sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Documentário revisita história da casa de shows Lira Paulistana

folha de são paulo

Ouvir o texto
GUSTAVO FIORATTI
DE SÃO PAULO

Na rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto, em Pinheiros, há hoje, vizinha a um hotel de pouco luxo, uma lanchonete.
"Está totalmente diferente do que era antes", aponta Riba de Castro, diretor do documentário "Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista", em cartaz em São Paulo.

Riba se refere ao imóvel onde, entre 1979 a 1986, funcionou uma casa de shows histórica na cidade, da qual também foi sócio. Pequeno e com pouca estrutura, o teatro Lira Paulistana, durante pouco mais de seis anos de existência, conseguiu articular uma geração inteira de músicos.

Lira Paulistana

 Ver em tamanho maior »
Divulgação
AnteriorPróxima
Itamar Assumpção e Suzana Salles no Lira Paulistana em foto sem data
Em seu palco, em forma de semiarena, tocaram jovens que transformaram a música popular brasileira em uma outra coisa. Tinha a ver, mas ao mesmo tempo parecia tomar distância da bossa nova e da tropicália.
Influenciados por eruditos de vanguarda, Luiz Tatit, Hélio Ziskind, Ná Ozzetti e Paulo Tatit, entre outros, criaram o Grupo Rumo e fizeram do Lira uma espécie de residência.
Inspirados pela música erudita contemporânea e ao lado de Itamar Assumpção, Suzana Salles e Tetê Espíndola, criaram ali a chamada Vanguarda Paulista. Depois, foram sucedidos por roqueiros de grupos como Titãs e Ultraje a Rigor. Arrigo Barnabé era da mesma turma, mas nunca tocou no Lira.
O documentário recolhe depoimentos dessa turma toda, expondo recorte afetivo, buscando contextualização com o momento histórico.
Os punks surgiam na periferia, influenciados por bandas como Sex Pistols. A ditadura militar chegava ao fim, mas as músicas ainda tinham de ser submetidas à censura.
CABEÇA DO BEBÊ
"Éramos a cabeça do bebê", define em entrevista ao filme o diretor Pedro Vieira, ao retratar o período. "A gente percebia que a ditadura estava balançando, então havia um clima de festa permanente", completa o jornalista e escritor Mouzar Benedito, que frequentou a casa.
São as entrevistas que seguram a hora e meia de documentário. Há poucas imagens históricas gravadas dentro do Lira, mas as que estão no trabalho de qualquer forma trazem o primeiro time da casa, com destaque para shows do Grupo Rumo.
Boa parte dessas imagens históricas, diz Riba, foram cedidas pelo cineasta Fernando Meirelles, que foi um dos poucos artistas que registraram a vida dentro do Lira Paulistana. Ele também foi entrevistado para o filme.
O documentário peca por não mostrar o motivo do fim do Lira, em 1986. Com boa parte dos músicos e até mesmo dois dos sócios da casa fechando acordo com gravadoras, a história do local chegou ao fim.


DEPOIMENTO
'Achavam que eu era burguês e vendido para o sistema'
KID VINILESPECIAL PARA A FOLHAFoi por volta de 1980, não sei bem. Eu tinha um programa de rádio de punk new wave às segundas. Entre os punks da periferia, não era bem visto, achavam que eu era burguês porque trabalhava para uma grande empesa, era vendido para o sistema.
A gente, da banda Verminosa, tinha feito outros bons shows no Lira. O que a gente fazia não era punk total, misturava com rock, coisas dos anos 50. Naquele dia, um pessoal da periferia apareceu para zoar mesmo. Começaram a atirar coisas na gente
Tentei dialogar. Eles diziam que eu era traidor. Bati boca. Nosso baterista (Trinkão) era meio esquentado, a mulher dele (Angélica) também. Ela saiu dando correntada nos caras, e eles deram um soco no peito dela, subiram no palco quebraram o equipamento.
O Clemente, dos Inocentes, quebrou uma garrafa e veio para cima, mas caiu no chão, bebaço. Não levei um tapa sequer. Subi as escadas e deixei o circo pegar fogo lá dentro.
    CRÍTICA - DOCUMENTÁRIO
    Lira Paulistana ganha filme à sua altura, mas depoimentos soam redundantes
    ANDRÉ BARCINSKIESPECIAL PARA A FOLHAA casa mais importante da arte alternativa de São Paulo dos anos 80 ganhou um filme à sua altura.
    "Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista", de Riba de Castro, é um documento informativo e didático sobre o Lira Paulistana, um porão em Pinheiros que abrigou dos sons de vanguarda de Itamar Assumpção ao punk rock de Cólera e Inocentes, passando pelo rock de Ultraje a Rigor, Ira! e Titãs.
    Riba, um dos fundadores do Lira, entrevistou cerca de 60 pessoas, o que deve ser um recorde para um documentário de 93 minutos. A quantidade dá uma ideia do escopo de influência da casa.
    Além de músicos (Arrigo, Paulo Barnabé, Luiz Tatit, Nelson Ayres, Ná Ozzetti, Clemente, Cida Moreira, Wandi Doratiotto etc.), há depoimentos de gente de TV (Fernando Meirelles, Marcelos Tas), de humor (Chico Caruso) e de teatro (Elias Andreato). Muita gente talentosa junta.
    Por outro lado, com tanta gente, alguns depoimentos soam redundantes (ninguém precisa de quatro ou cinco pessoas falando do tamanho diminuto do camarim). E, para um filme que trata de vanguarda, sua narrativa é até bem careta, limitando-se a depoimentos colados em cenas de arquivo (a maioria do acervo de Fernando Meirelles).
    Bem que o filme poderia dar um panorama da indústria musical da época, o que ajudaria a entender melhor por que a casa foi tão importante. O ano de fundação do Lira, 1979, foi um dos piores da indústria da música.
    Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, o número de discos vendidos no mundo caiu em relação ao ano anterior. Isso gerou um encolhimento dos "casts" das gravadoras, inclusive no Brasil.
    A existência de um espaço democrático e aberto como o Lira Paulistana, que abrigava de sons experimentais ao punk, da música caipira ao rock, foi uma bênção.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário