, não fui atrás, porque o que foi transcrito nas mensagens que recebi bastava.
Os "especialistas" em língua portuguesa disseram o diabo sobre o "nível" da futura médica ("Como uma analfabeta pode ser médica?" e besteiras afins). Nem preciso comentar o aspecto ideológico desse besteirol, certo?
Posto isso, vamos nos concentrar na estrutura sintática da frase atribuída a Sheila. Vamos repetir a construção: "No Brasil, com certeza, seria muito difícil para mim fazer um curso de medicina". Nas mensagens perpetradas nas redes sociais pelos "especialistas" em língua portuguesa, condena-se veemente e rispidamente o "erro" no emprego do pronome oblíquo "mim", posto antes de "fazer", verbo no infinitivo.
Mas quem foi que disse que esse tipo de problema se resolve pela posição dos termos? Quer dizer que não se pode, de jeito nenhum, usar o pronome "mim" ao lado de um infinitivo?
O problema não é de lugar, de posição; o problema é mesmo sintático (morfossintático, para ser mais preciso). Na língua culta, o pronome "mim" não funciona como sujeito, o que explica por que nesse registro não ocorrem construções como "Ela fez o possível para mim ficar aqui". Nesse caso, no lugar de "mim", ocorre o pronome reto "eu", que funciona como sujeito de "ficar".
É muito fácil perceber por que esse "eu" é sujeito de "ficar". Um dos caminhos é trocar "eu" por "nós" ou "eles", isto é, por um pronome reto plural. O que acontece com o verbo? Varia: "Ela fez o possível para nós ficarmos/para eles ficarem aqui". Outro caminho é trocar "para" por "para que": "Ela fez o possível para que eu ficasse aqui". Percebeu? O pronome "eu" permanece na frase, agora como sujeito de "ficasse".
Na frase de Sheila, o que há é apenas o emprego dos termos na ordem indireta, o que faz o pronome "mim" encostar em "fazer", o que, para os afoitos, já basta como prova do "erro". Não há erro algum, caro leitor. Esse "mim" é "mim" mesmo, já que não está ligado ao verbo "fazer", por isso não pode ser o seu sujeito. Esse "mim" está ligado ao adjetivo "difícil" ("tal coisa é difícil para alguém").
Vamos dispor os termos em outra ordem? Vamos lá: "Fazer um curso de medicina no Brasil com certeza seria muito difícil para mim". E agora? Alguém se atreveria a trocar esse "mim" por "eu"? Algum dos nobres "especialistas" diria "Fazer um curso de medicina no Brasil com certeza seria muito difícil para eu"? Francamente...
Em tempo: o "corretor" do Word também mete os pés pelas mãos... Rarará! Na frase de Sheila, o dito grifa o pronome "mim" (o grifo some quando se troca "mim" por "eu").
Não há erro algum na frase da nossa futura médica. O erro está na prepotência, na ignorância e na arrogância dessa turba raivosa. É isso.

Rafael Garcia

folha de são paulo
Fundo contra mudança do clima tem verbas paradas
Maior parte dos recursos do governo federal ainda está depositada no BNDES
Para ambientalistas, alguns dos projetos que receberam dinheiro estão fora do objetivo primário do fundo
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
Com isso, alguns projetos desistiram do Fundo Clima e foram procurar empréstimos em outros fundos do BNDES.

