terça-feira, 15 de outubro de 2013

Janio de Freitas

Palavras sem algemas
Se há biografias que traçam versões difamatórias, também a biografia correta é apenas uma versão
O debate em torno de biografias não autorizadas pelo biografado, ou por parente ainda que distante, começou por maus motivos e tomou impulso por motivos ainda piores.
Uma ação coletiva de gente da música popular por direitos autorais, já razão de desavença na classe, absorveu o problema pessoal de um cantor que fez recolher e proibir sua biografia, e de repente sua tese passou a ser a do grupo amparado em nomes estelares.
Quase automaticamente, o encobrimento de assuntos pessoais transformou-se em interesse financeiro, com propostas de participação do biografado nos pretensos ganhos de editoras e nos direitos autorais de escritores biográficos.
Discutir liberdades e direitos com dinheiro como argumento, mesmo que fosse simples ingrediente, não dá. É medíocre demais e imoral demais. Ou um assunto ou outro. A menos que se queira discutir o sistema ocidental de vida, com a presença do dinheiro em absolutamente tudo. Não é o caso.
Liberdades e direitos são fatores de construção e de exercício da democracia. Sem distinção de sua importância entre níveis culturais, classes econômicas, linhas políticas e indivíduos. O assunto de que se ocupam os cantores e compositores contrários a biografias não autorizadas, portanto, não se limita a biografias, e muito menos a eles e suas conveniências pessoais.
Se há biografias que traçam versões difamatórias, também a biografia correta é apenas uma versão, dada a impossibilidade definitiva de ser onisciente nos enredos de toda uma vida. A diferença, para as correntes que se opõem contra e a favor de biografias não autorizadas, é que os cerceadores caracterizam-se por duas peculiaridades: a negação da prevalência da lei sobre a calúnia, a injúria e a difamação, e a prepotência da pretendida eliminação a priori das liberdades autorais, mesmo que praticadas com cuidado e ética. Muito mais do que autorização e participações financeiras, trata-se de uma forma de negação da própria liberdade de palavra.
Para fazê-los livres ou aprisionados em censuras oficiais ou particulares, do livro ao jornal o pulo é tão pequeno quanto --já vimos-- do jornal ao livro. E do jornal e do livro ao teatro, ao cinema, e, se os experimentados mas esquecidos me permitem a lembrança, também à música popular. É sempre assim.
Se consagrada a proibição não autorizada, em livro, do que uma celebridade julgue inconveniente a seu respeito, por que continuaria permitida a mesma publicação, sem prévio consentimento, em jornal e em revista? Ambos com tiragens e repercussão muito mais imediatas e maiores que as do livro. Os vitoriosos da primeira prepotência por certo passariam ao ataque à contradição. E assim em diante, mudando-se apenas as levas de interessados.
A democracia tem dois defeitos básicos, entre inúmeros outros: não é perfeita e não admite brechas. Nela, todo mau passo se multiplica em outros maiores. E jamais são precisos muitos: o precipício nunca é distante.

