quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Laurentino Gomes critica Procure Saber - Raquel Cozer e Cassiano Elek

Em Frankfurt, autor de '1889' diz que ação do grupo de artistas pode tornar o país 'o paraíso da biografia chapa-branca'
Para Francisco Bosco, 'interesse coletivo não pode se sobrepor à soberania decisória sobre a vida privada'
CASSIANO ELEK MACHADORAQUEL COZERENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURTO debate em torno da necessidade de autorização dos retratados para a publicação de biografias no Brasil chegou ontem à Feira do Livro de Frankfurt, maior evento editorial do mundo, onde o país vem fazendo participação repleta de protestos.
Convidado para uma mesa sobre livros de história, o best-seller Laurentino Gomes, autor de "1889", transformou de última hora sua fala num manifesto em defesa das biografias.
Foi motivado, segundo disse, por reportagem publicada na Folha no último sábado, na qual Paula Lavigne, "falando em nome de um grupo de artistas que inclui Chico Buarque, Caetano e Gil, disse: Nosso grupo é contra a comercialização de uma biografia não autorizada'".
O escritor citou a mobilização do grupo coordenado por Lavigne, o Procure Saber, quando pedia uma fiscalização maior pelo governo do Ecad, órgão responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais de músicas executadas no país.
"Foi lindo, comovente mesmo, ver Paula Lavigne, Caetano Veloso, Roberto Carlos e outros fazendo lobby nos corredores do Congresso e trocando tapinhas nas costas de Renan Calheiros para defender seus interesses econômicos. Agora esse mesmo grupo quer defender seus interesses limitando a liberdade de expressão", disse.
Para Laurentino, o grupo faz com que o Brasil corra o risco de se tornar "o paraíso da biografia chapa-branca".
"Artistas, políticos, empresários e escritores são figuras públicas ou porque atraem a curiosidade das pessoas pela sua criação ou porque exercem função de interesse público por afetar a forma como a sociedade se comporta. São, portanto, alvo legítimo da investigação de pesquisadores."
O escritor lembrou casos de biografias que enfrentaram problemas judiciais, como a de Roberto Carlos, por Paulo Cesar de Araújo.
"A Constituição brasileira é das poucas, senão a única, do mundo que proíbe censura a criações artísticas, o que, no meu entender, inclui ou deveria incluir todos os gêneros literários", disse.
Mas lembrou o artigo 20 do Código Civil brasileiro, que determina que retratados podem proibir uma biografia se considerarem que lhes "atinge a honra, a boa fama ou a respeitabilidade" ou se "se destinar a fins comerciais".
"Tentativas de mudar esse artigo, como o projeto de Newton Lima [PT-SP], ficaram paradas no Congresso, agora com escassa chance de aprovação, alvo de chicanas regimentais de parlamentares, eles próprios interessados em zelar, para usar as palavras do Código Civil, pela própria boa fama'".
Questionada sobre o assunto em entrevista em Frankfurt, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, disse apenas que "tem escutado todos os lados".
A questão também ganhou repercussão em coluna do jornal "O Globo" publicada ontem, assinada pelo escritor Francisco Bosco. Para ele, o interesse coletivo não pode se sobrepor à soberania decisória sobre a vida privada.
"Aquilo que torna público um indivíduo é a dimensão de sua vida que ele consagrou à esfera pública, alterando-a. Não foi a sua vida privada que transformou a coletividade. Por isso sou um defensor da free culture - creative commons', aumento do espectro do fair use', diminuição drástica do prazo de copyright' etc. -, mas é fundamental notar que a defesa da soberania da vida privada não se confunde com uma posição conservadora ou privatista no que diz respeito à cultura, precisamente porque a vida privada não pertence à cultura."
    Proibição é censura, diz ministro da Justiça
    MARINA DIASDE SÃO PAULOO ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que proibir a publicação de biografias não autorizadas é "censura" e, por isso, "inadmissível" no Estado de Direito.
    "Temos que garantir a livre expressão e a livre circulação de ideias e informação. Se isso for violado de alguma maneira, o Judiciário pode reparar", declarou à Folha.
    A discussão sobre a publicação de biografias não autorizadas voltou à cena quando Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo Carlos endossaram a opinião de Roberto Carlos, que já tirou de circulação obras sobre sua vida. Juntos, eles fundaram o grupo Procure Saber, que defende a exigência de autorização prévia para a comercialização dos livros.
    Em 2008, quando era deputado federal pelo PT-SP, Cardozo foi relator de um projeto de lei que coibia a proibição das biografias no Brasil.
    De autoria do então deputado Antonio Palocci (PT-SP), o Projeto de Lei 3378/08 modifica o artigo 20 da Lei 10.406, de 2002, que dá brecha para que biografados e herdeiros consigam na Justiça impedir a circulação de obras não autorizadas.
    "Como deputado, dei meu parecer favorável na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e tentei um acordo para levar o projeto à votação, mas não consegui", diz Cardozo. Está arquivado na Mesa Diretora da Câmara. Ficou um ano tramitando na CCJ e o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-PR) pediu adiamento da votação. Um mês depois, foi retirado de pauta por acordo, sem votação em plenário.
    "Pedimos adiamento da votação quando precisamos avaliar melhor o projeto. Não fui pressionado", declarou Biscaia, que foi deputado de 2002 a 2010.

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