RAFAEL GARCIADE SÃO PAULO
Três anos após ser criado, o Fundo Clima, mecanismo de financiamento criado pelo governo federal para combate ao aquecimento global, ainda possui a maior parte de seus recursos presa no BNDES e tem aplicado verbas em projetos criticados por estarem fora do escopo da mudança climática.
Apenas uma pequena parcela do fundo --incorporada ao orçamento do MMA (Ministério do Meio Ambiente) para empregar em projetos a fundo perdido-- foi usada.
O dinheiro repassado ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem como finalidade financiar projetos como a melhoria da eficiência energética de transportes e indústrias ou a criação de infraestrutura para geração de energia renovável, mas está quase todo travado.
Apesar de o banco ter recebido R$ 920 milhões em repasses nos primeiros três anos de operação do fundo, há apenas duas operações com empréstimos contratados, somando R$ 76 milhões.
Segundo Carlos Klink, secretário de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente, a implementação do fundo sofreu dificuldades porque, com a crise econômica, o governo baixou as taxas de juros bancários, mas o Fundo Clima não pôde ser alterado a tempo de ter seus valores reajustados.
"Algumas linhas de financiamento tiveram certa dificuldade porque tinham de competir no mercado." Klink diz que o comitê gestor do fundo não podia alterar as taxas sozinho. Era preciso passar a decisão pelo Ministério da Fazenda e pelo Conselho Monetário Nacional.
Com isso, alguns projetos desistiram do Fundo Clima e foram procurar empréstimos em outros fundos do BNDES.
O banco diz agora que está revendo as condições de financiamento e deve anunciar mudanças em breve. O BNDES afirma que as taxas do Fundo Clima são "as mais baixas do banco", mas não abre mão de cobrar spread (uma taxa de risco de crédito), que varia de acordo com o perfil do cliente.
Além de cobrança para aplicar o dinheiro, o Ministério do Meio Ambiente tem recebido críticas de ambientalistas por aplicar a parcela não reembolsável do Fundo Clima em projetos não diretamente ligados à mitigação da mudança climática.
Uma pesquisa orçamentária feita para um relatório do Greenpeace sobre a Política Nacional de Mudanças Climáticas, a ser publicado amanhã, mostra que R$ 1,7 milhão foi empregado em uma campanha publicitária de educação ambiental.
O projeto, encomendado pela Secretaria de Comunicação Social do Planalto, somava R$ 5 milhões ao total. Seu objetivo era ressaltar benefícios da reciclagem de lixo.
O gerente do Fundo Clima no MMA, Marcos Del Prette, afirma que a campanha sobre reciclagem é importante para o clima, porque o problema do lixo está relacionado indiretamente às emissões de gases-estufa.
Outro projeto, de R$ 1,86 milhão, foi destinado a recuperar a mata numa área degradada de mineração em volta do museu do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG). Pela lei, a recomposição do terreno é de obrigação das mineradoras que o ocuparam, não do governo.
Essa área explorada, porém, é um passivo histórico, afirma o ministério.
"O empreendedor não existe mais". Desta maneira, não há quem possa ser forçado por lei a bancar a recuperação, diz Klink.

Painel Vera Magalhães

Alguns condenados no mensalão querem evitar o uso de algemas na ocasião da prisão

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Baixa exposição Alguns dos condenados no julgamento do mensalão foram instruídos pela defesa a se apresentar à Justiça tão logo Joaquim Barbosa efetue a expedição de seus mandados de prisão. Querem, com isso, evitar protagonizar imagens sendo conduzidos de forma coercitiva por policiais federais. Advogados pretendem protocolar petições ao STF para exigir que seja cumprida a súmula vinculante 11, que veda o uso de algemas, a não ser em caso de resistência à prisão ou risco de fuga.
Saída Para evitar desgaste, parte da Mesa da Câmara admite adotar, para deputados condenados no mensalão, decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso que determina perda de mandato para aqueles com pena maior que o resto da legislatura.
Infinito Ministros que viram possibilidade de Jacinto Lamas ingressar com embargos infringentes por ter obtido quatro votos favoráveis em recurso ontem apontam que o regimento fala em votos "divergentes", e não de absolvição, como disse Barroso.
Onde? Outra dúvida a sanar da sessão de ontem do STF é se todos os condenados a regime fechado ou semiaberto terão de cumprir pena em Brasília. Ministros e advogados divergem sobre se Joaquim Barbosa decidiu isso.
Gringa Ganha força entre os organizadores da Copa de 2014 o nome da cantora colombiana Shakira para estrelar a abertura da competição, em São Paulo. A ideia contraria o governo, que prefere promover artista brasileiro.
Ninho O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, e o ex-senador Tasso Jereissati, dois dos maiores desafetos de Lula no PSDB, foram convidados por Dilma Rousseff para a cerimônia de hoje em homenagem a João Goulart.
Meio a meio A reunião entre Dilma e os líderes aliados na Câmara começou tensa, antes de ser selado acordo. A presidente chegou a dizer que vetaria qualquer proposta que implicasse aumento de gastos para o governo.
Tabuleiro Em almoço com o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), aliado de Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva lembrou da importância dos palanques estaduais que teve em 2010, mesmo os não competitivos. Disse achar importante candidaturas próprias do PSB aos governos de SP, RJ e MG.
Cerca Para convencer empresários de que as opiniões de Marina sobre o agronegócio não contaminarão sua candidatura, Eduardo Campos tenta deixar claro em conversas com o setor que, apesar da filiação da ex-senadora ao PSB, os dois têm "siglas distintas", com prioridades diversas.
Protagonista O PSB e a Rede estão em busca de nova data para a reunião dos partidos com artistas e representantes culturais. A estrela do encontro, o ator Marcos Palmeira, não poderá participar no dia 23, data originalmente prevista para o evento.
Espaço... O governo paulista quer aproveitar que a crise dos auditores na Prefeitura de São Paulo ocupa área negativa do noticiário para promover ações de Segurança, setor que ganhou destaque e provocou desgaste para Alckmin neste ano.
... aberto Os anúncios do governador ontem sobre o Disque Denúncia se adequam à estratégia. Outra agenda positiva que pode entrar em pauta é a sanção de projeto de lei que aumenta o número de cargos intermediários na Polícia Militar, que ainda tramita na Assembleia.
Camomila Em discurso ontem, Alckmin afagou a categoria, insatisfeita com os 7% de reajuste concedidos em outubro. O governo prevê pressão dos policiais por novo reajuste em 2014, em plena campanha eleitoral.
*
TIROTEIO
Ao cuspir para cima, Fernando Haddad deveria ter tido ao menos o cuidado de tirar seus companheiros petistas de baixo.
DO DEPUTADO PEDRO TOBIAS (PSDB-SP), sobre a investigação do município que apontou ligações de Antonio Donato com suspeitos de fraudes no ISS.
*
CONTRAPONTO
Acertando os ponteiros
Nos bastidores da gravação de entrevista que foi ao ar na segunda-feira, Jô Soares e Eduardo Campos (PSB) conversavam sobre amenidades quando o apresentador reparou no pulso do governador de Pernambuco:
-Que relógio bonito!
-Foi um presente. Meus secretários se cotizaram e me deram de presente de aniversário.
-Eles têm bom gosto! - elogiou Jô.
Só então o apresentador mostrou seu próprio relógio, da marca Cartier, idêntico ao do presidenciável do PSB, e contou que ganhou o seu de presente da mulher.
Com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA
painel
Vera Magalhães é editora do Painel. Na Folha desde 1997, já foi repórter do Painel em Brasília, editora do caderno 'Poder' e repórter especial.

