domingo, 3 de novembro de 2013

Antonio Prata

folha de são paulo

Guinada à direita

Há uma década, escrevi um texto em que me definia como "meio intelectual, meio de esquerda". Não me arrependo. Era jovem e ignorante, vivia ainda enclausurado na primeira parte da célebre frase atribuída a Clemenceau, a Shaw e a Churchill, mas na verdade cunhada pelo próprio Senhor: "Um homem que não seja socialista aos 20 anos não tem coração; um homem que permaneça socialista aos 40 não tem cabeça". Agora que me aproximo dos 40, os cabelos rareiam e arejam-se as ideias, percebo que é chegado o momento de trocar as sístoles pelas sinapses.
Como todos sabem, vivemos num totalitarismo de esquerda. A rubra súcia domina o governo, as universidades, a mídia, a cúpula da CBF e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na Câmara. O pensamento que se queira libertário não pode ser outra coisa, portanto, senão reacionário. E quem há de negar que é preciso reagir? Quando terroristas, gays, índios, quilombolas, vândalos, maconheiros e aborteiros tentam levar a nação para o abismo, ou os cidadãos de bem se unem, como na saudosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que nos salvou do comunismo e nos garantiu 20 anos de paz, ou nos preparemos para a barbárie.
Se é que a barbárie já não começou... Veja as cotas, por exemplo. Após anos dessa boquinha descolada pelos negros nas universidades, o que aconteceu? O branco encontra-se escanteado. Para todo lado que se olhe, da direção das empresas aos volantes dos SUVs, das mesas do Fasano à primeira classe dos aviões, o que encontramos? Negros ricos e despreparados caçoando da meritocracia que reinava por estes costados desde a chegada de Cabral.
Antes que me acusem de racista, digo que meu problema não é com os negros, mas com os privilégios das "minorias". Vejam os índios, por exemplo. Não fosse por eles, seríamos uma potência agrícola. O Centro-Oeste produziria soja suficiente para a China fazer tofus do tamanho da Groenlândia, encheríamos nossos cofres e financiaríamos inúmeros estádios padrão Fifa, mas, como você sabe, esses ágrafos, apoiados pelo poderosíssimo lobby dos antropólogos, transformaram toda nossa área cultivável numa enorme taba. Lá estão, agora, improdutivos e nus, catando piolho e tomando 51.
Contra o poder desmesurado dado a negros, índios, gays e mulheres (as feias, inclusive), sem falar nos ex-pobres, que agora possuem dinheiro para avacalhar, com sua ignorância, a cultura reconhecidamente letrada de nossas elites, nós, da direita, temos uma arma: o humor. A esquerda, contudo, sabe do poder libertário de uma piada de preto, de gorda, de baiano, por isso tenta nos calar com o cabresto do politicamente correto. Só não jogo a toalha e mudo de vez pro Texas por acreditar que neste espaço, pelo menos, eu ainda posso lutar contra esses absurdos.
Peço perdão aos antigos leitores, desde já, se minha nova persona não lhes agradar, mas no pé que as coisas estão é preciso não apenas ser reacionário, mas sê-lo de modo grosseiro, raivoso e estridente. Do contrário, seguiremos dominados pelo crioléu, pelas bichas, pelas feministas rançosas e por velhos intelectuais da USP, essa gentalha que, finalmente compreendi, é a culpada por sermos um dos países mais desiguais, mais injustos e violentos sobre a Terra. Me aguardem.
antonio prata
Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" (editora 34). Escreve aos domingos na versão impressa de "Cotidiano".

