segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Lou Reed deixou frases geniais e duras

folha de são paulo
Lou Reed era conhecido pelo mau humor e pelo cinismo. Uma vez, quando um grupo perguntou ao cantor se ele usava drogas e se pretendia incentivar seus fãs a fazer o mesmo, respondeu: "Sim, quero que usem. Melhor que jogar Banco Imobiliário."
Certa ocasião, disse, sem modéstia: "Minhas cagadas são melhores que os diamantes de outros".
Outra de suas citações: "Música é tudo. As pessoas deviam morrer por ela. Estão morrendo por qualquer outra coisa, então por que não pela música?".
Podia também dizer frases que ninguém esperava que dissesse, como quando afirmou "Estou completamente adaptado em ser uma figura cult".
Outra, sobre seu modo particular de compor: "Um acorde é legal. Dois acordes, e você está forçando. Três acordes e daí você já está no jazz".
O produtor musical Brian Eno resumiu a influência de Reed com uma frase digna do próprio: "O primeiro álbum do Velvet Underground vendeu só 10 mil cópias, mas todo mundo que comprou o disco montou uma banda".
REPERCUSSÃO
Leia frase de amigos e fãs do músico postadas nas redes sociais:
John Cale, ex-parceiro no Velvet Underground:
"O mundo perdeu um grande compositor e poeta. Eu perdi meu
amigo de escola."
Iggy Pop,músico:
"Notícias devastadoras."
Billy Idol, músico:
"Você foi minha
inspiração nos anos 1970. Sem você, não
haveria punk rock."
The Who, banda, em seu perfil oficial no Twitter:
"Descanse em paz, Lou Reed. Caminhe pelo lado pacífico."
Salman Rushdie, escritor:
"Hey, Lou, você sempre andará pelo lado selvagem. Sempre um dia
perfeito."
Weezer, banda, em seu perfil oficial no Twitter:
"Velvet Underground foi uma grande influência quando o Weezer estava começando."
Kim Gordon, ex-baixista do Sonic Youth:
"Muito triste por saber da morte de Lou Reed. É um grande choque."
John Cusack, ator:
"Notícias terríveis. Foi um grande e singular poeta."
Josh Groban, cantor:
"Dia triste na música. Descanse em paz."
Clemente, vocalista da banda Os Inocentes:
"Foi o cara que apontou
os caminhos, estava muito à frente."
Patti Smith, cantora:
"De luto. Um dos meus melhores amigos."
Edgard Scandurra, ex-guitarrista da banda Ira!:
"Que perda para a música subterrânea! Era um grande provocador, excelente guitarrista, grande letrista e tinha muito humor no seu jeito junkie."
Mia Farrow, atriz:
"Minha profunda gratidão, Lou Reed. Paz."
Russell Simmons, fundador da gravadora Def Jam:
"Nova York perdeu um dos nossos maiores talentos hoje."
Marianne Faithful, cantora:
"Um dos músicos mais inteligentes que conheci e um grande guitarrista."

Monica Bergamo

folha de são paulo

OGX deve entrar com pedido de recuperação judicial esta semana

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Empresários que acompanham de perto a derrocada da OGX de Eike Batista preveem que ela pode pedir recuperação judicial ainda nesta semana. A companhia está inadimplente há mais de 30 dias.
COMPANHIA
É possível que mais de uma empresa do grupo de Eike recorra ao instrumento, caso a recuperação seja mesmo adotada.
TRILHA SONORA
A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) foi proibida liminarmente pela Justiça de executar músicas em suas nove rádios e também nas emissoras de televisão --entre elas, a TV Brasil. Foram atingidas, entre outras, a Rádio Nacional de Brasília, do Rio, Amazonas e Alto Solimões e MEC FM.
DEVO
O pedido de liminar foi feito pelo Ecad, que arrecada e distribui direitos autorais aos músicos. A entidade alega que a EBC não pede autorização para executar músicas desde 2007. E afirma que só as rádios devem R$ 8 milhões ao escritório.
NÃO NEGO
A EBC diz que se antecipou à liminar e que já está negociando com o Ecad para efetuar o pagamento. Defende que o valor cobrado dela seja diferenciado já que é uma emissora pública.
EM CASA
A decisão de Roberto Carlos de convidar Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo para discutirem a polêmica das biografias em seu estúdio na Urca, no Rio, foi simbólica. Com isso, o Rei voltou a chamar para si a responsabilidade de conduzir o tema. Até então, as reuniões ocorriam quase sempre na casa de Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano.
EM CASA 2
Os advogados de Roberto fizeram uma exposição aos outros artistas. Um deles, Marco Antonio Bezerra de Campos, tomará a frente do tema, que conhece bem: ele advoga para o Rei há anos. Em 2007, conduziu o acordo judicial que previa a retirada, pela editora Planeta, de uma biografia não autorizada do cantor das livrarias. Em Brasília, o assunto será tocado também pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
SEMPRE ROBERTO
Apesar de contrariado com o bombardeio por causa da polêmica, Roberto Carlos estava "tranquilo e sorridente", de acordo com um dos presentes à reunião.
Caloroso, serviu um bom vinho aos convidados.
SEM CENSURA
Tom Zé não só é favorável à liberação das biografias, como não procura saber o pé em que está a própria, que o jornalista Marcus Preto está fazendo. "Não tem graça pra quem tá escrevendo se o biografado ficar se metendo", diz o músico.
DOCINHO
Lana Del Rey, uma das principais atrações do festival Planeta Terra, em 9 de novembro, pediu para o seu camarim ser enfeitado com flores da estação e tipicamente brasileiras. A cantora americana também quer provar um doce local.
PARA ELES
A estilista Juliana Jabour, que participa na terça do SPFW, lançará sua primeira coleção masculina em fevereiro de 2014.
AQUI E LÁ
A peça "Divórcio", do dramaturgo paulista Franz Keppler, que está em cartaz há dez meses em SP, foi selecionada para ser montada na Espanha. A estreia no teatro Gaudí, em Barcelona, será nesta sexta-feira, com temporada até março. Keppler negocia para levar o espetáculo a Portugal.
PARA TODOS
Os atores Carolina Dieckmann, Paulo Vilhena e Martha Nowill, todos do elenco do filme "Entre Nós", foram à pré-estreia do longa, no Cine Livraria Cultura. Julio Andrade, que também atua na produção, e a atriz Elen Cunha estiveram na plateia.
ESQUENTA ITALIANO
O empresário Savério Gardino recebeu convidados para um esquenta à moda italiana que promoverá todas as terças-feiras em seu restaurante, o Brera. A editora de beleza Mia Borges, a decoradora Esther Giobbi e o produtor de moda Márcio Vicentini passaram pela reunião, que também contou com a presença do empresário Rodrigo Rosset e de sua mulher, Adriana Lotaif.
CURTO-CIRCUITO
O crítico de cinema Amir Labaki participa do júri internacional da 56ª edição do Dok Leipzig, o mais antigo festival de documentários do mundo, que começa hoje, na Alemanha.
O Comedians Comedy Club comemora, a partir de amanhã, três anos com lançamento de novos drinques. Até sábado. 18 anos.
O trio Aventureiros, de Luiz Gayotto, Tatá Aeroplano e Gero Camilo, se apresenta no Cedo e Sentado, hoje, às 22h, no Grazie a Dio!. 18 anos.
A Esser lança hoje o projeto Metrô Office & Mall com jantar para 150 convidados, entre eles a apresentadora Ana Hickmann, no restaurante Kosushi.
O antropólogo Ted Polhemus dá palestra hoje sobre consumo de moda no mundo globalizado. Às 11h30, na Praça das Artes.
O presidente do Sindi-Clube, Cezar Roberto Granieri, foi eleito para a comissão de análise e aprovação de projetos esportivos e paraesportivos da Lei de Incentivo Fiscal de Esporte.
com ELIANE TRINDADEANA KEPP e MARCELA PAES
Mônica Bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