Janio de Freitas

folha de são paulo
Jango em Brasília
João Goulart foi parte ativa de um período dificílimo do Brasil, em meio ao quadro estrangulante da Guerra Fria
Bela ideia, a da recepção conjunta, em Brasília, dos quatro ex-presidentes vivos e da presidente aos despojos de João Goulart, prevista para a manhã de hoje. Quaisquer que sejam os erros atribuíveis a João Goulart, com ou sem possível razão, entre eles não está ato algum de traição à democracia.
João Goulart foi parte ativa de um período dificílimo do Brasil, pela agitação política e social, pela ação de interesses estrangeiros, a exacerbação das ambições de poder, a conturbada descoberta de si mesma por toda a América Latina, tudo isso no quadro estrangulante da Guerra Fria. A violência valeu-se de todas as formas possíveis naqueles anos. João Goulart não a usou nunca. Lutou politicamente, mas não se vingou jamais, por nenhuma das tantas formas de vindita ao seu alcance, de algum dos autores da perseguição odienta de que foi alvo por inúmeros políticos, militares e meios de comunicação, desde quando ministro do Trabalho, no governo presidencialista de Getúlio, à sua derrubada e exílio.
Não é só ao presidente vítima de um feroz golpe militar que os cinco sucessores legítimos homenageiam. É também a um modo de ser na política, comprometido, no caso, por concessões e traços típicos da demagogia, mas preservado como convivência ou como enfrentamento sempre nos limites civilizados. Lembrança que Jango traz com muita utilidade quando já se prenunciam deslizes inquietantes nas atuais preliminares da eleição e, sobretudo, da possibilidade de reeleição.
Jango Goulart não volta a Brasília por nenhum desses componentes institucionais, políticos e pessoais do seu percurso na vida nacional. Na melhor hipótese, o que o traz obterá resposta apenas parcial a uma incógnita maior. Se provocada, sua morte não seria desvinculada de objetivos criminosos e políticos que não se limitavam à eliminação de uma só pessoa.
Por isso, tão ou mais importante do modo como se deu a morte de João Goulart, por enfarte natural ou provocado, ou nem exatamente por enfarte, é o fato de ser parte de uma sucessão coerente, lógica e quase simultânea de ocorrências sem explicação satisfatória: as mortes, e suas circunstâncias, também de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda. As três em apenas nove meses. As três dos políticos capazes de maior mobilização em todo o país. Os três entendidos entre si desde formada a Frente Ampla que abalou a ditadura e por ela foi silenciada. Os três capazes de levantar apoios externos quando a ditadura se tornava incômoda aos Estados Unidos e sob pressão atritosa do governo americano.
A ditadura foi um regime assassino e torturador montado por militares com o apoio da maior parte da camada economicamente privilegiada do país. Não há motivo algum para dúvida.

