terça-feira, 19 de novembro de 2013

Nuvens sobre Varsóvia [Editorial Folha]

folha de são paulo
É sob o impacto de más notícias que se inicia hoje, em Varsóvia, a fase decisiva de mais uma reunião sobre a mudança do clima global --a COP-19, ou 19ª conferência dos países signatários da Convenção do Clima da ONU (1992). As delegações ganham o reforço de ministros de Estado, mas é improvável que eles consigam desatar os muitos nós que travam a negociação.
As tratativas para diminuir a produção de gases do efeito estufa vêm em crise pelo menos desde o fracasso da conferência de Copenhague (2009). Um acordo parece agora mais distante do que nunca, com o anúncio de que Japão e Austrália recuaram de compromissos anteriormente assumidos de cortar suas emissões de carbono.
A recente crise econômico-financeira sem dúvida contribuiu para tirar prioridade da questão climática no cenário mundial. No caso específico do Japão, somou-se a ela o recuo na geração de eletricidade de fonte nuclear, após o desastre de Fukushima em 2011.
A outra má notícia partiu do Brasil. Com o repique de 28% na área desmatada na Amazônia, em relação aos 12 meses anteriores, o país vê enfraquecer-se seu maior trunfo nos encontros sobre o clima.
De 2004 a 2012, a taxa de desmatamento havia caído 84%. O bastante para tirar da floresta a condição de maior contribuidor brasileiro para o aquecimento global e tornar plausível a meta de reduzir entre 36% e 39% as emissões do país até 2020. A queda drástica do desmatamento mais que compensava o aumento de gases do efeito estufa por outros setores nacionais, como energia (21,4%, de 2005 a 2010) e indústria (5,3%).
Embora os 5.843 km² desmatados entre agosto de 2012 e julho de 2013 suscitem preocupação, estão longe dos recordes de 2004 (27,7 mil km²) e 1995 (29 mil km²). De todo modo, a reversão de sinal na tendência deixa o Brasil em condição menos favorável na negociação.
É pena, porque o país tem uma boa proposta a defender: que um futuro acordo do clima leve em conta a "responsabilidade histórica" de cada nação sobre o aquecimento global. Vale dizer, que países desenvolvidos, os grandes poluidores do passado, contribuam mais e proporcionalmente para combater a mudança do clima.
Verdade que a China já se tornou o maior emissor de carbono do planeta, tendo ultrapassado os EUA. Não se conseguirá conter o aumento da poluição sem compromissos do país asiático e de outros emergentes, como Índia e Brasil, mas é uma questão de equidade que as nações ricas contribuam mais no pagamento dessa conta.

    Raposas no galinheiro [Editorial Folha]

    folha de são paulo

    Raposas no galinheiro
    Esquema de propina em São Paulo reforça importância de autonomia nas investigações e maior transparência na atuação dos auditores fiscais
    "Quando os auditores foram depor, eles eram vistos como profissionais respeitados. Nunca se imaginou esses esquemas de corrupção", declarou à Folha o ex-vereador Cláudio Fonseca (PPS), que integrou a CPI do IPTU em 2009 na Câmara Municipal de São Paulo.
    Soa irônico que os "profissionais respeitados" fossem Ronilson Bezerra Rodrigues e Eduardo Horle Barcellos, hoje apontados como membros da chamada máfia do ISS (Imposto sobre Serviços).
    Mas não pode ser encarado como simples troça o fato de especialistas em arrecadação na mais rica cidade do país participarem de uma quadrilha que, segundo investigações do Ministério Público e da Controladoria Geral do Município, acumulou patrimônio ilegal de R$ 80 milhões.
    A CPI do IPTU, comandada por Antonio Donato (PT) e Aurélio Miguel (PR), em tese ajudou a elucidar falhas na arrecadação de impostos em São Paulo. Não rendeu --agora parece óbvio o porquê-- pistas de corrupção nesse setor.
    Corrupção havia, mas os fiscais convidados a auxiliar a CPI eram os grandes interessados em ocultar os desvios. Sua atuação na máfia do ISS remontaria a 2007, gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), e o esquema de cobrança de propina em troca de alívio tributário teria provocado prejuízo de R$ 500 milhões aos cofres públicos.
    À luz das notícias recentes, é difícil aceitar como mera coincidência que Miguel e Donato tenham presidido e relatado aquela comissão parlamentar. De acordo com depoimentos ao Ministério Público, ambos receberam dinheiro dos fiscais --os vereadores Nelo Rodolfo (PMDB) e Paulo Fiorilo (PT) também foram citados.
    Embora nada tenha sido comprovado contra esses políticos, as suspeitas são graves. Assim como é grave que Mauro Ricardo, secretário de Finanças nas gestões de José Serra (PSDB) e Kassab, tenha omitido da corregedoria a denúncia anônima que recebeu, em 2012, sobre os fiscais, seus subordinados.
    Com muito atraso, São Paulo começa a descobrir que os órgãos de investigação precisam de autonomia para executar seu trabalho. Pouco adianta iniciar apurações se seus caminhos podem ser obstruídos com facilidade --mas é precisamente o que costuma acontecer.
    A Controladoria Geral do Município, criada pelo prefeito Fernando Haddad (PT), indica uma mudança importante, que mereceria ser replicada em outras cidades.
    É imperioso, além disso, usar tecnologias há muito existentes para tornar mais transparente a atuação dos fiscais. Somente escusos interesses suprapartidários explicam que tenham muito poder e poucas contas a prestar.