Gregorio Duvivier

folha de são paulo
E eles viveram felizes para sempre
Não demorou muito para ele perceber que era melhor viver as coisas sabendo do final delas do que não viver nada
E eles viveram felizes para sempre. Seja lá quando isso for. Assim acaba essa história. Porque tudo o que começa acaba. Murilo teve sua primeira visão quando nasceu: vislumbrou sua morte, de infarto, debruçado numa janela. Abriu o berreiro. E nunca se esqueceu dessa visão, estranhamente.
Mais tarde, na infância, os filmes o entediavam: nos créditos iniciais já sabia que o casal viveria feliz para sempre. Os filmes de comédia não tinham mais graça e os de suspense não davam susto. Desistiu de assistir "Lost" no primeiro capítulo.
Tornou-se um sujeito tímido, introvertido. Bastava que fizesse um novo amigo para que antevisse o momento em que eles romperiam ou a morte de um dos dois. Beber era difícil. No primeiro gole, visualizava a ressaca.
Um dia, apaixonou-se à primeira vista. Foi travar uma conversa. Imediatamente a viu horrenda, assinando os papéis do divórcio. E isso aconteceu repetidas vezes: viu uma dando um tiro no peito, outra comprando passagens de ônibus só de ida para Friburgo. Murilo foi, pouco a pouco, se afastando da companhia das pessoas, para não ter que começar nada que tivesse que acabar. E viveu um tempo longo em que nada começou.
Até que a visão de sua morte, tão jovem, começou a assombrá-lo. Podia acontecer a qualquer momento. Murilo se olhou no espelho e viu que ele estava se transformando no homem da sua visão: tinha engordado um pouco. Perdeu cabelo.
Não demorou muito para que ele percebesse que era melhor viver as coisas sabendo do final delas do que não viver nada. E redescobriu o prazer de viver o miolo das coisas. Passou a tentar adivinhar como é que as coisas chegariam a ser o que ele já sabia que elas se tornariam. Percebeu o quão pouco importam o começo e o final: o barato está, pensou ele, em como é que uma coisa vai dar na outra. Fez novos amigos, conheceu mulheres, se apaixonou algumas vezes. E a história poderia acabar aqui, com nosso protagonista aprendendo a viver um dia de cada vez, encarando com tranquilidade a finitude das coisas. Mas não foi bem assim, como sabemos.
Certo dia, numa praça, viu uma mulher linda e resolveu puxar conversa. E disse "Opa", como quem diz "Oi". E parou por aí, espantado. Porque não viu final nenhum. Ficou aflito. "Que é que houve?", disse ela. "Não tem final", disse ele. "O quê?", disse ela. "Nossa história", disse ele. "Não tem final." "Mas precisa ter?", disse ela. "Não, não precisa", disse ele. "Não precisa."
E eles viveram felizes para sempre. Seja lá quando isso for.

