domingo, 3 de novembro de 2013

Janio de Freitas

folha de são paulo
Unidos, mas para quê
Ambiente de violência leva à liberação da violência reprimida, e o que há dela por aí é uma enormidade
A violência aumentou muito na última semana. Prova-o, se outras e mais fortes evidências não se tivessem oferecido, o repentino movimento dos governos de São Paulo, Rio e federal com a ideia de ação conjunta. A própria presidente da República fez cobranças públicas aos governadores e, com mais ênfase, ao Judiciário para firmeza contra os depredadores. Mas a confusão das inteligências diante do problema continuou a mesma.
São Paulo aponta participação de grupos criminosos orientados de dentro de presídios, como indicariam comunicações interceptadas. Um ex-secretário de Segurança nega tal novidade, dando as comunicações como coisa conhecida há tempos. No Rio, o aumento da criminalidade, com destaque para o número de assassinatos, foi atribuído ao deslocamento da PM para reprimir o "black bloc" e similares. Explicação que o próprio secretário José Mariano Beltrame repele, até porque o número de crimes cresceu muito mais fora do Rio, e o emprego concentrado da PM é na cidade.
O governador Alckmin pede leis mais duras e a presidente cobra do Judiciário para o que não depende de leis nem, muito menos, dos juízes. Prisões precisam ser feitas juntamente com a coleta de fatos e informações que as justifiquem, ou os presos serão logo liberados. Se houver a coleta, o inquérito precisa estar correto, ou o juiz não pode manter a prisão, nem depois condenar. E convenhamos que, no meio do bafafá, é muito difícil que o policial possa anotar dados e buscar testemunhas. Olha aí outro problema difícil: ninguém se presta a dar informações, quanto mais a testemunhar.
O problema é mais difícil do que aparenta. E, com ou sem culpa da polícia, é nela que se deposita. O que não significa ausência de relação entre as ações "black bloc" & Cia. e o aumento da criminalidade violenta. Nas estatísticas correspondentes a agosto, só agora concluídas, a relação já é sugerida. Não é só.
O jargão "violência atrai violência" recebe da história um poderoso aval. No caso aqui, supor que a violência "black bloc" haja estimulado o aumento da criminalidade pesada implica uma relação direta que, até agora, nada demonstra. Mas que o "black bloc" deu origem a um ambiente de violência, disso não há dúvida. É comprovável.
Ambiente de violência leva à liberação da violência reprimida. E o que há de violência reprimida por aí é uma enormidade. Na vida dura das comunidades desassistidas, na brutalidade superpopulosa dos transportes de massa, na agressiva desigualdade social, a perspectiva sombria do jovem de classe baixa se forma cercada de hostilidades. Em muitos deles, a resposta à altura depende só de oportunidade. Que pode vir dele mesmo, levando-o ao assalto, ao tráfico, ao roubo, ou ficar reprimida. Para sempre ou até um dia. O ambiente de violência é uma sucessão desses dias.
O fundamental nesta altura de descontrole, ao que suponho, é dissolver o ambiente de violência. Se observarmos o que se passou nas favelas cariocas chamadas "pacificadas", constatamos isto: o ambiente de violência, com os traficantes andando armados por toda parte, com as cobranças de pedágio, a imposição de leis próprias e os inúmeros abusos, esse ambiente de violência foi dissolvido. É o que as pessoas transmitem quando falam da sua nova vida no mesmo lugar.
Mas se o "black bloc" deu a origem, a PM deu o incentivo. E também precisa de medidas de rigor. A narração de como foi morto o pedreiro Amarildo --um caso entre tantos-- refere-se a pessoas anormais ou em estado anormal. No caso paulista em Vila Medeiros, tanto pode ser que o PM atirasse sem motivo sobre um grupo de jovens, como pode ser verdadeira a explicação de arma disparada acidentalmente, matando o adolescente Douglas.
Por que, no entanto, o PM desceu do carro em frente a um bar onde nada de mais acontecia? Acidente ou não, o fato é suspeito. E se junta ao anterior para mostrar a necessidade de novas medidas como, por exemplo, o exame toxicológico de PMs com conduta típica de anormalidade ou, no mínimo, de estado circunstancialmente anormal. Há mesmo muitos casos com tais indícios. Sem o devido exame.
A ação conjunta poderá resultar bem. Se não for para fazerem juntos o que já fazem separados, em vão.

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