terça-feira, 8 de outubro de 2013

Minissérie tenta captar o 'sertão real'

'Amores Roubados', que a Globo exibe em 2014, traz adaptação de folhetim pernambucano clássico para dias de hoje
Emissora busca atualização para fidelizar audiência fora do eixo Rio-São Paulo, analisa especialista
ISABELLE MOREIRA LIMADE PAULO AFONSO (BA)O sertão brasileiro, velho conhecido da Rede Globo, volta à TV. Desta vez, no entanto, sai de cena o agreste icônico de Lampião e Padre Cícero e entra a terra fértil cortada pelo rio São Francisco, produtora de vinho e de frutas para exportação.
Este é o cenário de "Amores Roubados", série de dez capítulos que a emissora exibe em janeiro de 2014 com a promessa de sotaque mais fidedigno e imagem de cinema.
A obra é uma adaptação de "A Emparedada da Rua Nova", de Carneiro Vilela, folhetim publicado semanalmente entre 1909 e 1912 pelo "Jornal Pequeno", do Recife (PE). Trata de um Don Juan que entra em apuros ao se envolver com a filha de um homem rico e poderoso da capital. Na época da publicação, a trama, que gira em torno de paixão e vingança, virou febre com status de lenda urbana.
Agora, foi teletransportada para a área rural e para o século 21. Segundo os idealizadores, a ideia é levar à tela um sertão contemporâneo e mais próximo da "vida real" do Nordeste, ainda que a história original tenha sido escrita há mais de cem anos.
A professora de comunicação da Universidade Federal da Bahia, Maria Carmem Jacob de Souza, afirma gostar da ideia de ver um sertão mais atual na tela e diz achar importante que a produção de teledramaturgia "saia do eixo rotineiro" e explore diferentes regiões do país.
"Na verdade, eles podem é desmontar estereótipos e até tornar mais rica a impressão sobre o Nordeste."
Segundo Julio Wainer, professor de jornalismo e diretor da TV PUC, a escolha da Globo reflete uma necessidade de modernização e de fidelização de um público. "O cavalo não existe mais, existe a moto há mais de dez anos. A emissora é obrigada a se atualizar para não ficar de fora da audiência no Nordeste."
Para "agarrar" essa audiência, a Globo repetiu o triunvirato responsável por "O Canto da Sereia" (2013): George Moura ("Linha de Passe", 2008) no roteiro (sob a supervisão de Maria Adelaide Amaral), José Luiz Villamarim ("Avenida Brasil") na direção-geral e Walter Carvalho, uma grife do cinema com mais de 80 títulos no currículo, na direção de fotografia e câmera --algo incomum na TV, onde a câmera é operada por outros profissionais.
"O olhar do Walter vai criar esse sertão contemporâneo, onde tem motoboy e Land Rover, mas tem também uma moral arcaica", diz Moura, que há 17 anos sonhava em roteirizar o folhetim.
Para Carvalho, a maior marca da minissérie é o sol. "Eu acho que o sertão tem dois sóis, um que queima e outro que aterrissa, chega muito perto de você. Tudo o que eu penso em termos de imagem tem que ir por aí."
Esse sol "inclemente e cáustico" que Carvalho cita foi também um dos grandes desafios das gravações.
Folha acompanhou o antepenúltimo dia de trabalho da equipe na última semana no Raso da Catarina, área mais seca de todo o Estado da Bahia, célebre por ter servido de abrigo a Lampião quando fugia da polícia, e presenciou certos cuidados tomados pela equipe de produção.
As gravações na região começam cedo, às 6h, quando as temperaturas ainda não são insuportáveis. Toda a equipe --exceto os atores --usa roupas com proteção contra raios UV, chapéus e protetor solar, e se aglomera embaixo de tendas. Além disso, há dois funcionários que têm como função primordial distribuir água, isotônicos e melancia frequentemente.
Villamarim, o diretor, afirma que a saúde da equipe foi uma preocupação constante, mas que o maior desafio é justamente o seu maior objetivo: "Dar um frescor [à adaptação] e mostrar realisticamente o que é o sertão que a gente vê hoje. Eu não estou inventando sertão nenhum".
    ANÁLISE
    Grito da emparedada é ouvido até os dias de hoje no Recife
    XICO SÁCOLUNISTA DA FOLHAO caso se deu no final do século 19, mas até hoje, quem passa no casarão de número 200 da rua Nova, no centro do Recife, ouve os gritos de Clotilde, a moça emparedada viva pelo desalmado pai.