    Luiz Felipe Pondé

    folha de são paulo
    Da falsidade
    Que Deus tenha piedade de nós num mundo tomado por pessoas que se julgam retas
    Dias sombrios. Nesses momentos, volto às minhas origens filosóficas, o jansenismo francês do século 17 e seu produto essencial, "les moralistes" (que em filosofia nada tem a ver com "moralista" no senso comum). Os moralistas franceses eram grandes especialistas do comportamento, da alma e da natureza humana. Nietzsche, Camus, Bernanos e Cioran eram leitores desses gênios da psicologia. Pascal, La Rochefoucauld e La Bruyère foram os maiores moralistas.
    O Brasil, que sempre foi violento, agora tem uma nova forma de violência, aquela "do bem". E, aparentemente, quase todo mundo supostamente "inteligente" assume que é chegada a hora de quebrar tudo. Nada de novo no fronte: os seres humanos sempre gostaram da violência e alguns inventam justificativas bonitas pra serem violentos.
    Impressiona-me a face de muitos desses ativistas que encheram a mídia nas ultimas semanas. Olhar duro, sem piedade, movido pela certeza moral de que são representantes "do bem". Por viver a milhares de anos-luz de qualquer possibilidade de me achar alguém "do bem", desconfio profundamente de qualquer pessoa que se acha "do bem". Quando o país é tomado por arautos do "bem social", suspeito de que chegue a hora em que a única saída seja fugir.
    A fuga do mundo ("fuga mundi") sempre foi um tema filosófico, inclusive entre os jansenistas, conhecidos como "les solitaires" por buscarem viver longe do mundo. Eles tinham uma visão da natureza humana pautada pela suspeita da falsidade das virtudes. O nome "jansenista" vem do fato de eles se identificarem com a versão "dura" (sem a graça de Deus, o homem não sai do pecado) da teoria da graça agostiniana feita pelo teólogo Cornelius Jansenius, que viveu no século 16.
    Pascal, La Fontaine e Racine eram jansenistas. Aliás, grande parte da elite econômica e intelectual francesa da época foi jansenista. Por isso, apesar de Luís 13 e 14 (e de seus cardeais Richelieu e Mazarin) e da Igreja os perseguirem, nunca conseguiram de fato aniquilá-los.
    Hoje, por termos em grande medida escapado das armadilhas morais do cristianismo (não que eu julgue o cristianismo um poço de armadilhas, muito pelo contrário), tais como repressão do outro, puritanismo, intolerância, assumimos que escapamos da natureza humana e de sua vocação irresistível à repressão do outro, ao puritanismo e à intolerância.
    Elas apenas trocaram de lugar. A face do ativista trai sua origem no inquisidor.
    Uma das maiores obras do jansenismo é "La Fausseté des Vertus Humaines" (a falsidade das virtudes humanas), de Jacques Esprit, do século 17. Ele foi amigo pessoal do Conde de La Rochefoucauld. Alguns especialistas consideram o conde um discípulo de Esprit. A edição da Aubier, de 1996, traz um excelente prefácio do "jansenista contemporâneo" Pascal Quignard.
    O pressuposto de Esprit é que toda demonstração de virtude carrega consigo uma mentira e que as pessoas que se julgam virtuosas são na realidade falsas, justamente pela certeza de que são virtuosas.
    A certeza acerca da sua retidão moral é sempre uma mistificação de si mesmo. Os jansenistas sempre disseram que os que se julgam virtuosos são na verdade vaidosos. Suspeito que o que vi nos olhos desses ativistas nessas últimas semanas era a boa e velha vaidade.
    Mas hoje, como saiu de moda usar os pecados como ferramentas de análise do ser humano e passamos a acreditar em mitos como dialética, povo e outros quebrantos, a vaidade deixou de ser critério para analisarmos os olhos dos vaidosos. Melhor para eles, porque assim podem ser vaidosos sem que ninguém os perceba. Vivemos na época mais vaidosa da história.
    "A verdade não é primeira: ela é uma desilusão; ela é sempre uma desmistificação que supõe a mistificação que a funda e que ela (a desmistificação) desnuda", afirma Pascal Quignard no prefácio do livro de Esprit. Eis a ideia de moral no jansenismo: a verdade moral é sempre negativa, sempre ilumina a sombra que se esconde por trás daquele que se julga justo.
    Que Deus tenha piedade de nós num mundo tomado por pessoas que se julgam retas.

    domingo, 27 de outubro de 2013

    Minha história: Inventor ganha na Justiça a autoria da frase "chamada a cobrar"

