quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Crescimento ecológico é uma meta válida - Martin Wolf

folha de são paulo

Crescimento ecológico é uma meta válida

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Na semana passada, coube a Varsóvia sediar uma reunião decepcionante sobre a mudança do clima. Nas duas últimas décadas, muitas outras cidades já desfrutaram desse prazer. Desta vez, 195 países chegaram a um doloroso acordo quanto a prestarem "contribuição" no combate ao clima, em lugar de assumirem um "compromisso", mais robusto, quanto ao tema. O objetivo continua a ser chegar a um acordo forte em Paris, em 2015. As chances de sucesso parecem ínfimas. Passadas experiências servem como prova.
O que torna isso deprimente é o fato de que o mundo provavelmente poderia limitar o risco de desfechos catastróficos a um custo bastante limitado, desde que agisse rápida, efetiva e coordenadamente. Em seu novo livro, "The Climate Casino", William Nordhaus, da Universidade Yale, o decano dos economistas que pesquisam sobre as questões climáticas, argumenta que o custo de limitar o aumento da temperatura média mundial a dois graus seria de 1,5% da produção bruta do planeta, desde que as medidas corretas fossem tomadas. Isso representa apenas meio ano de crescimento econômico mundial. Mas essa contenção se provaria muito mais dispendiosa caso os países responsáveis por metade das emissões não participassem; nesse caso, seria inviável limitar o aumento da temperatura a dois graus.
O professor Nordhaus, uma voz moderada nesse debate, explica por que o mundo deveria aceitar os custos de agir. O efeito estufa é ciência básica. As emissões subiram rapidamente. A concentração atmosférica de dióxido de carbono é hoje de mais de 400 partes por milhão - 50% acima da existente antes da revolução industrial e bem acima do nível médio do último milhão de anos. As temperaturas mundiais subiram nos últimos 150 anos. A recente média elevada da temperatura mundial não é excepcional. Os cientistas do clima não conseguiram encontrar outra explicação que não as atividades humanas para esses aumentos de temperatura.
Os céticos argumentam como se a incerteza significasse que o certo é nada fazer. Em uma estrada coberta de neblina, o número e velocidade dos demais carros são especialmente incertos. Mas a ignorância quanto a esses fatores torna essencial dirigir cautelosamente. Dadas as incertezas que existem sobre o sistema climático, o curso mais sábio certamente será o de dirigir com cautela.
Um aspecto especialmente importante dessa incerteza se relaciona aos pontos de inflexão. Sabemos que o clima do planeta mudou de maneira acentuada no passado. É possível - e até mesmo provável - que algum processo insuficientemente compreendido precipite o planeta a um novo estado, talvez irreversível; o colapso das grandes geleiras é uma dessas possibilidades; outra envolve grandes mudanças na circulação oceânica; e ainda outra seriam processos de retroalimentação positiva quanto ao aquecimento. Além disso, embora a humanidade possa ter esperanças quanto a administrar os efeitos econômicos desses eventos, o mesmo não vale para o seu impacto sobre os oceanos ou para extinções em massa de espécies.
É irracional apostar no cassino do clima sem tentar eliminar os piores desfechos possíveis. Algumas pessoas estão empolgadas com as possibilidades da geoengenharia. Mas isso representa simplesmente uma nova aposta. Decerto é mais sensato limitar o acúmulo excessivo dos gases causadores do efeito estufa, desde que isso possa ser feito a custos menos que paralisantes.