Pairou no plenário uma sensação de atropelamento - Marcelo Coelho

folha de são paulo
QUESTÕES DE ORDEM
MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br
Cabeçadas e punições
Parece ter havido uma trapalhada entre o relator Joaquim Barbosa e o procurador Rodrigo Janot
Foi tudo um bocado tenso, e até mesmo assustador para o leigo. Na sessão de ontem do STF, colocou-se o tema da prisão imediata dos condenados do mensalão.
Finalmente, pode-se pensar. Mas a sensação de atropelamento do processo certamente pairou sobre o plenário.
É que parece ter havido uma trapalhada, ou no mínimo algumas cabeçadas, entre as duas principais forças interessadas na punição: o relator do processo, Joaquim Barbosa, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O Ministério Público, ou seja, a acusação, pediu formalmente que as penas fossem executadas desde já. Prisões, multas, penas alternativas --tudo. A não ser, claro, para os réus que ainda podem se valer de um último recurso, os famosos embargos infringentes.
Esse tipo de embargo pode tirar algum tempo de condenação para quem foi acusado de formação de quadrilha, por exemplo. O tema originou placares apertados no STF, e pode ser revisto.
Embargos, sim, mas só nessa questão. Quanto ao resto dos crimes, a condenação tem de valer desde já, argumentou o Ministério Público.
Era isso, também, o que desejava Joaquim Barbosa. Dois desejos, entretanto, podem valer menos que um. O problema estava posto.
Se há pedido da acusação, é lógico que a defesa pode contra-argumentar. O advogado de João Paulo Cunha, Alberto Toron, levantou essa questão de ordem.
Os ministros Lewandowski e Marco Aurélio Mello aceitaram de imediato esse raciocínio. O pedido do Ministério Público entrou nos autos do processo? Sim. Tem existência oficial? Sim. Então é preciso garantir aos advogados a oportunidade para que o leiam, e tentem refutá-lo.
Não, não, disse Joaquim Barbosa. O pedido não teria importância, porque ele próprio, como relator do processo, já tinha proposta na mesma linha. Como juiz do caso, tem a prioridade em decisões desse tipo. Pode impor aos já condenados a prisão, ou seja lá que punição lhes caiba, em todas as situações (peculato, corrupção, lavagem de dinheiro) em que o tribunal não ficou dividido.
A ampla maioria dos ministros, Dias Toffoli e Celso de Mello inclusive, ficou do lado de Barbosa. A ministra Rosa Weber, por exemplo, disse que só ficou sabendo das pretensões da acusação pelo noticiário dos jornais. Conclui-se que o Ministério Público entrou tarde demais e só atrapalhou uma iniciativa que Barbosa tomaria de qualquer jeito.
Mas então, indagava Marco Aurélio Mello, por que Barbosa aceitou o pedido e colocou aquela superfluidade no mundo oficial dos autos? Uma questão de etiqueta, respondeu Barbosa. Entenda-se: aquilo entra e é carimbado, protocolado, mas não merecia a sua atenção.
Vossa Excelência então assina sem ler, cutucou Marco Aurélio. Era o que lhe restava fazer, além de levantar a hipótese ameaçadora de uma "nulidade" do processo. Ficou praticamente sozinho.
No fim, foi geral a aceitação --com nuances-- do "fatiamento" das sentenças: prenda-se quem não pode recorrer mais, nos pontos em que não há recurso. Essa é a parte, no jargão jurídico, que já "transitou em julgado"; quanto ao resto, que se prossiga com os embargos; mas quais? O debate se estendia. Como diferenciar recursos reais de "firulas" e "chicanas"?
Era o vocabulário de Barbosa, divergindo de Zavascki, entre provocações de Marco Aurélio, enquanto até Toffoli e Fux, num evento raríssimo, pareciam concordar: protelações têm limite.