      Helio Schwartsman

      folha de são paulo
      Em busca do discurso perdido
      SÃO PAULO - Com algumas das principais lideranças petistas atrás das grades, os militantes do partido parecem dividir-se em dois grupos. Um primeiro, mais delirante, afirma que tudo não passou de um conluio da direita com a mídia golpista para derrubar o primeiro governo popular da história deste país.
      Praticamente nada dessa narrativa para em pé. Se há um grupo que se aliou à direita, personificada em Sarney, Collor, Maluf, Renan etc., é justamente o PT. Ademais, as investigações e o julgamento do mensalão ficaram a cargo de promotores e juízes que foram, em sua maioria, indicados pelo PT. Provas foram levantadas, expostas ao contraditório e analisadas. Se os petistas acham que houve perseguição, em vez de acusar a imprensa deveriam procurar um sabotador em suas próprias fileiras.
      De resto, a gestão Dilma segue firme e forte. Nem ela nem Lula estiveram perto de ser defenestrados, de forma legal (impeachment) ou ilegal (golpe). Ao contrário, a presidente é a franca favorita no pleito de 2014.
      O segundo grupo razoavelmente alega que o PT não fez nada que outros partidos também não façam. Fora um detalhe ou outro, é verdade. Como defesa, porém, a estratégia é fraca. Combina uma confissão de culpa com a tática de acusar a todos.
      O argumento serve bem para que se exija que escândalos capitaneados por outros partidos sejam punidos com igual rigor, mas não justifica os atos da cúpula da agremiação.
      Vou um pouco mais longe e digo que é razoável que parte da opinião pública julgue o PT de forma mais severa que outras legendas. O PT, afinal, passou a primeira metade de sua existência alardeando que fazia política de um jeito diferente, ético. É como o deputado pego em flagrante de adultério com um estagiário do mesmo sexo. Ele pagará um preço maior por sua indiscrição se for um moralista, daqueles que impreca contra homossexuais, do que se for alguém que jamais condenou o hedonismo.

      Eliane Cantanhêde

      folha de são paulo
      Nem ódio nem adoração
      BRASÍLIA - Foram 25 condenados pelo mensalão, 12 com mandado de prisão até ontem à noite, mas não se veem manifestantes contra e muito menos a favor da banqueira Kátia Rabello, do publicitário Marcos Valério nem da mera funcionária Simone Vasconcelos, atingidos por pesadas penas em regime fechado.
      Também não se veem manifestantes gritando contra ou a favor de deputados e ex-deputados do PP, do PR nem do PTB, de quem nunca se esperou nada diferente de mensalões. A estes, a lei e o descaso.
      Toda a comoção nacional, pró e contra, está concentrada em três réus: José Dirceu, apontado pela Procuradoria-Geral da República como o "chefe da quadrilha", José Genoino, que caiu na besteira de assinar um documento e --ao contrário de uns e outros-- sai dessa preso e sem ficar rico, e Delúbio Soares, o ex-tesoureiro petista, desses que apanha calado.
      Por que os manifestantes, que desdenham da sorte dos demais, adoram ou odeiam esses três personagens? Porque eles são do PT, que foi heroico nas CPIs, dossiês e escândalos contra adversários --até no impeachment de um presidente--, mas aderiu às mesmas práticas para chegar ao poder e se agarrar a ele. Os três pagam pelo crime e pela hipocrisia.
      A banqueira, o publicitário, a funcionária, os pepistas, os petebistas e os do PR não tinham assento no Palácio do Planalto, não eram do partido do presidente e não tinham a caneta. Se houve algum crime --e o Supremo diz que houve--, eles foram participantes, não mandantes. Logo, que as manifestações sejam mais justas e não seletivas. Ou se defendam todos os réus, ou se ataquem todos eles.
      De toda forma, as penas devem ser para fazer justiça, não para aniquilar pessoas. As prisões são tenebrosas, os réus são muito visados e o Estado é responsável pela integridade física de cada um. Especialmente de Genoino, que acaba de passar por uma cirurgia cardíaca, está em regime semiaberto e tem direito, antes de mais nada, à vida.