    Mônica Bergamo

    folha de são paulo

    Ao menos 20 Estados concederam perdão a devedores de ICMS desde julho de 2012


     
    DE SÃO PAULO
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    Pelo menos 20 Estados concederam redução ou perdão de juros e multas para devedores de ICMS desde julho de 2012 até agora. Os dados são do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que firma convênios para o parcelamentos de débitos com as unidades da federação.
    CRISE
    Entre os Estados estão São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Medidas como o perdão de dívidas visam o reforço da arrecadação. Iniciativa semelhante do governo federal, que concedeu perdão a multinacionais, gerou crise na Receita Federal.
    FORA DO EIXO
    Os argumentos dos artistas da Associação Procure Saber, como Chico Buarque, Roberto Carlos e Caetano Veloso, em defesa de restrições à publicação de biografias no Brasil, são "chocantes", disse à coluna um dos ministros mais experientes do STF (Supremo Tribunal Federal). A causa, afirma o magistrado, terá dificuldade de prosperar na corte.
    FORA DO EIXO 2
    Um outro magistrado veterano diz que "o valor mais alto é o da liberdade de expressão. Havendo extravasamento, que se responsabilize o autor [de uma biografia] por danos morais, o que a lei já prevê. O que não dá é para ter uma espécie de 'não me toque. Um Roberto Carlos já não se pertence mais." O ministro ainda brinca: "Vamos repetir o jurista Caetano Veloso: é proibido proibir".
    FORA DO EIXO 3
    Um terceiro magistrado diz que a ideia de se liberar biografias de políticos mas restringir as de artistas, aventada por integrantes da Procure Saber, ignora que "leis são lineares, devem valer para todos".
    VAMOS PENSAR
    No artigo que publicou no domingo no jornal "O Globo", em que procurou explicar os argumentos da Procure Saber, Caetano Veloso disse ser "a favor" de biografias não autorizadas de "Sarney ou Roberto Marinho". Mas que "delicadezas do sofrimento de Gloria Perez" [o assassino da filha da novelista tentou escrever um livro sobre a história] e "o perigo da proliferação de escândalos" merecem reflexão.
    BOLETIM DE OCORRÊNCIA
    A pressão para os deputados aprovarem projeto de lei que prevê o fim do termo "auto de resistência" terá reforço hoje em Brasília. Negra Li, Flora Matos, MC Léo e Max B.O. irão com Rogério Sottili, secretário municipal de Direitos Humanos de SP, para o plenário. O texto extingue a classificação que a PM dá à morte de suspeitos em confrontos e visa coibir a morte de inocentes.
    BOMBANDO
    A mostra "Stanley Kubrick", no MIS, recebeu mais de 3.000 visitas no primeiro fim de semana. O museu ficará aberto até as 22:00 aos sábados durante a exposição.
    BODAS NA SALA SÃO PAULO
    Olavo Setubal, do banco Itaú, e a mulher, Nádia, receberam convidados no casamento da filha Luiza com o engenheiro Gabriel Kairalla, anteontem. Bruno Setubal, irmão da noiva, com a namorada, Paula Drumond, e as empresárias Bia Antony, Laly Mansur e Fernanda Kujawski estiveram na festa. Os casais Nizan Guanaes e Donata Meirelles, Marcos e Tania Derani, Rafael e Ciccy Halpern e Luciana Faria e Gabriel Belli também passaram por lá.

    Casamento de herdeira do Itaú

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    Greg Salibian/Folhapress
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    A empresária Luiza Setubal e o engenheiro Gabriel Kairalla receberam amigos em sua festa de casamento, anteontem, na Sala São Paulo
    QUEBRA-CABEÇA
    Montar a programação dos desfiles de inverno da SPFW virou xadrez complicado em função da presença de Karl Lagerfeld na cidade. O estilista da Chanel inaugura a exposição "The Little Black Jacket", no dia 29, bem no meio da semana de moda. Nenhuma marca quer desfilar concorrendo com o evento do "kaiser da moda".
    QUEBRA-CABEÇA 2
    Já está certo que Alexandre Herchcovitch desfila na manhã do dia 29, no Theatro Municipal, um dos cenários da SPFW, que se realiza em tenda no parque Villa-Lobos. No dia seguinte, será a vez da Ellus ocupar o salão nobre do teatro e mostrar coleção inspirada em caça. A grife fechou exclusividade com Carol Trentini. A top volta às passarelas após dar à luz.
    CURTO-CIRCUITO
    Caio Blat é o homenageado da 11ª edição do festival de cinema Curta Santos, que começa nesta terça-feira (15), às 20h30, no Sesc Santos.
    O português José-Manuel Diogo lança nesta terça-feira (15), às 18h30, "As Grandes Agências Secretas", obra sobre os maiores serviços de espionagem, na Livraria da Vila da al. Lorena.
    A Montblanc inaugura nesta terça-feira (15) sua décima loja no Brasil, às 20h, no shopping Iguatemi São Paulo. Juan Alba faz pocket show.
    Chico Amaral, autor de "A Música de Milton Nascimento", e Alberto Villas, de "Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta", fazem debate nesta terça-feira (15) às 20h, no Sesc Vila Mariana.
    Filipe Sabará, Duda Derani, Pepeu Correa, Bianca Corona e Gustavo Guzzardi promovem jantar beneficente da ARCAH, às 19h30, no Espaço Trivento.
    com ELIANE TRINDADE, JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
    Mônica Bergamo
    Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

