segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Países começam a debater novo acordo climático em conferência da ONU

folha de são paulo

 
GIULIANA MIRANDA
ENVIADA ESPECIAL A VARSÓVIA
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Como fazer para que países ricos e pobres, democracias e ditaduras, nações beneficiadas e pessoas prejudicadas pelo aquecimento global cheguem a um consenso sobre um novo pacto climático mundial?
A COP-19 (19ª conferência do clima da ONU), que começa hoje em Varsóvia, começa a tentar desatar esse nó, abrindo diálogos e dando os primeiros passos no debate de pontos polêmicos antes da decisão final sobre o acordo, que acontecerá em Paris daqui a dois anos e deve substituir o Protocolo de Kyoto.
Analistas consideram que uma das razões para o fracasso de um acordo abrangente na COP-15, que ocorreu cercada de expectativas e recheada de chefes de Estado em 2009 na Dinamarca, foi o fato de países e negociadores terem deixado as decisões para a última hora.
Editoria de Arte/Folhapress
Diplomatas dizem que vão trabalhar dobrado para não deixar que isso se repita.
O fiasco de Copenhague fez com que o mundo ficasse órfão de metas abrangentes para limitar a emissão de gases-estufa. Em 2012, em Doha, houve uma tímida prorrogação do Protocolo de Kyoto, que não foi ratificado pelos EUA e não tem metas obrigatórias para a China, os dois maiores poluidores.
O acordo definitivo foi empurrado para 2015, com metas que começarão a valer a partir de 2020.
Enquanto isso, as emissões globais batem novos recordes todos os anos.
"Nós sabemos que a conferência não deve ser transformadora. A COP de Varsóvia é uma reunião intermediária, mas isso não significa que ela não seja importante, diz o embaixador Everton Lucero, chefe da divisão de Clima, Ozônio e Segurança Química do Itamaraty.
"As discussões de Varsóvia têm de permitir que nós cheguemos a Paris [para a COP de 2015] com condições de adotarmos um acordo ambicioso e justo, respeitando responsabilidades comuns."
POLÊMICAS
Em uma conferência virtual com jornalistas da área ambiental, o diretor-executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Achim Steiner, disse estar confiante nos bons resultados da cúpula.
Segundo ele, uma boa parte dos países, inclusive os ricos, estão fazendo sua parte para contribuir.
Outros assuntos, sobretudo os que envolvem financiamento, devem esquentar o encontro na fria capital polonesa. O Fundo Verde do Clima, criado para financiar medidas de mitigação e adaptação as mudanças climáticas nos países pobres, precisa ter regras mais claras. Especialmente sobre formas de financiamento e uso das verbas.
O chamado REDD+, compensação financeira pela conservação florestal, é uma das esperanças de acordo concreto. Reconhecido na COP de 2010, ele ainda precisa de regras claras para sua implementação. No ano passado, o Brasil foi acusado de travar o avanço dos diálogos por não concordar com o modelo de verificação internacional proposto.
A vertiginosa queda dos preços dos créditos de carbono é um fator que deve dificultar as negociações, uma vez que limita as projeções de lucros de muitas das ações ambientais.