        Carlos Heitor Cony

        folha de são paulo
        A causa e o efeito
        RIO DE JANEIRO - Pedindo vênia aos doutos ministros do Supremo Tribunal Federal que gastaram muito latim para julgar os réus do mensalão, vou gastar o meu pouco latim, que aprendi na lógica de Aristóteles em versão escolástica de Tomás de Aquino:
        "Posita causa, positur effectus; variata causa, variatur effectus; sublata causa, tollitur effectus." O latim é macarrônico demais, não precisaria de tradução, mas aí vai: pondo, variando ou eliminando a causa, põe-se, varia-se ou elimina-se o efeito.
        O efeito, até agora, foi a prisão de alguns dos condenados do mensalão, mas a causa não foi a corrupção pessoal dos autores materiais dos diversos crimes cuja causa seria o fortalecimento do governo petista, que mantém uma perspectiva operacional de permanecer 20 anos no poder.
        Resumindo: mais uma vez, a causa de tantos crimes foi o poder, o poder em si mesmo, autor intelectual de uma vasta rede de corrupção em diferentes níveis.
        Pelo que se apurou nas infindáveis sessões do Supremo Tribunal Federal, chegou-se a um "capo di tutti i capi" na pessoa simpática e já histórica de José Dirceu, que ocupava a sala ao lado de outra sala, por sinal, mais poderosa e da qual emanava o combustível que mantinha a engrenagem funcionando.
        Do ponto de vista jurídico, a justiça parece que foi feita, em que pesem pequenos ajustes nas penas e até mesmo na mecânica dos crimes.
        Do ponto de vista filosófico, o "quid prodest" que foi a causa da corrupção generalizada, a Justiça chegou até onde podia chegar, funcionários de média ou grande importância, não ultrapassando os limites que poderiam gerar uma grave e até mesmo sangrenta crise institucional.

          Vladimir Safatle

          folha de são paulo
          Liberdade para o racismo
          Há alguns dias, uma revista francesa publicou na sua capa uma foto da ministra da Justiça da França, a negra Christiane Taubira, comparando-a a uma macaca à procura de banana.
          Ela já havia sido comparada ao nosso parente distante por uma criança em uma manifestação anticasamento homossexual, sem que ninguém esboçasse uma reação indignada. A maior indignação partiu, vejam só vocês, da revista em questão, que inverteu o jogo alegando que tudo era apenas uma piada e que não suportava a "ditadura do politicamente correto".
          É interessante perceber como, atualmente, todos os que são pegos em franco delito de racismo e preconceito (contra imigrantes, ciganos, árabes, negros, índios, homossexuais, ecologistas, feministas) alegam, na verdade, serem perseguidos pela implacável polícia do politicamente correto. Estamos diante de uma legião de humoristas incompreendidos a lutar contra burocratas da língua que procuram impor à sociedade um discurso asséptico e uma maneira de ser.
          Afinal, que época é esta em que não se pode mais chamar uma negra de macaca, ou dizer, com uma ironia calculada, que mulher gosta é de apanhar? Será que todos perderam seu senso de humor?
          Há anos, isso era tão engraçado, mas, agora, as pessoas parecem que se deixam policiar por todos os lados, abrindo mão de sua liberdade de livre-pensar e brincar de adolescentes à procura da opinião mais bombástica capaz de chocar seus pais intelectualizados. Sim, meus amigos, a mais nova moda é chamar racismo e preconceito de afirmação rebelde da liberdade.
          Esses estilistas do ressentimento social apareceram travestindo inicialmente seu discurso político de indignação moral. Foram imbuídos do dever de denunciar todos os que usavam o palavreado da igualdade e da tolerância e que, segundo eles, procuravam ganhar dinheiro em ONGs ou aumentar sua vontade de poder.
          Mas, em vez de criticar a pretensa hipocrisia em questão e defender a igualdade e a tolerância de seus usurpadores, eles preferiram aproveitar o que entendiam como fraqueza moral de seus oponentes e colocar na avenida todo o ressentimento escondido durante décadas.
          Assim, aquele sentimento de desconforto diante da diferença e da transformação social, de recusa a autocrítica de seus próprios valores, de mediocridade medrosa e de colonialismo xenófobo mal disfarçado podiam, enfim, voltar. Pior, voltar com o selo da liberdade. Poucos, entretanto, se enganam com o tipo de mundo medieval e pequeno que tal "liberdade" produz.