    Raquel Cozer e Cassiano Elek Machado

    Curador da feira rebate acusação de 'nepotismo'
    DOS ENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURTAo final da Feira de Frankfurt, no domingo, o curador Manuel da Costa Pinto se manifestou sobre a acusação de "nepotismo" na seleção dos escritores brasileiros.
    Dias antes da feira, Paulo Coelho dissera em entrevista que desistira de integrar a lista de autores devido a ausência de nomes como Eduardo Spohr e André Vianco e por só conhecer 20 dos 70 selecionados. "Presumo que sejam amigos dos amigos dos amigos. Nepotismo."
    "É uma acusação grave", rebateu Costa Pinto, colunista da Folha. "Nepotista é ele, que quis trazer os amigos. Aliás, mui amigo', usando-os como cortina de fumaça para encobrir os motivos de sua desistência."
    O curador afirma que a ausência dos nomes conhecidos de Coelho nunca foi reclamada por sua agente, Monica Antunes. E que, no entanto, ela já vinha, desde a Feira de Frankfurt de 2012, antes da definição dos nomes, falando com a organização para que Paulo Coelho fizesse o discurso de abertura.
    Sobre os autores escolhidos, Costa Pinto diz que, como crítico literário, conhece a obra "de cada um deles. Inclusive a de Paulo Coelho, de quem li oito livros". "Tinha a dimensão da mensagem que cada um deles teria para passar", diz o curador, que fez a seleção em parceria com Antonio Martinelli, coordenador da programação cultural.
    "Sempre achei natural e desejável a presença de Paulo Coelho na lista. Não pela qualidade literária ou pelo valor estético de sua obra, mas como fenômeno de leitura."
    O curador conta que, ao ser convidado por Martinelli, no fim de 2012, foi informado das exigências da agente. "Falei que só faria a curadoria se todos os autores tivessem tratamento igual. Se fosse o Paulo Coelho no discurso de abertura, não seria eu o curador."
    Em entrevista ao portal Jovem Nerd, Coelho alegou que sua decisão estava tomada desde março. "Avisei o Ministério da Cultura de que não ia participar. Tanto que não estou na programação oficial nem tive hotel marcado." Semanas antes da feira, Coelho postara em seu blog: "Embora seja convidado da delegação, quem organizou minha ida foi minha editora alemã. Portanto, tenho hotel".
    Sobre a ausência na programação, Costa Pinto diz que a agente de Coelho conversava diretamente com a feira para organizar um evento em auditório, e não no pavilhão. Ela nega, diz que os contatos foram feitos com Galeno Amorim [ex-presidente da Biblioteca Nacional]".
    "Minha proposta foi realizar uma conferência para o máximo de 400 editores internacionais, jornalistas presentes na feira, junto com a organização do Brasil. Deixei claro que ou faríamos juntos com a organização do Brasil ou não faríamos."
    A agente diz que não esperava privilégio algum. "Nossa proposta visava a melhor projeção do Brasil e de sua comitiva."

      José Simão

      Folha de são paulo
      Ueba! Ceni é o meu anti-herói!
      E eu acho que o Ceni não devia bater pênalti, devia bater em retirada! Bater uma bronha! Rarará!
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Tô adorando o Ceni! O Ceni é o meu anti-herói!
      O mito virou mico! O Rogério Senil fundou e afundou o São Paulo! Perdeu pênalti! DE NOVO! Dá vontade de gritar do sofá: "Ceni, não é assim que se bate pênalti".
      E diz que o Ceni agora tá em busca dos cem pênaltis perdidos. Já perdeu quatro. Mais dez anos no São Paulo, ele consegue!
      E o site Futirinhas falou que o Ceni é igual feriado em fim de semana: não serve pra nada! E eu acho que o Ceni não devia bater pênalti, devia bater em retirada! Bater uma bronha! Rarará!
      Mas tem uma corrente na internet: Fica Ceni! Pra alegria dos corintianos. E você acha que o Ceni deve continuar batendo pênalti?
      Deve, na segundona. Deve, pra alegria dos outros. Deve bater pênalti, cobrar falta, arremessar na lateral, apitar a partida e ficar na bilheteria!
      E aviso aos corintianos: no filme "Bambi", o gambá se chama FLOR! Gambambi! Rarará!
      E o Botafogo bateu o Flamengo! Mas não tem torcida pra comemorar. O site Futebol da Depressão colocou a foto de um gato solitário atravessando uma rua deserta e colocou a legenda: "Botafoguenses comemorando a vitória".
      Essa é a definição da torcida do Botafogo: um gato solitário atravessando uma rua deserta! Rarará!
      E ainda anunciaram um "Globo Repórter" sobre os flamenguistas: "Flamenguistas são mágicos, há dois dias tinha aos montes, agora sumiram todos. Para onde foram? Onde estão vivendo? Como se alimentam? Sexta-feira no Globo Repórter'!".
      E essa do Dia das Crianças! Pai lendo o jornal, o filho de quatro anos no colo passa os dedinhos pela foto impressa: "Pai, não funciona". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
      O Brasil é lúdico! Olha essa em Taquaritinga, interior de São Paulo: "Funerária Marmita". Devem enterrar um em cima do outro e ainda botam um ovo frito em cima! Rarará!
      E essa placa no supermercado: "Oferta! Óleo de soja Liza. De R$ 2,29 por R$ 2,28". Eita liquidação da porra, como se diz na Bahia. Rarará!
      E mais outra placa numa pousada em Florianópolis: "Favor não grudar meleca nas paredes". Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã.
      Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      João Pereira Coutinho

      Retrato de um gigante
      Entre os conservadores britânicos, imaginar que um trabalhador braçal pudesse votar só poderia ser piada
      A esquerda luta contra as desigualdades; a direita pretende apenas perpetuá-las. Podem passar milênios sobre a história humana. Mas esse é o clichê que fica.
      Injusto. Nos últimos tempos, por motivos acadêmicos, tenho passado os dias com o conservador Benjamin Disraeli (1804""1881).
      Sim, na longa galeria de primeiros-ministros britânicos, Disraeli perde em popularidade para gigantes como Churchill ou até para o contemporâneo Gladstone. Quando muito, Disraeli é lembrado como romancista (mediano) e um dos principais confidentes da rainha Vitória.
      Mas Disraeli foi mais que tudo isso: ele simplesmente evitou que a Inglaterra cumprisse a revolução profetizada por Marx. A forma como o fez desafia todos os clichês ideológicos.
      Aliás, a referência a Marx não é por acaso. Porque ambos, habitando a mesma cidade, contemplaram o mesmo problema: o fosso crescente entre ricos e pobres; a concentração de riqueza (e de poder) na mão de uns poucos --e depois uma longa legião de miseráveis que a Revolução Industrial produzia nas cidades.
      Mas existe uma diferença: para Marx, o proletariado estava pronto para a revolução porque nada tinha a perder. Para Disraeli, o proletariado só não estaria pronto para a revolução se tivesse alguma coisa a ganhar.
      Um pouco de história: em 1832, quando o Parlamento aprovou uma importante reforma eleitoral (a Reform Bill, promovida pelo partido Whig), foi concedido à classe média o direito de voto.
      Disraeli reagiu. Por temer que o direito de voto à classe média pusesse em causa os sucessos eleitorais futuros do seu próprio partido conservador, aliado tradicional da aristocracia terratenente?
      Sem dúvida --o calculismo partidário não nasceu hoje. Mas o problema, para Disraeli, não era apenas partidário, era nacional. Ou, dito de outra forma, o que seria da Inglaterra se as classes trabalhadoras fossem deixadas para trás? Não seria preferível conceder também o direito de voto às classes trabalhadoras?
      Uma pergunta dessas, entre os conservadores, era simplesmente blasfêmia: imaginar que um trabalhador braçal pudesse votar só poderia ser piada.
      Pior ainda: como o sr. Karl Marx ensinava, alargar os direitos políticos ao proletariado era convidar para dentro de casa quem a desejava destruir.
      A resposta de Disraeli foi simples e crucial: ninguém deseja destruir uma casa que também sente como sua.
      Dito e feito: em 1867, Disraeli aprovou o Reform Act, que concedeu o direito de voto aos trabalhadores urbanos. A historiadora Gertrude Himmelfarb explica a importância do gesto em uma única frase: foi nesse ano que a democracia plena nasceu no Reino Unido.
      Mas Disraeli não ficou por aqui: como lembra Peter Viereck em estudo que também lhe é dedicado ("Conservative Thinkers", um primor de concisão e erudição), Disraeli acabaria mais tarde por legalizar também os sindicatos; e o direito à greve; e o direito à constituição de piquetes pacíficos; para além de ter aprovado mil outras leis laborais que extinguiram, um por um, todos os focos potencialmente revolucionários no país.
      Como explicar tudo isso? Como explicar, no fundo, que tivesse sido um conservador a depositar uma fé tão otimista nos marginais do sistema?
      Opinião pessoal: porque Disraeli, apesar de todos os sucessos literários e políticos, sempre se sentiu um marginal na sociedade inglesa do século 19. Aos olhos dos seus pares, ele era o eterno "estrangeiro", o eterno "exótico", o eterno "judeu", apesar do batismo na fé cristã.
      E não existe nada mais insultuoso para um "outsider" do que a ideia paternalista, seja de esquerda ou de direita, de que todos os "outsiders" são por definição selvagens e revolucionários.
      Não são, disse Disraeli: eles também podem ser cavalheiros se forem tratados como cavalheiros. E só assim, tratados como cavalheiros, eles estarão dispostos a preservar, e não a destruir, a constituição de que fazem parte.
      Foi essa a lição magistral que salvou a Inglaterra da revolução --e, claro, o partido conservador do esquecimento.
      Que essa lição seja ignorada pela esquerda, não admira. Que ela seja ignorada pela direita, eis uma fatalidade que já causa maior espanto.

      segunda-feira, 14 de outubro de 2013

      Paisagem invisível - Luli Radfahrer

      folha de são paulo
      Já houve um tempo em que a conexão era visível. Os fios indicavam os caminhos entre aparelhos e suas fontes de energia, de dados, de contato. Bastava puxar o plugue para se isolar.
      Não mais. Hoje vivemos em uma paisagem feita de várias camadas superpostas. Um cobertor gigantesco e crescente de informações permeia corpos e ambientes, imperceptível, na forma de ondas eletromagnéticas ou hipersônicas, que só a visão biônica das próteses digitais consegue perceber.
      Aviões trafegam em avenidas de informação, transparentes como os radares e comunicações da Polícia. Barcos desviam de recifes e procuram cardumes usando frequências sonoras inaudíveis até por morcegos. Em casa, luzes invisíveis esquentam a comida, tocam alarmes, detectam fumaça e ligam a TV. Nos hospitais, aparelhos de Raio X, Ressonância Magnética e Tomografia invadem o corpo humano com precisão de fazer inveja ao Super-homem.
      Invisível e onipresente, o espectro eletromagnético foi aos poucos conquistado. As várias formas de Rádio, das emissoras aos intercomunicadores, GPS, portões eletrônicos, fones de ouvido, celulares, TV a satélite, telefones e periféricos de computador sem fio são apenas algumas das paisagens invisíveis, de outra dimensão, interferindo no cotidiano.
      Smartphones deixam e procuram rastros de feromônios digitais o tempo todo, seja pela luz infravermelha dos controles remotos ou por tecnologias de rádio cujos nomes fariam inveja a insetos, como Bluetooth, ZigBee, DMB, NFC, GSM, RFID e Wi-Fi. No Quênia usa-se o celular para pagar o ônibus. Na Líbia, ele é quase um cartão de crédito. Franceses o usam como carteirinha de serviços de saúde. Alemães controlam o trabalho de equipes através deles. Hotéis da Suécia os aceitam como chaves de quarto. Por menos de um dólar é possível comprar, via Internet, uma etiqueta que identifica objetos perdidos. Robôs agrícolas, implantes corporais e remédios nanoscópicos estão no horizonte próximo.
      O mundo está cada vez mais denso em informação, acessível somente por máquinas. Há redes de todo tamanho, desde o campo próximo dos bilhetes de transportes, passando pelo corpo, espaço individual, eletrodomésticos, automóveis, locais, área de alcance do smartphone, casas, empresas, universidades, cidades, países e nuvem, essa instância virtual e multinacional que tenta se confundir com a Internet que a sustenta.
      Não tardará para que a computação esteja distribuída pelo ambiente, transformando qualquer superfície disponível em uma interface e qualquer momento do dia em uma possível interação. Computadores estão se dissolvendo na nuvem, no ambiente e nos corpos. As próximas gerações serão incapazes de identificá-los.
      Voz, temperatura e umidade corporal, movimento e geolocalização geram informações que podem ser interpretadas, comparadas e armazenadas. Fazendas de servidores, com poder computacional gigantesco interpretam a linguagem falada, identificam padrões de comportamento, tomam decisões a partir de informações dúbias e produzem, quase que instantaneamente, as respostas mais simples e diretas possíveis, normalmente na forma de um conjunto de palavras ou um valor numérico.
      Aplicativos invisíveis ignoram interfaces gráficas ricas em favor de um conteúdo mínimo, pragmático, contextual, humanizado e adequado. São o primeiro passo na direção de um futuro baseado em uma simplicidade tecnologicamente calculada.
      À medida que se sofisticam, essas tecnologias se tornam cada vez mais opacas. Muitas cedem à tentação de se tornarem fechadas, proprietárias, criptografadas, intraduzíveis. Ao mesmo tempo que podem facilitar o contato com o mundo, essas tecnologias podem ser intraduzíveis para seus usuários, legislando sobre eles sem enfrentar oposição. É impossível desenvolver uma crítica quando não se é capaz de entender o ambiente.
      É preciso desenvolver a percepção a respeito das coisas invisíveis, imateriais e intangíveis ao redor. Em uma sociedade conectada, a capacidade de traduzir as máquinas herméticas, abrindo-as, desmistificando-as e explicando seu impacto sobre potenciais usuários e seu ambiente é fundamental.
      Quem não for capaz de compreender a dimensão do mundo digital não será capaz de agir efetivamente nele, e acabará forçado a acatar qualquer decisão tomada por ali.
      Luli Radfahrer
      Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.

      O subconsciente é a nova fronteira do design

      iNTERNETS - folha de são paulo
      RONALDO LEMOS
      @lemos_ronaldo
      O subconsciente é a nova fronteira do design
      Uma nova fronteira está se abrindo para pensar nossa relação com as máquinas. Até hoje, o design de interfaces é pensado apenas para um aspecto da mente humana: nossa consciência "racional". A ideia é sempre tornar as interfaces mais eficientes, permitindo fazer mais trabalho em menos tempo. Um exemplo é o iOS 7, recém-lançado pela Apple, que recebeu elogios por ser mais "produtivo".
      No entanto, começam a surgir discussões sobre se o design do futuro não deve levar em consideração também aspectos do "subconsciente". De nada adianta uma interface ser mais produtiva se ela sobrecarrega o usuário. Em outras palavras, um novo sistema operacional pode ser ótimo do ponto de vista racional, mas produzir efeitos negativos para a criatividade e mesmo para o bem-estar psíquico dos seus usuários.
      Um interessante texto sobre esse assunto pode ser lido em bit.ly/jitodes. Nele, Joi Ito, diretor do Media Lab do MIT, diz: "O bom design comunica-se com nosso sistema emocional, que é mais amplo e mais rápido. Você dirige um carro ou joga basquete melhor se a mente racional sair do caminho, nos deixando ser mais intuitivos."
      Essa é uma sensação que quem joga videogames conhece bem. Quem joga "Call of Duty" sabe que em algumas fases é fundamental mergulhar em um estado de fluidez, tomando decisões ao nível do inconsciente, muito mais rápidas, e que esse é o único jeito de vencer.
      O desafio é reproduzir esse estado de "fluidez" não só nos games, mas também em qualquer outra interface. Não vai ser surpresa quando as principais empresas da internet partirem para valer em busca da conquista do subconsciente.
      READER
      JÁ ERA Fast food, fast fashion
      JÁ É Slow food, slow fashion
      JÁ VEM Slow web (jackcheng.com/the-slow-web)