As emissões, portanto, são um efeito colateral negativo da atividade econômica. Não conhecemos o custo dessas externalidades. Mas podemos ter certeza de que é maior do que zero. Externalidades não se corrigem sozinhas. Na ausência de direitos individuais de propriedades efetivos, elas requerem ação governamental, nesse caso a ação de perto de 200 governos. A solução mais simples seria que cada país chegasse a um acordo quanto a um preço para as emissões; cada país poderia, com isso, impor tributos. O professor Nordhaus sugere que esse preço seja de US$ 25 por tonelada de carbono. A receita gerada por esses tributos ficaria em cada país. As negociações girariam apenas em torno do preço. Enquanto isso, os países de alta renda se concentrariam em investir em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias relevantes e em garantir que as melhores tecnologias estejam disponíveis a baixo custo para os países emergentes e em desenvolvimento. Por que deveriam fazê-lo? A resposta é: porque uma atmosfera com baixo teor de carbono é um bem público para todo o planeta.
No momento é impossível ser otimista quanto a que qualquer dessas coisas aconteça, em parte porque o acordo necessário precisa ter longo prazo e alcance mundial. Isso suscita questões difíceis de equidade intergeracional e intrageracional. Mas a probabilidade de fracasso se deve também aos esforços (bem sucedidos) do céticos quanto às questões climáticas para turvar as águas intelectuais, e à compreensível resistência dos grupos de interesse afetados. Alguns setores - as companhias de energia e as atividades que requerem, intenso consumo de energia - se queixarão. Mas essas queixas precisam ser colocadas em seu contexto. A perda de empregos no setor de carvão dos Estados Unidos, muito influente em termos políticos, pode chegar a 40 mil postos de trabalho em uma década. Comparado ao que aconteceu no mercado de trabalho norte-americano de 2008 para cá, não parece grande coisa.
Além disso, existem as compreensíveis preocupações das pessoas comuns de que viveriam muito pior caso não tratassem a atmosfera como depósito ilimitado de emissões. Também é evidente que as fontes de energia com baixa emissão de carbono continuam caras e que algumas tecnologias não foram ainda comprovadas em escala relevante. Além disso, um grande esforço requereria uma aceleração no ritmo de descarbonização. Isso não acontecerá por si só. É necessário um empurrão.
A combinação de preços altos e apoio a pesquisa fundamental pode servir como empurrão. Felizmente, as indicações sugerem que, ou por ignorância ou por inércia, os domicílios e empresas não otimizam seu uso de energia, hoje. A combinação de preços mais altos para as emissões de carbono e regulamentação rigorosa pode até oferecer algumas saborosas vantagens imprevistas: reduções nas emissões de carbono sem perda de produção.
Suponha que, a despeito da lógica, se prove impossível chegar a um acordo mundial. Faz sentido que um país ou grupo de países tome medidas fortes por conta própria? Se o objetivo é enfrentar a mudança do clima, a resposta é "absolutamente não", a não ser que os países em questão sejam a China ou os Estados Unidos. De fato, mesmo que os países em questão fossem China e Estados Unidos, o efeito seria insuficiente, porque eles respondem juntos por pouco mais de dois quintos das emissões mundiais. Mas pode ser que um país venha a servir como prova de conceito, mostrando que é possível que uma economia cresça rápido e reduza emissões ao mesmo tempo. No processo, um país como esse poderia até, como argumentam alguns, ganhar vantagem importante em certos setores novos e relevantes.
De qualquer forma, alguns países precisam tentar. De outra forma, porque todo mundo está hesitando, os esforços para um acordo coletivo devem fracassar. E com isso estaríamos fazendo a aposta de que não teremos nenhum desfecho ruim ou irreversível. Podemos ter sorte nessa aposta. Mas o que nossos descendentes dirão se não tivermos?
Tradução de PAULO MIGLIACCI
martin wolf
É comentarista chefe de Economia no jornal britânico "Financial Times". É membro honorário do Instituto de Política Econômica de Oxford e professor honorário da Universidade de Nottingham. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006. É doutor em letras pela Universidade de Nottingham e doutor em economia pela London School of Economics (LSE)