Marcelo Gleiser

folha de são paulo

A elusiva matéria escura

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No início da década de 1930, o astrônomo Fritz Zwicky, educado na Suíça e radicado nos EUA, observou o movimento das galáxias no aglomerado de Coma, situado a 321 milhões de anos-luz daqui. Um aglomerado é uma coleção de muitas galáxias, mantidas num volume relativamente pequeno devido à força da gravidade. O de Coma tem mais de 1000 galáxias identificadas.
Para sua surpresa, Zwicky descobriu que as galáxias moviam-se com velocidades bem superiores ao esperado. O "esperado" seria que os movimentos fossem devidos à massa das outras galáxias no aglomerado, ou seja, à massa visível, que produz luz. Usando sua tremenda intuição, Zwicky propôs que havia muito mais massa no aglomerado do que a visível por telescópios, chamando essa massa invisível de "dunkle materie", matéria escura. Desde então, astrônomos e físicos vêm tentando descobrir que matéria é essa.
Nas três últimas décadas, ficou claro que não só aglomerados de galáxias mas cada uma delas também têm, na sua maioria, um véu de matéria escura. Isto é confirmado de dois modos: como galáxias giram, astrônomos medem as velocidades de rotação de estrelas do centro até a extremidade da galáxia.
Se apenas matéria visível fosse responsável pela gravidade da galáxia, a lei de Newton prevê que a velocidade das estrelas diminui em direção à extremidade da galáxia. Não é o que é observado: vê-se que as velocidades permanecem constantes, como se mais massa envolve-se a galáxia como um casulo.
Outro modo de detecção da matéria escura usa um efeito da teoria da relatividade geral de Einstein, que diz que a presença de massa deforma a geometria do espaço. Nesse caso, tal como a luz que passa por uma lente tem sua trajetória modificada, a luz de uma fonte distante que passa perto duma galáxia também é desviada pela curvatura do espaço. Esse efeito, conhecido como "lente gravitacional", foi previsto por Einstein e observado de forma espetacular.
Juntando essas observações com medidas da expansão do universo, astrônomos e físicos chegaram a um resultado surpreendente: cerca de 25% da matéria no universo é constituída de matéria escura. O estranho disso tudo fica claro quando juntamos essas observações cosmológicas com a física das partículas elementares, que estuda as propriedades dos menores blocos de matéria, como elétrons e quarks: a matéria escura deve ser feita de partículas que não têm nada a ver com as que nós conhecemos. Ou seja, é um tipo novo de matéria, de composição inteiramente desconhecida.
Como viajamos pelo espaço repleto de matéria escura, volta e meia uma das partículas choca-se com a Terra (e com você). Nas últimas duas décadas, vários detectores foram construídos para catar uma dessas partículas de matéria escura.
Na semana passada, o mais sensível até aqui, o experimento LUX (do inglês Large Underground Xenon dark matter experiment - Grande experimento subterrâneo de detecção de matéria escura usando xenônio) publicou os resultados dos primeiros três meses de funcionamento: nada foi achado, o mesmo com todos os outros experimentos que buscam por matéria escura.
Mesmo que a caçada continue, é inevitável questionar se não estamos seguindo a pista errada; talvez a explicação seja outra? Modificações da gravidade foram propostas mas sem grande motivação. Por ora, o universo continua envolto em mistério.
Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".

