terça-feira, 5 de novembro de 2013

'É mais cômodo dar remédio do que fazer terapia', diz mãe

folha de são paulo

Psiquiatra diz que a medicina transformou comportamentos normais em doença


 
JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
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A "caixa da normalidade" está cada vez menor e a culpa é do excesso de diagnósticos de doenças mentais, diz o psiquiatra americano Dale Archer, autor do best-seller "Better than Normal", recém-lançado no Brasil com o título "Quem Disse que É Bom Ser Normal?" (Sextante, 224 págs., R$ 24,90).
Archer, 57, é psiquiatra clínico desde 1987 e fundou um instituto de neuropsiquiatria em Lake Charles, Louisiana (EUA). Em 2008, ele notou que havia algo errado com os seus pacientes: a maioria dizia ter um transtorno mental e precisar de remédios --só que eles não tinham nada.
"Estamos 'patologizando' comportamentos normais. E isso não é só culpa da psiquiatria", disse Archer, à Folha, por telefone.
Um quarto dos adultos americanos têm uma ou mais doenças mentais diagnosticadas, segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA. "Isso está errado. Há uma gama de comportamentos que não são doença."
Em um ativismo "pró-normalidade", Archer descreve oito traços de personalidade comumente ligados a transtornos, como ansiedade, e afirma que não há nada errado com essas características, a não ser que sejam muito exacerbadas.
"O remédio tem que ser o último recurso, e não é o que eu vejo. As pessoas entram em um consultório e saem com uma receita médica. A psicoterapia é subestimada."
De outubro de 2012 a setembro de 2013, o mercado de antidepressivos e estabilizadores de humor movimentou mais de R$ 2 bilhões no Brasil, segundo dados da consultoria IMS Health. Nos últimos cinco anos, o número de unidades vendidas desses remédios cresceu 61%.
Para Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, os diagnósticos aumentaram, sim, mas da mesma forma como aumentou os de outras doenças, de diabetes a câncer. "Isso é resultado da evolução da medicina e da facilidade de acesso."
O mesmo pensa o psiquiatra Fabio Barbirato, da Santa Casa do Rio de Janeiro. "Também aumentou o número de prescrições de insulina e anti-hipertensivo. Isso ninguém questiona. Mas quando se fala de mente, da psique, todos têm uma opinião", afirma.
Segundo Silva, o problema é o subdiagnóstico. Para ele, há mais deprimidos sem tratamento do que pessoas sem depressão sendo tratadas.
Barbirato dá como exemplo o TDAH (transtorno do deficit de atenção e hiperatividade). "O número de crianças com prescrição de remédios não chega a 1,5% no Brasil, e a estimativa mais baixa de presença de TDAH no país é de 1,9%. Há crianças sem tratamento."
CRITÉRIO ANTIGO
Para a psicóloga Marilene Proença, professora da USP, a sociedade está "medindo" as crianças com réguas antigas. "Os critérios de diagnóstico de TDAH esperam uma criança que brinque calmamente, que levante a mão para perguntar algo. Isso não condiz com o papel da criança na sociedade. Ela está exposta a muitos estímulos e é tudo muito competitivo", diz.
Para a psiquiatra e psicanalista Regina Elisabeth Lordello Coimbra, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, as pessoas estão menos tolerantes às emoções.
"Há pouco lugar para a tristeza. E a exaltação e excitação são confundidas com felicidade. Vivemos de uma forma mais estimulante, na qual emoções mais depressivas, reflexivas, não têm espaço."
De acordo com Silva, o que caracteriza a doença mental é a gravidade dos sintomas. "Deixa de ser normal quando a pessoa tem prejuízo, quando está tão triste que não consegue sair da cama."
Ele argumenta que "invariavelmente" encaminha os pacientes para a psicoterapia. E garante: nem sempre eles saem do consultório com uma receita médica.

'É mais cômodo dar remédio do que fazer terapia', diz mãe

E
 
JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
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Kátia Christina Fonseca da Silva, 38, ajudante de cozinha, desconfia sempre que dizem que uma criança tem deficit de atenção. Sua filha, Valentina, 11, recebeu esse diagnóstico de forma errada, segundo ela.
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"Minha filha Valentina sempre deu problema. Com seis anos, a escola me chamou para conversar.
Ela tinha tido um surto. Jogou as coisas do armário da sala no chão, puxou o cabelo da professora, agrediu outras crianças. Entrei na sala de aula e comecei a chorar, não acreditava que ela tinha feito aquilo.
Fabio Braga/Folhapress
Kátia Fonseca da Silva, 38, e sua filha, Valentina, 11, que foi diagnosticada com deficit de atenção
Kátia Fonseca da Silva, 38, e sua filha, Valentina, 11, que foi diagnosticada com deficit de atenção
Ela foi encaminhada para um psicólogo e, depois, mandaram para um psiquiatra, que disse que ela não tinha nada.
Não fiquei satisfeita. Juntei dinheiro e paguei um psiquiatra particular, que disse que ela tinha TDAH (deficit de atenção) e precisava de remédio. Fiquei desesperada. A caminho da farmácia, encontrei uma amiga, que me convenceu a não comprar o remédio. Disse que o mesmo tinha acontecido com o filho dela.
Comecei a me perguntar se o problema não estava na minha família. Na época, eu estava me separando e trabalhava demais.
Passei a dar mais atenção para ela, a passar mais tempo junto e, devagar, as coisas começaram a melhorar.
Ela ainda dá trabalho, mas é o mesmo trabalho que toda criança. Ela tem o gênio forte. Acho que, quando era mais nova, queria chamar a atenção.
Depois de tudo, comecei a participar de reuniões na escola para conversar com os pais. Quando dizem que uma criança tem TDAH, penso, será que isso está certo?
É mais cômodo dar um remédio do que fazer uma terapia, mudar o comportamento.
Acho que as crianças são nosso espelho. Será que a agitação deles não é culpa nossa?"

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