Brasileiro acha que câncer mata mais que infarto e AVC

folha de são paulo

Brasileiro acha que câncer mata mais que infarto e AVC


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CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

O brasileiro desconhece as doenças cardiovasculares como principal causa de morte no país. Para a maioria da população, o câncer (59%) e a Aids (17%) matam mais.
É o que revela pesquisa Datafolha, feita a pedido do Instituto Oncoguia, que verificou o conhecimento da população sobre o câncer, seus fatores de risco e a prevenção.
Segunda causa de mortalidade, o câncer é responsável por 17% das mortes. Já as doenças do aparelho circulatório, como derrame e infarto, respondem por 31%.
Foram entrevistadas 2.571 pessoas em todas as regiões do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
"Subestimar a mortalidade pelas doenças cardiovasculares é um forte sinal indireto da nossa má qualidade de saúde", diz Angelo de Paola, professor titular de cardiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Para ele, a desinformação é maior entre o público feminino, que teme o câncer ginecológico, mas não as doenças do coração, que são as que mais matam as mulheres.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
Ao mesmo tempo que supervalorizam a mortalidade por câncer, as pessoas desconhecem fatores de risco importantes associados a ele.
A infecção pelo vírus HPV, que causa o segundo tumor que mais mata as mulheres, o de colo uterino, aparece em sétima colocação em uma lista de 12 fatores de risco.
O tabagismo, associado ao câncer de pulmão, lidera a lista. A obesidade e o sedentarismo, relacionados a até 40% casos de câncer, também não são reconhecidos pela população como fatores que predispõem ao câncer. Aparecem em penúltimo e antepenúltimo lugar, respectivamente, na pesquisa.
"É impressionante como a falta de informação está disseminada, independentemente do grau de escolaridade, classe econômica, região ou faixa etária", afirma o oncologista Rafael Kaliks, diretor científico do Oncoguia.
Para ele, é importante que as pessoas saibam da relação direta entre o HPV e o câncer do colo uterino e outros até para que os pais não titubeiem na hora de vacinar suas filhas contra o vírus, agora que a imunização será oferecida na rede pública, a partir do ano que vem, para meninas de 11 a 13 anos.
O caso da obesidade e do sedentarismo é ainda mais gritante, segundo Kaliks.
"Com 50% da população acima do peso, esses fatores de risco passaram a ser ainda mais importantes do que o tabagismo, que afeta hoje 15% dos brasileiros. Não só para o câncer como também para as doenças cardiovasculares", afirma o médico.
Para ele, são necessárias campanhas públicas de promoção à saúde mais agressivas. "Temos que começar nas escolas", diz ele.

Francisco Daudt

folha de são paulo
Bullying
Na escola, os 'amiguinhos' se estranham pelo jeito diferente; e assim começam os apelidos e as agressões
Ver uma criança crescer é como assistir a história da espécie em câmera rápida. Depois de um tempo, ela se põe de pé, começa a falar e agir como o troglodita que um dia fomos (fomos?): não tem os polimentos da civilização, não é hipócrita, demonstra seus sentimentos sem máscaras, tem raiva, bate, morde, chora, é possessiva, ciumenta, come com as mãos e estranha quem não é da sua tribo (a família).
Até hoje, entre tribos de caçadores-coletores da Papua Nova Guiné, se dois estranhos se encontram numa trilha, começam a desfiar seus parentes um para o outro, na tentativa de encontrarem algum em comum. Se não encontram, partem para uma luta de morte: o estranho é o inimigo.
Mas está chegando o momento histórico em que o troglodita se aproxima da Cidade-Estado, criada há 10.000 anos no crescente fértil da mesopotâmia, onde a espécie, por ter domesticado plantas e animais (inventando a agricultura e a pecuária), não precisa caçar nem coletar, não precisa ser nômade, pode se estabelecer num só lugar onde estranhos convivam, e até cooperem, em vez de lutar. Este lugar, para a nossa criança, é a escola.
O choque cultural é inevitável. Lembro que uma paciente propagandeava as vantagens da escola para sua filha, onde ela iria encontrar "amiguinhos" para brincar. "E então?" perguntou à filha, que voltava de seu primeiro dia escolar. "Mãe, os amiguinhos' mordem! Os amiguinhos' batem!"
E os "amiguinhos" se estranham, pela aparência diferente. É assim que começa o bullying. Apelidos, agressões, lei do mais forte, alunos que atacam professores em bando, professores que molestam alunos, que incentivam maus tratos (quando o nome muda para "assédio moral", base para processo na Justiça, algo a ser resolvido fora da escola).
Sabemos disso, mas, por que isso vem se tornando mais problemático?
Tenho uma hipótese histórica. Quando a Cidade-Estado foi inventada, a principal mudança civilizatória na vida do troglodita foi que, para conviver com estranhos, teve que abrir mão de fazer justiça por si mesmo, e a violência se tornou monopólio do Estado.
Ele estabelecia leis a serem cumpridas, e punições para seus transgressores, sob o comando da Autoridade máxima, (o Tirano, um título, não um xingamento). Não existe, portanto, civilização sem lei, sem direitos e deveres, sem punição para os transgressores, sobretudo, não existe civilização sem "Autoridade".
Sabemos intuitivamente disso, quando dizemos que pais bananas produzem filhos trogloditas. A democracia, ao tomar horror do tirano, muitas vezes confunde autoridade com autoritarismo, e assim, deixa de exercê-la. Resulta em um pudor e uma leniência com a aplicação da lei, que tolera a existência de "black blocs", invasores de propriedade alheia, depredadores de bens públicos e particulares... e bullying.
A escola precisa ensinar civilização. Precisa de ter autoridade clara, leis claras, punições correspondentes executadas. É uma oportunidade de ensinar que a democracia não pode ser banana, caso contrário se perderá, e a tirania retornará.