Ronaldo Lemos

Revolução silenciosa dos 'fazedores' vem com tudo

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Há alguns dias visitei um "hackerspace" na cidade de San Francisco. O espaço é uma espécie de LAN house, só que turbinadíssima. Há impressoras 3D, máquinas de corte de precisão a laser, computadores (é claro), livros (!) e toda sorte de equipamento necessário para a fabricação eletrônica. Na decoração, havia até um eletroencefalograma dos anos 1950 que parecia ter saído de um filme de terror.
O acesso a tudo é gratuito. Basta tocar a campainha, subir uma escada e passar o dia usando. Quem chega recebe boas-vindas de quem estiver lá (não há porteiro, recepcionista ou "dono" do lugar). Usando uma das impressoras 3D estava um típico "homeless" de San Francisco. Com aparência de que não tomava banho há dias, imprimia um componente de precisão para uma drum machine (bateria eletrônica). Quase uma utopia: um sem-teto realizando com total normalidade uma atividade de ponta.
Esse tipo de espaço é típico abre-alas da revolução silenciosa dos "fazedores" (chamados em inglês de "makers"). Assim como o código aberto é hoje central, do Linux ao Android, está entre nós a onda do hardware aberto. As aplicações são muitas: conectar objetos do dia a dia à rede (como a geladeira, a fechadura da casa ou o medidor de eletricidade) ou mesmo inventar novos protótipos industriais.
A questão é como fazer essa onda, que vai gerar mudanças econômicas importantes, se ampliar no Brasil. Os desafios começam na dificuldade de encontrar componentes, ou mesmo ferramentas. Mas, com dificuldades ainda maiores, o Brasil chegou a ter mais de 100 mil LAN houses na década passada. Vou torcer para chegarmos a 100 mil hackerspaces nesta.
*
JÁ ERA
Celular só para fazer chamadas e mandar mensagens
JÁ É
Pagar despesas com o celular
JÁ VEM
Abrir a porta de casa com o celular, com o Lockitron.com
ronaldo lemos
Ronaldo Lemos é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e do Creative Commons no Brasil. É professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da UERJ e pesquisador do MIT Media Lab. Foi professor visitante da Universidade de Princeton. Mestre em direito por Harvard e doutor em direito pela USP, é autor de livros como "Tecnobrega: o Pará Reiventando o Negócio da Música" (Aeroplano) e "Futuros Possíveis" (Ed. Sulina). Escreve às segundas na versão impressa do "Tec".

Marion Strecker

folha de são paulo
Astroturfing
A Samsung me ensinou o que é astroturfe; algo enganoso, que se faz passar por algo que não é de fato
Já ouviu falar de astroturfing? Eu não conhecia essa palavra até outubro, quando a gigante sul-coreana Samsung foi multada em US$ 340 mil em Taiwan por pagar pessoas para falar mal, na internet, de produtos da concorrente HTC e bem de seu próprio smartphone. Essas falas deveriam parecer depoimentos espontâneos do público.
Duas empresas de marketing que faziam tal servicinho também foram multadas pela Comissão de Comércio de Taiwan (FTC), que considerou a prática similar a uma propaganda enganosa.
Eu mesma já vi executivo criticar concorrente aproveitando o anonimato na internet. Já vi blogueiro fraudando data de publicação de texto para enganar o sistema de busca do Google. Já vi tuiteiro usar software para aumentar artificialmente sua popularidade, usando seguidores fantasmas criados para esse fim. Já soube de robôs que inflam números de audiência ou resultados de publicidade. Mas para cada veneno há de haver um antídoto.
Por conta da Samsung, descobri que turfe, além de hipismo, quer dizer prado, relva. E que Astroturf é nome de uma empresa que fabrica grama sintética. Por extensão, astroturfe é alguma coisa enganosa, que se faz passar por algo que não é de fato.
O astroturfing marketing consiste em dar a impressão de que há endosso público a algum produto, serviço, ideia ou pessoa, pagando gente para fingir esse apoio. Partidos políticos e sindicalistas fazem isso quando pagam pessoas para participar de comícios, passeatas ou vestir a camiseta de um candidato.
Na mídia, o astroturfing pode se dar em cartas ao editor ou mensagens em murais e fóruns de discussão, incluindo respostas a críticas feitas espontaneamente.
Ainda que antiético e ilegal, hoje é possível contratar empresas no mercado para fazer marketing de detração (quando alguém quer nocautear a imagem de um concorrente), além do marketing de evangelização (quando o assunto é conversão de pessoas a favor de algo).
Os sites de avaliação de produtos, os blogs e as redes sociais são paraísos para astroturfistas.
Há softwares que permitem aos astroturfistas mascarar a própria identidade. Com isso, um indivíduo pode operar com muitas personas diferentes, de acordo com a agenda do cliente.
Estudos sugerem que o astroturfing pode ser eficaz, já que muita gente não sabe que boa parte dos comentários e avaliações que vemos na internet são falsos.
Nosso comportamento é largamente influenciado pela opinião dos outros na vida. Na internet, temos a ilusão da verdade ao ler comentários do público, mesmo quando os comentários são forjados e os autores são inventados.
Bing Liu, professor do departamento de ciência da computação da Universidade de Illinois, em Chicago, estima que um terço das resenhas de consumidores na internet sejam falsas.
Bing Liu é um especialista em "opinion mining" ou análise de sentimento, um campo de estudo que analisa opinião, sentimentos, avaliações, atitudes e emoções a partir da linguagem escrita. É um caminho para empresas que querem soluções de engenharia para problemas éticos.