Suzana Singer - Folha Ombudsman

folha de são paulo
OMBUDSMAN
Um rosto
Diagramação da capa passa a impressão de que jovem preso em protesto é ligado a facção criminosa
As cenas de um coronel da PM sendo surrado durante protesto em São Paulo contribuíram para aumentar a revolta contra os "black blocs", que já eram rejeitados por 95% dos paulistanos. A Folha, acertadamente, colocou na capa as fotografias da tentativa de linchamento e deu o assunto na manchete (26/10).
Vários manifestantes foram presos, mas apenas um rapaz, que não estava mascarado, foi acusado de tentativa de homicídio: Paulo Henrique Santiago dos Santos, 22, aluno de relações internacionais da Faculdade Santa Marcelina.
Ele aparece nas imagens divulgadas até agora gritando na direção do policial. Segundo o testemunho do PM que salvou o coronel da turba, Paulo Henrique também bateu, o que ele nega.
Na quarta-feira, o assunto voltou à "Primeira Página", mas aí a Folha errou a mão. Sob a manchete "Facção criminosa é suspeita de atuar em protesto em SP", aparece uma foto do estudante, algemado, sendo levado para o Centro de Detenção Provisória 3 de Pinheiros.
A diagramação induz o leitor a relacionar o estudante com o PCC, tema da manchete. Tecnicamente, as duas notícias estavam separadas, já que a legenda tinha título próprio ("Detido") -no jargão jornalístico, era um "texto-legenda".
A associação entre os dois assuntos, porém, é automática. Paulo Henrique estava preso quando houve o quebra-quebra na zona norte, mas a capa da Folha passa a impressão de que ele fez parte da arruaça, que a polícia suspeita ter sido insuflada por criminosos.
Nem havia motivo para a fotografia do estudante estar na "Primeira Página" daquele dia. A transferência para a prisão não justificava tamanho destaque, tanto que a notícia, em "Cotidiano", ocupava apenas uma coluna.
"Fiquei horrorizado quando vi o jornal, fizeram parecer que meu filho é um assassino", critica o empresário Marco Aurélio Cunha dos Santos, 46, em entrevista à repórter Heloisa Brenha.
Ele nega que o rapaz seja "black bloc" e afirma que estão transformando-o em bode expiatório. "O Estado quer dar uma resposta à sociedade e apontaram 'é esse aí'."
Até sexta-feira, o estudante continuava preso e pouco se sabia a seu respeito, porque a família se fechou. Paulo nasceu na Ilha da Madeira, foi criado na Itália, fala três idiomas e, além de estudar, trabalha. "Mesmo sem antecedente criminal e tendo endereço fixo, negaram-lhe a liberdade provisória", protesta o pai.
Ex-jogador de futebol, Marco Aurélio jogou com Romário no Vasco, passou por vários clubes da Europa e hoje vive em Lins (interior de SP).
O jornal já tinha errado na dose quando, no início de outubro, a estudante de moda Luana Bernardo Lopes, 19, foi presa em um protesto violento em São Paulo. Segundo a polícia, ela tinha pichado prédios e ajudado a virar um carro.
O advogado de defesa dizia que ela tinha apenas fotografado a manifestação. A Folhafez um perfil da jovem e a chamou de "sra. Baderna", uma referência ao amigo, que também foi preso e que adotava o apelido de Humberto Baderna. Os dois foram soltos.
A polícia tem tido dificuldade de identificar os culpados e coibir a violência. A imprensa não conseguiu ainda explicar quem são essas pessoas, de onde vêm e o que querem. Os manifestantes mais irados não só se recusam a dar entrevista como agridem fisicamente repórteres da chamada "grande mídia".
Quando um rosto desponta no mar de mascarados, todos os flashes se concentram nele. É preciso tomar cuidado para não promover um outro tipo de linchamento, o da imagem desses jovens que ainda não foram julgados.
O TROTE
No domingo, Flávio Renato de Queiroz Segundo fez uma cena no portão de um local de provas do Enem, como se tivesse perdido a prova. "Meu Deus, agora vou ter que estudar no Mackenzie", disse. Sua foto saiu na capa da Folha.
Era um trote. Aluno da USP, Flávio, 20, usou a imprensa para irritar rivais do Mackenzie, com quem disputaria jogos esportivos. Muita gente criticou a mídia pela falta de checagem, mas não havia razão para desconfiar do estudante.
O que Flávio escancarou foi a falta de criatividade da pauta. Nada mais óbvio do que mostrar o desespero dos atrasados no Enem. Depois do papelão, é bom começar a pensar numa imagem diferente para a Fuvest.

