domingo, 6 de outubro de 2013

A timidez de Sérgio Porto

ARQUIVO ABERTO
A timidez de Sérgio Porto
Rio de Janeiro, 1959
ÂNGELA PORTOHá 45 anos sua ausência se abateu sobre nós como uma "machadada de Brucutu", como dizia Manuel Bandeira, de quem tomo emprestada a imagem. Mesmo ausente, meu pai, mais conhecido pelos leitores como Stanislaw Ponte Preta, mantém em minha vida uma forte presença e me traz com frequência boas lembranças.
Sua presença é forte, antes de tudo, por imaginá-lo sempre um homem enorme, como de fato era. Trabalhava principalmente em casa, batucando dia e noite sua "intimorata Remington", na sua própria expressão. Mas também trabalhava na praia, aonde íamos pela manhã, coisa que ele adorava fazer. Pegava suas três filhas pelos braços e, junto a uma pilha de jornais, descíamos as três quadras em direção à praia.
Morávamos em Copacabana, cuja praia era de mar mais batido antes da reforma da avenida Atlântica. Enquanto brincávamos perto da água, papai se sentava na areia, lia freneticamente os jornais e recortava com uma tesoura as notícias que usaria mais tarde como material para suas crônicas. Às vezes era despertado dessa atividade pelo movimento de pessoas que se amontoavam para assistir ao salvamento de três meninas.
Papai nasceu, viveu e morreu na rua Leopoldo Miguez, em Copacabana. Era um homem muito bem-humorado, brincalhão, de uma ironia que surpreendia e a todos fazia rir, mas, paradoxalmente, tímido para determinadas situações em que tivesse que se expor.
Aqueles que acompanhavam suas divertidas crônicas pelos jornais não podiam imaginar que, por trás de suas páginas, se escondia um homem acanhado com o público. O "Show do Crioulo Doido", que criou e apresentou por dois anos, fez enorme sucesso e o tornou famoso. Durante esse período, saíamos todos os sábados para jantar e depois assistir ao show. Muitas vezes, ele era reconhecido por alguém que logo começava a puxar o samba de sua autoria.
Nós, as três irmãs, ainda adolescentes, nos sentíamos envergonhadas, mas ele ficava vermelho e absolutamente sem graça, com vontade de fugir. Para disfarçar seu desconforto, fazia graça fingindo que iria "sair de fininho".
Assim era o tímido Sérgio Porto, que preferia deixar a notoriedade para seu outro, o Stanislaw. A criação desse pseudônimo, idealizado por ele e seu tio, o crítico musical Lúcio Rangel, foi um artifício, entre outras necessidades profissionais, para acobertar o lado mais formal de meu pai. Assim ele poderia se aventurar numa outra modalidade de escrita mais irreverente, que caracterizou na família Ponte Preta e nos "Febeapás", permanecendo o autor Sérgio Porto com o estilo "mais sério" que imprimiu em "A Casa Demolida" e "As Cariocas".
Mas, com toda sua timidez, nunca vi meu pai mais vexado do que no dia de minha "formatura" no jardim de infância.
Isso se deu em 1959, no Colégio Mello e Souza. Houve uma grande festa em que todos os alunos deveriam vestir-se com roupas que indicassem a profissão dos pais. Todos foram de médico, advogado, engenheiro, professor etc.
Mamãe se viu em maus lençóis para fazer minha fantasia, mas inspirou-se numa caricatura que o Lan havia feito. Era um desenho de papai escrevendo à máquina, cercado de vários recortes em que se lia: rádio, televisão, jornal, show, revista tal e tal. Assim era minha roupa: um vestido branco com vários recortes colados.
No final da festa, cada aluno fazia uma apresentação: recitava um versinho, dançava, cantava. Eu quis cantar e pedi que meu pai me acompanhasse. Ele ficou sem jeito e foi cutucado por minha mãe, que o estimulou a subir no palco.
Mas o que o fez mesmo corar de vergonha foi a música que escolhi para cantarmos. Ao meu lado, teria de entoar os famosos versos de Paulo Borges, que uns anos antes haviam feito sucesso na voz de Alcides Gerardi: "Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora".

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