    Painel Vera Magalhães

    folha de são paulo
    Como está fica
    O ministro Marco Aurélio Mello vai propor na sessão de hoje do STF o adiamento da análise do processo sobre a correção das cadernetas de poupança pelos planos econômicos dos anos 80 e 90. Terá o apoio de Gilmar Mendes e de outros ministros, que entendem que não haverá tempo hábil de a corte concluir a análise da matéria até o dia 18 de dezembro, última sessão do ano. O adiamento atende o desejo do Palácio do Planalto, que teme o impacto da correção na economia.
    Afago 1 Guido Mantega (Fazenda) garantiu diante dos 27 presidentes de federações industriais reunidos ontem na CNI (Confederação Nacional da Indústria) que os investimentos vão aumentar nos próximos anos e que o setor é prioridade do governo.
    Afago 2 Segundo o ministro, a injeção de R$ 500 bilhões nos programas de concessões de obras de infraestrutura fará com que o investimento aumente para 24,1% do PIB em 2022. Atualmente, ele representa 18% do total.
    Campo minado A CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, presidida pelo petista Lindbergh Farias (RJ), convidou secretários da Fazenda de São Paulo e de Pernambuco para debater crise da Federação, tema que Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) usam para fustigar Dilma Rousseff.
    Digitais 1 A Justiça Eleitoral do Paraná suspendeu um perfil fake no Facebook batizado de "Gleisi não", com ataques à ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT ao governo do Estado, e determinou a identificação dos responsáveis pela página.
    Digitais 2 A quebra de sigilo mostrou que o responsável por bancar links patrocinados no perfil falso era José Gilberto Maciel, jornalista da Agência Estadual de Notícias do Paraná. Gleisi Hoffmann vai processar o responsável e pedir para averiguar se os endereços de IP usados eram do governo Beto Richa (PSDB).
    Classe econômica Apesar do pedido feito pelo PTB a Dilma ontem para ocupar a Integração Nacional na reforma ministerial, o Palácio do Planalto trabalha com a ideia de abrigar o partido no Turismo. O mais cotado para a primeira pasta ainda é o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB).
    Suíte master Do ex-petista Domingos Dutra (SDD-MA) sobre o futuro emprego de José Dirceu, contratado por R$ 20 mil para ser gerente de um hotel em Brasília: "Só falta o Joaquim Barbosa se hospedar lá e ser atendido pelo comandante Dirceu".
    Lavoura Duarte Nogueira (PSDB-SP) e Xico Graziano (iFHC) organizam encontros de Aécio Neves com expoentes do agronegócio, para se contrapor à aproximação de Eduardo Campos (PSB) com ruralistas. Os tucanos pretendem realizar um evento com o setor ainda em dezembro.
    Muro No almoço com Paulinho da Força (SDD-SP), Aécio foi questionado se, uma vez eleito, manteria o reajuste do salário mínimo pela variação do PIB de dois anos anteriores mais a correção da inflação pelo INPC do ano anterior. O tucano preferiu não adiantar sua posição.
    Café Para tentar acelerar o apoio do PSB à sua reeleição, Geraldo Alckmin quer se reunir com Campos e Marina Silva separadamente. Pretende se encontrar primeiro com a ex-senadora, que resiste à aliança. A ponte é o ex-deputado Fábio Feldmann.
    No escuro A Rede reclama que não teve acesso às diretrizes programáticas que serão anunciadas por Campos e Marina amanhã. "Seremos surpreendidos com o texto assim como fomos com a filiação dela ao PSB", queixa-se um marineiro.
    TIROTEIO
    "Com tamanha romaria na prisão, só falta liberarem a entrada de Romanée-Conti e charuto cubano para a cela dos mensaleiros."
    DO DEPUTADO RUBENS BUENO, líder do PPS na Câmara, sobre os privilégios recebidos por políticos para as visitas aos condenados do mensalão na Papuda.
    CONTRAPONTO
    Laços de família
    Ao recomendar em discurso no interior do Estado que sua plateia evitasse dirigir depois de ingerir bebidas alcoólicas, Geraldo Alckmin (PSDB) relatou sua passagem por um bar no início do dia.
    -- Estávamos em Buri, eram oito e meia da manhã, já tinha uma turma mandando bala.
    Disse, então, que se aproximou e foi saudado:
    -- O cara veio e perguntou se eu sabia seu nome. Eu respondi que eu era primo dele. Ele se espantou: "Mas como o senhor sabe que eu sou seu primo?". Eu emendei: "É que eu sou Alckmin, e você é álcool em mim, não é?".