    Elio Gaspari

    folha de são paulo
    Eike Batista, o bilionário-celebridade
    A banca esqueceu-se dos exemplos de empresários como Amador Aguiar, Antunes e Sebastião Camargo
    A quebra da OGX de Eike Batista era pedra cantada e foi a maior concordata da história do país. Em 2010 suas ações valeram R$ 23,27. Para desencanto de 52 mil acionistas e algumas dezenas de diretores da grande banca pública e privada, saíram da Bolsa a R$ 0,13. Todo mundo ganhará se disso resultar algum ceticismo em relação à exuberância irracional da cultura das celebridades poderosas. Nela juntam-se sábios da banca que se supõem senhores do universo e autoridades que se supõem oniscientes.
    Admita-se que um vizinho propõe sociedade num empreendimento. Ele é um homem trabalhador, preparado, poliglota, esportista e bem-sucedido. Apesar disso, expôs sua vida pessoal mostrando que tem um automóvel de luxo na sala de estar, comunica-se em alemão com o cachorro. (O bicho chegou ao Brasil num Boeing privado, com dois treinadores.) Sua mulher desfilava numa escola de samba com uma gargantilha onde escreveu o nome dele e deixou-se fotografar de baixo para cima usando lingerie transparente. Nomeou para a diretoria de uma de suas empresas um filho que declarou só ter lido um livro em toda a vida. Revelou que estava ligado em astrologia, confiando no seu signo (escorpião) e disse coisas assim: "Tenho alguma coisa com a natureza. Onde eu furo eu acho". Quando suas contas começaram a ter problemas, defendeu-se: "Meus ativos são à prova de idiotas". Tem jogo?
    Eike tornou-se uma celebridade, listada por oráculos da imprensa financeira como o homem mais rico do Brasil, oitavo do mundo, e anunciou que disputaria o primeiro lugar. Até junho, quando as ações da OGX estavam a R$ 1,21, sentavam-se no seu conselho de administração figuras respeitáveis como o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e a ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie. Lula visitava seus empreendimentos. A doutora Dilma Rousseff dissera que "Eike é o nosso padrão, a nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado". Quem entrou nessa, micou, inclusive a doutora.
    Em seus delírios, Eike Batista criou uma fantasia que pouco tem a ver com a real economia brasileira, ou com as bases dos setores de petróleo, mineração e infraestrutura. Parte do mico ficou para os gênios da banca internacional. Cada um acreditou no que quis e deu no que deu. Falta de exemplos, não foi. Para falar só de grandes empresários que já morreram, a austeridade foi a marca de empreendedores como Augusto Trajano de Azevedo Antunes, que criou a mineradora Icomi, Leon Feffer, criador da Suzano Papel, e Amador Aguiar, pai do Bradesco. Não foram celebridades. Descontando-se o fato de que "seu" Amador não usava meias, não tinham folclore.
    EIKE E AS CONTAS
    Se o processo de recuperação judicial da OGX levar peritos a examinar saques feitos nos últimos meses no caixa de empresas do grupo, a coisa ficará feia.
    EIKE E OS POÇOS
    Entre as lições deixadas por Eike Batista há uma que vai em benefício dele e de todos os empresários perseguidos por maledicências. Quando Eike criou a OGX e levou para sua equipe ex-diretores da Petrobras, a sabedoria convencional estabeleceu que capturara os segredos das pesquisas geológicas da empresa. Essa suspeita foi vocalizada até mesmo pela cúpula da Petrobras. Era lorota. Se eles soubessem onde estava o petróleo, a OGX não teria quebrado.
    EIKE E OS BÔNUS
    Numa das explicações que Eike Batista deu para suas dificuldades estava a queixa de que diretores de suas empresas inflavam expectativas e resultados para engordar os bônus de fim de ano. A lição vale para todos os empresários. Basta ligar um desconfiômetro. Qual dos diretores seria capaz de sustentar projetos e iniciativas que garantem seu bônus em dezembro e quebram a empresa daqui a alguns anos, quando ele estará na praia? Das diretorias de Eike Batista pelo menos dez executivos saíram com mais de R$ 100 milhões no bolso. Alguns, com R$ 200 milhões. Nenhum micou.
    EIKE EM HOLLYWOOD
    Um produtor de cinema americano veio ao Brasil para oferecer a Eike o conglomerado da "Playboy" ameri-cana. Durante o jantar, o empresário ofereceu-lhe um negócio melhor: um filme sobre a sua vida. Punha duas condições, o Eike jovem deveria ser Leonardo DiCaprio; o maduro, George Clooney.
    EIKE E O PODER
    Recordar é viver. Em junho do ano passado, quando Eike Batista emprestou seu jatinho a um poderoso amigo para um feriadão na Bahia, respondeu às críticas dizendo o seguinte: "Tive satisfação em ter colocado meu avião à disposição do governador Sérgio Cabral. (...) Sou livre para selecionar minhas amizades, contribuir para campanhas políticas [e] trazer a Olimpíada para o Rio." Tudo verdade, menos o piro da Olímpiada.
    EIKE E FRICK
    Faz tempo, um homem de negócios chamado Henry Frick habilitou-se para um empréstimo no banco Mellon. O dinheiro saiu, mas os arquivos do banco mostram que havia uma recomendação de cautela em relação a ele, porque comprava muitas obras de arte. Frick comprou três dos 34 Vermeers conhecidos. Mais três Rembrandts, dois Goyas e até um Cimabue, do século 13. Sua casa, projetada para ser museu, tem uma das melhores coleções do mundo. Até janeiro, quem quiser poderá ir lá para ver a "Menina com o Brinco de Pérola", emprestado pela Holanda. O banco Mellon não arriscava, nem Frick.
    EIKE E O ELEVADOR
    Despencou mais um empresário que tem elevador privativo em sua empresa, ou bloqueia-o quando está chegando ao prédio. Juntou-se a um grupo onde estiveram Richard Fuld, que destruiu a Lehman Brothers, Angelo Calmon de Sá (Banco Econômico), Theodoro Quartim Barbosa (Comind) e Edemar Cid Ferreira (Banco Santos).
    EREMILDO, O IDIOTA
    Eremildo magoou-se ao saber que Eike Batista disse que seus negócios eram à prova de idiotas. Ele continua botando fé no doutor.
    EIKE, EDUARDO PAES E A MARINA DA GLÓRIA
    Em 2009 Eike Batista comprou a concessão da Marina da Glória, uma área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Seu plano era transformá-la num anexo náutico do Hotel Glória, construindo um centro de convenções que jamais esteve no projeto original.
    Esse patrimônio da Viúva estava nas mãos da Prefeitura do Rio de Janeiro. Até maio passado o prefeito Eduardo Paes explicitou em diversas ocasiões seu apoio ao projeto. Sua assessoria dizia que ele fora aprovado pelo Iphan, mas era patranha. Logo depois a Justiça suspendeu a concessão.
    Eike pôs à venda o hotel e passou adiante a marina. No dia 29 de junho, Paes criou uma comissão para definir o futuro da área: "Queremos deixar as regras claras, criar parâmetros. Vai poder ter lojas e centro de convenções? Não vai poder?"
    Caso de curiosidade tardia para quem assumiu a prefeitura em 2009.