Disparam denúncias de violência contra deficientes em SP - Jairo Marques

folha de são paulo
Em 2012, foram 1.209 ocorrências registradas pelos serviços estadual e federal responsáveis pela anotação desses dados
Abuso e exploração sexual, maus-tratos, abandono, violência psicológica e física estão entre ocorrências
JAIRO MARQUESDE SÃO PAULOTodos os dias, pelo menos três denúncias de violência contra pessoas com deficiência são registradas no Estado de São Paulo pelos serviços federal e estadual de notificação. O número disparou desde 2011, quando as anotações começaram.
São casos de maus-tratos, abandono, violência psicológica, violência física, abuso e exploração sexual, além de apropriação de recursos financeiros dos deficientes.
Em 2011, quando o serviço federal Disque 100 começou a recolher esse tipo de denúncia, 208 relatos foram registrados pelos atendentes.
O número, que se refere apenas ao Estado de São Paulo, saltou para 558 em 2012. Se somado aos registros do 181, o Disque Denúncia estadual, em funcionamento desde 2012, o total de ocorrências é de 1.209.
Diante dos dados, uma ação integrada de prevenção e combate à violência contra pessoas com deficiência foi lançada no começo do mês.
Seis secretarias de Estado (Saúde, Direitos das Pessoa com Deficiência, Segurança Pública, Justiça e Cidadania, Educação e Assistência Social), além da Defensoria Pública e do Ministério Público, trabalharão em conjunto.
AÇÕES
Serão 23 ações que envolvem: aperfeiçoar o sistema de notificação e aumentar os canais de denúncia; informar e treinar servidores públicos sobre o que é deficiência, como identificá-la e qual encaminhamento deve ser feito quando ocorre, além de prevenção e atendimento.
Também estão previstas campanhas de conscientização pública, oferta de apoio psicológico e encaminhamento de vítimas, familiares e até de agressores a cursos profissionalizantes ou programas de geração de renda.
INVISIBILIDADE
"Ainda é muito grande a invisibilidade dessa situação de violência para a sociedade. É preciso mostrar que ela existe para poder combatê-la, a exemplo do que foi feito para a proteção da mulher, da criança", afirma Linamara Rizzo Batisttella, secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
O levantamento revelou que, em 72% dos casos, o agressor é um membro da família da vítima. Já em 14% das ocorrências, ele é um agente público. Em 11% das denúncias, a violência foi cometida por uma pessoa sem relação com o deficiente.
DIFÍCIL DE DENUNCIAR
"Os dados mexem com a humanidade de qualquer um e, infelizmente, ainda são subnotificados. Um surdo que queira fazer uma denúncia vai ter muita dificuldade, assim como alguém com deficiência intelectual. Isso terá de ser mudado, e rapidamente", diz a secretária Linamara Rizzo Battistella.
    Psicóloga diz sofrer violência dentro e fora de sua casa
    DE SÃO PAULO
    Desde o aneurisma que afetou os movimentos de todo o lado esquerdo de seu corpo, a psicóloga Fátima (nome fictício), 56, afirma que vem sofrendo diversos tipos de violência, tanto fora como dentro de sua própria casa.
    "À medida que fui saindo para o espaço público, fui ficando mais exposta à agressão tanto provocada pelas barreiras físicas como pelas barreiras de atitude das pessoas", diz a psicóloga.
    Fátima convive com a deficiência física que resultou do aneurisma há nove anos.
    A última situação enfrentada por ela foi em uma estação de metrô. O elevador do prédio estava quebrado e Fátima pediu apoio da equipe da estação para subir a escada rolante, o que ela não conseguiria fazer sozinha.
    "Pedi uma cadeira de rodas, porque não conseguiria andar até um ponto de táxi só com o apoio da minha bengala. Fui ignorada, mas insisti, até entrar em conflito com a segurança."
    O caso acabou parando na delegacia e está sendo apurado pelo Metrô.
    A psicóloga afirma ter sido agredida, não compreendida e desrespeitada.
    TAPA NA CARA
    A mobilidade reduzida também acabou gerando um episódio de conflito para Fátima durante uma situação familiar rotineira.
    "Após reclamar que, ao final de um almoço, deixaram toda a louça suja para eu lavar, acabei levando um tapa no rosto de meu marido", conta a psicóloga.
    "Hoje percebo que qualquer reação de uma pessoa com deficiência vira, para os outros, sinônimo de loucura", diz Fátima. (JM)

    Irmão de senadora colunista da Folha é acusado de explorar trabalho escravo

    folha de são paulo
    Funcionários faziam jornadas de 11 horas e viviam em alojamento sem luz, diz vistoria do Ministério do Trabalho
    Dono da fazenda, Luiz de Abreu nega as acusações e diz que ação tinha Kátia Abreu (PMDB-TO) como alvo
    PEDRO IVO TOMÉDIÓGENES CAMPANHADE SÃO PAULO
    Uma equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho registrou indícios de trabalho semelhante à escravidão em uma fazenda do advogado Luiz Alfredo Feresin de Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO).
    Ele nega irregularidades e diz que a operação visava atingir sua irmã. Principal líder da bancada ruralista no Congresso e colunista da Folha, Kátia Abreu preside a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
    Em vistoria de 23 de agosto, fiscais dizem ter encontrado cinco pessoas em condições de trabalho escravo na fazenda Taiaçu II, a 48 km do município de Vila Rica, no nordeste do Mato Grosso.
    De acordo com o relatório, os trabalhadores tinham jornada de 11 horas e moravam em um alojamento sem energia elétrica ou água. No momento, o vaso sanitário do banheiro estava quebrado.
    A investigação aponta que os empregados receberam proposta para dividir R$ 400 por alqueire roçado. Dois teriam sido recrutados no Maranhão.
    Produtos necessários para o trabalho, como botina, lanterna, garrafa térmica e chapéu, eram fornecidos, mas seriam descontados do pagamento. "Já faz algum tempo que está ocorrendo situação de trabalho escravo", diz Giselle Vianna, coordenadora de fiscalização rural no Estado.
    Três dos empregados teriam sido contratados temporariamente para trabalhar nessas condições desde 2010.
    Os funcionários foram levados a um hotel em Vila Rica, onde ficaram por uma semana. De lá, seguiram para suas cidades de origem, segundo a Superintendência do Mato Grosso, responsável por autuar a fazenda. Luiz de Abreu pagou o transporte e a estadia.
    As irregularidades foram registradas em 19 autos de infração contra o proprietário; os documentos, encaminhados ao Ministério Público Federal.
    A pena a quem submete alguém à condição análoga à de escravo pode chegar a oito anos de prisão, fora multa.
    OUTRO LADO
    Luiz de Abreu afirmou que contratou apenas um dos trabalhadores, José Orlando da Silva, para roçar o pasto e que esse empregado chamou quatro amigos para uma "sociedade", dividindo com eles o serviço e o pagamento.
    Ele anexou à defesa, enviada ao superintendente regional do Trabalho em Mato Grosso, depoimentos registrados em cartório em que os roceiros afirmam que trabalhavam por empreita e não tinham vínculo empregatício com o advogado, que o alojamento tinha luz, água encanada e que pretendiam continuar na fazenda pois recebiam em dia.
    Luiz Abreu acusa os fiscais de má-fé, pois teriam omitido trechos das declarações dos trabalhadores que lhe eram favoráveis e, segundo ele, buscavam vincular a senadora à propriedade.
    Em um trecho da defesa, Abreu faz referência à chacina de Unaí (MG), em 2004, quando três fiscais do trabalho foram mortos em uma emboscada: "A sorte de Vossa Senhoria e dos fiscais é que eu não tenho personalidade marcada pela psicopatia e acredito na justiça dos homens, senão certamente vocês teriam o mesmo destino daqueles fiscais de Unaí", escreveu.
    Abreu disse não temer que a frase seja interpretada como ameaça. "Digo justamente que ele não corre esse risco. É mais um desabafo", declarou.

    Bem-vindo ao Brasil, prefeito

    folha de são paulo
    RICARDO MELO
    Bem-vindo ao Brasil, prefeito
    Haddad tem a chance de inovar de fato e agir de forma diferente: divulgar a lista dos que se locupletaram
    Ao referir-se à situação da Prefeitura de São Paulo como "de descalabro", o prefeito Fernando Haddad parece decidido a ingressar no mundo real. Parece.
    Impossível não comentar o atraso no diagnóstico. Maracutaias envolvendo fiscais nunca foram novidade, nem aqui nem na China. Do ambulante que precisa de uma licença para juntar uns trocados ao empreiteiro sedento por engordar os lucros, passando por quem se arrisca a erguer um puxadinho, quase todo mundo já penou diante de tais "autoridades".
    Com diferenças. O ambulante que não molha a mão do chefe do rapa perde tudo e ainda leva bordoadas da guarda municipal. O dono do puxadinho vive assombrado com a possibilidade de assistir a uma motoniveladora colocar a obra dele abaixo. Já o empreiteiro ou construtor graúdo tem a opção de elevar a oferta ou escolher outro negócio. Sem contar a garantia de que, embora corruptor, continuará com a vida mansa e o nome estampado em colunas sociais.
    Falta muito, portanto, para o filho de Khalil e da Norma, como se definiu Haddad (curioso: por que não militante do PT?), convencer o público de que não se trata de mais uma jogada marqueteira ou um ás na manga para futuras negociações eleitorais. Motivos para duvidar não faltam.
    O PT já esteve na Prefeitura em outras épocas. Esquemas semelhantes, quando não o mesmo, certamente já operavam, mas nunca foram incomodados. Vereadores do partido habitam a Câmara Municipal há várias eleições. Impossível nunca ter ouvido falar, ou ao menos suspeitado, da gatunagem espraiada nas repartições municipais.
    Em todo caso, conceda-se ao prefeito o benefício da dúvida. Na mesma entrevista aos jornalistas Fernanda Mena e Mario Cesar Carvalho, Haddad afirma existirem "evidências fortes de que esses fiscais também atuavam no cadastro do IPTU. A fraude no IPTU pode ser pior que a do ISS."
    O prefeito diz que fala sério. Então, a primeira providência é suspender imediatamente o aumento do IPTU, sem que a Justiça precise se pronunciar. Vamos combinar: dá para convencer alguém a pagar mais imposto frente às evidências de que o montante desviado na roubalheira iguala, ou até supera, o valor a ser arrecadado com a elevação das alíquotas?
    A segunda medida é ainda mais óbvia. A máquina de corrupção só funciona se houver quem receba, e quem pague. Alguns, apenas alguns, dos que recebem vêm sendo execrados em praça pública. Resta saber o que acontecerá com quem participou do jogo do outro lado do balcão. Invariavelmente é aí que a coisa pega. Haddad tem a chance de inovar de fato e agir de forma diferente: divulgar a lista dos que se locupletaram e cobrar o ressarcimento do que era devido e não foi pago ""além de exigir providências penais de praxe.
    O Supremo Tribunal Federal retoma em breve o julgamento do mensalão. A vingar a tese extravagante do tal domínio do fato, em que todo réu é culpado até prova em contrário, em breve teremos uma lista estrelada nas sessões da corte.
    Para falar apenas dos vivos, eis alguns nomes sugeridos pelo noticiário recente: José Serra, Geraldo Alckmin, Andrea Matarazzo e cia., no escândalo Alstom-Siemens; Eduardo Campos, pelas condições degradantes impostas às crianças de Pernambuco; papa Francisco, pelos casos de pedofilia na Igreja Católica no Brasil.

      Chances desiguais - O diagnóstico precoce do câncer pediátrico é fundamental.

      folha de são paulo
      ANTONIO SERGIO PETRILLI
      Chances desiguais
      O diagnóstico precoce do câncer pediátrico é fundamental. Muitas vezes, os sintomas são semelhantes aos de doenças comuns
      O câncer infantil corresponde de 2% a 3% de todos os tumores malignos no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Câncer, estima-se para 2013 a ocorrência de mais de 500 mil novos casos de câncer no Brasil, sendo 11.530 em crianças e adolescentes até os 19 anos, à exceção dos tumores de pele não melanoma.
      Assim como em países desenvolvidos, no Brasil, o câncer já representa a primeira causa de morte por doença em crianças e adolescentes.
      A sobrevida de crianças com câncer melhorou muito nas últimas décadas. Atualmente, cerca de 75% das 50 mil crianças diagnosticadas a cada ano em países desenvolvidos sobreviverão. No entanto, em países em desenvolvimento, onde vivem 80% de todas as crianças do mundo, apenas 25% das 200 mil crianças diagnosticadas sobreviverão, devido ao acesso limitado aos tratamentos curativos.
      No Brasil, existem centros em que a sobrevida é satisfatória, mas diferenças regionais de recursos para atendimento à população dificultam a extensão de tais resultados.
      Os mapas das taxas de mortalidade por câncer e indicadores de assistência --internações, quimioterapias e radioterapias-- do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2000-2007 mostram a desigualdade no acesso. O volume de tratamentos é menor para moradores nas regiões mais carentes do país --Norte e algumas regiões do Nordeste.
      Felizmente, o câncer em crianças e adolescentes é, em sua maioria, sensível ao tratamento quimioterápico e tem alto potencial de cura, se tratado com presteza.
      O diagnóstico precoce é, entretanto, o principal desafio, já que vários tipos de câncer nessa faixa etária apresentam sinais iniciais e sintomas que são semelhantes aos de doenças benignas e comuns e geralmente envolvem um curto período de latência com crescimento rápido.
      Estudos internacionais indicam que os melhores resultados são obtidos em centros especializados com equipe multiprofissional e infraestrutura adequada. É fundamental o treinamento de pediatras para a suspeita clínica precoce e definição de fluxos rápidos para aumentar a chance de cura.
      Até o momento, faltam dados completos sobre a epidemiologia do câncer pediátrico no Brasil, e estes ainda sofrem de muitas fontes de erro, tais como certidões de óbito imprecisas, erro diagnóstico e casos não notificados.
      Entretanto, avaliar a incidência de câncer, sobrevida e mortalidade em âmbito nacional é importante para observar mudanças populacionais, gerar hipóteses para estudos causais, medir o impacto de novos tratamentos e orientar futuras pesquisas e políticas de saúde publica.
      Um estudo avaliou 14 registros de câncer de base populacional brasileiro e os principais tipos, em ordem de frequência, foram leucemia e linfoma. Entretanto, os tumores de sistema nervoso central, anteriormente reportados como terceira neoplasia mais comum na infância, passaram a aparecer em segundo lugar nos registros de Porto Alegre, Campinas e Aracaju, assim como acontece nos países desenvolvidos. Esse aumento observado na incidência deve ser devido ao maior acesso a exames de imagem.
      Diante de tamanha disparidade nacional, a luta em nosso país deve ser focada em garantir maior sensibilidade do sistema de saúde para a detecção dos casos novos de câncer.
      Pensando nisso, o Instituto de Oncologia Pediátrica Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer) - Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), por meio de uma parceria público-privada, inaugurou o anexo de seu hospital, que ampliará o atendimento.
      Com o novo complexo com radioterapia de alta tecnologia, o Graacc reforça o objetivo de, atendendo 90% de pacientes SUS, diminuir as sequelas a longo prazo e oferecer todos os recursos necessários para alcançar índices de cura de 70%.