    Ministro lamenta 'disputa eleitoral' do caso Cartel da Siemens

    folha de são paulo
    DE BRASÍLIAEm resposta às acusações do PSDB, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) atacou os tucanos e lamentou "que uma investigação séria tenha se transformado numa disputa política e eleitoral".
    "Acho muito ruim que investigações sejam transformadas em disputa política. Todos são iguais perante a lei, só em mentalidades aristocráticas, elitistas e ditatoriais que prevalece ideia de que conosco, não'", disse.
    "Se há denúncias, não importa contra quem seja, o ministro tem que pedir investigação. Senão é prevaricação".
    Cardozo reafirmou que recebeu documentos das mãos do secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo, o petista Simão Pedro, em maio. E negou mais uma vez que tenha recebido as denúncias do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
    Segundo ele, Simão foi até sua casa em São Paulo, num domingo, para lhe entregar o material. A denúncia, com tabelas, planilhas e nomes de tucanos, foi repassada pessoalmente ao chefe da Polícia Federal, Leandro Daiello.
    "Não vou mandar pelos escaninhos do MJ [Ministério da Justiça]. Não que não confie nos funcionários, mas são muitas mãos. A tramitação oficial foi feita na PF", justificou, negando qualquer ilegalidade no procedimento.
    Ele nega qualquer tentativa de proteger o Cade. Disse que foi um "equívoco" da PF afirmar que os papéis foram encaminhados pelo órgão.
    Como prova de que o Cade nada sabia, Cardozo citou um depoimento à PF de Rubem Accioly Pires, coordenador de inteligência e operações do conselho, negando conhecer esses documentos.
    As declarações foram feitas em julho, dois dias antes da busca e apreensão na Siemens, que fez acordo com o Cade para colaborar na apuração sobre formação de cartel. Afirmou ainda que essa papelada não foi parar no Cade depois dessa ocasião.
    "Pode ter absoluta certeza que esses órgãos [PF e Cade], da mesma forma que não perseguem, não se intimidam", afirmou o ministro.
      ENTENDA O CASO O CARTEL DA SIEMENS
      O ACORDO
      Em julho, a Folha revelou que a Siemens fez um acordo com o Cade no qual informou ter integrado cartéis para fraudar licitações de trens e metrô em SP e DF de 1998 a 2008
      AS IRREGULARIDADES
      O Cade examinou centenas de documentos apresentados pela Siemens e concluiu que houve irregularidades em seis licitações realizadas, sendo cinco delas em São Paulo
      AÇÃO NA JUSTIÇA
      Em agosto, Alckmin anunciou que iria processar a Siemens. Em novembro, a Justiça mandou o governo refazer a ação e incluir as outras empresas do cartel
      CASO ALSTOM
      Justiça manda sequestrar R$ 57 milhões de ex-diretores da CPTM, entre eles João Roberto Zaniboni, e do consultor Arthur Gomes Teixeira, acusados de fraudes
      INDICIAMENTO
      Em novembro, a PF indiciou Teixeira e Zaniboni por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Eles negam irregularidades
      CARTA
      Em 21.nov, foi divulgada carta na qual o ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer diz ao Cade que esquema de corrupção envolveu governos tucanos em SP e financiou caixa 2 de DEM e PSDB
      REAÇÃO
      Os tucanos acusados ameaçam processar Rheinheimer, que nega ter feito as acusações. O deputado licenciado Simão Pedro (PT) diz ter enviado os documentos ao governo
      AÉCIO
      Com Aécio Neves à frente, a cúpula do PSDB acusa o governo federal de reeditar o "escândalo dos aloprados" para minimizar o impacto das prisões do mensalão
      CARDOZO
      Em resposta, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) disse que "se há denúncias, não importa contra quem seja, o ministro tem que ser pedir investigação"
        PSDB acusa Cardozo de politizar investigação
        Aécio Neves defende que ministro da Justiça se afaste da apuração sobre fraude em licitações nas gestões tucanas em SP
        José Aníbal pede a demissão de Cardozo: 'Ou demite o ministro ou é cúmplice desse dossiê de aloprados'
        RANIER BRAGONDE BRASÍLIACom fortes críticas ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a cúpula do PSDB acusou ontem o governo de usar as investigações sobre a existência de um cartel nas licitações de metrô e trens durante os governos do PSDB em São Paulo para minimizar o impacto político das prisões do mensalão.
        Tendo à frente o senador Aécio Neves (MG), provável candidato à Presidência, o PSDB defendeu que Cardozo se afaste das investigações sobre o cartel revelado pela multinacional alemã Siemens ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
        "A tentativa de fazer com que os outros possam parecer iguais não terá êxito, porque nós não somos iguais. Prezamos e praticamos a ética na vida pública", afirmou Aécio, acrescentando que o governo "manipula" as instituições do Estado para "enxovalhar" adversários.
        Segundo ele, as acusações contra tucanos vieram a público para encobrir os desdobramentos do escândalo do mensalão, cujos condenados, parte deles do PT, começaram a ser presos no último dia 15.
        Para Aécio e outros tucanos, é uma reedição do caso dos "aloprados", que começou com a prisão de petistas em 2006 com dinheiro que, segundo o Ministério Público, seria usado para comprar um dossiê contra José Serra, então candidato do PSDB ao governo de São Paulo.
        Acompanhavam Aécio, na sede do PSDB em Brasília, os líderes na Câmara (Carlos Sampaio) e no Senado (Aloysio Nunes Ferreira), além dos secretários paulistas Edson Aparecido (Casa Civil) e José Aníbal (Energia).
        As acusações contra tucanos apareceram num suposto depoimento do ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer, que apontava pagamento de propina em São Paulo durante os governos do PSDB. Ele negou, depois, ser o autor da denúncia.
        Apontando diferenças entre esse material e outro que Rheinheimer encaminhou à Siemens em 2008, os tucanos acusaram petistas de forjar documentos.
        DEMISSÃO
        Embora dois delegados da Polícia Federal tenham dito que receberam as acusações do próprio Cade, o ministro da Justiça afirmou que recebeu o depoimento das mãos do secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo, o petista Simão Pedro.
        Simão negou que o documento enviado tenha sido alterado para acusar o PSDB: "Não alterei documento nenhum. Só encaminhei ao ministro. Essa acusação do PSDB é uma bobagem".
        Os tucanos ainda pediram a demissão do presidente do Cade, Vinicius Carvalho, que foi chefe de gabinete de Simão. "Se a presidente não sabia desse episódio, agora sabe. Ou demite o ministro ou é cúmplice desse dossiê de aloprados", disse Aníbal.
        Já Aécio foi menos enfático. "Eu acho que ele perdeu as condições de ser o coordenador dessas investigações, como ministro da Justiça. Obviamente que a decisão de nomear e de demitir ministro cabe à presidente", disse.
        O PSDB disse que pretende aprovar a convocação de Cardozo para dar explicações no Congresso e representar contra ele na Comissão de Ética Pública e no Ministério Público.

          Protecionismo cultural

          folha de são paulo
          Protecionismo cultural
          O decreto número 8.124, assinado há pouco mais de um mês pela presidente Dilma Rousseff, tem despertado justificadas apreensões no setor das artes.
          O diploma regulamenta duas leis de 2009, uma que instituiu o Estatuto de Museus e outra que criou o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Seu objetivo primordial é definir parâmetros para a preservação e o controle, por parte do poder público, dos bens culturais que já integram o patrimônio de museus e daqueles que seriam passíveis de "museologização".
          Lamentavelmente, o decreto segue um padrão conhecido na legislação brasileira, em que as boas intenções se perdem num emaranhado de regras protecionistas e burocráticas --algumas de difícil execução, outras que projetam sobre a atividade privada a sombra da intervenção estatal.
          Seu aspecto mais controverso diz respeito à possibilidade de o poder público declarar de interesse nacional uma ampla gama de bens "móveis e imóveis, de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, portadores de referência ao ambiente natural, à identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira".
          Praticamente tudo --do artesanato à arte, passando por trajes, registros musicais e receitas culinárias-- pode se enquadrar no conceito adotado pelo texto. Os bens assim considerados passam a ser monitorados pelo Estado, que torna obrigatória, para acervos públicos e privados, a apresentação de relatórios anuais sobre suas condições de conservação.
          Mais que isso, o decreto garante ao Ibram a preferência em caso de venda de peças, o direito de restringir suas transferências ao exterior e até a função de autorizar intervenções nos bens culturais. Natural, portanto, que o mercado das artes sinta-se violado.
          Não há dúvida de que o país precisa zelar por seu patrimônio cultural e contar com museus qualificados. Para isso, contudo, seria recomendável um pouco mais de realismo e menos ameaças à atuação dos agentes privados, que têm desempenhado papel crucial na promoção e preservação da arte brasileira --seja em território nacional, seja no exterior.
          Não é demais lembrar, ainda, que diversas instituições ligadas ao Estado --que se arroga o posto de guardião dos bens culturais-- vivem às traças, muitas vezes sem os recursos para cumprir seus objetivos mais básicos.

