segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Editorial Folha de São Paulo

Autonomia secundária
É testemunho dos tempos que tenha sido o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com seu histórico duvidoso no que se refere ao fortalecimento das instituições, quem tentou acelerar a tramitação de projeto de lei para conceder autonomia formal ao Banco Central.
A investida, já abandonada, era sem dúvida um exercício de pressão do Congresso para obter favores do Executivo. Mas não só.
A participação do ex-presidente Lula tinha outro objetivo político --tentar conter a perda de prestígio do governo perante o setor privado, preocupado com a erosão da qualidade da política econômica.
São, de saída, dois péssimos motivos para defender a independência formal do BC. É ilusório pensar que instituições sólidas se constroem com a caneta da autoridade política de plantão, ou que basta copiar modelos estrangeiros.
As instituições resultam da evolução histórica, cultural e social específica de cada país. A autonomia do BC, formal ou não, será apenas cosmética e passível de reversão se não tiver raiz profunda.
Se o chefe do Banco Central não puder ser facilmente demitido, o que garante, por exemplo, que um presidente da República não indicará para o cargo alguém pouco técnico e maleável?
A verdade é que tem servido bem ao país o padrão de trabalho entre a autoridade monetária e o governo --relação tecida ao longo de quase três décadas.
Com o advento do sistema de metas para a inflação, em 1999, foi consolidado o modelo de autonomia na prática, pelo qual o Banco Central, com grande independência em suas decisões cotidianas, busca cumprir a meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional --instância na qual o poder democraticamente eleito hoje define a missão do banco.
Neste período, o BC mais acertou do que errou. Teve papel destacado na conquista da estabilidade monetária e reforçou sua credibilidade perante a sociedade --o mais forte sustentáculo de sua independência operacional.
É neste quesito que peca a gestão atual do BC. Nos últimos anos, consolidou-se a percepção de que segue determinações da presidente da República e do ministro da Fazenda. Comprometeu-se com uma visão excessivamente otimista sobre a inflação e aceitou sem ressalvas a ideia de que o governo teria maior controle sobre suas contas.
O debate sobre a autonomia formal é apenas mais um sintoma de seu enfraquecimento.

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