    DEPOIMENTO A...
    NATÁLIA CANCIAN
    folha DE SÃO PAULO
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    "Chamada a cobrar. Para aceitá-la, continue na linha após a identificação." A frase faz parte do sistema de ligação direta a cobrar, criado por Adenor Martins de Araújo, 72.
    Para ser reconhecido, foi preciso ir à Justiça contra a Telebras, para a qual a invenção era de domínio público. "Foi muita luta. Mas Davi venceu Golias."
    *
    Tudo surgiu de uma necessidade. Eu tinha crianças no colégio. A minha menina, de 11 anos, estudava no centro. Um dia, ela esqueceu o dinheiro do ônibus para voltar.
    Ela foi até a empresa da minha mulher, mas a mãe tinha saído. Pediu dinheiro emprestado, mas não deram. Sem ficha, ela não podia ligar para casa. Ficamos sem notícias. Ela esperou sentada numa galeria, sem almoço, até que a mãe chegou, às 14h.
    Tinha que encontrar uma solução. Não só para o caso dela, mas para emergências. Eu também viajava muito e procurava alternativas para falar com a família.
    Naquele tempo, os orelhões funcionavam com ficha telefônica, e nem sempre havia onde comprar. Ligações interurbanas eram até 40% mais caras, ficava constrangido se estivesse na casa de um amigo.
    Mas o único jeito de ligar a cobrar era via telefonista, numa fila que às vezes levava horas. Ficava indignado. Foi aí que comecei a fazer o projeto, à noite. Comecei a desenhar um circuito. Do papel, passei a um protótipo.
    Foi o primeiro serviço com mensagem gravada. Escrevi e pedi para um locutor gravar. A mensagem era a mesma, só foi cortada uma introdução. A original começava com "Você está recebendo uma ligação a cobrar". No outro lado: "Você está fazendo...". Fiz isso em duas fitas cassete, que tinham dois canais. Um com a voz do locutor. Outro, um bip de sincronismo.
    Também tinha outros detalhes. Na ligação normal, se eu colocar o telefone no gancho, não te derrubo. A cobrar, precisava desligar no ato. E depois botei o "9" para indicar um DDD a cobrar, invertendo a tarifação.
    Arquivo pessoal
    Adenor Martins de Araújo, 72, mostra foto de homenagens pela sua invenção
    Adenor Martins de Araújo, 72, mostra foto de homenagens pela sua invenção
    CONTINUE NA LINHA
    Para fazer tudo, ficava acordado até madrugada. Quando as coisas surgem, você tem que pôr em prática logo, antes que desanime.
    Levou dois meses para concluir o protótipo e testar. Quando vi que ia resolver o problema dos usuários, fiz uma carta para a Telesc, onde trabalhava, e pedi testes.
    Instalei o equipamento em Blumenau, no primeiro teste de campo, e perguntei a um diretor se ele queria fazer uma ligação nacional. Para minha surpresa, ele ligou para o ministro das Telecomunicações, Haroldo de Mattos, que estava no Rio. Considero essa a primeira ligação oficial a cobrar.
    Em 1982, começou a implantação do sistema, por Santa Catarina. Quando recebi a carta-patente, em 1984, ainda estavam implantando.
    Com a invenção, não teve mais telefonista, mesa interurbana, trabalho manual. O custo operacional das telefônicas caiu. O serviço teve aceitação imediata. Fui homenageado. Ministro, presidente da Telebrás e governador me cumprimentaram. E depois quiseram anular a patente.
    Foi aí que a luta na Justiça começou. Por lei, tinha direito de cobrar royalties e até exportar a tecnologia. Mas nunca ganhei nada. Só paguei. Se vir o que gastei, podia ser um cara rico [ri].
    Também sofri pressão. Trabalhava na Telebrás e fui a Brasília gerenciar um projeto. Diziam que, se não entregasse a patente, iriam me mandar de volta a Florianópolis. Era o fim do regime militar. Sentia-me uma formiga pisoteada por um elefante.
    Fui transferido para Florianópolis. Tive que voltar sozinho, minha família depois. Foi difícil. Depois a situação melhorou, ocupei cargos de chefia, me aposentei. Também montei a minha empresa. Nunca parei de trabalhar.
    Desde que inventei o protótipo, já se passaram 33 anos, 25 na Justiça. No dia 1º, meu advogado me ligou, disse que estava saindo do julgamento [no STJ]. Fui reconhecido como o único inventor da chamada a cobrar.
    Usei muito meu sistema, e ainda uso. Antes era o problema da ficha [telefônica]. Hoje é o pré-pago. Mesmo com celular, sempre tem alguém que precisa usar. Os jovens vivem sem crédito, não é?
    OUTRO LADO
    Procurada pela reportagem, a companhia Telebras informou que o caso é da época da antiga holding de mesmo nome, que foi desmembrada e vendida após ser privatizada, em 1998.
    A atual Telebras diz não ter envolvimento no processo, por ter sido recriada em 2010.
    Em Santa Catarina, a Telesc, empresa que fazia parte da Telebras, passou para o comando da antiga Brasil Telecom, hoje Oi. A Oi, por sua vez, afirmou que não comentaria o caso.
    Oi não comenta; teles negam envolvimento
    DE SÃO PAULO
    Procurada pela reportagem, a companhia Telebras informou que o caso é da época da antiga holding de mesmo nome, que foi desmembrada e vendida após ser privatizada, em 1998.
    A atual Telebras diz não ter envolvimento no processo, por ter sido recriada em 2010.
    Em Santa Catarina, a Telesc, empresa que fazia parte da Telebras, passou para o comando da antiga Brasil Telecom, hoje Oi.
    A Oi, por sua vez, afirmou que não comentaria o caso.