    Janio de Freitas

    folha de são paulo
    Unidos, mas para quê
    Ambiente de violência leva à liberação da violência reprimida, e o que há dela por aí é uma enormidade
    A violência aumentou muito na última semana. Prova-o, se outras e mais fortes evidências não se tivessem oferecido, o repentino movimento dos governos de São Paulo, Rio e federal com a ideia de ação conjunta. A própria presidente da República fez cobranças públicas aos governadores e, com mais ênfase, ao Judiciário para firmeza contra os depredadores. Mas a confusão das inteligências diante do problema continuou a mesma.
    São Paulo aponta participação de grupos criminosos orientados de dentro de presídios, como indicariam comunicações interceptadas. Um ex-secretário de Segurança nega tal novidade, dando as comunicações como coisa conhecida há tempos. No Rio, o aumento da criminalidade, com destaque para o número de assassinatos, foi atribuído ao deslocamento da PM para reprimir o "black bloc" e similares. Explicação que o próprio secretário José Mariano Beltrame repele, até porque o número de crimes cresceu muito mais fora do Rio, e o emprego concentrado da PM é na cidade.
    O governador Alckmin pede leis mais duras e a presidente cobra do Judiciário para o que não depende de leis nem, muito menos, dos juízes. Prisões precisam ser feitas juntamente com a coleta de fatos e informações que as justifiquem, ou os presos serão logo liberados. Se houver a coleta, o inquérito precisa estar correto, ou o juiz não pode manter a prisão, nem depois condenar. E convenhamos que, no meio do bafafá, é muito difícil que o policial possa anotar dados e buscar testemunhas. Olha aí outro problema difícil: ninguém se presta a dar informações, quanto mais a testemunhar.
    O problema é mais difícil do que aparenta. E, com ou sem culpa da polícia, é nela que se deposita. O que não significa ausência de relação entre as ações "black bloc" & Cia. e o aumento da criminalidade violenta. Nas estatísticas correspondentes a agosto, só agora concluídas, a relação já é sugerida. Não é só.
    O jargão "violência atrai violência" recebe da história um poderoso aval. No caso aqui, supor que a violência "black bloc" haja estimulado o aumento da criminalidade pesada implica uma relação direta que, até agora, nada demonstra. Mas que o "black bloc" deu origem a um ambiente de violência, disso não há dúvida. É comprovável.
    Ambiente de violência leva à liberação da violência reprimida. E o que há de violência reprimida por aí é uma enormidade. Na vida dura das comunidades desassistidas, na brutalidade superpopulosa dos transportes de massa, na agressiva desigualdade social, a perspectiva sombria do jovem de classe baixa se forma cercada de hostilidades. Em muitos deles, a resposta à altura depende só de oportunidade. Que pode vir dele mesmo, levando-o ao assalto, ao tráfico, ao roubo, ou ficar reprimida. Para sempre ou até um dia. O ambiente de violência é uma sucessão desses dias.
    O fundamental nesta altura de descontrole, ao que suponho, é dissolver o ambiente de violência. Se observarmos o que se passou nas favelas cariocas chamadas "pacificadas", constatamos isto: o ambiente de violência, com os traficantes andando armados por toda parte, com as cobranças de pedágio, a imposição de leis próprias e os inúmeros abusos, esse ambiente de violência foi dissolvido. É o que as pessoas transmitem quando falam da sua nova vida no mesmo lugar.
    Mas se o "black bloc" deu a origem, a PM deu o incentivo. E também precisa de medidas de rigor. A narração de como foi morto o pedreiro Amarildo --um caso entre tantos-- refere-se a pessoas anormais ou em estado anormal. No caso paulista em Vila Medeiros, tanto pode ser que o PM atirasse sem motivo sobre um grupo de jovens, como pode ser verdadeira a explicação de arma disparada acidentalmente, matando o adolescente Douglas.
    Por que, no entanto, o PM desceu do carro em frente a um bar onde nada de mais acontecia? Acidente ou não, o fato é suspeito. E se junta ao anterior para mostrar a necessidade de novas medidas como, por exemplo, o exame toxicológico de PMs com conduta típica de anormalidade ou, no mínimo, de estado circunstancialmente anormal. Há mesmo muitos casos com tais indícios. Sem o devido exame.
    A ação conjunta poderá resultar bem. Se não for para fazerem juntos o que já fazem separados, em vão.