            Janio de Freitas

            folha de são paulo
            Quando março chegar
            A ida dos presos para cadeias injustificáveis em Brasília proporcionou um espetáculo de marketing
            Na conturbada sessão do Supremo Tribunal Federal de quarta passada, quando decididas as prisões do mensalão sem esperar pelo fim dos recursos de defesa, um dos vários incidentes surgiu e repicou insistentemente sem sequer indício de algo que o explicasse. A ocorrência das prisões no 15 de novembro não só o explicou, como explicou muito mais. E com mais importância.
            Já a antecipação das prisões entrava em discussão. Ricardo Lewandowski ponderou que, tendo o procurador-geral da República entrado com novo documento no processo, do qual o ministro recebera cópia e notara o despacho "Junte-se" assinado por Joaquim Barbosa, cabia à defesa pronunciar-se a respeito. Marco Aurélio Mello endossou de pronto a ponderação, pronunciamento de uma parte chama o da outra. O documento propunha as prisões imediatas.
            Joaquim Barbosa desfechou, com raiva, um ataque súbito ao procurador-geral Rodrigo Janot, sentado à sua direita, por lhe mandar o documento na véspera, o qual nem ao menos lera antes de despachar. Do seu teor só tomava conhecimento ali, naquela hora.
            Não precisaria dizer, aqui, que Marco Aurélio Mello se esbaldou em gozações ao presidente do tribunal que confessava assinar e despachar documentos sem os ler. Barbosa repetiu, e repetiu mais, o ataque à atitude de Janot, no entanto adotada com perfeita formalidade e no seu direito funcional.
            Também não precisaria dizer que Joaquim Barbosa atropelou a ponderação sobre um direito de defesa e um dever de juízo, e aparentemente foi acompanhado pela maioria (com a intensidade da balbúrdia, o presidente não conseguiu formular o sentido e a forma da decisão do tribunal; adiou-a, e não a expôs na sessão seguinte).
            Mas toda a crítica raivosa, que o procurador-geral Rodrigo Janot ouviu como um soldado ao tenentinho que experimenta o seu recente poder de humilhar, ficou explicada no feriado. Já em meio à exaltação com Marco Aurélio e Janot, aliás, Joaquim Barbosa dissera que já tinha preparada a medida quando o procurador-geral a pedira. Mas, na sessão, isso não pareceu importante porque nada levava a prever-se a intenção de Joaquim Barbosa de determinar as prisões para 15 de novembro.
            Claro, com seu pedido, o procurador-geral pôs-se na iminência de se apropriar das prisões e dos efeitos promocionais decorrentes de providenciá-las. Mesmo não sendo esse o propósito de Rodrigo Janot, foi até manchete de primeira página com o que pedia. A intenção marqueteira pulou-lhe na garganta.
            A ida dos presos de São Paulo, Belo Horizonte e Goiânia, cidades de suas residências, para cadeias injustificáveis em Brasília foi, mais do que sem sentido, por isso mesmo sem amparo legal. Mas proporcionou um espetáculo de marketing político extraordinário pelo alcance, social e geográfico, e pela concentração precisa sobre o beneficiário. Se apenas para colher palmas em lugares públicos ou para mais que isto, saberemos quando março encerrar o prazo especial de inscrições partidárias-eleitorais. Mas a convicção de que não será preciso esperar até lá, com as indicações dadas pelo espetáculo fabricado para o 15 de novembro, já supera as prisões como assunto na política.