    Neschling 'pariu' salto de qualidade - João Batista Natali

    folha de são paulo
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    A história de uma orquestra sinfônica está ligada à criação de uma cultura interna, na qual músicos e maestros introduzem uma visão singular das obras do repertório.
    A Osesp tentou por duas vezes parir sua cultura. A primeira com Eleazar de Carvalho, regente titular entre 1973 e 1996. Mas só o segundo parto, operado por John Neschling, foi bem-sucedido. Ao assumir e reformular a orquestra, em 1997, Neschling deu a ela um padrão até então desconhecido entre as sinfônicas brasileiras.
    Pouco antes de morrer, em 1996, Eleazar disse à Folha que uma grande orquestra só era viável se os músicos recebessem o equivalente a US$ 5 .000 mensais. Mas o orçamento que Estado dava a ele naquela época só permitia salários de R$ 1.200 (um quarto do ideal).
    A questão não é financeira. É sobretudo artística. Instrumentista mal pago precisa se desdobrar em aulas particulares, cachês em casamentos ou gravações de publicidade para reforçar o pagamento.
    Eleazar foi um grande maestro. Assistente do russo Sergei Koussevitzky, na Sinfônica de Boston, foi titular da Sinfônica de Saint Louis (1963-68), colocando-a no mapa das grandes orquestras americanas.
    Mas a Osesp que ele criou em 1973 -ainda chamada de "estadual", em oposição à doTheatro Municipal- teve muitos altos e baixos, sobretudo quando seus músicos, a exemplo do resto do funcionalismo público noregime militar, tinham salários achatados.
    Apesar disso, Eleazar tinha uma visão primeiro-mundista do repertório. Fez a integral das nove sinfonias de Gustav Mahler, das nove de Beethoven, das nove de Bruckner e também das 41 de Mozart. Sem a possibilidade de longos períodos de ensaios, os resultados nem sempre eram brilhantes.
    O melhor período de Eleazar foi por volta de 1975. A "estadual" se apresentava regularmente no Teatro de Cultura Artística e era honestamente remunerada.
    As vacas magras vieram em seguida, quando ela passou a se apresentar no Cine Copan e a seguir no Auditório Simón Bolívar, do Memorial da América Latina. A questão não era apenas a arquitetura inadequada ou a acústica lastimável. A decadência orçamentária afetava o amor-próprio dos músicos.
    Se a Osesp (o nome surgiu em 1978) não dava o melhor de si, é porque seus instrumentistas tinham nela apenas um "bico". O empobrecimento da sonoridade desencantava Eleazar e seu então assistente, Diogo Pacheco.
    Pior do que aquilo só havia sido a crise de 1956, com o então maestro Souza Lima, quando o Estado fechou suas torneiras para os músicos. A orquestra hibernou e ressurgiria apenas depois de um período de inatividade de oito anos.
    PENEIRA
    Mas às vésperas da morte de Eleazar, a Osesp já seria potencialmente uma grande orquestra? A resposta é: não. Tanto que Neschling, ao assumir, demitiu coletivamente os músicos. Os que quisessem ficar precisariam passar pela peneira de audições (concursos). Apenas 44 deles foram reaproveitados.
    A esse núcleo se agregaram instrumentistas contratados no exterior. Houve um salto de qualidade. Com novos salários (R$ 4.800 por mês), os ensaios para duas récitas semanais, às quintas e aos sábados, eram de oito horas. O atual padrão Osesp começou a emergir no Teatro São Pedro, com seus 636 lugares, de início ocupados pela metade. Hoje a Sala São Paulo, com seus 1.500, está sempre lotada.
    O Brasil tinha finalmente uma grande orquestra. Não era mais preciso concentrar o vigor sinfônico nos conjuntos estrangeiros que chegavam pelo Mozarteum ou pelo Cultura Artística.
    Neschling, por vezes autoritário, quase sempre ególatra, soube esculpir, com a Osesp, sua grande obra biográfica.
    Diversificou de modo radical o repertório. Era preciso que Dutilleux, Britten, Gubaidulina, Hindemith ou Korngold se incorporassem ao "clube" de Beethoven, Schumann ou Chopin.
    O mesmo aconteceu com os compositores brasileiros, como Camargo Guarnieri, Francisco Braga, Cláudio Santoro, Gilberto Mendes, Ronaldo Miranda, André Mehmari ou Ricardo Tacuchian, e não apenas Villa-Lobos.
    Essa imersão numa maior diversidade, obviamente, ajudou a catapultar a Osesp para o padrão que ela ocupa hoje.
    Os dois titulares que se seguiram a Neschling -Yan Pascal Tortelier (refinado no repertório francês), de 2009 até 2013, e a americana Marin Alsop (uma perfeccionista), de 2012 até hoje- não precisaram criar uma nova cultura para a orquestra. A Osesp já era dona de seu jeito superlativo de fazer música.
    JOÃO BATISTA NATALI, 65, é professor de ética jornalística na Casper Líbero.

