EDITORIAIS
editoriais@uol.com.br
Protecionismo cultural
O decreto número 8.124, assinado há pouco mais de um mês pela presidente Dilma Rousseff, tem despertado justificadas apreensões no setor das artes.O diploma regulamenta duas leis de 2009, uma que instituiu o Estatuto de Museus e outra que criou o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Seu objetivo primordial é definir parâmetros para a preservação e o controle, por parte do poder público, dos bens culturais que já integram o patrimônio de museus e daqueles que seriam passíveis de "museologização".
Lamentavelmente, o decreto segue um padrão conhecido na legislação brasileira, em que as boas intenções se perdem num emaranhado de regras protecionistas e burocráticas --algumas de difícil execução, outras que projetam sobre a atividade privada a sombra da intervenção estatal.
Seu aspecto mais controverso diz respeito à possibilidade de o poder público declarar de interesse nacional uma ampla gama de bens "móveis e imóveis, de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, portadores de referência ao ambiente natural, à identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira".
Praticamente tudo --do artesanato à arte, passando por trajes, registros musicais e receitas culinárias-- pode se enquadrar no conceito adotado pelo texto. Os bens assim considerados passam a ser monitorados pelo Estado, que torna obrigatória, para acervos públicos e privados, a apresentação de relatórios anuais sobre suas condições de conservação.
Mais que isso, o decreto garante ao Ibram a preferência em caso de venda de peças, o direito de restringir suas transferências ao exterior e até a função de autorizar intervenções nos bens culturais. Natural, portanto, que o mercado das artes sinta-se violado.
Não há dúvida de que o país precisa zelar por seu patrimônio cultural e contar com museus qualificados. Para isso, contudo, seria recomendável um pouco mais de realismo e menos ameaças à atuação dos agentes privados, que têm desempenhado papel crucial na promoção e preservação da arte brasileira --seja em território nacional, seja no exterior.
Não é demais lembrar, ainda, que diversas instituições ligadas ao Estado --que se arroga o posto de guardião dos bens culturais-- vivem às traças, muitas vezes sem os recursos para cumprir seus objetivos mais básicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário