quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Elio Gaspari

folha de são paulo
Falta carne na receita do PSB/Rede
Sonhando-se, metaboliza-se a completude que conseguirá os alinhamentos de um novo padrão civilizatório?
Marina Silva deu mais um passo na sua campanha para tirar o PT do Planalto com o 1º Encontro Programático que discutiu um texto básico de sua aliança pragmática com o governador Eduardo Campos. Um grupo político que coloca sua reunião no ar, ao vivo, alguma coisa de bom pretende fazer. Se até a campanha do ano que vem o PSB e o Rede começarem a falar português claro, fará melhor.
A ex-ministra de Lula continua pedindo "metabolização" e "completude" para "democratizar a democracia". Isso numa reunião em que se falou em "novo padrão civilizatório" e "inclusão cidadã". Para quem não quer dizer nada, é tudo.
Discutiu-se um texto preliminar que dizia o seguinte:
"É necessária mudança profunda do sistema político para permitir a emergência de outro modelo de governabilidade, cujos alinhamentos se deem em torno de afinidades programáticas, e não em torno de distribuição de feudos dentro do próprio Estado, do desmantelamento da gestão pública, e do uso caótico, perdulário e dispersivo do orçamento nacional."
Muita farinha para pouca carne. Felizmente um orador propôs a redução dos cargos em comissão (coisa que Eduardo Campos, que tem o apoio de 14 partidos, poderia começar a fazer hoje em Pernambuco) e denunciou as "portas giratórias" montadas nas agências reguladoras de serviços. Outro defendeu o fim da reeleição e as candidaturas avulsas. Alguma carne.
Isso acontece numa coligação onde o provável candidato a presidente diz que não quer "ganhar perdendo", pretende "vencer o que está ultrapassado" impondo "outro padrão de serviço público" a partir de "um salto de qualidade da política", com uma "visão estratégica para as próximas décadas". Pura farinha.
Célio Turino, porta-voz da Rede, disse que, "para se mudar a realidade, primeiro é preciso sonhar". Para ficar na retórica do sonho, Martin Luther King anunciou o seu há 50 anos depois de ralar cadeias e passeatas, com uma agenda clara: o fim da segregação racial nos Estados Unidos. Como? Cumprindo-se uma sentença da Suprema Corte e aprovando-se a legislação de direitos civis que estava no Congresso. Quando ele discursou aos pés da estátua de Lincoln, não estava sonhando. A realidade americana já estava mudando.
Não se pode pedir a Marina Silva e Eduardo Campos que sejam específicos um ano antes da eleição. Pedir-lhes que ouçam os discursos da doutora Dilma seria um suplício. Se eles e seus militantes deixarem de proteger indecisões e dúvidas com frases que não querem dizer nada, uma reunião de cinco horas poderá acabar em 45 minutos, mas quem os ouve sairá no lucro.
A reunião de segunda-feira foi uma discussão em torno de um rascunho. Marina espera que as contribuições, reunidas em desafios, sejam levadas às bases para que voltem a um plenário representativo da coligação. A ideia é ótima e no percurso poderão botar carne no prato. Enquanto Marina esteve no PT, de 1983 a 2009, assistiu à decomposição dessa promessa.
Marina Silva e Eduardo não são obrigados a falar claro a respeito de tudo. Ela explicou que a Rede e o PSB devem escutar o que diz o outro. Ambos, contudo, precisam ser entendidos por quem os ouve.

Ruy Castro

folha de são paulo
Ao sabor de uns poucos
RIO DE JANEIRO - Longe do Brasil há um mês, e sem celular, internet, Facebook, Twitter ou telepatia, dependi de amigos para saber a quantas íamos. A imprensa europeia não nos acusa em seu radar, e o total de notícias que li sobre o país foi perto de zero --sinal, pelo menos, de que estávamos livres de tufões, tsunamis, terrorismo e tráfico de criancinhas louras.
Já a Alemanha, por onde andei nesse período, completou sua ocupação do noticiário internacional com o estrilo de sua primeira-ministra, Angela Merkel, ao saber-se espionada pelos americanos --a mesma denúncia que a presidente Dilma fizera há pouco, sem repercussão. Mas não é só nos diferentes pesos de Merkel e Dilma que os dois países podem ser comparados.
Berlim, por exemplo, continua esmagadora em sua oferta de museus, teatros, bibliotecas, centros culturais e salas de concerto --que outra cidade tem três óperas? Sem falar na presença da história em suas ruas, na forma de mausoléus, monumentos, placas e exposições ao ar livre, por toda parte. A ninguém é permitido ignorar os 12 anos de ocupação pelo nazismo e mais de 40 pelo comunismo, e tudo que de horrível aconteceu neles. É uma expiação cruel, mas, enquanto durar, Berlim será um bastião da liberdade.
A história reina também na Dussmann, uma livraria de fazer cair o queixo, em que as biografias, prós, contras ou neutras, autorizadas ou não, tomam paredes inteiras --de políticos, militares, escritores, atletas, cientistas, artistas, vivos ou mortos. Lá é assim: se a vida de alguém vale minimamente a pena, os alemães têm o direito de aprender sobre e com ela.
De volta ao Brasil, o sentimento é de vergonha e frustração ao ver que, aqui, esse direito continua ao sabor de uns poucos que, ciosos de uma vaga privacidade, não se importam de obstruir a história e consolidar nosso atraso.

José Simão

folha de são paulo
Protestos! São João fora de época!
E eu tenho uma sugestão pra essa autobiografia do Roberto Carlos: 'Jesus Cristo, eu AINDA estou aqui'
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E eu tenho a foto de uma van com o adesivo: "Foi Deus Que Mim Deu". E aí um cara pichou embaixo: "Não use o nome de Deus em van". Rarará. E esse adesivo: "Esse carro foi Deus que me deu. Vendo!". E Deus: "Não dou mais porra nenhuma pra esse cara". Rarará.
E os protestos? Não existe mais protesto sem fumaça. Todo protesto agora acaba em fumaça e fogo. São João fora de época!
E o Roberto Carlos? O Roberto Carlos continua a favor de biografia não autorizada. Desde que não seja a dele. E eu tenho uma sugestão pra essa autobiografia do Roberto Carlos: "Jesus Cristo, eu AINDA estou aqui". Rarará.
E ele disse: "Ninguém melhor que eu pra saber da minha vida". Mas ele não tem vizinhos? Se ele morasse no meu prédio, ele não ia dizer isso. Rarará!
E o Obama? Novidades! O Obama descobriu a idade da Glória Maria. Ela nasceu há dez mil anos atrás, junto com o Raul Seixas. Rarará!
E o Obama descobriu que a Angela Merkel não dorme, ronca. A Merkel tem cara daquelas que dormem de barriga pra cima com as duas mãozinhas cruzadas em cima da pança!
E o Obama espiona todo mundo, mas não sabe onde está Wally! E uma pergunta pro Obama: "O Lula sabia?". Rarará!
E acho que vou escrever a palpitante biografia do Alckmin: "As Aventuras do Picolé de Chuchu": aos quatro, ele já era coroinha, aos 12, recebeu a eucaristia e, aos 18, virou prefeito de Pindamonhangaba. E aos 50, formou uma dupla sertaneja com o Serra: Alcksiemens e Serralstom. Só cantam no metrô! Rarará!
E sabe como faz pro dólar baixar? Atrela o dólar ao Vasco! Novidades na série B: sai o Palmeiras e entra o Vasco! O Vasco da Granja ou Fiasco da Gama!
Mas os otimistas dizem: "Mas o Vasco ainda não caiu". Otimista é um pessimista mal informado. O otimista é aquele que abre a porta de casa, vê um monte de estrume e grita: "Oba, ganhei um cavalo!". Rarará.
É mole? É mole, mas sobe!
Os Predestinados! Sabe como se chama a advogada da Marcha em Defesa dos Animais? Nelma LOBO. Lobo não, beagle. Devia mudar o nome pra Nelma Beagle. Rarará! Ficaria mais fofo!
E essa aqui: Clínica Respirar, dr. Eduardo Cançado! Rarará.
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

    Keila Jimenez

    folha de são paulo
    Canais de filmes são os mais vistos nas favelas
    Nem esportivos, nem infantis. Na favela, os canais pagos mais assistidos são os de filmes dublados, como Telecine e TNT. Esse é um dos dados que integram a pesquisa Nova Favela Brasileira, do Instituto Data Popular.
    A pesquisa foi realizada entre os dias 21 e 30 de setembro, com 2.000 pessoas com idade acima de 16 anos, em 63 comunidades carentes de regiões como São Paulo, Rio, Pará e Ceará, entre outras.
    Os resultados, obtidos com exclusividade pela Folha, mostram que 28% dos domicílios de favelas possuem TV por assinatura, sendo que, destes, 83% adquiriram o serviço nos últimos três anos.
    Entre os entrevistados, dois em cada dez domicílios que possuem TV paga assumem que compartilham o sinal com os vizinhos: 8% dizem que possuem TV paga pirata, o famoso "gato net" e 23% afirmam conhecer alguém na favela que utiliza o serviço sem pagar por ele.
    Entre os que não possuem TV paga, 12% pretendem contratar o serviço até 2014.
    O estudo mostra que 9% dos domicílios de favelas possuem antena parabólica. O mesmo montante têm decodificador de TV digital.
    O canal pago mais assistido por quem tem TV paga nessas comunidades é o Telecine, seguido por Fox, TNT, SporTV, HBO, Multishow, Megapix, Discovery Kids e Viva.
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    HOLLYWOOD Na nova temporada do 'Lugar Incomum' (Multishow), Didi Wagner vai explorar as atrações de Los Angeles; o programa estreia dia 11
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    Tribunal Depois do "Saia Justa", Eduardo Moscovis ganhará um projeto solo no GNT. Trata-se da série "Assunto de Família", da produtora Morena Filmes, que começa a ser gravada em dezembro.
    Tribunal 2 Na trama, que estreia em abril, o ator viverá um juiz da Vara de Família que terá um método peculiar de tomar suas decisões sobre os casos: ele investigará, por contra própria, a vida dos envolvidos.
    Boleiras O "Esporte Espetacular" (Globo) vai ganhar um debate sobre futebol só com mulheres, o quadro "Bolsa Redonda".
    Boleiras 2 O bate-papo sobre os lances da rodada será conduzido por Fernanda Gentil e terá as participações de Christine Fernandes, Thalita Rebouças e Glenda Kozlowski.
    Muro Comenta-se nos bastidores do "Fantástico" (Globo) que o cantor Roberto Carlos, para não ficar mal com a turma do Procure Saber, está espalhando que não gostou da edição de sua entrevista ao programa.
    Muro 2 O cantor, que não reclamou ao programa ou à emissora, estaria dizendo que faltou ir ao ar partes importantes da conversa de quase 40 minutos gravada pela Globo.
    Visual O "Esquadrão da Moda" (SBT) gravou uma edição em Buenos Aires. A personagem é uma cantora de músicas brasileiras.
    Gaveta Mesmo com a negociação de um pacote menor com a Warner, o SBT pretende manter no ar as principais séries da produtora americana, como "The Big Bang Theory".

      Mônica Bergamo

      folha de são paulo

      Haddad presencia assalto e agressão em visita à cracolândia

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      CERCO NA CIDADE
      O prefeito Fernando Haddad (PT-SP) viu um homem ser assaltado bem ao seu lado na cracolândia, anteontem, em São Paulo. Em seguida, correu para socorrer a vítima, que começou a apanhar de outros usuários da droga.
      CERCO
      O prefeito fazia uma visita surpresa ao local com o secretário de Segurança Urbana, Roberto Porto, e o da Saúde, José de Filippi Junior. Foi cumprimentado por um cineasta que trabalhava na região. Em poucos minutos, uma criança, com uma faca na mão, ameaçou o profissional, pegou seu celular e sumiu entre os barracos. O cineasta correu atrás, foi cercado e agredido.
      CONSIDERAÇÃO
      Haddad chamou um assessor militar, que conversou com os moradores da cracolândia. "O prefeito vem aqui visitar e vocês fazem esse papelão", argumentou o policial. Em poucos minutos, o celular foi devolvido.
      TINTAS E TECIDOS
      A apresentadora Glória Maria e a modelo e atriz Bianca Brandolini foram anteontem ao primeiro dia da São Paulo Fashion Week, no parque Villa-Lobos, com desfiles de grifes como Animale, Tufi Duek e Osklen. O presidente da Alpargatas, Márcio Utsch, o dono do Instituto Inhotim, Bernardo Paz, com a mulher, Arystela Rosa, e as atrizes Sophia Abrahão e Adriana Alves também estiveram no evento. O grafiteiro Eduardo Kobra pintou um painel no local.

      Glória Maria vai a SPFW

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      Zanone Fraissat/Folhapress
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      A apresentadora Glória Maria esteve no primeiro dia da SPFW, na segunda (28), no parque Villa-Lobos
      SLOGAN
      E o prefeito procura "um nome" para batizar o que define como um "plano de reorganização da cidade". Nele estariam incluídos cortes de gastos, aumento de IPTU e renegociação da dívida. E medidas de combate à corrução de "forte impacto" que se tornariam públicas nas próximas horas, segundo um de seus auxiliares.
      JUNTOS...
      Ex-dirigentes da VAR-Palmares, grupo de resistência armada à ditadura militar do qual a presidente Dilma Rousseff fez parte, estão se organizando para um reencontro depois de décadas. A iniciativa é do jornalista Antonio Roberto Espinosa.
      ...OUTRA VEZ
      Entre os convidados estão Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, José Aníbal, secretário de Energia do governo de Geraldo Alckmin, e Rui Falcão, presidente do PT. O encontro é definido como afetivo e totalmente apartidário.
      CAMINHO DE VOLTA
      O rabino Henry Sobel, que está se aposentando e voltando para os EUA, recebe homenagem do Instituto Vladimir Herzog, da Congregação Israelita Paulista e da Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico-Judaico amanhã. "Um artista não se faz apenas por uma obra e, sim, pelo conjunto dela", diz o convite eletrônico.
      PEQUENO CIDADÃO
      Os brasileiros desconhecem os direitos das crianças, segundo pesquisa encomendada pelo Instituto Alana. O levantamento, que ouviu 2.000 pessoas em 132 cidades, mostra que 81% delas se consideram "mais ou menos, pouco ou nada informadas" sobre as proteções previstas na Constituição e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Para a entidade, que atua na defesa da infância, o dado é "alarmante".
      BELEZA PÕE MESA
      Eduardo Anizelli/Folhapress
      O cabeleireiro João Boccaletto (na foto com sua assistente, Adriana Santos) deve inaugurar até o fim do ano um espaço fashion para o dia da noiva no salão Lab. Duda Molinos, em Higienópolis, do qual é sócio.
      *
      Há dois meses o local passou a oferecer também cursos e workshops de cabelo e maquiagem.
      FAMÍLIA
      Regina, mãe de Alexandre Herchcovitch, dizia ontem no desfile do estilista na SP Fashion Week que ficaria feliz caso ele lhe dê netos. "Se vierem, serão bem-vindos." Segundo o genro, o designer Fabio Souza, ele e o estilista pensam em adotar. "Mas não é um plano para a semana que vem."
      MERA MORTAL
      E Sabrina Sato ficou presa no trânsito entre sua casa, em Perdizes, e o Theatro Municipal, no centro, e chegou uma hora atrasada ao primeiro desfile de Herchcovitch. "Foi uma loucura", disse, usando um dos dois vestidos da nova coleção que o estilista deu a ela de presente. Viu a segunda exibição das peças, às 12h.
      SUAS APOSTAS
      Após reforma de R$ 20 milhões, o Conrad Resort, em Punta del Este, inaugura seu novo cassino na sexta, com show de Ringo Starr.
      CURTO-CIRCUITO
      Guilherme Vieira apresenta linha de moda praia hoje, às 10h, no hotel Fasano.
      Domício Pacheco autografa hoje "A Morte no Fim do Mundo - A História do Pintor Almeida Junior", na Livraria Cultura do shopping Iguatemi, às 18h30.
      O compositor Mario Adnet faz show amanhã, às 21h, no auditório Ibirapuera. Nana Caymmi participa. Livre.
      com ELIANE TRINDADEJOELMIR TAVARESANA KREPP e MARCELA PAES
      Mônica Bergamo
      Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

      Marcelo Coelho

      folha de são paulo
      O cavaleiro azul
      Edição brasileira reproduz, em todas as suas cores, um clássico do expressionismo alemão
      A "Sagração da Primavera", de Stravinsky, comemorou cem anos de sua estreia há poucos meses, e escrevi a respeito aqui na "Ilustrada". Na pintura, o equivalente daquela revolução foi sem dúvida o quadro "Les Demoiselles d'Avignon", que Picasso pintou em 1907.
      O potencial de escândalo era tamanho que mesmo alguns contemporâneos e amigos de Picasso, como Henri Matisse, se recuperaram mal daquele quadro. Não eram apenas os ângulos cortantes, o susto daquelas mulheres nuas como que iluminadas por um flash fotográfico, a violência de cacos de vidro da composição.
      Máscaras indígenas ou africanas apareciam como que coladas ao pescoço de duas daquelas mulheres nuas, fazendo com que as outras parecessem até realistas pela comparação.
      Com isso, "Les Demoiselles d'Avignon" dava um grande passo além das pinturas sonhadoras, musicais, a que Matisse se dedicava na mesma época. Por meio da "arte primitiva", entravam em cena --como na "Sagração da Primavera"-- o medo, a violência, o poder paralisante, o olhar de Medusa do mundo moderno.
      Aí por volta de 1912, 1913, cubismo e futurismo já estavam em vias de superação. Na Alemanha, pelo menos, já surgiam críticas às visões de Picasso e Marinetti.
      Foi em 1912, com efeito, que Franz Marc (1880-1916) e Wassily Kandinsky (1866-1944) publicaram o "Almanaque do Cavaleiro Azul", álbum de ensaios, reproduções artísticas e partituras em defesa do expressionismo e da arte abstrata.
      Essa publicação acaba de sair traduzida no Brasil, com organização de Jorge Schwartz, num volume lindíssimo (Edusp-Museu Lasar Segall).
      Pela primeira vez no mundo, a quase totalidade dos quadros, gravuras, desenhos e esculturas que faziam parte da edição original aparece reproduzida em cores.
      Na época, o livro publicado por Reinhard Piper tinha apenas quatro imagens coloridas. Em inglês, uma edição modesta, feita pela Da Capo Press, é uma tristeza de fotos esmaecidas em preto e branco.
      Marc e Kandinsky colocam, lado a lado, quadros de Cézanne e esculturas da Oceania; bordados do Alasca e desenhos de crianças; xilogravuras medievais e alto-relevos do Benin; um Cristo de El Greco e quadrinhos populares alemães.
      Pode-se ver e rever essa festa de imagens sem atinar muito o que há, afinal, de parecido entre tantas coisas. Mas o elogio do popular, do primitivo, do "informe", do "malfeito", do "naif", se quisermos, ganha nessas páginas uma força revolucionária, uma generosidade, uma verdade que saltam aos olhos.
      Tratava-se, diz Franz Marc, de buscar "símbolos que pertencem aos altares da futura religião espiritual e atrás dos quais desaparece o produtor técnico".
      Os textos de Kandinsky e de August Macke (1887-1914) são ainda mais místicos. A forma artística, escreve Macke, "é a expressão de forças misteriosas".
      "Ouvir o trovão", prossegue, "é sentir o seu mistério". O relâmpago "se expressa, a flor também".
      Não fazia mais sentido, assim, buscar o desenho "certo", a forma "perfeita". Para o pintor expressionista, a diferença não será entre o bonito e o feio, mas entre o vivo e o morto. Mortas serão as imitações da arte acadêmica; vivo, o desenho imperfeito de uma criança, ou a máscara de um feiticeiro africano.
      Não fica muito claro por que motivo esses artistas escolheram o nome de "Cavaleiro Azul" para título daquele livro. Inspirado na teosofia, Kandinsky achava que a cor azul canalizava o máximo da espiritualidade. Franz Marc era notável ao fazer quadros de corças, tigres, cavalos.
      Muitas das ilustrações que escolheram para o "Almanaque" representam São Jorge e outros heróis medievais enfrentando dragões ou decapitando inimigos. Menos do que um intuito "belicoso", no estilo do elogio à guerra dos futuristas italianos, havia ali a tentativa de se ligar ao passado: o passado medieval, o passado primitivo, o passado das crenças camponesas.
      Em todos esses momentos, estaria presente a dissolução do mundo clássico, do mundo civilizado, das imagens da perfeição greco-romana.
      O edifício da civilização europeia estava desabando, pensavam os expressionistas. Pelas rachaduras daquele edifício, eles julgavam ver uma luz nova, como numa revelação, num apocalipse.
      As formas da arte moderna poderiam ser esquisitas, distorcidas, mas é assim que a realidade se apresenta na madrugada, pouco antes do amanhecer. São "fantasmagorias antes da aurora", diz o "Cavaleiro Azul".
      A aurora, entretanto, seria de outro tipo. Um ano depois, começaria a Primeira Guerra Mundial; August Macke e Franz Marc morreram no front.

      Em vídeo, grupo de músicos diz: 'Não somos censores'

      folha de são paulo
      Na internet, Roberto e Erasmo Carlos e Gilberto Gil recuam em relação a biografias; Caetano não participa
      Roberto diz que desejo de proteger intimidade os levou num momento a 'assumir uma posição mais radical'
      DE SÃO PAULO
      Os músicos Gilberto Gil, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, integrantes do Procure Saber, divulgaram video ontem na internet para mostrar sua posição sobre biografias não autorizadas.
      Antes, por meio da empresária Paula Lavigne, o grupo defendera autorização prévia para a publicação dessas histórias, além de porcentagem do faturamento das obras para biografados ou herdeiros.
      Agora, após a repercussão do caso levantado pela Folha, os discursos exibidos no portal YouTube mostram um recuo: "Não somos censores. Nós estamos onde sempre estivemos. Pregando a liberdade, o direito às ideias, o direito de sermos cidadãos que têm uma vida comum, que têm família e que sofrem e que amam", diz Roberto Carlos no vídeo de quatro minutos e 45 segundos.
      "Nunca quisemos exercer qualquer censura, ao contrário. O exercício do direito à intimidade é um fortalecimento do direito coletivo", diz Gil.
      A peça alterna declarações de Gil, Erasmo e Roberto lidas num teleprompter (aparelho que permite ler um texto olhando para frente).
      Leia outros trechos do vídeo divulgado ontem.
      Roberto: "Passamos a vida inteira a falar de amor e do amor. E nem por isso nos tornamos expert no assunto".
      Erasmo: "Falamos com sinceridade e emoção. Tentando ser simples e tentando representar, com alguma leveza, a alma das pessoas e dos que nos acompanham ao longo do tempo".
      Gil: "Quando nos sentimos invadidos, julgamos que temos o direito de nos preservar e de certa forma preservar a todos os que de alguma maneira não têm como nós o acesso à mídia, ao Judiciário, aos formadores de opinião".
      Roberto: "Julgamos ter o direito de saber o que de privado existe em cada um de nós nas nossas vidas".
      Erasmo: "Este é um ponto que não podemos delegar a ninguém. Decidir o que nos toca a cada qual, intimamente. Decidir o que nos constrange e nos emociona".
      Erasmo: "Se nos sentirmos ultrajados, temos o dever de buscar nossos direitos. Sem censura prévia, sem a necessidade de que se autorize por escrito quem quer falar de quem quer que seja".
      Roberto: "Não negamos que esta vontade de evitar a exposição da intimidade, da nossa dor, da dor dos que nos são caros, num dado momento nos tem levado a assumir uma posição mais radical".
      Gil: "Mas a reflexão sobre os direitos coletivos e a necessidade de preservá-los, não só o direito à intimidade, à privacidade, mas também o direito à informação nos leva a considerar que deve haver um ponto de equilíbrio entre eles".
      Erasmo: "Queremos e não abro mão do direito à privacidade e à intimidade, a nossa e a dos que podem sofrer por estarem ligados a nós".
      Gil: "Mas também queremos afastar toda e qualquer hipótese de censura prévia. Queremos sim garantias contra os ataques, os excessos, as mentiras, os insultos, os aproveitadores".
      Hoje, a necessidade de autorização prévia para biografias é contestada por ação que corre no Supremo Tribunal Federal e por um projeto de lei que tramita na Câmara.