    Um palco todo seu - Morris Kachani

    folha de são paulo
    Um palco todo seu
    Tons e subtons de seis décadas de Osesp
    MORRIS KACHANI
    RESUMO Turnê pela Europa que se encerra hoje deu início às comemorações dos 60 anos da Osesp. Hoje dona de orçamento vultoso e de crescente prestígio internacional, a orquestra teve história pontuada, até sua reestruturação e a inauguração da Sala São Paulo, em 1997, por baixos salários e instalações precárias.
    Quando hoje à noite soarem os últimos acordes do "Titã" de Gustav Mahler no Bridgewater Hall, em Manchester, a Osesp terá concluído sua nona turnê pela Europa. Com orçamento de cerca de R$ 6 milhões, o tour que levou 120 pessoas e sete toneladas de equipamento a 13 cidades, em 15 concertos ao longo de 21 dias, deu início ao ciclo das comemorações de 60 anos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que se completam em setembro de 2014.
    O giro levou a agrupação a templos da música, como a Salle Pleyel, em Paris, e o Royal Festival Hall, em Londres, tocando nas mesmas séries que algumas das melhores do mundo, como a Filarmônica de Viena e a holandesa Concertgebouw.
    "A Osesp está prestes a se tornar uma orquestra séria no contexto global", afirma àFolha James Jolly, editor-chefe da tradicional revista britânica "Gramophone". Para ele, a nomeação da norte-americana Marin Alsop como regente titular, a partir de 2012, "fez emergir uma identidade internacional da orquestra".
    "A Osesp tem energia, flexibilidade e entusiasmo palpável. Isso é tão importante quanto tradição e herança cultural. Música clássica não é peça de museu. A vitalidade e a habilidade para se conectar com o público de hoje (e de amanhã) são essenciais. É uma orquestra da nova geração que já tem esse status", completa Jolly.
    Foi a partir de sua reestruturação, em 1997, que a Osesp mudou a paisagem da música erudita brasileira. Sua trajetória de sucesso e o impressionante acúmulo de conquistas são consequência de uma injeção vultosa de recursos e de determinante vontade política.
    Segundo levantamento do anuário "Viva Música!", publicação de referência sobre a atividade orquestral no país, foram 242 concertos em 2012, para 238.111 pessoas. E, no ano passado, além do corpo fixo de 169 músicos (115 da orquestra e 54 do coro), foram contratados por cachê outros 285.
    SÍMBOLO O maior símbolo da pujança da Osesp é a Sala São Paulo. O lugar onde se ergue, na região central da cidade, era antes um grande hall descoberto, com muitas palmeiras: o jardim da estação ferroviária Júlio Prestes, projetada pelo arquiteto Cristiano Stockler das Neves e inaugurada em 1938.
    Em 1999, quando foi reaberto como Sala São Paulo, o espaço tinha recebido projeto acústico sofisticado, com um teto móvel, composto de 15 placas de aço, de 7,5 toneladas cada, recobertas de madeira e movimentadas individualmente por computador para se ajustar à obra musical executada. O projeto ganhou o Architecture Honor Award 2000 nos quesitos de arquitetura, restauração e tecnologia. O prêmio foi conferido pelo Usitt (sigla em inglês para Instituto do Teatro dos EUA).
    A Sala São Paulo, porém, representa mais do que uma conquista tecnológica. Sua inauguração deu uma sede própria à orquestra, que vinha de uma trajetória errante, feita de poucos momentos de glória e inúmeros de renúncia, pontuada pelo abandono do poder público e pela aflição dos músicos.
    Embora tenha sido seu primeiro regente titular, em sua autobiografia o maestro João de Souza Lima (1898-1982) não a menciona uma única vez. Em dissertação de mestrado, o oboísta Arcádio Minczuk revisita a história da orquestra e encontra o depoimento do spalla Natan Schwartzman: "A verba que o governo estadual preparou para a orquestra [em 1954] foi de apenas um mês. Então nós ainda ficamos tocando dois meses para ver se a Assembleia Legislativa poderia fazer alguma coisa. Depois, ficou todo mundo debandando".
    A Osesp de hoje deve muito ao sonho de Eleazar de Carvalho, o maior regente brasileiro. O maestro, porém, não pôde ver a concretização de seus desejos para a orquestra, cujo comando assumiu em 1973. Ele, que lecionou na Universidade de Yale e na Juilliard, e teve entre seus alunos Zubin Mehta, Seiji Ozawa e Claudio Abbado, morreu em setembro de 1996.
    O pianista e maestro João Carlos Martins acredita que, se Eleazar estivesse hoje à frente da orquestra, ela "estaria entre as cinco melhores do mundo". No tempo em que a Osesp residiu no teatro Cultura Artística, de 1975 até 1985, houve apresentações memoráveis. O primeiro ciclo completo das sinfonias de Mahler e a "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, uma especialidade de Eleazar, são evocativos dessa época. Mas, alguns anos mais tarde, a orquestra também chegaria a tocar para seis pessoas em uma antiga sala de cinema, dentro do edifício Copan.
    A transformação do cinema em teatro e sede da orquestra ocorreu na gestão Franco Montoro (1983-87), com o secretário da Cultura Jorge da Cunha Lima. A acústica do local era péssima, e o espaço administrativo ficou mais restrito do que na casa anterior. O único equipamento era um telefone, sem linha para ligar para o exterior ou fax. Não havia ar-condicionado.
    Em 1988, a Osesp fez ensaios e apresentações nos auditórios dos clubes Hebraica e Paulistano, da escola Caetano de Campos e nas arcadas do largo de São Francisco. Um ano depois, passou a residir no Memorial da América Latina, mas, sem contar com prioridade no uso do auditório, parte dos ensaios passou a acontecer fora dele, até no restaurante do local.
    Faltava amor próprio ao conjunto, e muitos viviam dele como se fosse um "bico". Por várias vezes o maestro precisou alterar a programação, especialmente quando havia peças como "Sagração da Primavera", de Stravinsky.
    "Os salários dos músicos às vezes atrasavam e eram baixos. Eleazar também tinha dificuldade em ampliar a orquestra --eram poucos os músicos qualificados disponíveis. Por isso havia volatilidade e ele se via obrigado a alterar a programação com peças que não exigissem orquestração completa", explica o trompetista Gilberto Siqueira, que, aos 63 anos e 40 de Osesp, é seu músico mais antigo.
