segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Raquel Rolnik

folha de são paulo
Onde morar por menos de R$ 500?
'Locação social' significa o auxílio-aluguel para os que perdem suas casas e não uma política permanente
Há duas semanas, o IBGE divulgou informações do censo de 2010 relativas aos "aglomerados subnormais", denominação um tanto preconceituosa para designar o vasto universo dos bairros autoconstruídos por seus moradores, à margem das regras que regulam construções e aberturas de loteamentos em nossas cidades. Trata-se do "censo das favelas", como a imprensa apelidou.
De acordo com o IBGE, o Brasil tem 11,5 milhões de moradores em 3 milhões de domicílios localizados nessas áreas. Considerando os critérios adotados, esse número provavelmente está subestimado.
Ainda assim, os dados levantados nos ajudam a entender o fenômeno: a grande maioria dos assentamentos precários está situada em regiões metropolitanas, mais da metade no Sudeste, em cidades altamente dinâmicas do ponto de vista econômico.
Nesses assentamentos, considerando a renda domiciliar per capta, 31,6% dos moradores recebem até 0,5 salário mínimo. Fora destas áreas, esse percentual é bem mais baixo: 13,8%. Em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, mais da metade das famílias que moram em favelas tem renda mensal inferior a R$ 500.
Onde é possível morar nessas cidades com uma renda menor que R$ 500 por mês? Seguramente, essas pessoas não conseguem ter acesso ao mercado formal de locação, muito menos ao de casas próprias.
E o programa Minha Casa, Minha Vida -para onde, aliás, vários dos residentes desses assentamentos vêm sendo "removidos"- não resolve as demandas desse grupo?
Não. Por duas razões. A primeira é econômica: a prestação mensal mais baixa do programa, voltada para a faixa de renda que recebe até um salário mínimo, é de R$ 50.
Se somarmos os demais custos básicos da moradia "formalizada", como o condomínio, que não custa menos de R$ 50, a energia elétrica -no mínimo R$ 50, mais R$ 48 de gás, mais R$ 20 de água, o que sobra para, por exemplo, comer ou comprar medicamentos?
Por outro lado, para poder se enquadrar nos limites de valor estabelecidos pelo Minha Casa, Minha Vida, a totalidade dos conjuntos habitacionais do programa, em cidades com Rio e São Paulo, se localiza em periferias distantes, que requerem tempo e custo de transporte.
Resultado: em vários conjuntos entregues há pouco mais de um ano, o drama da inadimplência é grave e muitos dos moradores originais já foram embora... Vender ou sublocar os apartamentos faz parte das estratégias daqueles que percebem -com razão!- que mais que solucionar seu problema de moradia, a "casa própria" é um ativo a rentabilizar...
O problema é que essa estratégia pressupõe voltar para a favela ou formar uma nova.
Os países que em determinado momento de sua história resolveram enfrentar essa questão o fizeram com políticas de aluguel subsidiado, garantindo para as famílias de baixa renda a possibilidade de morar dignamente, mas não a propriedade.
No Brasil, porém, "locação social" significa, na melhor das hipóteses, o auxílio-aluguel que prefeituras disponibilizam para os que perdem suas casas -por desastres ou remoções forçadas- e não uma política estável e permanente.
Nem remoções nem programas como o Minha Casa, Minha Vida resolverão o problema das favelas no Brasil. Está mais do que na hora de construirmos uma política de locação social voltada para a população de baixa renda.

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