      Helio Schwartsman

      folha de são paulo
      Mal do século
      SÃO PAULO - Nos EUA, a polarização entre republicanos e democratas paralisou a administração federal. Por aqui, temos "black blocs", o "nós contra eles" de petistas e oposicionistas e o que parece ser uma tolerância cada vez menor para com opiniões divergentes.
      Estamos ficando mais radicais? Não vejo como responder objetivamente a essa pergunta. Falta-nos o essencial, que é uma definição mensurável de radicalização e dados empíricos. Evidências anedóticas, porém, sugerem que algo assim pode estar ocorrendo, em certos nichos.
      Tendo a ser cético sempre que alguém identifica uma epidemia qualquer e a atribui aos meios de comunicação. Se os homicídios aumentam, a culpa é dos games violentos. Se algumas meninas estão magras demais, ataque a ditadura da moda.
      No caso específico da radicalização, entretanto, é possível que a internet desempenhe um papel relevante, muito mais por suas virtudes do que seus vícios. Ao possibilitar que pessoas, às vezes separadas por grandes distâncias geográficas e sociais, identifiquem interesses comuns e interajam --avanço que melhorou a vida de muitos solitários e incompreendidos--, a rede também abre espaço para uma das piores facetas da natureza humana.
      Como mostrou o psicólogo Irving Janis, o desejo de manter a coesão e a harmonia do grupo faz com que seus membros tentem agir sempre em bloco e de maneira às vezes patológica.
      Uma série de experimentos sugere que juntar muitas pessoas que pensam de forma parecida, numa sala ou na rede de computadores, resulta em maior polarização (radicalização das ideias), mais animosidade (sensação de onipotência em relação a outros grupos) e conformidade (supressão de dissensos internos).
      O remédio contra isso está na própria internet: exposição a teorias diferentes. A pegadinha é que, quando o sujeito acha sua turma, ele foge das ideias de que seu grupo discorda.