            Construtoras são 'sócias' da máfia do ISS, afirma Donato

            folha de são paulo
            MÁFIA DO ISS
            Donato volta à Câmara, chora e ataca construtoras
            Para ex-secretário de Haddad, empresas são 'sócias' de 'esquema criminoso'
            Petista insinua contato de auditor fiscal suspeito com Alckmin durante campanha em 2008; tucano nega
            GIBA BERGAMIM JR.DE SÃO PAULOEx-homem forte da gestão Fernando Haddad (PT), Antonio Donato (PT) chorou ontem em sua volta à Câmara e atacou as construtoras. Cerca de 150 militantes petistas ouviram o discurso do vereador.
            Donato deixou a Secretaria de Governo após a Folha mostrar que ele empregou em seu gabinete Eduardo Horle Barcellos, um dos quatro fiscais acusados de integrar a máfia do ISS --a quadrilha cobrava propina de empreiteiras para dar descontos no imposto.
            Depois, Barcellos prestou depoimento dizendo que pagava mesada de R$ 20 mil a Donato de 2011 a 2012. O petista afirma ser mentira.
            Ontem, o vereador chorou após falar de seus antepassados: sua avó, uma índia, e seu avô, um camponês italiano.
            Sem citar nomes, chamou donos e presidentes de construtoras de "tubarões do mercado imobiliário" e os acusou de participação no esquema de sonegação de ISS em troca de propina.
            Também criticou a imprensa ao dizer que os nomes de empresas que supostamente pagam propina não são citados em reportagens.
            "Mas e os corruptores? Onde estão aqueles que se beneficiaram de sonegar R$ 500 milhões? Cadê o rosto dos presidentes das grandes incorporadoras citadas no início deste escândalo?" A resposta de Donato: "Nas colunas sociais".
            "Essas empresas e indivíduos não são vítimas dos fiscais. São sócias majoritárias desse esquema criminoso."
            Haddad já disse haver ao menos 15 construtoras suspeitas no esquema, mas sempre se negou a revelar quais.
            A Promotoria divulgou os nomes de seis empresas citadas em depoimentos: BKO, Tarjab, Tecnisa, Trisul, Alimonti e Brookfield.
            Donato também disse que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) teve contato com Ronilson Rodrigues, suspeito de chefiar a máfia, quando foi candidato à prefeitura.
            Ao falar sobre como o conheceu, o vereador disse que o fiscal o procurou em 2008, apresentando-se como "técnico apartidário" que poderia auxiliar na campanha da então candidata Marta Suplicy (PT).
            "Mais tarde, fiquei sabendo que o mesmo Ronilson chegou a se reunir, naquela eleição, com o então candidato a prefeito pelo PSDB, Geraldo Alckmin, para prestar informações semelhantes."
            Donato confirma conhecer parte dos acusados no esquema. Mas disse que "nunca, em momento algum, pedi a qualquer um deles recursos para a campanha e tampouco recebi apoio financeiros".
            A assessoria do governador afirmou que Ronilson "não participou nem prestou qualquer contribuição ou ajuda à campanha eleitoral de 2008 do então candidato a prefeito e atual governador".
            "Também não compõe a lista dos 451 participantes das discussões do programa de governo nem consta dos registros das pessoas recebidas pelo então candidato", diz.
            O Secovi (sindicato de construtoras) não se manifestou até a conclusão desta edição. Em ocasiões anteriores, disse que está colaborando com as investigações da Promotoria.