    A elegância e a precisão dos gestos de Eleazar e seu profundo conhecimento sobre as obras sempre foram louvados. Mas as dificuldades enfrentadas pela orquestra o consumiam. De temperamento intempestivo, o regente se indispunha frequentemente tanto com os músicos quanto com políticos.
    Diante desse quadro, segundo conta o maestro Diogo Pacheco, que foi seu assistente, ele resolveu adotar o pragmatismo. "Quando não se pode fazer o que se deve, deve se fazer o que se pode: ele vivia repetindo essa frase", recorda.
    IMPROVISO O velório de Eleazar de Carvalho marcou o ponto de mutação. A cerimônia foi realizada no Theatro Municipal, com o caixão sobre o palco. Formações sinfônicas revezadas o rodeavam, executando obras de Bach e outros compositores. A certa altura, o trompetista Gilberto Siqueira, num arroubo, discursou de improviso.
    "Falei sobre uma coisa muito importante, pela qual o Eleazar havia lutado pela vida inteira e não tinha conseguido conquistar. Até para ser velado ele precisou de uma casa emprestada", lembra Siqueira. "O Municipal, que estava lotado, veio abaixo, como no final de uma ópera." O governador Mario Covas estava presente. Marcos Mendonça, secretário de Cultura à época, estava a seu lado e atesta: "Esse discurso teve uma influência no rumo dos acontecimentos".
    O rumo atual é amparado por uma realidade oposta à do período de Eleazar. Com orçamento de R$ 98 milhões anuais, a Osesp, se fosse norte-americana, só ficaria atrás das "big five" (Los Angeles, Boston, San Francisco, Nova York e Chicago).
    Desse total, R$ 55 milhões anuais são subvencionados pelo Estado. Além disso, a captação própria de recursos cresceu de R$ 15 milhões, em 2006, para R$ 43 milhões, em 2012, perfazendo o total que sustenta as atividades.
    Apresentado aos dados, o editor britânico James Jolly se espanta com a proporção do crescimento. No mesmo momento, orquestras do mundo todo se contraíam: a crise de 2008 fez encolher as doações na Europa e nos Estados Unidos.
    Na Grã-Bretanha, a BBC gastou o equivalente a R$ 114 milhões em 2012 para suas cinco orquestras: BBC Symphony, BBC Philharmonic, National Orchestra of Wales, BBC Scottish e BBC Concerto Orchestra. Elas não sofrem as pressões de orquestras independentes, e a venda de ingressos importa menos do que as transmissões.
    "É meio arriscado comparar orçamentos, pois cada orquestra tem suas características. A BBC Symphony e a BBC Philarmonic estariam no segundo escalão das boas orquestras internacionais. Mas seu orçamento demonstra que é possível administrar uma boa orquestra com muito menos dinheiro do que muitas fazem", afirma Jolly.
    Marcelo Lopes, diretor-executivo da Osesp, rebate: "As comparações com orquestras inglesas são bem impróprias: reconhecidamente são as mais mal pagas da Europa". Além disso, "os impostos sobre salários são bem menores lá do que no Brasil" diz. E acrescenta que o "prestígio" funciona como "facilitador". "Os grandes artistas querem mesmo tocar em Londres e, sabendo da situação, acabam aceitando cachês mais baixos."
    De acordo com Lopes, 50% do orçamento da Osesp é gasto com pessoal. Outros 25%, com orçamento artístico --cachês de regentes e solistas convidados (serão 70 em 2014, com valores que variam de US$ 5.000 a US$ 20 mil), passagens, hospedagem. E 8%, com manutenção predial. O restante se distribui em despesas variadas.
    Também a captação própria de recursos, que quase triplicou nos últimos sete anos, depende, ainda que indiretamente, do setor público. Lopes afirma que os aumentos foram em grande parte suscitados pelo benefício da Lei Rouanet.
    Os projetos incentivados lideram o ranking das fontes de arrecadação. Respondem basicamente pelos gastos das temporadas anuais, turnês e, mais recentemente, do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, gerido pela Osesp desde 2012.
    Foram captados, através da Lei Rouanet, R$ 14 milhões para a temporada de 2012; para o festival, foram R$ 3,5 milhões. Os maiores patrocinadores (acima de R$ 100 mil) incluem instituições financeiras, como Banco do Brasil e Credit Suisse, e multinacionais, como Atlas Schindler e Basf.
    CONTEXTO Os custos da orquestra não se devem só aos esforços por excelência, mas ao projeto maior da Osesp, o contexto no qual a orquestra se insere.
    As ações educativas, por exemplo, devem atingir, em 2013, 120 mil crianças, por meio dos concertos didáticos e de ensaios abertos. Só até julho foram 38 dessas apresentações, nas quais o público tem acesso a um repertório introdutório e conhece os instrumentos, muitas vezes até subindo no palco. No ano passado, mais de 900 professores receberam capacitação para orientar alunos em sala.
    Há também as produções fonográficas. Até hoje a orquestra já gravou 64 álbuns, por selos brasileiros e do exterior. Nesse quadro, têm destaque composições nacionais. A Osesp registrou todo o ciclo dos choros e bachianas de Villa-Lobos e resgatou obras de brasileiros da primeira metade do século passado, como Camargo Guarnieri e Francisco Mignone. No ano que vem, estreia no prestigiado selo Decca, com um CD que terá obras interpretadas pelo pianista Nelson Freire, sob regência de Marcelo Lehninger, e outro com peças brasileiras regidas por Marin Alsop.
    A Osesp também conta com uma editora de partituras, a Criadores do Brasil, lançando uma média de 15 obras de brasileiros ao ano, além do trabalho de recuperação e publicação do repertório nacional.
    A busca por uma identidade brasileira da orquestra se reflete também no percentual de apresentações dedicadas ao repertório nacional, que no ano passado bateu os 10%. Para James Jolly, da "Gramophone", é um balanço razoável: "É importante prestigiar a produção local. Duvido que as orquestras inglesas executem o repertório britânico nessa proporção".
    Para Arthur Nestrovski, diretor artístico da Osesp desde 2010, a palavra-chave na composição dos programas é "equilíbrio".
    "Há um esforço para contemplar os mais variados estilos, períodos e formações musicais ao longo da temporada. Tanto os compositores centrais do repertório --Beethoven, Mozart, Brahms, Tchaikovsky-- como os autores do nosso tempo e os compositores do século 20 aparecem regularmente nos programas, assim como os criadores brasileiros, do passado e do presente. Queremos cultivar a tradição e ao mesmo tempo acompanhar a produção atual."