        Editoriais FolhaSP

        folha de são paulo
        Além das letras
        Baixa qualificação condena jovens a desemprego e piores postos de trabalho; reversão do ciclo exige mais que ações de redistribuição de renda
        Pelo Censo de 2010, 5,3 milhões de jovens de 18 a 25 anos não estudam nem trabalham. Além da denominação pejorativa de geração "nem-nem", essa condição aniquila as perspectivas de ascensão pessoal de forma que nenhum Bolsa Família poderá compensar.
        Em entrevista a esta Folha, o economista Richard Murnane, da Universidade Harvard (EUA), afirmou com propriedade que "a percepção de que os pobres sempre serão pobres é uma ameaça à democracia". Esse ciclo de reprodução da penúria pode ser atenuado com programas de distribuição de renda, mas só será interrompido com avanços na qualidade do ensino, na escolaridade e na qualificação.
        O mercado de trabalho nos dias de hoje, reitera Murnane, exige profissionais bem letrados. Vale dizer, trabalhadores com vocabulário amplo o suficiente para encontrar, entender e selecionar, no vasto cabedal de conhecimento disponível nos computadores, os dados para compor a solução de problemas. Já se foi o tempo em que lhes bastava saber ler manuais.
        Aquela aptidão poderia ser perfeitamente adquirida no ensino médio ou em escolas técnicas. E é aí, com efeito, que se encontra o ponto nevrálgico do sistema educacional brasileiro, o que ajuda a explicar que a taxa de desemprego entre jovens de 15 a 24 anos (14,5% em 2011) ultrapasse o triplo da observada entre os acima de 25 anos.
        Só 52% dos brasileiros de 15 a 17 anos estavam cursando o ensino médio, como deveriam, em 2011. Jovens de 19 anos que haviam concluído essa etapa eram apenas 51%. E, dos que se formam, menos de 30% adquirem a formação satisfatória em português; em matemática, são meros 10%.
        Não admira que o Brasil figure tão mal nos rankings do Pisa, exame internacional padronizado que se realiza em mais de 60 países.
        Embora o governo federal propagandeie que os secundaristas brasileiros foram os que mais avançaram entre 2000 e 2009 na prova trienal, a média de 401 pontos nos deixa muito abaixo do escore dos países desenvolvidos (OCDE), 496, e atrás de Chile (439) e México (420). Quando se excluem as escolas privadas e os colégios federais, o nível cai mais, para 387 pontos.
        A baixa qualificação desses estudantes os condena ao desemprego ou, quando encontram trabalho, aos piores postos. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com dados oficiais de 1996 a 2010 mostra que são vítimas sobretudo de muitos desligamentos --e não são substituídos por adultos, mas por outros jovens mal qualificados.
        Não é novo o diagnóstico de que o ensino médio não dá aos jovens um futuro nem forma os trabalhadores de que o país precisa. Também não é novidade que o poder público faz muito menos do que deveria para saldar essa dívida.
          EDITORIAIS
          editoriais@uol.com.br
          Falso impasse na internet
          Mais uma semana terminou sem que a Câmara dos Deputados tenha sido capaz de aprovar o Marco Civil da Internet. O projeto está pronto há mais de um ano e sua votação já foi adiada diversas vezes.
          Nem o fato de a proposta tramitar em regime de urgência e ter passado a impedir que o plenário da Câmara delibere sobre outras proposições foi suficiente para que os deputados se sentissem compelidos a cumprir sua obrigação.
          A importância do projeto, no entanto, pode ser facilmente percebida pelo epíteto que o acompanha. Trata-se, segundo especialistas no assunto, de uma espécie de Constituição da internet. Seu propósito é estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o ambiente virtual. Vale para usuários, provedores e agentes públicos.
          De ONGs ligadas à comunicação a associações científicas, passando por sindicatos, por entidades internacionais e pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, um sem-número de atores envolvidos com a rede de computadores mobilizou-se a favor do Marco Civil.
          Permanece o impasse, contudo. Do ponto de vista conceitual, o nó mais apertado está na chamada neutralidade de rede --princípio segundo o qual a qualidade do serviço oferecido pelo provedor não pode ser alterada em função do conteúdo acessado pelo usuário.
          Sem a neutralidade, nada impedirá que o provedor de acesso (empresas de telecomunicações) cobre mais caro ou dificulte a vida de quem quiser utilizar a internet, em substituição ao telefone, para chamadas à distância --para dar um exemplo óbvio.
          Enquanto especialistas sempre disseram que, sem a neutralidade, a internet será bem diferente --e pior-- do que é hoje, executivos das empresas de telecomunicações insistiam que tal princípio tolhe a liberdade do usuário --que não pode, por exemplo, pagar menos para acessar apenas e-mails.
          Mais recentemente, as verdadeiras razões apareceram. Não se trata de debater a democracia, explicou Mario Girasole, executivo da TIM Brasil. "Aqui estamos falando do velho dinheiro", disse. "Simples assim. É business model'."
          É simples, de fato. São cerca de 100 milhões de usuários de internet no Brasil, uma parcela crescente da população. Há, de outro lado, um modelo de negócios que beneficia um punhado de empresas.
          Para representantes eleitos pelo voto da população, deveria ser simples sair desse impasse.