    A filha da alta sociedade pernambucana estava grávida de um pé-rapado, um desconhecido e misterioso plebeu, fato inadmissível para a nobre família.
    Não há mais como dizer se a história é verdadeira ou não, debate que se arrasta há um século. Vale a lenda, publicada inicialmente em forma de folhetim no "Jornal Pequeno", entre 1909 e 1912, que daria depois no romance "A Emparedada da Rua Nova", obra de Carneiro Vilela (1846-1913).
    Por muito tempo artigo raro nos sebos, o livro ganhou em setembro a sua quinta edição pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco).
    Em 2010, foi adaptado no curta-metragem homônimo de Marlom Meirelles e neste ano mereceu versão teatral com o título "O Amor de Clotilde por um Certo Leandro Dantas", da Trupe Ensaia Aqui e Acolá.
    O grito que assombra a rua Nova tem um certo eco do conto "O Gato Preto", de Edgar Allan Poe (1809-1849). A prática do emparedamento, porém, como alerta o narrador de Poe, é coisa que vem de relatos ainda da Idade Média.
    Do folhetim de Vilela à lenda da "Perna Cabeluda", misterioso membro que aterroriza a capital desde os anos 1970, o Recife cultiva a fama da cidade brasileira mais mal-assombrada.
    A história da perna nasceu a partir de um programa de rádio feito pelo escritor Raimundo Carrero.
    Em "Assombrações do Recife Velho", Gilberto Freyre também recolheu histórias deste imaginário.
    Atualmente, o projeto "O Recife Assombrado", dos jornalistas André Balaio e Roberto Beltrão, reúne, em site e livros, uma farta antologia do gênero.
      Elenco nordestino combate sotaque global
      Protagonistas da minissérie "Amores Roubados", no entanto, são interpretados por conhecidos do horário nobre
      Acadêmico afirma que a escolha dos atores está relacionada à qualidade atual do cinema feito em Pernambuco
      DA ENVIADA A PAULO AFONSO (BA)Outra arma usada pela TV Globo para conseguir mostrar o "sertão real" na minissérie "Amores Roubados", que exibe em janeiro, foi o sotaque.
      Embora os papéis principais da minissérie sejam interpretados por velhos conhecidos do horário nobre --Murilo Benício, Patrícia Pillar, Ísis Valverde e Cauã Reymond--, foram escalados atores nordestinos que vivem fora do eixo Rio-São Paulo para dar mais credibilidade à pronúncia.
      Entre eles, os pernambucanos Irandhir Santos ("O Som ao Redor") e Jesuíta Barbosa ("Tatuagem") e o potiguar Cesar Ferrario ("Cheias de Charme").
      "Em um primeiro momento, a gente se sente ridículo. Até você realmente começar a se sentir bem falando, você passa por uma estrada muito dolorida", afirma Benício, que se preparou antes das gravações com fonoaudióloga e chegou a pedir ajuda a Irandhir durante o trabalho.
      Para Julio Wainer, diretor da TV PUC, a escolha do elenco faz sentido. "Hoje, o melhor cinema no Brasil está em Pernambuco e as novelas são feitas com atores do Sudeste. É uma tentativa de se atualizar sem perder a referência do imaginário e ainda buscar novos mananciais de atores. É um jogo de caras mais conhecidas e de caras novas."
      Cauã Reymond, uma das caras mais conhecida e o Don Juan da minissérie, experimenta o sotaque nordestino pela segunda vez --a primeira havia sido em "Cordel Encantado" (2011). Ele diz ter ficado feliz em trabalhar com George Moura, autor que "sabe falar bem do universo masculino, que tem uma visão masculina sobre o homem".
      "Na dramaturgia, hoje, os autores escrevem muito para mulher. Isso não é uma crítica, mas uma tendência. Mas o George escreve homens de forma ativa, com personalidade dominante, forte. O Jayme [personagem de Benício] e o Leandro [o de Reymond] são machos alfa", diz.
      Reymond antagonizará com Benício, que faz o homem mais poderoso de Sertão, município fictício de Pernambuco escolhida para mostrar o "sertão contemporâneo".
      A cidade é formada de imagens captadas em locações de Petrolina (PE), onde estão as vinícolas do antagonista Jaime Favais (Benício), e na região de Paulo Afonso (BA), base para as cenas feitas no Raso da Catarina.

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