    "Nenhuma outra orquestra desse porte toca mais brasileiros do que a Osesp --de longe. Nenhuma faz mais encomendas (pelo menos seis por ano)", acrescenta.
    REESTRUTURAÇÃO Quando a reestruturação da Osesp passou a se desenhar, Marcos Mendonça tinha alguns trunfos no seu currículo de secretário de Estado da Cultura. A reforma da Pinacoteca, empreendida por Paulo Mendes da Rocha, estava em andamento. Um ano antes, o museu havia abrigado a célebre exposição de Rodin, que teve mais de 180 mil visitantes.
    Marcelo Lopes, diretor-executivo da Osesp, lembra que o projeto partiu das diretrizes básicas lançadas por Eleazar de Carvalho.
    O conceito se erguia sobre duas bases: a requalificação dos músicos e a construção de uma sala de alta qualidade acústica. A esses pilares seria acrescida a institucionalização da Osesp, a partir da criação de uma organização com mais autonomia de gestão. Isso determinou a criação da Fundação Osesp, em 2005, contratada pela Secretaria de Estado da Cultura para gerir a orquestra e seus projetos, como organização social (OS).
    O modelo, porém, não é unânime. Para Carlos Augusto Calil, secretário municipal de Cultura entre 2005 e 2012, "as OSs não são uma maravilha, mas funcionam". "No caso da Osesp, o governo do Estado não tem mais uma orquestra: ele a transferiu para uma fundação de direito privado."
    No último ano da gestão de Gilberto Kassab como prefeito, Calil criou uma fundação de direito público para administrar o Theatro Municipal. "A diferença é que a fundação é do município, e o Theatro não foi privatizado", pontua. Ele explica que a fundação poderá contratar uma OS para gerir as atividades artísticas, mas o planejamento se mantém na fundação, que agirá como intermediária entre a administração direta e a OS.
    Para o secretário de Estado da Cultura, Marcelo Araújo, a fundação "é injustamente criticada como modelo de privatização quando, na verdade, busca agilidade na gestão, na implantação das políticas e diretrizes fixadas pela secretaria".
    Segundo ele, a Fundação Osesp se tornou referência de administração cultural para várias outras instituições do país. Hoje todos equipamentos da secretaria funcionam dentro desse modelo. São 25 contratos de gestão com 20 OSs.
    MÃO DE FERRO A consolidação da reestruturação deve grande parte de seu êxito ao perfeccionismo e à mão de ferro do maestro John Neschling, contratado em março de 1997. Acumulando os cargos de regente titular e diretor artístico, ele saiu do zero absoluto, em termos de assinantes, a 11.626 subscritores (hoje são 12.303). O piso salarial, que à sua chegada era de R$ 1.500, está em R$ 10.897.
    Tão ou mais lembrada quanto a excelência de Neschling, no entanto, é sua vaidade. Antes de ser contratado, ele já dizia: "Eu não preciso da orquestra, a orquestra é que precisa de mim". Acabou demitido em 2009. Hoje à frente do Theatro Municipal, o regente não quis falar à reportagem. "Neschling é um grande empreendedor, honesto e comprometido, com um conhecimento incrível. É, também, um homem de relacionamento zero", define o veterano Siqueira.
    O momento mais delicado do processo foi a requalificação dos músicos, que ocorreu três meses após a contratação de Neschling.
    Todos deveriam ser submetidos a exames de seleção. Houve muita oposição e desconfiança, com trocas de acusações de parte a parte. Por fim, dos 97 integrantes da antiga estrutura da Osesp, 68 se inscreveram para as audições, e 44 foram aprovados para integrar a nova orquestra.
    A necessidade emergencial à época, de acordo com Arcádio Minczuck, autor de uma dissertação de mestrado sobre a Osesp, era por instrumentistas de cordas.
    Por isso, a opção foi realizar audições em países com tradição na formação desse tipo de instrumentista. O momento colaborava: ganhava-se mal no Leste Europeu. Foram feitas audições em Bucareste (Romênia) e Sofia (Bulgária), e 16 músicos foram trazidos.
    Hoje, 25% dos instrumentistas da Osesp são estrangeiros --10% da orquestra provém de países europeus; outros 8% são russos.
    INCOMPLETO Carlos Augusto Calil considera a Osesp "um projeto incompleto". "Apesar do alto padrão musical, a orquestra não tem ainda uma identidade brasileira, latino-americana. O seu parâmetro é estrangeiro, reproduzindo a mentalidade colonial, que predomina no país", afirma.
    Para o ex-secretário municipal de Cultura, mesmo a relação da agrupação com o entorno é falha.
    "O fato de você entrar na sala São Paulo como se fosse em uma fortaleza blindada, com o carro de vidros fechados, mostra que, infelizmente, o poder público não cuidou de promover a integração com o bairro. No entorno, encontram-se algumas das mais importantes instituições culturais da cidade, como a Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa e o Sesc Bom Retiro, além das duas estações ferroviárias e do parque da Luz."
    A Osesp, porém, ressalta sua política de democratização do acesso a suas atividades.
    Atualmente, 62% do público da Osesp não paga ingresso ou paga até R$ 15 por uma entrada de concerto. Em 2012, foram 7 concertos gratuitos da Osesp, 21 de orquestras parceiras, 30 ensaios gerais abertos, 37 concertos fora da Sala São Paulo e 27 do projeto Osesp Itinerante, que levou a orquestra a nove cidades do interior do Estado. As turnês pelo interior ou em outros locais, como o parque Ibirapuera, atingiram um público de 96.788 pessoas. Na fronteira virtual, a Osesp inaugurou os concertos digitais e oferece gratuitamente no seu site (osesp.art.br) download de gravações, podcasts e textos.
    A orquestra também atua no campo de formação de músicos. Conta com uma academia com 40 alunos bolsistas, em tempo integral --quatro dos atuais membros da agrupação saíram dela. Além disso, o Festival de Inverno de Campos do Jordão tem um projeto pedagógico para alunos bolsistas --neste ano, foram 144.
    Em entrevista à Folha, o executivo Fábio Barbosa, recentemente nomeado presidente da Fundação Osesp, sucedendo Fernando Henrique Cardoso, afirmou que o momento é de consolidação.
    "Os horizontes se abriram, na medida em que a orquestra se tornou mais respeitada. No momento estamos definindo as linhas do planejamento estratégico para os próximos anos. Mais ações de educação ou menos? Mais ou menos turnês? Quais iniciativas nos levariam a ter uma orquestra da qual a população e a sociedade se orgulhariam ainda mais?"